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Historias & Historinhas

 

     Os três cabelos de ouro do diabo

 

Há muitos e muitos anos, numa casinha pobre, nasceu um menino bonito e forte, mas que, ao contrário de todas as outras crianças, nasceu com todos os dentes na boca. Os pais, assim que o viram, ficaram muito assusta-os, pensando se tratar de alguma bruxaria. As vizinhas, entretanto, os tranquilizaram, dizendo que nascer com dentes era sinal de boa sorte. E uma delas, que era considerada feiticeira, profetizou que o menino, ao com­pletar quinze anos, se casaria com a filha do imperador do país.

Um dia, quando o menino ainda era bem pequeno, o imperador passou casualmente pela vila e ouviu contar a história da criança, que era chamada de o "Filho da Sorte". In­dignado com a possibilidade de ver sua filha casada com um tipo qualquer, pobre e de ori­gem humilde, o imperador resolveu dar um jeito de impedir que a profecia se cumprisse.

Dizendo-se um rico comerciante, apresen­tou-se na casa onde vivia o Filho da Sorte. Tomou a criança nos braços e, fingindo-se en­cantado com sua beleza, disse aos pais que era muito rico e não tinha ninguém a quem deixar sua herança. Por isso, gostaria muito de poder levar o bebê e criá-lo como se fosse seu filho. O casal, a princípio, não aceitou a proposta, mas o imperador foi tão hábil e convincente que os fez acreditar que daria ao menino uma vida muito melhor do que ele teria naquela casa pobre.

Assim, o perverso imperador levou con­sigo o pequeno Filho da Sorte e, logo que se viu sozinho, fora da cidade, colocou-o numa caixa e atirou-a ao rio, na certeza de que ela afundaria, matando a criança.

Mas o menino parecia merecer mesmo o nome de Filho da Sorte, pois a caixa, em vez de afundar, saiu flutuando rio abaixo, indo parar no açude de um moinho.

Um velho moleiro que ali trabalhava, pensando ter encontrado um tesouro, foi cor­rendo tirar a caixa da água. Quando a abriu, ficou comovido por ver uma criança tão linda e esperta abandonada para morrer. Como não tinha filhos, levou o bebê para casa. A mulher do moleiro ficou muito feliz, e o Filho da Sorte cresceu ali, rodeado pelo carinho dos pais adotivos.

O tempo passou e, um dia, alguns meses depois que o menino havia completado quinze anos, o imperador e sua comitiva viajavam pela região quando caiu uma tempestade muito forte. Como não havia nada por perto a não ser o moinho, o imperador foi obrigado a pedir abrigo na casa do velho moleiro.

O casal de velhos o recebeu muito bem. Para que o tempo passasse mais depressa, ficaram conversando com o imperador. Não demorou para que a beleza e a vivacidade do Filho da Sorte chamassem a atenção do mo­narca, que perguntou ao moleiro se o menino era seu filho. A mulher, inocentemente, res­pondeu-lhe que não, e acabou contando a his­tória de como haviam encontrado a criança.

Quando ela terminou de falar, os olhos do imperador estavam vermelhos de ódio, pois ele logo se deu conta de quem era o rapaz. Furioso por ele ainda estar vivo, começou imediatamente a pensar num jeito de liqui­dar o moço de uma vez.

Como estava no meio de uma grande via­gem e demoraria muitos meses para voltar ao palácio, o imperador ficou com medo de que a profecia se concretizasse durante sua au­sência. Assim, resolveu agir rapidamente e, dando algumas moedas aos velhos, pediu-lhes que deixassem o rapaz levar uma mensagem à rainha, na capital do reino.  Em seguida, mandasse à sua mulher ordenando que ela mandasse executar imediatamente o rapaz que lhe entregasse aquela carta.

No dia seguinte, bem cedinho, lá se foi o Filho da Sorte na direção da capital do reino, sem saber que levava nas mãos sua própria sentença de morte.

Andou o dia inteiro, sem descanso, pois queria chegar logo ao palácio. No entanto, como nunca havia deixado a vila em que mo­rava, o rapaz se desviou do caminho certo e acabou se perdendo no meio da floresta.

Quando já estava anoitecendo, o Filho da Sorte viu, numa clareira, uma cabana, onde resolveu pedir ajuda. Bateu à porta e uma velhinha muito bondosa veio atender. Á mulher o acolheu com simpatia e, depois de ouvir sua história, deu-lhe de comer e de be­ber, mas avisou-lhe que seria melhor ele não dormir ali, pois aquela cabana servia de es­conderijo a perigosos ladrões, que certamen­te o matariam quando o encontrassem.

O rapaz, entretanto, não teve medo e in­sistiu tanto que a boa senhora arranjou-lhe um canto da cabana onde pudesse dormir aquela noite.

De madrugada, quando o Filho da Sorte dormia a sono solto, chegaram os ladrões. A velha, temendo pela vida de seu hóspede, avi­sou aos malfeitores que havia alguém na ca­bana, mas que se tratava apenas do filho de um moleiro que estava a caminho da capital para levar uma carta do imperador à mulher.

O chefe dos bandidos ficou muito curioso para saber o conteúdo da carta e a abriu para ler. Ao ver a maldade que estava fazendo com o pobre rapaz, ficou indignado e resol­veu pregar uma peça no malvado soberano. Imitando a letra do imperador, escreveu uma nova mensagem à rainha, ordenando que ela casasse imediatamente a princesa com o portador daquela carta. Em seguida, quei­mou a carta verdadeira e colocou a outra em seu lugar.

Na manhã seguinte, o Filho da Sorte, sem saber de nada, partiu. Orientado pelo pró­prio chefe dos ladrões, encontrou facilmente o caminho certo para a capital e horas de­pois se apresentava no palácio.

A rainha, ao ler a mensagem que julgava ler de seu marido, preparou tudo para o casamento, que se realizou naquela mesma tarde, na capela do palácio.

 

Meses depois o imperador voltou de sua viagem e, vendo sua filha casada com o filho do moleiro, ficou furioso com a mulher, lista, sem entender por que o marido estava tão bravo, mostrou-lhe a carta que havia re­cebido. Como não havia mais remédio para a situação, o imperador decidiu não punir nem a mulher nem o genro, para a felicidade da princesa, que gostava muito do marido. Por outro lado, era impossível aceitar que a princesa vivesse casada com um tipo qual­quer, sem eira nem beira, como aquele; por isso o imperador chamou o genro e lhe disse:

— Para eu consentir que você e minha filha continuem vivendo juntos, é preciso que você se torne digno de ser um príncipe rea­lizando alguma façanha. Por isso, eu lhe dou uma tarefa para cumprir: quero que vá até o inferno e traga de lá três cabelos de ouro do Diabo. Se conseguir realizar esse feito, quando voltar eu o farei príncipe.

O Filho da Sorte, esperto e valente como era, partiu sem demora rumo ao inferno.

Caminhou durante muitos dias, até che­gar à porta de uma grande cidade, onde uma sentinela lhe perguntou que problemas ele sabia resolver.

—   Todos! — respondeu o rapaz.

—   Todos?! — disse o guarda. — Então faça-me o favor de dizer por que a fonte do nosso mercado, que antes jorrava um vinho delicioso, agora está tão seca que não solta nem uma gota de água!

—   Não posso responder agora — ele res­pondeu —, mas, se me deixar passar, eu lhe trarei a resposta na volta.

A sentinela, confiando na palavra do rapaz, abriu as portas da cidade para que ele passasse.

O Filho da Sorte seguiu seu caminho e alguns dias depois chegou à porta de uma outra cidade, onde havia outra sentinela que também lhe perguntou que problemas ele sa­bia resolver.

—    Todos! — respondeu ele mais uma vez.

— Ah, é? — disse a sentinela. — Então me responda por que é que a árvore grande dos jardins do nosso rei, que antes dava fru­tos de ouro, agora está tão seca que não tem nem uma folha mais!

—   Não posso responder agora — disse o moço —, mas, se me deixar passar, eu lhe trarei a resposta na volta!

O guarda também acreditou em sua pa­lavra e o deixou seguir.

Alguns dias depois, o filho do moleiro che­gou a um grande rio que precisava atraves­sar para chegar ao inferno. Só havia ali um barqueiro que, ao vê-lo, perguntou a mesma coisa que as duas sentinelas. Quando ouviu o rapaz dizer que sabia resolver todos os pro­blemas, o barqueiro, interessado, disse-lhe:

—   Meu jovem, se você sabe mesmo de tudo, então me explique logo por que eu pre­ciso ficar a vida inteira sendo barqueiro, atra­vessando gente de um lado para outro do rio, sem nunca encontrar uma alma boa que ve­nha me substituir neste trabalho!

—   Não sei explicar o motivo — disse o Filho da Sorte —, mas, se me levar à outra margem, prometo que na volta eu trarei a resposta à sua pergunta!

O barqueiro também acreditou na pala­vra do Filho da Sorte e o levou para o outro lado do rio.                                     

Bem perto dali ficava a porta do inferno. O rapaz bateu bem forte e esperou ser aten­dido. Algum tempo depois, apareceu à porta a avó do Diabo, dizendo que seu neto não estava. Como ela parecia ser uma boa pes­soa, o moço contou-lhe sua história, e a velha, condoendo-se da sua situação, resolveu ajudá-lo.

— Mas se o meu neto o encontrar aqui — disse ela —, vai ficar tão furioso que vai que­rer matá-lo no mesmo instante e comê-lo as­sado no jantar.  Por isso preciso escondê-lo.

Assim, a velha transformou o Filho da Sorte numa formiguinha e o escondeu numa das dobras de sua saia.

Minutos depois, chegava em casa o Dia­bo, e já vinha faminto, pois havia sentido cheiro de carne humana, seu prato predileto. Farejou por todos os cantos do inferno, mas, como nada encontrasse, a velha lhe disse:

— Você anda com mania de sentir cheiro de gente! Venha comer que eu matei um franguinho novo especialmente para. o seu jantar!

O Diabo comeu até fartar-se e, depois, como era seu costume, deitou-se no colo da avó para que ela lhe fizesse cafuné. Dali a pouco, dormia profundamente e a velhinha aproveitou-se disso para arrancar o primeiro fio de ouro de sua cabeça.

— Ai! — gritou Satanás. — Que é que você está fazendo, minha avozinha?

—   Nada — respondeu a velha. — É que tive um sonho mau e acordei agarrada em seus cabelos!

—   E qual foi o sonho que teve? — pergun­tou o Diabo.

—   Sonhei que a fonte do mercado de uma cidade, que antigamente só jorrava vi­nho, agora anda tão seca que não solta nem uma gota de água.

Satanás deu uma gostosa gargalhada e depois respondeu:

— É verdade! É verdade! É que existe uma pedra tampando o nascedouro da fonte! Se a tirarem, a fonte voltará imediatamente a jorrar vinho.

A avó do Diabo voltou a fazer cafuné na cabeça do neto e logo depois ele dormia tão pesado que roncava. Quando estava num sono ferrado, a velha aproveitou para arran­car o segundo fio de cabelo.

—   Ai! Ai! Ai! — fez ele de novo. — O que é que aconteceu agora?

—   Eu sonhei outra vez! — disse a avó.

 Desta vez foi com uma outra cidade onde havia, no jardim do rei, uma árvore que dava frutos de ouro e que agora está cada dia mais seca!

O Diabo riu gostosamente e respondeu:

— Isto também é verdade, minha avó! E sabe por que a árvore secou? Porque em­ baixo dela há um rato que diariamente rói suas raízes. Se matarem o rato, a árvore fi­cará verde outra vez. Se o deixarem lá, ela ficará cada dia mais seca, até morrer!

Depois de dizer isso, Satanás ajeitou de novo a cabeça no colo da avó e, logo, emba­lado pelo cafuné, dormia outra vez. A velhi­nha aproveitou então para arrancar o tercei­ro fio e ele, acordando por causa da dor, gri­tou furioso:

—   Ai, minha avó! Seus sonhos vão aca­bar me deixando careca! O que foi desta vez?

—       Sonhei com um barqueiro — disse a avó — que se queixava de ficar eternamente passando gente de uma margem para outra do rio sem nunca encontrar alguém que o substituísse nesse trabalho sem fim!

— Ah! — respondeu o Diabo, dando outra gargalhada. — Esse barqueiro é um bobo! Se ele quiser sair de lá, é preciso apenas que abandone os remos na mão da primeira pes­soa que aparecer pedindo para passar à outra margem do rio! A pessoa não terá outro re­médio senão tomar o lugar do barqueiro!

Como já estava de posse dos três fios de cabelo, e já havia obtido as respostas para as três perguntas, a velhinha finalmente dei­xou Satanás dormir sossegado.

Logo de manhã, dizendo ao neto que ia buscar água, a avó do Diabo saiu do inferno e retirou a formiguinha da dobra da saia, restituindo ao Filho da Sorte a forma huma­na. De posse das três respostas, o rapaz pe­gou os três fios de cabelo de ouro e, depois de agradecer muito à -velhinha, iniciou o ca­minho de volta.

Logo chegava outra vez à margem do grande rio e o barqueiro, ansioso, perguntou pela sua resposta.

— Primeiro você precisa me levar ao outro lado — respondeu o rapaz.

E, assim que o barqueiro o atravessou, o moço ensinou-lhe como deveria fazer para escapar da sina de ser barqueiro eternamen­te. Muito feliz, o homem agradeceu a ajuda e o Filho da Sorte seguiu seu caminho.

Depois de alguns dias, chegava ao portão da cidade onde existia a árvore que dava fru­tos de ouro. Ensinou à sentinela o que se de­via fazer para recuperar a árvore, e o ho­mem, agradecido, deu-lhe como recompensa dois jumentos carregados de ouro e pedras preciosas.

Mais à frente, passou outra vez pelo por­tão da cidade cuja fonte de vinho havia se­cado. A sentinela logo indagou da resposta e o moço ensinou-lhe o que fazer, conforme havia ouvido da boca de Satanás. Muito feliz, o guarda deu-lhe mais dois jumentos carre­gados de ouro e lá se foi o Filho da Sorte, rumo ao reino de seu sogro.

Chegou ao palácio muito satisfeito, pois, além de haver cumprido a façanha exigida, estava agora muito rico.

A princesa, sua esposa, o recebeu com muita alegria e o imperador, depois de ter em mãos os três cabelos de ouro e ver a ri­queza que o genro trazia, permitiu que ele vivesse com sua filha e o tornou príncipe.

Tudo ia muito bem no palácio, mas o im­perador era muito ambicioso e morria de curiosidade para descobrir como e onde o genro havia conseguido tantas riquezas.

Um dia, não resistindo mais, acabou per­guntando, e o Filho da Sorte lhe respondeu:

—   Foi muito fácil, meu sogro! No cami­nho para o inferno há um grande rio onde está sempre um barqueiro que atravessa todas as pessoas. É só pedir para ele atravessá-lo e colher, na margem de lá, todo o ouro que pu­der carregar, pois o ouro ali é a areia do chão!

—   E eu posso ir até lá pegar ouro para mim também? — perguntou o imperador.

—   Claro, meu sogro! — respondeu o ra­paz. — É só falar com o barqueiro!

O ganancioso imperador saiu logo na manhã seguinte, ansioso por encontrar o lugar onde  havia tanta riqueza.  Viajou por vários dias e, de fato, acabou encontrando o barqueiro.  Este, que aguardava ansiosamente o aparecimento de alguém, assim que o impe­rador lhe pediu que o atravessasse, entregou-lhe com satisfação os remos e disse: - Atravesse você mesmo, ora! Movido pela ambição, o imperador acei­tou a tarefa e saiu remando, enquanto o barqueiro, feliz da vida, saía por esse mundo afora, livre outra vez.

E dizem que até hoje o imperador está lá, Cumprindo a eterna tarefa de atravessar gen­te de um lado para outro do rio.

Quanto ao Filho da Sorte, viveu feliz por muitos e muitos anos, junto com a princesa, sua amada esposa.

 

 

 

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