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…….. . Histórias & Historinhas A
Noite de Natal O
amigo Era
uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta. No
jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois
plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. Com musgo e ervas e paus
fazia muitas casas pequenas encostadas ao grande tronco escuro. Depois
imaginava os anõezinhos que, se existissem, poderiam morar naquelas casas. E
fazia uma casa maior e mais complicada para o rei dos anões. Joana
não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os
dois primos ou outros meninos. E, às vezes, ela ia a uma festa. Mas esses
meninos a casa de quem ela ia e que vinham a sua casa não eram realmente
amigos: eram visitas. Faziam troça das suas casas de musgo e maçavam-se
imenso no seu jardim. E
Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia
estar sozinha. Mas
um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro. Joana
estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo
vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava
devagar pela beira do passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração de
Joana deu um pulo na garganta. —
Ah! — disse ela. E pensou: «Parece
um amigo. É exactamente igual a um amigo.» E do alto do muro chamou-o: —
Bom dia! O
garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu: —
Bom dia! Ficaram
os dois um momento calados. Depois
Joana perguntou: —
Como é que te chamas? —
Manuel — respondeu o garoto. — Eu
chamo-me Joana. E de
novo entre os dois, leve e aéreo, passou um silêncio. Ouviu-se tocar ao longe
o sino de uma quinta. Até que o garoto disse: — O
teu jardim é muito bonito. — É,
vem ver. Joana
desceu do muro e foi abrir o portão. E
foram os dois pelo jardim fora. O rapazinho olhava uma por uma cada coisa.
Joana mostrou-lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as
laranjeiras e a horta. E chamou os cães para ele os conhecer. E mostrou-lhe a
casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe todas as árvores e as relvas
e as flores. — É
lindo, é lindo — dizia o rapazinho gravemente. — Aqui — disse Joana — é o
cedro. É aqui que eu brinco. E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro. A
luz da manhã rodeava o jardim: tudo estava cheio de paz e de frescura. Às
vezes do alto de uma tília caía uma folha amarela que dava voltas no ar. Joana
foi buscar pedras, paus e musgo e começaram os dois a construir a casa do rei
dos anões. Brincaram
assim durante muito tempo. Até
que ao longe apitou uma fábrica. —
Meio-dia — disse o garoto — tenho de me ir embora. —
Onde é que tu moras? —
Além nos pinhais. — É
lá a tua casa? — É,
mas não é bem uma casa. —
Então? — O
meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o
dia mas não temos dinheiro para ter uma casa. —
Mas à noite onde é que dormes? — O
dono dos pinhais tem uma cabana onde de noite dormem uma vaca e um burro. E
por esmola dá-me licença de dormir ali também. — E
onde é que brincas? —
Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no
passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com
trapos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com as
ervas, com os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte. —
Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincar comigo. E
daí em diante todas as manhãs o rapazinho passava pela rua. Joana esperava-o
empoleirada em cima do muro. Abria-lhe
a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro. E
foi assim que Joana encontrou um amigo. Era
um amigo maravilhoso. As flores voltavam as suas corolas quando ele passava,
a luz era mais brilhante em seu redor e os pássaros vinham comer na palma das
suas mãos as migalhas de pão que Joana ia buscar à cozinha. A
festa Passaram
muitos dias, passaram muitas semanas até que chegou o Natal. E no
dia de Natal Joana pôs o seu vestido de veludo azul, os seus sapatos de
verniz preto e muito bem penteada às sete e meia saiu do quarto e desceu a
escada. Quando
chegou ao andar de baixo ouviu vozes na sala grande; eram as pessoas
crescidas que estavam lá dentro. Mas Joana sabia que tinham fechado a porta
para ela não entrar. Por isso foi à casa de jantar ver se já lá estavam os
copos. Os
copos passavam a sua vida fechados dentro de um grande armário de madeira
escura que estava no meio do corredor. Esse armário tinha duas portas que
nunca se abriam completamente e uma grande chave. Lá dentro havia sombras e
brilhos. Era como o interior de uma caverna cheia de maravilhas, e segredos.
Estavam lá fechadas muitas coisas, coisas que não eram precisas para a vida
de todos os dias, coisas brilhantes e um pouco encantadas: loiças, frascos,
caixas, cristais e pássaros de vidro. Até havia um prato com três maçãs de
cera e uma menina de prata que era uma campainha. E também um grande ovo de
Páscoa feito de loiça encarnada com flores doiradas. Joana
nunca tinha visto bem até ao fundo do armário. Não tinha licença de o abrir.
Só conseguia que a criada às vezes a deixasse espreitar entre as duas portas. Nos
dias de festa, do fundo das sombras do interior do armário saíam os copos.
Saíam claros, transparentes e brilhantes tilintando no tabuleiro. E para
Joana aquele barulho de cristal a tilintar era a música das festas. Joana
deu uma volta à roda da mesa. Os copos já lá estavam, tão frios e luminosos
que mais pareciam vindos do interior de uma fonte de montanha do que do fundo
de um armário. As velas estavam acesas e a sua luz atravessava o cristal. Em
cima da mesa havia coisas maravilhosas e extraordinárias: bolas de vidro,
pinhas douradas e aquela planta que tem folhas com picos e bolas encarnadas.
Era uma festa. Era o Natal. Então
Joana foi ao jardim. Porque ela sabia que nas Noites de Natal as estrelas são
diferentes. Abriu
a porta e desceu a escada da varanda. Estava muito frio, mas o próprio frio
brilhava. As folhas das tílias, das bétulas e das cerejeiras tinham caído. Os
ramos nus desenhavam-se no ar como rendas pretas. Só o cedro tinha os seus
ramos cobertos. E
muito alto, por cima das árvores, era a escuridão enorme e redonda do céu. E
nessa escuridão as estrelas cintilavam, mais claras do que tudo. Cá em baixo
era uma festa e por isso havia muitas coisas brilhantes: velas acesas, bolas
de vidro, copos de cristal. Mas no céu havia uma festa maior, com milhões e
milhões de estrelas. Joana
ficou algum tempo com a cabeça levantada. Não pensava em nada. Olhava a
imensa felicidade da noite no alto céu escuro e luminoso, sem nenhuma sombra. Depois
voltou para casa e fechou a porta. — Ainda falta muito tempo para o jantar? —
perguntou ela a uma criada que ia a atravessar o corredor. —
Ainda falta um bocadinho, menina — disse a criada. Então Joana foi à cozinha
ver a cozinheira Gertrudes, que era uma pessoa extraordinária porque mexia
nas coisas quentes sem se queimar e nas facas mais aguçadas sem se cortar, e
mandava em tudo, e sabia tudo. Joana achava-a a pessoa mais importante que
ela conhecia. A
Gertrudes tinha aberto o forno e estava debruçada sobre os dois perus do
Natal. Virava-os e regava-os com molho. A pele dos perus, muito esticada
sobre o peito recheado, já estava toda doirada. —
Gertrudes, ouve uma coisa — disse Joana. A
Gertrudes levantou a cabeça e parecia tão assada como os perus. — O
que é? — perguntou ela. —
Que presentes é que achas que eu vou ter? —
Não sei — disse Gertrudes —, não posso adivinhar. Mas
Joana tinha a maior confiança na sabedoria de Gertrudes e por isso continuou
a fazer perguntas. — E
achas que o meu amigo vai ter muitos presentes? —
Qual amigo? — disse a cozinheira. — O
Manuel. — O
Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns. —
Não vai ter presentes nenhuns!? —
Não — disse a Gertrudes abanando a cabeça. —
Mas porquê, Gertrudes? —
Porque é pobre. Os pobres não têm presentes. —
Isso não pode ser, Gertrudes. —
Mas é assim mesmo — disse a Gertrudes fechando a tampa do forno. Joana
ficou parada no meio da cozinha. Tinha compreendido que era «assim mesmo». Porque
ela sabia que a Gertrudes conhecia o mundo. Todas as manhãs a ouvia discutir
com o homem do talho, com a peixeira e com a mulher da fruta. E ninguém a
podia enganar. Porque ela era cozinheira há trinta anos. E há trinta anos que
ela se levantava às sete da manhã e trabalhava até às onze da noite. E sabia
tudo o que se passava na vizinhança e tudo o que se passava dentro das casas
de toda a gente. E sabia todas as notícias, e todas as histórias das pessoas.
E conhecia todas as receitas de cozinha, sabia fazer todos os bolos e
conhecia todas as espécies de carnes, de peixes, de frutas e de legumes. Ela
nunca se enganava. Conhecia bem o mundo, as coisas e os homens. Mas
o que a Gertrudes tinha dito era esquisito como uma mentira. Joana ficou
calada a cismar no meio da cozinha. De
repente abriu-se a porta e apareceu uma criada que disse: — Já
chegaram os primos. Então
Joana foi ter com os primos. Daí
a uns minutos apareceram as pessoas grandes e foram todos para a mesa. Tinha
começado a festa do Natal. Havia
no ar um cheiro de canela e de pinheiro. Em cima da mesa tudo brilhava: as
velas, as facas, os copos, as bolas de vidro, as pinhas doiradas. E as
pessoas riam e diziam umas às outras: «Bom Natal». Os copos tilintavam com um
barulho de alegria e de festa. E vendo tudo isto Joana pensava: —
Com certeza que a Gertrudes se enganou. O Natal é uma festa para toda a
gente. Amanhã o Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem
presentes. E
consolada com esta esperança Joana voltou a ficar quase tão alegre como
antes. O
jantar do Natal era igual ao de todos os anos. Primeiro
veio a canja, depois o bacalhau assado, depois os perus, depois os pudins de
ovos, depois as rabanadas, depois os ananases. No
fim do jantar levantaram-se todos, abriu-se de par em par a porta e entraram
na sala. As
luzes eléctricas estavam apagadas. Só ardiam as velas do pinheiro. Joana
tinha nove anos e já tinha visto nove vezes a árvore do Natal. Mas era sempre
como se fosse a primeira vez. Da árvore nascia um brilhar maravilhoso que
pousava sobre todas as coisas. Era como se o brilho de uma estrela se tivesse
aproximado da Terra. Era o Natal. E por isso uma árvore se cobria de luzes e
os seus ramos se carregavam de extraordinários frutos em memória da alegria
que, numa noite muito antiga, se tinha espalhado sobre a Terra. E no
presépio as figuras de barro, o Menino, a Virgem, São José, a vaca e o burro,
pareciam continuar uma doce conversa que jamais tinha sido interrompida. Era
uma conversa que se via e não se ouvia. Joana
olhava, olhava, olhava. Às
vezes lembrava-se do seu amigo Manuel. Um
dos primos puxou-a por um braço. —
Joana, ali estão os teus presentes. Joana
abriu um por um os embrulhos e as caixas: a boneca, a bola, os livros cheios
de desenhos a cores, a caixa de tintas. À
sua volta todos riam e conversavam. Todos
mostravam uns aos outros os presentes que tinham tido, falando ao mesmo
tempo. E
Joana pensava: —
Talvez o Manuel tenha tido um automóvel. E a
festa do Natal continuava. As
pessoas grandes sentaram-se nas cadeiras e nos sofás a conversar e as
crianças sentaram-se no chão a brincar. Até
que alguém disse: —
São onze horas e meia. São quase horas da missa. E são horas de as crianças
se irem deitar. Então
as pessoas começaram a sair. O
pai e a mãe de Joana também saíram. —
Boa noite, minha querida. Bom Natal — disseram eles. E a
porta fechou-se. Daí
a um instante saíram as criadas. A
casa ficou muito silenciosa. Tinham ido todos para a Missa do Galo, menos a
velha Gertrudes, que estava na cozinha a arrumar as panelas. E
Joana foi à cozinha. Era a altura boa para falar com a Gertrudes. —
Bom Natal, Gertrudes — disse Joana. —
Bom Natal — respondeu a Gertrudes. Joana calou-se um momento. Depois
perguntou: —
Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade? — O
que é que eu disse? —
Disseste que o Manuel não ia ter presentes de Natal porque os pobres não têm
presentes. —
Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem
árvore do Natal, nem peru recheado, nem rabanadas. Os pobres são os pobres.
Têm a pobreza. —
Mas então o Natal dele como foi? —
Foi como nos outros dias. — E
como é nos outros dias? —
Uma sopa e um bocado de pão. —
Gertrudes, isso é verdade? —
Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que a menina se fosse deitar
porque estamos quase na meia-noite. —
Boa noite — disse Joana. E saiu da cozinha. Subiu
a escada e foi para o seu quarto. Os seus presentes de Natal estavam em cima
da cama. Joana olhou-os um por um. E pensava: —
Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. São tal e qual os
presentes que eu queria. Deram-me tudo o que queria. Mas ao Manuel ninguém
deu nada. E
sentada na beira da cama, ao lado dos presentes, Joana pôs-se a imaginar o
frio, a escuridão e a pobreza. Pôs-se a imaginar a Noite de Natal naquela casa
que não era bem uma casa, mas um curral de animais. «Que
frio lá deve estar!», pensava ela. «Que
escuro lá deve estar!», pensava ela. «Que
triste lá deve estar!», pensava. E
começou a imaginar o curral gelado e sem nenhuma luz onde Manuel dormia em
cima das palhas, aquecido só pelo bafo de uma vaca e de um burro. —
Amanhã vou-lhe dar os meus presentes — disse ela. Depois suspirou e pensou: «Amanhã
não é a mesma coisa. Hoje é que é a Noite de Natal.» Foi
à janela, abriu as portadas e através dos vidros espreitou a rua. Ninguém
passava. O Manuel estava a dormir. Só viria na manhã seguinte. Ao longe
via-se uma grande sombra escura: era o pinhal. Então
ouviu, vindas da Torre da Igreja, fortes e claras, as doze pancadas da
meia-noite. «Hoje»,
pensou Joana, «tenho de ir hoje. Tenho de ir lá agora, esta noite. Para que
ele tenha presentes na Noite de Natal.» Foi
ao armário tirou um casaco e vestiu-o. Depois pegou na bola, na caixa de
tintas e nos livros. Apetecia-lhe levar também a boneca, mas ele era um rapaz
e com certeza não gostava de bonecas. Pé
ante pé Joana desceu a escada. Os degraus estalaram um por um. Mas na cozinha
a Gertrudes fazia muito barulho a arrumar as panelas e não a ouviu. Na
sala de jantar havia uma porta que dava para o jardim. Joana abriu-a e saiu,
deixando-a ficar só fechada no trinco. Depois
atravessou o jardim. O Alex e a Ghiribita ladraram. —
Sou eu, sou eu — disse Joana. E os
cães, ouvindo a sua voz, calaram-se. Então
Joana abriu a porta do jardim e saiu. A
estrela Quando
se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. As árvores
pareciam enormes e os seus ramos sem folhas enchiam o céu de desenhos iguais
a pássaros fantásticos. E a rua parecia viva. Estava tudo deserto. Àquela
hora não passava ninguém. Estava toda a gente na Missa do Galo. As casas,
dentro dos seus jardins, tinham as portas e as janelas fechadas. Não se viam
pessoas, só se viam coisas. Mas Joana tinha a impressão de que as coisas a
olhavam e a ouviam como pessoas. «Tenho
medo», pensou ela. Mas
resolveu caminhar para a frente sem olhar para nada. Quando
chegou ao fim da rua virou à direita e meteu a um atalho entre dois muros. E
no fim do atalho encontrou os campos, planos e desertos. Ali, sem muros nem
árvores nem casas, a noite via-se melhor. Uma noite altíssima e redonda e
toda brilhante. O
silêncio era tão forte que parecia cantar. Muito ao longe via- se a massa
escura dos pinhais. «Será
possível que eu chegue até lá?», pensou Joana. Mas
continuou a caminhar. Os
seus pés enterravam-se nas ervas geladas. Ali no descampado soprava um curto
vento de neve que lhe cortava a cara como uma faca. «Tenho
frio», pensou Joana. Mas
continuou a caminhar. À
medida que se ia aproximando dele, o pinhal ia-se tornando maior. Até que
ficou enorme. Joana
parou um instante no meio dos campos. «Para
que lado ficará a cabana?», pensou ela. E
olhava em todas as direcções à procura de um rasto. Mas
à sua direita não havia rasto, à sua esquerda não havia rasto e à sua frente
não havia rasto. «Como
é que hei-de encontrar o caminho?», perguntava ela. E
levantou a cabeça. Então
viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava. «Esta
estrela parece um amigo», pensou ela. E
começou a seguir a estrela. Até
que penetrou no pinhal. Então num instante as sombras fizeram uma roda à sua
volta. Eram enormes, verdes, roxas, pretas e azuis, e dançavam com grandes
gestos. E a brisa passava entre as agulhas dos pinheiros, que pareciam
murmurar frases incompreensíveis. E vendo-se assim rodeada de vozes e de
sombras Joana teve medo e quis fugir. Mas viu que no céu, muito alto, para
além de todas as sombras, a estrela continuava a caminhar. E seguiu a
estrela. Já
no meio do pinhal pareceu-lhe ouvir passos. «Será
um lobo?», pensou. Parou
a escutar. O barulho dos passos aproximava-se. Até que viu surgir entre os
pinheiros um vulto muito alto que vinha caminhando ao seu encontro. «Será
um ladrão?», pensou. Mas
o vulto parou na sua frente e ela viu que era um rei. Tinha na cabeça uma
coroa de oiro e dos seus ombros caía um longo manto azul todo bordado de
diamantes. —
Boa noite — disse Joana. —
Boa noite — disse o rei. — Como te chamas? —
Eu, Joana — disse ela. — Eu
chamo-me Melchior — disse o rei. E perguntou: —
Onde vais sozinha a esta hora da noite? —
Vou com a estrela — disse ela. —
Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela. E
juntos seguiram através do pinhal. E de
novo Joana ouviu passos. E um vulto surgiu entre as sombras da noite. Tinha
na cabeça uma coroa de brilhantes e dos seus ombros caía um grande manto
vermelho coberto de muitas esmeraldas e safiras. —
Boa noite — disse ela. — Chamo-me Joana e vou com a estrela. —
Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar. E
seguiram juntos através dos pinhais. E mais uma vez Joana ouviu um barulho de
passos e um terceiro vulto surgiu entre as sombras azuis e os pinheiros
escuros. Tinha
na cabeça um turbante branco e dos seus ombros caía um longo manto verde
bordado de pérolas. A sua cara era preta. —
Boa noite — disse ela. — O meu nome é Joana. E vamos com a estrela. —
Também eu — disse o rei — caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar. E
juntos seguiram os quatro através da noite. No
chão, os galhos secos estalavam sob os passos, a brisa murmurava entre as
árvores e os grandes mantos bordados dos três reis do Oriente brilhavam entre
as sombras verdes, roxas e azuis. Já
quase no fundo dos pinhais viram ao longe uma claridade. E sobre essa
claridade a estrela parou. E
continuaram a caminhar. Até
que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem
porta. Mas não viu escuridão, nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava
cheio de claridade, porque o brilho dos anjos o iluminava. E
Joana viu o seu amigo Manuel. Estava deitado nas palhas entre a vaca e o
burro e dormia sorrindo. Em
sua roda, ajoelhados no ar, estavam os anjos. O seu corpo não tinha nenhum
peso e era feito de luz sem nenhuma sombra. E
com as mãos postas os anjos rezavam ajoelhados no ar. Era
assim, à luz dos anjos, o Natal de Manuel. — Ah
— disse Joana — aqui é como no presépio! —
Sim — disse o rei Baltasar — aqui é como no presépio. Então
Joana ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes. Sophia de Mello Breyner Andresen, A Noite de Natal Porto, Figueirinhas, 1989. Adaptado. Para: - Continuar a leitura em: Histórias - Voltar
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