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…….. . Histórias & Historinhas A avó e o S. Nicolau Vou contar uma história que se passou quando eu era criança. A história do S. Nicolau e da avó. A
minha avó era pequena e franzina e a mim parecia-me muito velhinha. Não por
ter rugas ou cabelo branco, mas pela roupa que usava, sempre escura e de um
corte antiquado. Também andava sempre com um avental preto, até mesmo ao
Domingo. O avental dos domingos era de seda e fazia barulho ao andar. Todos
os anos, no princípio de Dezembro, a avó vinha para nossa casa. Passava o
Inverno connosco na cidade. Assim que a avó chegava, começava para mim a
época de Natal. Ao crepúsculo das tardes de Inverno, sentávamo-nos as duas
diante do fogão de cerâmica. Era um fogão grande e verde e irradiava um calor
muito confortável. Nos outros quartos, os fogões eram de ferro e raramente se
acendiam. O
fogão tinha uma portinhola por detrás da qual havia uma placa de ferro onde
se podia assar maçãs. Ao assar, o cheirinho espalhava-se pela sala, e a avó
ia-me lendo histórias em voz alta. Também fazíamos prendas de Natal. Mas
a nossa melhor brincadeira era “Vamos a Belém”, que todos os anos repetíamos.
Durava vários dias, talvez semanas até, e deixava a casa em pantanas. Nada
estava a salvo quando andávamos à procura do equipamento para a nossa viagem.
Precisávamos de lençóis para a nossa tenda – em que outro sítio se poderia
dormir durante a longa viagem para a Terra Santa? Precisávamos de caixas e
caixotes para fazermos um barco – de que outra forma poderíamos nós
atravessar o Mediterrâneo? Precisávamos de cadeiras e de cobertores para
fazermos animais de carga que nos transportassem a nós e à nossa bagagem. Nessa
altura, o meu pai acabava sempre por sentir que lhe faltava qualquer coisa: o
martelo, o alicate, os pregos ou o rolo da corda. Uma vez até disse que lhe
tinha desaparecido a câmara-de-ar da bicicleta. E tinha razão. Tínhamos
precisado dela à última hora para as nossas provisões de água. O caminho
passava pelo deserto e já se sabe que os viajantes passam sede por lá, se não
levarem água suficiente. Era
sempre uma longa viagem cheia de peripécias. Em terra, tínhamos de vencer
lutas com bandidos e animais ferozes. No mar, passávamos por tempestades que
quase afundavam o nosso barco. Uma vez, salvei a avó pela saia, mesmo no
momento em que ia ser cuspida borda fora Mas
acabávamos sempre por chegar sãs e salvas a Belém. E, como por magia, sempre
no dia 24 de Dezembro! Quando
a avó estava em nossa casa, também se passavam coisas misteriosas. Uma vez,
ao meter-me na cama, encontrei um grão de ouro na minha almofada. Grãos de
ouro! De onde é que vêm os grãos de ouro? Só podem vir das asas dos anjos!
Algum anjo devia ter passado a voar sobre a minha cama! Quando
perguntei à avó, ela sorriu, mas não respondeu. Certa
manhã, apareceu uma estrela pendurada no tecto por um fio transparente.
Ninguém sabia quem a tinha lá posto. Também ninguém soube explicar como é que
o minúsculo presépio feito numa casca de noz fora parar no meio dos meus
lápis de cor. O
facto mais maravilhoso era a minha avó conhecer o S. Nicolau. Ela conhecia-o
mesmo! Eu sei! Eu estava lá quando ele falou com ela, lá no parque. Já
disse que a avó era antiquada. Mas não era só antiquada na roupa. No resto
também. Falava muitas vezes do tempo em que tudo escasseava e ela achava que
as pessoas deviam ser mais poupadas no dinheiro e nas coisas. A
avó era-o. Por isso queria trazer o ramo seco que estava caído no caminho. – Ainda
serve para o fogão – disse ela. – Apanha-o, por favor. Mas
eu não queria. –
Não! – disse eu. E, quando ela tentou apanhá-lo, eu afastei-o. –
Nós não apanhamos lenha. Vão levá-la a casa. Na
altura, não sabia porque tinha sido tão impertinente com a avó, mas agora
penso que foi por causa das pessoas que passavam. Não queria que pensassem
que precisávamos de andar a apanhar a lenha da rua. A
avó hesitou. Reparei que não sabia o que fazer. De
repente, à nossa frente, apareceu um homem idoso. Estava ali como por magia.
Alto e respeitável, com uma barba branca e olhos a brilhar. –
Faça favor, minha cara e honrada senhora – disse ele com uma leve vénia. A
voz era grave e sonora. Estremeci
como se tivesse sido atingida por um raio. Aquela voz! Aqueles olhos! Aquela
barba branca comprida! Só podia… era, de certeza… Nem me atrevia a continuar
a pensar. “Minha cara e honrada senhora”, tinha ele dito à avó. Tinha-lhe
feito uma vénia e a avó sorrira e agradecera-lhe. Depois
desapareceu. Tão repentinamente como aparecera. No
caminho para casa, não abri a boca. Tropeçava nas pedras do passeio e nas
tampas do saneamento, e dentro de mim ia uma grande confusão. Agora
ele viu – pensava eu. – Agora ele já sabe como é que eu às vezes me porto. A
avó caminhava ao meu lado, em silêncio. O ramo meio seco ia a arrastar pelo
chão. À porta de casa, não aguentei mais. Enterrei a cara nas pregas da
gabardina da avó e desatei num pranto. A
avó deixou-me chorar. Não fez nada para me consolar, e eu pensava: “Agora vai
ficar zangada comigo para sempre e aquele… aquele desconhecido do parque,
também.” Mas
então reparei que ela se tinha debruçado sobre mim. Sentia a sua respiração
quente nos meus cabelos e ouvia-a falar-me muito baixinho. O que dizia, não
percebi, porque ainda soluçava com muita força. Não conseguia parar. A
avó então afastou-me um pouco dela e perguntou: –
Queres levá-lo para cima? Já é um pouco pesado para mim. Claro
que percebi imediatamente que se referia ao ramo e por um momento, sustive a
respiração. Depois remexi no bolso, tirei um lenço e assoei as lágrimas que
tinha no nariz. – Dá
cá! – disse. Peguei no ramo seco e subi ruidosamente as escadas. Metemo-lo
logo no fogão de cerâmica e ouvia-o a crepitar e a estalar. “Será
que ele sabe que fui eu que o carreguei para cima?”, pensava eu. A avó
acenou-me com a cabeça e riu-se. Vi então que estava tudo bem outra vez e
fiquei muito feliz com isso. Para: - Continuar a leitura em: Histórias - Voltar
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