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…….. . Histórias & Historinhas O caminho para Belém Joaquim
e Cristina têm uma avó bastante idosa e que já vê muito pouco. Em
contrapartida, sabe dar ordens como um general e contar histórias como um
marinheiro viajado. Não admira, pois o avô, já lá vão mais de cem anos,
andara no mar e trazia para casa barcos carregadinhos de histórias. Até se
diz que certa vez chegou a ter a bordo Napoleão, o imperador dos franceses. É na
estação do ano em que os dias começam a ficar mais pequenos e em que tudo,
tanto a Natureza como os homens, se prepara para o Natal, que a avó melhor
conta histórias. Mas melhor ainda nos domingos do Advento. É sempre divertido
estar em casa dela, mas nunca como no primeiro domingo do Advento. Cristina
e Joaquim vão visitá-la por essa altura e os três bebem chocolate quente e
provam as primeiras bolachas de noz. Mal têm acabado de comer e já a avó está
a dar ordens. É o que faz todos os anos no primeiro domingo do Advento, e os
dois irmãos já sabem há muito o que aí vem: — As
bolachas estavam boas, meninos? Então, agora vamos ao trabalho! —
Mas, avó — diz Joaquim — isto não é um trabalho, é um prazer. Joaquim
foi incumbido de ir buscar uns caixotes ao sótão. — Às
suas ordens, senhor General! — diz Joaquim arregaçando as mangas, pois sabe
que vai transpirar. Os caixotes estão cheios de maravilhosas figuras talhadas
muito antigas em madeira. Todos os anos, no primeiro domingo do Advento,
começa a fazer-se, em casa de Anai, um grande presépio para o Natal. Nunca é
cedo demais para começar, porque é um trabalho diversificado. Tem de
construir-se o cenário, o prado dos pastores, a cidade de Belém com a
hospedaria, os caminhos e as estradas, jardins, um lago, campos e montanhas e
bosques. E é naquela pequena simulação de mundo que se colocam as figuras
coloridas de madeira: cento e catorze figuras. Anjos, pastores, caminhantes,
animais nos prados, no estábulo e em liberdade, os reis do Oriente com o seu
séquito, soldados romanos que, ao tempo do nascimento de Jesus ocupavam a
Terra Santa, vagabundos que iam de viagem por aquela altura, e muitos mais.
Afinal Belém também tinha habitantes. Em resumo, grandes e pequenos, novos e
velhos, todos têm de lá estar. E não pode faltar a Sagrada Família, claro. É
isto tudo o que está nos caixotes que Joaquim tem de ir buscar ao sótão. Mas
também há ordens para a irmã: —
Tu, Cristina, vais à cozinha buscar o cesto das caixas de musgo, as
pedrinhas, os ramos, a areia. Todos
os anos, os irmãos têm de recolher tudo isto para o cenário bíblico. Também
há raízes e ramos com formas originais. Enquanto Cristina e a avó separam e
preparam as coisas para erguer o cenário, Joaquim desce as escadas do sótão
com passos pesados. Quando acabou de trazer tudo, empurram a grande mesa de
para um canto livre da sala. A mesa é do tempo do trisavô deles, por isso é
que é tão grande. Hoje em dia, já quase não há mesas como aquela. Vai servir
de palco ao grande presépio mudo mas, antes de começarem, ainda têm de deitar
mais chocolate na chávena da avó. Se fosse ela a deitar, podia vertê-lo em
cima da toalha branca, porque já vê mal. Talvez tenha sido por isso que se
habituou a dar ordens secas e curtas para que tudo decorra como ela imaginou.
Como o presépio tem tantas peças, haveria muita confusão. Cada ano, ele tem
de ficar um pouco diferente do dos anos anteriores e por isso os irmãos têm
de prestar muita atenção ao que a avó idealizou para aquele ano. Ela dá as
indicações e as crianças executam-nas: —
Primeiro o cenário, meninos: um monte no meio, atrás, o campo dos pastores; à
frente, a cidade de Belém com as casas e as ruas… E
devem colocar-se logo as primeiras figuras, claro, pois um cenário sem
pessoas mais pareceria um cenário lunar. Mas, no primeiro domingo do Advento,
apenas podem colocar-se as personagens mais afastadas, as que vinham de longe
para Belém. A avó conhece cada uma das figuras do tempo em que ainda podia
vê- las. Sabe até a história da vida de cada uma delas e dentro em pouco
chegará o momento de ela se mostrar uma grande contadora de histórias. A avó
sempre imaginava tudo com uma tal precisão, que, na sua cabeça, as coisas
imaginadas ganhavam vida. Sentada na sua cadeira com a chávena de chocolate à
frente, escuta com atenção o que Joaquim e Cristina fazem. É como se visse
com os ouvidos. Pelos ruídos que ouve, a avó sabe o que estão a fazer. E tem
sempre alguma coisa a dizer-lhes: —
Não estás a fazer Belém de uma só vez, pois não, Joaquim? —
Isso não vai assim tão depressa, senhora General — responde ele. — Ainda só
estão um par de casas e o estábulo da hospedaria no monte. — O
estábulo é construído no fim de tudo — diz a avó. — O mais cedo, a vinte e
três de Dezembro. O presépio é a coroa e a coroa vem sempre no fim. Estás com
o campo dos pastores, Cristina? —
Sim — diz Cristina. — Estou a prepará-lo com areia e musgo e já comecei a
fazer algumas estradas e caminhos para as primeiras pessoas que vão chegar. —
Está bem — responde a senhora. — Faz os caminhos de acesso com areia e
pedrinhas. — O
que é isso de caminhos de acesso? Isto aqui são umas autênticas
auto-estradas! — exclama Joaquim. —
Que tolice, meninos. Quando Jesus nasceu, ainda se viajava de burro, de
cavalo e de camelo, ou ia-se a pé. Mas auto-estrada? Que tolice! —
Não te preocupes, avozinha — consolou-a Cristina. — Eu ponho umas pedrinhas e
uns bocadinhos de musgo na auto-estrada do Joaquim e ela fica logo a parecer
um caminho a sério. Que figuras coloco em primeiro lugar? O velho de barba
branca comprida guiado por um rapaz de pele escura? —
Certo, esse mesmo — responde a avó, reclinando-se confortavelmente na cadeira
para se lembrar da vida dessa figura do presépio. —
Vou pô-la no início do caminho — explica Cristina para Anai ficar a saber, e
prossegue: — No
ano passado também teve de ficar neste sítio. Porque é que todos os anos
tenho de colocar o velho de barbas com o rapaz no princípio do caminho? As
crianças levantam os olhos para a avó na expectativa. Quando ela se senta
assim, quando se põe confortável, começa imediatamente a contar uma história.
Vai falar da vida do velho de barbas. Cada ano conta a história de
determinadas figuras do presépio. A maioria das pessoas conhece apenas as
histórias de Maria e José e do Menino Jesus. Também sabem alguma coisa dos
pastores e dos reis do Oriente. Mas de todos os outros que estavam em Belém –
e havia mais gente – desses, ninguém sabe nada. Só a avó é que imagina todo o
tipo de histórias como se estivessem escritas na sua mente. Já não consegue
ler com os seus olhos cansados, por isso inventa-as. E, enquanto Joaquim e
Cristina vão trabalhando afincadamente no presépio, ela começa a falar do
velho de barbas. —
Ninguém sabe ao certo de onde vem, é difícil de dizer. Provavelmente de um
país do sul, pois a pele é escura, embora não tão escura como a do rapazinho
que o guia. —
Porque é que ele tem de ser guiado? — pergunta Cristina. —
Espera! — sibila Joaquim, que tem muita curiosidade em saber a história e não
gosta que a avó seja interrompida. —
Isso mesmo — diz a avó. — Esperai, que já ides saber. O homem procurara
durante toda a vida um enorme diamante azul, do qual ouvira falar quando era
novo. Quem possuísse esse diamante, dizia-se, detinha o poder sobre o coração
dos homens. Aquilo soava tão tentador, que se enraizou no homem de barbas e
fê-lo andar toda a vida de terra em terra. Procurou por todo o lado o enorme
diamante de que o marinheiro lhe falara, que por sua vez tinha ouvido a
outros. Nos portos de mar contam-se sempre destas histórias, onde a verdade e
o sonho, ou até o delírio, são difíceis de separar. O certo é que o nosso
barbudo acreditou na história da pedra mágica e, como já tinha idade
suficiente, juntou os seus bens e pôs-se a caminho à procura da pedra.
Primeiro, foi para o Egipto, onde estavam a ser construídas as pirâmides.
Numa daquelas pirâmides bem podiam estar escondidos todos os tipos de
tesouros… Desta
vez, foi Joaquim a interromper a narrativa. —
Hoje sabe-se o que estava nas pirâmides: múmias, vasos, pinturas e, aqui e
ali, um escaravelho petrificado! — O
que é isso? — perguntou Cristina. — É
um escaravelho que se transformou em pedra e não é nenhum diamante gigante,
não é assim, Anai? —
Tens razão. Não encontrou o diamante nas pirâmides. Anai
faz agora uma pequena pausa. Quer encontrar a continuação da história. Para
isso tem de perscrutar dentro de si. E os seus ouvidos, sempre tão apurados,
não ouvem que os dois irmãos pararam naquele momento, fascinados, a olhar
para ela. —
Também passou a pente fino a ilha de Creta, no Mediterrâneo, à procura do
diamante azul — diz a avó em voz baixa, falando para si. — Nessa ilha, os
habitantes tinham como deus um terrível touro. O monstro quase comia o homem.
É verdade! Ele ousara entrar no labirinto da gruta do monstro porque se
convencera de que talvez este estivesse de guarda à pedra que procurava. Mas
acabou por escapar ao monstro. Depois de se ter certificado de que no palácio
do rei de Creta também não havia nenhum diamante gigante, pediu mais
informação aos marinheiros. Os marinheiros costumam saber sempre de alguma
coisa. Talvez na Índia… diziam uns. Então
o nosso caçador de tesouros decidiu ir à Índia. Fretou um navio mercante e
partiu. A viagem durou quase um ano. Naquela altura o Canal de Suez ainda não
existia e para se chegar à Índia era preciso contornar-se toda a costa
africana. Além disso, também não havia barcos a vapor ou a motor. Para
velejar era preciso vento e, na sua ausência, braços fortes para remar. Foram
precisos onze meses e alguns dias para o nosso viajante calcar finalmente terras
da Índia. Que palácios e templos maravilhosos ele viu! Torres de marfim e
janelas com caixilhos de ouro, jardins esplendorosos com colibris coloridos e
elefantes brancos. Não havia dúvida, a Índia era o país certo para diamantes
azuis gigantes. Só que não se alcançam tesouros daqueles a troco de nada. O
nosso viajante teve de comprar um elefante e, montado nele, entrar na
floresta, onde certamente estariam ocultos palácios ainda mais sumptuosos, a
acreditar no que se ouvia nas tabernas dos portos. Porém, na selva, espreitam
muitos perigos: tigres, panteras, crocodilos, tarântulas e cobras venenosas,
para não falar do terrível calor durante o dia, e das ainda piores enxurradas
durante a noite. E foi contra tudo isto que o nosso viajante teve de lutar. Mas
a ambição do poder torna os homens persistentes; ela é como um demónio e leva
ao extremo aquele que por ela se deixa dominar. Finalmente, numa manhã, após
longa cavalgada de várias semanas pela floresta virgem e muita fadiga, o
homem deparou-se com as ruínas enormes e antiquíssimas de um templo. Em
épocas há muito submersas pelo tempo, devia ter sido uma das construções mais
sumptuosas à face da terra, pelo que ainda se podia ver daquilo que restava.
Aqui, aqui e em mais nenhum lugar teria de estar escondido o mítico diamante
azul. — E
então? — perguntou Cristina. — Encontrou-o? A
avó meneou a cabeça, e continuou: —
Vamos com calma! Perto dali vivia um povo indígena cujos antepassados teriam
construído aquela obra. Eram pessoas amáveis e pacíficas, mas também
medrosas. Ajudaram o viajante na sua busca, embora isso não lhes tenha sido
fácil. Até ali tinham-se mantido sempre afastados das ruínas do templo porque
pensavam que era habitado por espíritos maléficos, mas o homem tinha
prometido recompensá-los caso o ajudassem. Dia após dia, revolveram as ruínas
do velho edifício coberto de trepadeiras e que ocupava uma grande área.
Finalmente depararam com umas escadas misteriosas que desciam para a cave… A
senhora faz uma pequena pausa na narrativa e inspira fundo, como se ela
própria estivesse em frente das escadas da cave, na Índia. Cristina e Joaquim
estão neste momento a fazer, com musgo e areia, o campo para os rebanhos dos
pastores, mas, quando a avó interrompe, levantam os olhos para ela,
impacientes. — Então?
O que é que o homem de barbas fez? Desceu à cave? — E
se havia cobras lá dentro? — lembra-se Cristina. A
avó anuiu com um movimento de cabeça e continua: —
Pior do que cobras: trezentos e sessenta e cinco degraus. Tantos, quantos os
dias do ano. —
Então a cave devia estar muito funda! — diz Joaquim. — Se
estava, filho! Apesar disso, o viajante viu, ao espreitar para baixo, um
brilho azul-prateado que só podia vir de um diamante de grandes dimensões!
Mas nenhum dos nativos se atrevia a descer. Não tinham a ambição do poder,
mas sim medo. Receavam cobras, monstros ou espíritos maléficos; avisaram o
aventureiro e imploraram-lhe que voltasse para trás, mas em vão. Agora que
ele se encontrava tão perto do fim, ao cabo de tanto tempo de busca, o desejo
de poder crescera demasiado. Não lhes deu ouvidos e iniciou a descida. —
Trezentos e sessenta e cinco degraus — calculava Joaquim — descem-se em cinco
minutos, se não estiverem a desfazer-se! —
Não estavam. O homem não precisava de luz pois, à medida que ia descendo, o
brilho da pedra misteriosa ia ficando mais intenso, depois mais claro e mais
forte, assustadoramente ofuscante, até, por fim, quase dilacerar. Os olhos
começaram a doer-lhe, mas os pés não hesitaram uma única vez. Precipitou-se
para o fogo azul, saltou os últimos degraus e ali estava o diamante do
tamanho de uma cabeça, ainda mais cintilante do que o sol num dia de Verão.
Porém essa luz era fria, terrivelmente arrepiante e ofuscante, e não havia
olhos humanos que conseguissem suportá-la. Pois
é, a ambição do poder pode cegar os humanos. Quando o homem descia
apressadamente os últimos degraus, já os olhos haviam começado a doer-lhe
terrivelmente. Não se importara, embora a dor se intensificasse e se fosse
tornando cada vez mais dilacerante. Ao chegar junto do diamante, o raio azul
matou-lhe os olhos e o homem ficou cego para toda a vida. —
Mesmo cego? — perguntou Cristina. — Mas então como é que ele subiu as
escadas? —
Oh, de início não pensou que tivesse ficado cego. Achava que o fogo do
diamante o tinha momentaneamente encandeado, por isso chegou junto da pedra
às apalpadelas e tentou levantá-la para a levar. O diamante, porém, estava
agarrado ao chão e crescia com a terra como uma árvore milenar. Ninguém
conseguiria pegar no diamante azul… —
Nem com uma grua? —
Não, nem com uma grua. —
Não conseguiu, pronto — Cristina tenta fazer a avó apressar a história. — E
como é que a história continua? —
Como é que continua? Bem é que não será. Passaram-se horas de grande
tormento, de esforço e de decisões amargas, até ele se dar conta de que a
pedra não podia ser erguida nem transportada. E novamente se passaram horas
até que os indígenas, que esperavam por ele em cima, o viram subir as escadas
de joelhos, como um animal. Teve de tactear degrau a degrau. A procura da
riqueza e do poder tinha-o cegado e, dessa forma, levado ao desamparo.
Sozinho, nunca teria encontrado a saída para fora da selva. Os indígenas,
amáveis, deram-lhe um rapazinho órfão esperto e forte, que passaria a
guiá-lo. O rapaz conhecia a selva e os animais selvagens. Crescera nela e
sabia vencer todos os perigos. Iria doravante ficar com o cego, e assim
deambularam pelo mundo, dia após dia, o homem de barbas, que entretanto
envelhecera, e o rapaz de pele escura. — E
de que é que ele andam agora à procura? — pergunta Cristina. — De
paz. Só procuram a paz. — E
essa também é uma busca assim tão perigosa e difícil como a do diamante azul? —
Mas vocês não vêem que eles vão a caminho de Belém, a caminho do filho de
Deus? Quem parte ao Seu encontro quer paz e é lá que a encontra. Vá, colocai
o velho de barbas e o rapaz a meio do caminho que leva ao estábulo da
hospedaria. Fazem ambos parte do nosso presépio, assim como os pastores e os
três reis do Oriente, que hão-de aparecer mais tarde, claro. Em que ponto é
que vocês vão? Joaquim
ainda está a dar forma ao cenário, enquanto Cristina retira as figuras de
madeira, cuidadosamente embrulhadas em papel de seda. Bem, o velho caçador de
diamantes já lá está. —
Qual é a figura que ponho a seguir? — pergunta ele, ao que a avó responde: —
Peguem no negociante de gado com o boi. —
Eles também vão a Belém, ao Menino Jesus? — O
boi, vai. Quando o filho de Deus vier ao mundo, ele vai lá estar com o burro
e os outros animais. — E
qual é o papel do vendedor no meio de tudo isto? — insiste Cristina. Os netos
bem sabem que, para a avó contar algumas das histórias, tem de levar um
empurrãozinho. — Já
vou contar. E vocês pegaram na figura certa? Ora descreve-ma lá, Cristina. — É
de madeira, tem cabelos ruivos despenteados, e está talhada com muita
perfeição. Até se consegue ver cada pêlo do bigode. É bastante gordo e tem um
avental verde. Satisfeita,
a senhora acena a cabeça. — É
esse mesmo. Põe-no mais adiantado no caminho, mais perto de Belém do que o
cego, para o boi chegar a tempo. —
Estes dois também percorreram um longo caminho, como o cego e o guia? —
Oh, não! O vendedor vem de Jerusalém, onde tem um negócio de gado. Negoceia
com vitelos, carneiros e porcos e, quando calha, também com aves. —
Ah! Então é por isso que também há galinhas na caixa! — exclama Cristina. —
Ponho-as à volta dele? —
Tolinha! — responde-lhe a avó. — Primeiro, ele nunca as deixaria andar à
solta, pois as galinhas não seguem uma pessoa, como os cães. Depois, as
galinhas pertencem à estalagem. Mais tarde hão- de ficar pousadas nas traves
do estábulo a olhar para o presépio. — E
o negociante quer oferecer o seu boi ao menino Jesus — conclui Joaquim. A
avó começa a rir. —
Ele? Nunca! Não dá nada a ninguém, nem um grão de milho. “A mim também nunca
ninguém me dá nada!”, costuma ele dizer, e “Negócio é negócio!”. Só pensa no
negócio. Nem sequer vai reparar que, no estábulo, veio ao mundo o filho de
Deus. —
Nesse caso, porque é que tem de estar aqui no presépio? — pergunta Cristina
indignada. —
Tem de lá estar porque também há pessoas assim. Ele pertence ao mundo onde
Jesus vai nascer. Pessoas destas há-as sempre. E vós? Tendes a certeza de
que, na noite de Natal, ides pensar no menino Jesus, de que ides fazer alguma
coisa por ele? — De
certeza que o Joaquim só vai pensar na bicicleta nova que pediu. — E
tu? — sibila Joaquim em resposta. — Tu só pensas em vestidos chiques e nos
teus discos. A
avó bate com o punho na mesa energicamente. —
Silêncio! Agora não se discute! — Às
suas ordens, senhor General! —
Vocês são uns tolinhos! Ouçam mas é o que o comerciante vai fazer na noite de
Natal, enquanto o boi aquece o menino com o seu bafo. Vai sentar-se na
taberna mais próxima e esfregar as mãos, porque conseguiu vender o boi ao
estalajadeiro por bom preço. E como fez um bom negócio, vai festejar com uma
aguardente. — Só
isso? — pergunta Cristina desiludida. Não consegue imaginar que o vendedor vá
desprezar um acontecimento que será festejado durante séculos, por milhões de
pessoas. Mas
a avó responde simplesmente: — Só
isso. Para ele, festejar alguma coisa é com aguardente. E só festeja os bons
negócios. Puseste-o no caminho, Cristina? —
Sim, embora ele não devesse lá estar. —
Claro que devia! Ele tanto pertence à festa de Natal como tu e eu e as outras
pessoas todas. Jesus não veio à terra só para alguns eleitos! Tira agora as
próximas figuras da caixa, Cristina. Tem de ser o grupo: avô, pai, mãe e dois
filhos. Já os encontraste? Claro
que Cristina os encontra imediatamente. Um grupo daqueles não passa
despercebido. Mas o que é que eles estão a fazer em Belém, e logo um grupo? —
Vêm fazer o recenseamento que o imperador Augusto ordenou por aquela altura.
Por isso é que José e Maria também vêm a Belém, como está escrito na Bíblia:
“Naqueles dias foi publicado um decreto de César Augusto convocando toda a
população do império para recensear-se. Todos iam alistar-se, cada um à sua
própria cidade.” Esta família faz parte dessas pessoas. — E
o que lhes acontece em Belém? — perguntam as crianças. A
avó pensa um pouco e responde: —
Pode ser que tenham reparado na estrela por cima do estábulo e perguntado o
que significaria aquele sinal. De certeza que encontraram bom alojamento numa
estalagem. No presépio é que não ficaram, senão viria nas Sagradas
Escrituras. Talvez venham a compreender o que aconteceu no estábulo e cheguem
a ver o filho de Deus e nunca O esqueçam. Seja como for, vão a caminho de
Belém. São pessoas prestáveis e boas, penso eu. Não têm aspecto de ser
ordeiras e trabalhadoras? Talvez estas pessoas deparem mais tarde com o
séquito sumptuoso dos três reis do Oriente. Ou, pelo menos, com os pastores
que vêm dos campos. E
neste ponto a avó lembra-se da figura do pequeno pastor, quase ainda uma
criança. —
Deve ser uma figurinha quase de menino, Cristina. De certeza que está na
mesma caixa. Quando
Cristina o encontra, repara que já tem braços, pernas e músculos fortes como
os de um homem. —
Não admira — responde a senhora. — É do trabalho duro por que teve de passar.
Deve ter, no máximo, quinze anos e já tem de lutar pela vida. Não tem pais,
nem uma avó que o mime com chocolate e bolachas, nos domingos do Advento. Era
um rapazinho pobre e rude, sem lar, que não sabia quem eram os pais e com
quem ninguém se preocupava… Joaquim
abana a cabeça e diz: —
Isso é tão triste! Até parece uma história de jornal! —
Seu fala-barato! — critica-o a avó, um pouco zangada. — Se não houvesse vidas
destas na realidade, não viriam no jornal. Não quer dizer que todas as coisas
tristes tenham de vir nos jornais. Da maior parte delas ninguém fala, mas
ainda hoje lá podes ler histórias como a deste rapaz. Aos doze anos perdeu os
pais; morreram um a seguir ao outro numa epidemia que atingiu muitas pessoas.
Ou terão morrido numa guerra? Já não sei ao certo. A verdade é que, desde
então, o rapaz passou a vaguear pelo país. Naquela altura ainda não havia
associações, como há hoje, que tentam ajudar estas crianças. Aquele que
acordaria as consciências para a dor do próximo, ainda não tinha nascido. Ah,
e em algumas pessoas, ela ainda hoje está por nascer. Precisa de tempo. A
única solução era mendigar. Também tentava uns trabalhos aqui e ali, junto
dos lavradores e dos jardineiros, mas as pessoas aproveitavam-se do infeliz,
matavam-no com trabalho e como forma de pagamento nem sequer lhe davam comida
suficiente. Já se pode imaginar a ideia que ele foi formando dos homens.
Começou a odiá-los e o ódio é o sentimento que causa mais danos; torna uma
pessoa má. Do ódio nascem pensamentos de vingança. O rapaz começou a roubar e
a fazer coisas ainda piores para se vingar dos homens que se tinham
aproveitado dele. Quando se deram conta, as pessoas ficaram muito zangadas e
expulsaram-no; era a solução mais fácil, e ele teve de continuar a vaguear sem
destino. Certo dia, chegou a uma cidade à beira-mar… Sim, pode ter sido isto
que aconteceu. Pela primeira vez na vida, estava a ver um porto com barcos
grandes e maravilhosos que vinham de Nápoles e de Roma, da Grécia, do Egipto,
da Espanha e da Pérsia. E foi lá que ouviu dos homens do mar contar histórias
e relatos fantásticos, infelizmente nem sempre verdadeiros. Naquela altura,
ele ainda não sabia que muitas coisas são substancialmente mais bonitas em
algumas cabeças aventureiras do que na realidade. Só ouvia as fascinantes
palavras das histórias encantadas. Não admira que o desejo de viajar num
barco para maravilhosas terras distantes se apoderasse dele de repente.
Talvez os homens fossem mais amáveis noutro sítio do que ali, pensava ele.
Talvez recebesse comida suficiente a bordo de um barco, sem antes ter de
esfalfar-se a trabalhar até cair meio-morto. “Talvez…” Sim, o que não se
sonha quando se vê pela primeira vez um porto cheio de navios. Mas para que
serve um rapaz que não aprendeu a fazer nada? Não tem valor para ninguém e
está disposto a fazer qualquer tarefa, mesmo a mais baixa. Ninguém se
preocupa com ele, ninguém quer saber se tem fome, se dormiu o suficiente, se
não leva carregos demasiado pesados para a idade. Quem é que pensa nisso? Não
interessa ao timoneiro nem ao capitão. Mas vocês ainda estão a ouvir-me,
meninos? A
avó não reparara que os dois quase haviam esquecido o presépio e já só a
escutavam. —
Então o rapaz esteve num barco? — pergunta Joaquim. —
Certamente. Onde é que teria arranjado aqueles músculos? Nos velhos tempos, o
trabalho a bordo era difícil. Com vento bom, velejava-se. Içar e recolher
velas num navio, era um trabalho colossal, garanto-vos. Sei isso muito bem
pelo meu avô. Era preciso ser-se rápido, ágil e forte e estar-se atento dia e
noite sem parar. Claro que punham o rapaz de vigia durante mais tempo e com
mais frequência, e era ele que tinha de subir ao mastro mais alto. Tudo
piorava durante a calmaria, quando as velas não serviam e o navio ficava
parado no mar tal como uma ilha! Em baixo, no porão do navio, os escravos
comprados ou roubados iam presos a correntes. Homens que, quem quer que fosse
o dono, poderia fazer com eles o que quisesse, porque tinha mais poder e
força. E o que faz o capitão de um navio durante uma calmaria? Manda os
escravos remar. Imaginem o que é remar num barco gigantesco, já de si pesado,
e ainda por cima carregadíssimo. E da Palestina à Índia, se fosse preciso!
Vocês bem sabem que na altura ainda se contornava a África, dia após dia,
noite após noite, no calor abrasador e sufocante dos trópicos, sempre a
respirar o ar viciado do interior do navio. Não admira que algumas destas
pobres almas sucumbissem. E quem tinha de ocupar o lugar vago quando era
preciso, quem tinha de mourejar como um escravo? O nosso órfão, claro. — Se
ele tivesse ficado em terra — suspira Cristina. A
avó acena que não, com a mão no ar. —
Tivesse! Tivesse! Se!… Depois é muito fácil falar. Mas, para vos sossegar,
digo-vos que, depois de ter participado numa viagem destas e o barco, ao fim
de alguns meses, ter regressado à pátria, ele foi o primeiro a abandoná-lo.
Tinha tanta pressa, que nem esperou que pusessem um passadiço ou um escaler.
Mal viu a costa do seu país, passou a amurada com um salto desenfreado. Há
semanas que andava com medo que o dono do navio o acorrentasse também a ele
no porão. Não, saltou cinco metros para o fundo do mar e nadou para terra à
força de braços. Joaquim
bateu na figura de madeira que representava o rapaz e disse: — E
deve ter sido perseguido por algum tubarão que lhe comeu um bocado. —
Porque é que dizes isso? — perguntou a avó admirada. —
Porque falta uma pontinha do pé esquerdo. —
Isso tanto pode ter sido um tubarão como o bicho da madeira — respondeu a
senhora. — E
o que é que lhe aconteceu depois? — pergunta Cristina. — O
que havia de ser? Entretanto, nem ele nem as pessoas da sua pátria se tinham
tornado melhores. E já tinha tido viagens pelo mar que chegassem. “Nunca
mais!”, jurou a si próprio. “Prefiro guardar porcos e enregelar até aos ossos,
à noite, ao relento, do que voltar a sentar-me no interior abrasador de um
navio, preso a um remo de um metro de comprimento, tão grosso como um tronco
de árvore, ensanguentar as mãos e esgotar o coração a trabalhar”. E pronto,
podia recomeçar novamente com a vagabundagem. Na cidade portuária não havia
porcos para guardar. Num local daqueles, um esfomeado como ele só poderia ter
maus pensamentos ao ver no cais os armazéns cheios de comida: sacos com figos
e cocos, cestos cheios de tâmaras e bananas, montanhas de amendoins, laranjas
e azeitonas, tudo coisas que os grandes navios tinham trazido da Índia e de
África. O rapaz foi novamente tentado a vingar-se outra vez dos trabalhos
forçados a bordo. —
Ele pensou em roubar! — adivinha Joaquim. —
Sim — anuiu a avó pensativa — quando um esfomeado perdido tira, sem
autorização, o excesso de outros, isso também é roubar. Mas só podia roubar
se, antes disso, eliminasse o guarda-nocturno. —
Matá-lo? — exclama Cristina. — Matá-lo só por causa da fome? — Tu
nunca tiveste fome a sério — diz Joaquim rudemente à irmã. — E
tu, já? — pergunta ela ironicamente. —
Dai graças por isso — atalha a avó. — Quando a fome se torna insuportável,
quando a vida e a morte estão em jogo, isso pode tornar os homens maus. E o
estômago do jovem já fazia tanto barulho como um cão a rosnar. A fome tornava
a cabeça dele estranhamente vazia, de tal forma que se sentiu atordoado e
teve de se acocorar durante algum tempo para ganhar forças. Os seus
pensamentos eram confusos e tão sombrios como a noite. E no momento em que
estava ali miseravelmente sentado no pó, deu-se conta daquilo em que se tinha
tornado e apercebeu-se de como a vida podia piorar se continuasse a viver
como até ali. Não tinha também aprendido a trabalhar? Com uns músculos daqueles
ia tornar-se um bandido? A meio da noite, só e ajoelhado no porto às escuras,
escutava dentro de si e, de repente, sentiu nojo de si próprio porque tinha
querido matar um homem para ele sobreviver. Foi nesse momento que decidiu
partir para Belém. Levantou-se. Não queria voltar a pensar nos armazéns
cheios. Talvez tenha ficado ali de pé por um instante a pensar nisso. Um
instante daqueles pode decidir uma vida inteira, pode mudar um homem
radicalmente — dependendo do que o indivíduo decide. Nós temos este poder. —
Mas o que é que ele fez depois? — pergunta Cristina. — O que é que decidiu? —
Virou costas aos armazéns e saiu dali, seguindo pelas ruas da cidade
portuária, sempre, sempre na direcção do campo. Às portas da cidade encontrou
uma caravana que queria aproveitar o fresco da noite para fazer a viagem pelo
deserto. A seu pedido, levaram-no com eles, pois mais um menos um não faz
diferença a uma caravana. Quando descansavam, o rapaz tinha de dar de beber
aos camelos e de manter acesa a fogueira. Como paga, dividiam com ele as
provisões de pão e água. Alguns dias mais tarde, chegaram ao destino e
deixaram de precisavar dele. Na despedida, recompensaram-no com três peças de
prata, pois sempre se mostrara prestável e queriam agradecer-lhe por isso e
também ajudá-lo. Foi em Jerusalém que se despediu da caravana e vai agora a
caminho de Belém. —
Disseste que lá iria ser ajudado — lembrou Joaquim. — No
caminho qualquer um pode ser ajudado, filho. Mais uns passos e encontrará os
pastores a guardar os rebanhos. Vão tomá-lo como aprendiz e assim vai acabará
a vagabundagem. E além do mais, vai aprender uma profissão a sério. — E
na Noite de Natal — continua Cristina — vai ouvir, juntamente com os
pastores, o coro dos anjos e dirigir-se-á com eles ao presépio. —
Talvez… — responde a avó e pergunta: —
Onde é que o colocaste? — É
o que vai mais adiantado no caminho. — E
é mesmo — diz a avó num tom como se por hoje tivesse acabado a construção do
presépio e as histórias. Mas
os irmãos ainda não terminaram. Por terem ficado tanto tempo à escuta, não
conseguiram trabalhar muito. No entanto Cristina tem uma queixa a apresentar,
e com razão. —
Até agora só contaste histórias com homens, avó, mas também há mulheres e
meninas no meio das figuras. Aqui, por exemplo, esta pequenita de cabelo
preto comprido. —
Ah, sim, é a Hanneh — a senhora reconhece-a de imediato e começa a dar
orientações aos netos. — Tens de a pôr antes de Belém, longe da cidade, no
meio da floresta. —
Ainda não acabei a floresta — anuncia Joaquim — mas se entretanto contares a
história de Hanneh, de certeza que acabo. —
Vocês são muito espertos! — suspira a avó. — Conseguem sempre dar-me a volta.
Mas esta é mesmo a última história por hoje! —
Também já está a ficar escuro — diz Cristina — e de qualquer maneira temos de
acabar em breve. Então o que é que se passou com Hanneh? —
Quando Hanneh andava perdida pela floresta próxima de Belém, também já estava
escuro — recomeça Anai novamente. — Hanneh tinha-se perdido e estava com
medo. Podiam aparecer lobos, algum leão, ou até ladrões! De manhã, não tinha
pensado nestas coisas tão terríveis. De manhã apenas se sentira furiosa. A
mãe acordara-a ao nascer do sol. “Hanneh, levanta-te! Depressa!” E logo de
manhã, que era quando ela mais gostava de dormir. —
Como a Cristina. —
Está calado, Joaquim! Por favor, avó, continua. Porque é que a mãe acorda
Hanneh tão cedo? — O
irmãozinho havia adoecido durante a noite, dissera a mãe, e Hanneh tinha de
ir a correr à aldeia vizinha chamar o curandeiro. “Ai, ai, ai”, pensava
Hanneh. “É sempre o irmãozinho. Então e eu? Ele não há-de ter nada de grave.”
Estava um pouco zangada e levou mais tempo a vestir-se, por birra e ciúme.
“Quando estou doente”, pensava ela, “limitam-se a dizer: – Coragem! Isso
passa depressa! – dão-me um chá horrível e acabei sempre por ficar boa. Que
dêem ao meu irmão desse chá horrível! Lá há-de parar com a choradeira.”
Hanneh não estava com pena nenhuma do pequenito, mas sim dela, que tivera de
se levantar tão cedo. Também tomou de propósito o pequeno-almoço tão devagar,
que os pais, preocupados, começaram a ralhar-lhe, o que só piorou a teimosia
de Hanneh. Então eles queriam que ela fizesse, tão de madrugada, aquele longo
caminho e ainda por cima estavam a ralhar com ela? Queriam que ela fosse à
aldeia vizinha, a correr, de barriga vazia? — Só
mesmo uma rapariga — resmunga Joaquim. — Têm sempre de fazer teatro. Cristina
faz de conta que não ouviu a observação despropositada, e a avó continua a
contar, após um pequeno aceno de cabeça: —
Quando finalmente Hanneh saiu de casa, estava tão furiosa que decidiu
vingar-se da repreensão dos pais. Queria fazer de propósito um desvio para
ficar mais tempo fora de casa. Assim os pais também teriam de preocupar-se
com a filha. Ela também existia, não era só o irmãozinho, por quem todos
tinham de acordar cedo! Hanneh queria fazer um desvio, meter medo aos pais… e
o que aconteceu com aquela palermice? Hanneh saiu do caminho e perdeu- se.
Andou perdida durante todo o dia pelo leito dos rios, no meio de prados secos
e de arbustos espinhosos. O sol dava-lhe na cabeça e não havia sombras. A
garganta de Hanneh ardia-lhe de sede, mas a menina não encontrava água em
parte alguma. A fome aparecerá também mas com o que é que havia de a calar?
No ar, por cima dela, planavam abutres, também eles com fome, e Hanneh sabia
de que é que eles estavam à espera. — De
Hanneh, talvez? — pergunta Cristina assustada. — De
quem é que havia de ser? — responde Joaquim, conhecedor, como se todos os
dias estivesse em contacto com abutres. —
Quando começou a escurecer — prossegue a avó, imperturbável — Hanneh ainda
estava no meio daquele deserto. A cólera já tinha desaparecido e dera lugar a
um medo horrível. Por detrás de cada arbusto podia estar à espreita uma fera
e, por detrás de cada rochedo, um ladrão. Também não deixava de pensar no
irmãozinho a chorar em casa. E se ele estivesse de facto gravemente doente e
precisasse de facto de socorro rápido? Talvez o pai, entretanto, se tivesse
posto a caminho da casa do curandeiro, talvez tivesse partido à procura de
Hanneh. Chamou por ele, gritava como um cordeirinho perdido, mas não recebia
resposta. Ficou tonta com o medo e deixou-se cair na areia. Hanneh não podia
mais porque já não tinha esperança de alguma vez sair daquele lugar
desértico. De certeza que iria aparecer imediatamente um animal selvagem para
a comer, como castigo pela sua impertinência. Se encontrasse o caminho para
Belém, o caminho para casa, para junto do pai e da mãe e do pobre irmãozinho! Em
grande aflição lembrou-se que o pai lhe dissera uma vez que, de noite, era
possível encontrar o caminho a partir das estrelas. Muito bonito, mas como?
“Talvez”, pensava ela, “as estrelas estendam o dedo, ou algumas setas, ou
outro sinal qualquer”. E Hanneh olhou para o céu, à procura. Ficou sem
respiração. Nunca vira nada de tão maravilhoso brilhar assim! Longe, no céu,
à sua frente, estava uma estrela grande e brilhante com um feixe de raios
cintilantes a formar uma cauda. Hanneh
levantou-se. Não olhava onde punha os pés. Só queria ver a estrela. Não a
perdia de vista e seguiu-a. Não era preciso ser-se Mago do Oriente para
perceber que uma estrela daquelas indicava um caminho. Para cada um, um
caminho diferente. Nós sabemos qual o da menina, pois a estrela maravilhosa
estava sobre Belém. Hanneh encontrou o caminho para casa, a corta-mato pelos
campos e terrenos selvagens. Estava tão contente por regressar a casa que nem
tinha medo da eventualidade de ser castigada pelos pais. Não podia
esconder-lhes que ela, que conhecia tão bem o caminho para casa do curandeiro,
andara, por maldade, a correr pelo deserto. Hanneh só temia por uma coisa:
pelo irmãozinho. Mal
entrou em casa, encontrou o pequenito a dormir calmamente e os pais em
aflição pela sua menina perdida. Felizes, tomaram a filha nos braços sem lhe
ralharem. E, admirados, deixaram-se conduzir por ela outra vez para fora de
casa, para verem a estrela maravilhosa que pairava acima deles e que Hanneh
queria mostrar-lhes. Quanto não se tinham preocupado uns pelos outros naquele
dia! E tanto os pais como Hanneh tinham aprendido algo de importante: era
preciso ter mais amor e compreensão uns pelos outros. Mas a noite trazia-lhes
finalmente paz. A
avó está muito cansada de tanto contar e reclina-se confortavelmente na sua
cadeira. — Em
que ponto é que estão? — pergunta. Joaquim
acabou o deserto. Cristina ainda tem na mão a menina e olha para ela
pensativamente. —
Por hoje conseguimos fazer tudo — responde. — Só não sei agora onde pôr
Hanneh. —
Antes de Belém, no deserto, como disse há pouco, meninos, pois na Noite de
Natal ela ainda vai a caminho. Só mais tarde é que chegará a casa. Cristina
coloca obedientemente a menina no ermo artificial tão bem preparado por
Joaquim. —
Ainda faltam três domingos — suspira, feliz. — Tantas figuras ainda… e o
mesmo número de histórias! —
Vendo bem — afirma Joaquim — ainda vão todos a caminho, tanto o cego com o
rapaz, como Hanneh e o negociante de gado, o órfão e a família, os pastores e
os reis. —
Foi assim na altura — responde a avó — e assim é hoje em dia. Há sempre
alguém a caminho do presépio. Também nós e muitos daqueles que conhecemos
seguimos por este caminho em direcção à estrebaria de Belém. Eva Rechlin, Der Weihnachtsweg Wuppertal,
Johannes Kiefel Verlag, 1970. Tradução
adaptada. Para: - Continuar a leitura em: Histórias - Voltar
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