Música: The Memory of Trees, de Enya
O termo "Buda" é um título, não um nome
próprio. Significa "aquele que sabe", ou "aquele que
despertou", e se aplica a alguém que atingiu um superior nível de
entendimento e a plenitude da condição humana. Foi aplicado, e ainda o é, a
várias pessoas excepcionais que atingiram um tal grau de elevação moral e
espiritual que se tranformaram em mestres de sabedoria no oriente, onde, em
muitos países, se seguem os preceitos budistas. Porém o mais fulgurante dos
budas, e também o real fundador do budismo, foi um ser de personalidade
excepcional, chamado Sidarta Gautama.
Siddharta Gautama,
o Buddha, nasceu no século VI a. C. (em torno de 556 a. C.), em Kapilavastu,
norte da Índia, no atual Nepal. Ele era de linhagem nobre, filho do rei
Suddhodana e da rainha Maya. Logo depois de nascido, Sidarta foi levado a um
templo para se para ser apresentado aos sacerdotes, quando um velho sábio,
chamado Ansita, que havia se retirado à uma vida de meditação longe da cidade,
aparece, toma o menino nas mãos e profetiza: "este menino será grande
entre os grandes. Será um poderoso rei ou um um mestre espiritual que ajudará a
humanidade a se libertar de seus sofriementos". Suddhodana, muito
impressionado com a profecia, decide que seu filho deve seguir a primeira opção
e, para evitar qualquer coisa que lhe pudesse influenciar contrariamente, passa
a criar o filho longe de tudo o que lhe pudesse despertar qualquer interesse
filosófico e espiritual mais aprofundado e, principalmente, mantendo-o longe
das misérias e sofrimentos da vida que se abatem sobre o comum dos mortais.
Para isso, seu pai faz com que viva cercado do mais sofisticado luxo.
Aos dezesseis anos, Sidarta casa-se com sua prima, a bela Yasodhara, que lhe
deu seu único filho, Rahula, e passa a vida na corte, desenvolvendo-se
intelectual e fisicamente, alheio ao convívio e dos problemas da população de seu país. Mas o jovem príncipe era perspicaz, e
sempre ouvia os comentários que se faziam sobre a dura vida fora dos portões do
palácio. Chegou a um ponto em que ele passou a desconfiar do porquê de seu
estilo de vida, e sua curiosidade ansiava por descobrir o motivo das
referências ao mundo de fora que pareciam ser, às vezes, carregadas de
tristeza. Contrariamente à vontade paterna - que tenta forjar um meio de
Sidarta não perceber diferença alguma entre seu mundo protegido e o mundo
externo -, o jovem príncipe, ao atrevessar a cidade, se detém diante ante a
realidade da velhice, da doença e da morte. Sidarta entra em choque e profunda
crise existencial. De repente, toda a sua vida parecia ser uma pintura tênue e
mentirosa sobre um abismo terrível de dor, sofrimento e perda a que nem mesmo
ele estava imune. Sua própria dor o fez voltar-se para o problema do sofrimento
humano, cuja solução tornou-se o centro de sua busca espiritual. Ele viu que
sua forma de vida atual nunca poderia lhe dar uma resposta ao problema do
sofriemento humano, pois era algo artificalmente arranjado. Assim, decidiou,
aos vinte e nove anos, deixar sua família e seu palácio para buscar a solução
para o que lhe afligia: o sofrimento humano.
Sidarta, certa vez, em um dos seus passeios onde acabara de conhecer os
sofrimentos inevitáveis do homem, encontrara-se com um monge mendicante. Ele
havia obervardo que o monge, mesmo vivendo miseravelmente, possuia um olhar
sereno, como de quem estava tranquilo diante dos revezes da vida. Assim, quando
decidiu ir em busca de sua iluminação, Gautama resolveu se juntar a um grupo de
brâmanes dedicados a uma severa vida ascética. Logo, porém, estes exercícios
mortificadores do corpo demonstraram ser algo inútil. A corda de um instrumento
musical não pode ser retesada demais, pois assim ela rompe, e nem pode ser
frouxa demais, pois assim ela não toca. Não era mortificando o corpo, retesando
ao extremo os limites do organismo, que o homem chega à compreensão da vida.
Nem é entregando-se aos prazeres excessivamente que chegará a tal. Foi ai que
Sidarta chegou ao seu conceito de O Caminho do Meio : buscar uma forma de vida
disciplinada o suficiente para não chegar à completa indulgência dos sentidos,
pois assim a pessoa passa a ser dominada excessivamente por preocupações
menores , e nem à autotortura, que turva a consciência e afasta a pessoa do
convívio dos seus semelhantes. A vida de provações não valia mais que a vida de
prazeres que havia levado anteriormente. Ele resolve, então, renunciar ao
ascetismo e volta a se alimentar de forma equilibrada. Seus companheiros,
então, o abandonam escandalizados.
Sozinho novamente, Sidarta procura seguir seu próprio caminho, confiando apenas
na própria intuição e procurando se conhecer a si mesmo. Ele procurava sentir
as coisas, evitando tecer qualquer conceitualização intelectual excessiva sobre
o mundo que o cercava. Ele passa a atrair, então, pessoas que se lhe acercam
devido a pureza de sua alma e tranquilidade de espírito, que rompiam
drasticamente com a vaidosa e estúpida divisão da sociedade em castas rígidas
que separavam incondicioanalmente as pessoas a partir do nascimento, como hoje
as classes sociais e dividem estupidamente a partir da desigual divisão de
renda e, ainda mais, de berço.
Diz a lenda - e
lendas, assim como mitos e parábolas, resumem poética e figuradamente verdades
espirituais e existenciais - que Sidarta resolve meditar sob a proteção de uma
figueira, a Árvore Bodhi. Lá o demônio, que representa simbolicamente o mundo
terreno das aparências sempre mutáveis que Gautama se esforçava por superar,
tenta enredá-lo em dúvidas sobre o sucesso de sua tentativa de se por numa vida
diferente da de seus semelhantes, ou seja, vem a dúvida sobre o sentido disso
tudo que ele fazia. Sidarta logo se sai dessa tentativa de confundí-lo com a
argumentação interna de que sua vida ganhou um novo sentido e novos
referenciais com sua escolha, que o faziam centrar-se no aqui e agora sem se
apegar a desejos que lhe causaria ansiedade. Ele tinha tudo de que precisava,
como as aves do céu tinham da natureza seu sutento, e toda a beleza do mundo
para sua companhia. Mas Mara, o demônio, não se deu por vencido, e, ciente do
perigo que aquele sujeito representava para ele, tenta convencer Sidarta a
entrar logo no Nirvana - estado de consciência além dos opostos do mundo físico
- imediatamente para evitar que seus insights sobre a vida sejam passados
adiante. Aí é possível que Buda tenha realmente pensado duas vezes, pois ele
sabia o quanto era difícil as pessoas abandonarem seus preconceitos e apegos a
um mundo resumido, por elas mesmas, a experiências sensoriais. Tratava-se de
uma escolha difícil para Sidarta: o usufruto de um domínio pessoal de um
conhecimento transcendente, impossível de expor facilmente em palavras, e uma
dedicação ao bem-estar geral, entre a salvação pessoal e uma árdua tentativa de
partilhar o conhecimento de uma consciência mais elevada com todos os homens e
mulheres. Por fim, Sidarta compreendeu que todas as pessoas eram seus irmãos e
irmães, e que estavam enredaddos demais em ilusórias certezas para que
conseguissem, sozinhos, uma orientação para onde deviam ir. Assim, Sidarta, o
Buda, resolve passar adiante seus conhecimentos.
Quando todo o seu
poder argumentativo e lógico de persuassão falham, Mara, o mundo das
aparências, resolve mandar a Sidarta suas três sedutoras filhas: Desejo, Prazer
e Cobiça, que apresentam-se como mulheres cheias de ardor e ávidas de dar e
receber prazer, e se mostram como mulheres em diferentes idades (passado, presente e futuro). Mas Sidarta
sente que atingiu um estágio em que estas coisas se apresentam como ilusórias e
passageiras demais, não sendo comparáveis ao estado de consciência mais calma e
de sublime beleza que havia alcançado. Buda vence todas as tentativas de Mara,
e este se recolhe, à espreita de um momento mais oportuno para tentar derrotar
o Buda, perseguindo-o durante toda a sua vida como uma sombra, um símbolo do
extremo do mundo dos prazeres.
Sidarta transformou-se no Buda em virtude de uma profunda transformação
interna, psicológica e espiritual, que alterou toda a sua perspectiva de vida.
"Seu modo de encarar a questão da doença, velhice e morte mudo porque ele
mudou" (Fadiman & Frager, 1986).
Tendo atingido sua
iluminação, Buda passa a ensinar o Dharma, isto é, o caminho que conduz à
maturação cognitiva que conduz à libertação de boa parte do sofrimento
terrestre. Eis que o número de discípulos aumenta cada vez mais, entre eles,
seu filho e sua esposa. Os quarenta anos que se seguiram são marcadas pelas
intermináveis peregrinações, sua e de seus discípulos, através das diversas regiões
da Índia.
Quando completa
oitenta anos, Buda sente seu fim terreno se aproximando. Deixa instruções
precisas sobre a atitude de seus discípulos a partir de então:
"Por que deveria deixar instruções concernetes à comunidade? Nada mais
resta senão praticar, meditar e propagar a Verdade por piedade do mundo, e para
maior bem dos homens e dos deuses. Os mendicantes não devem contar com qualquer
apóio exterior, devem tomar o Eu - self - por seguro refúgio, a Lei Eterna como
refúgio... e é por isso que vos deixo, parto, tendo encontrado refúgio no
Eu".
Principais Pontos
da Doutrina de Buda
As Quatro Nobres
Verdades
I - Dado o estado psicológico do homem comum, voltando seu desenvolvimento para
o mundo externo de modo agressivo, a insatisfação que gera o sofrimento é quase
inevitável.
II - A insatisfação
é o resultado de anseios ou desejos que não podem ser plenamente realizados, e
estam atrelados à sede de poder. A maioria das pessoas é incapaz de aceitar o
mundo como é porque é levada pelos vínculos com o desejo narcísico do sempre
agradável e com sentimentos de aversão pelo negativo e doloroso. O anseio
sempre cria uma estrutura mental instável, no qual o presente, única realidade
fenomênica, nunca é satisfatório. Se os desejos não são satisfeitos, a pessoa
tende a lutar para mudar o presente ou agarra-se a um tempo passado; se são
satisfeitos, a pessoa tem medo da mudança, o que acarreta novas frustrações e
insatisfações. Como tudo se transforma e passa, o desfrutar de uma realização
tem a contrapartida de que sabemos que não será eterno. Quanto mais intenso for
o desejo, mais intensa será a insatisfação ao saber que tal realização não irá
durar.
III - O controle dos desejos leva à extinção do sofrimento. Controlar o desejo
não significa extinguir todos os desejos, mas sim não estar amarrado ou
controlado por eles, nem condicionar ou acreditar que a felicidade está
atrelada a satisfação de determinados desejos. OS DESEJOS SÃO NORMAIS E
NECESSÁRIOS até certo ponto, pois eles têm a função primária de preservar a
vida orgânica. Mas se todos os desejos e necessidades são imediatamente
satisfeitas, é provável que passemos a um estado passivo e alienado de
complacência. A aceitação refere-se a uma atitude calma de desfrute dos desejos
realizados sem nos perturbarmos seriamente com os inevitáveis períodos de
insatisfação.
IV - Há uma forma de se eliminar o sofrimento: O Nobre Caminho Óctuplo,
exemplificado pelo Caminho do Meio. A maioria das pessoas busca o mais alto
graude de satisfação dos sentidos, e nunca se dão por satisfeitas. Outros, ao
contrário, percebem as limitações desta abordagem e tendem ir ao outro
prejudicial extremo: a mortificação. O ideal busdista é o da moderação.
O Caminho Óctuplo consiste no discurso, ação, modo de vida, esforço, cautela,
concentração, pensamento e compreensão adequados. Todas as ações, pensamentos,
etc, tendem a ser forças que, expressando-se, podem magoar as pessoas e a ferir
e limitar a nós mesmo. O caminho do meio segue a máxima de ouro de Jesus
Cristo: "Fazei aos outros o que gostariam que fizessem a vós".
A Psicologia
Budista
O físico Fritjof Capra, em seu livro O Tao da Física, nos fala que o budismo -
ao contrário do hinduísmo que lhe serviu de preparação e que possui um forte
colorido mitológico e ritualístico - tem um caráter e um "sabor"
eminentemente psicológicos. Segundo Capra, "Buda não estava interessado em
satisfazer a curiosidade humana acerca da origem do mundo, da natureza do
Divino ou questões desse gênero. Ele estava preocupado exclusivamente com a
situação humana, com o sofrimento e frstrações dos seres humanos. Sua doutrina,
portanto, não era metafísica; era uma psicoterapia. Buda indicava a origem das
frustrações humanas e a forma de superá-las. Para isso, empregou os conceitos
indianos tradicionais de maya, karma, nirvana,etc., atribuindo-lhes uma
interpretação psicológica renovada, dinâmica e diretamente pertinente."
(Capra, 1986, p. 77). Ele havia dedicado-se a um aspecto da evolução humana: a
autocompreensão para por fim ao sofrimento humano, e só a este aspecto se
dedicara.
A questão da causalidade em Buda, assim como em Freud, na psicologia ocidental,
é um dos elementos principais de seus ensinamentos. Esta é chamada de karma,
que significa ação, e representa a lei universal de causa e efeito em que o
resultado de uma ação mais cedo ou mais tarde acaba por retornar a quem a
praticou. Jesus certamente se refere à mesma lei universal quando fala:
"Colherás aquilo que semeares". De acordo com o budismo, qualquer
situação em que possamos nos encontrar em dado momento é a resultante de toda a
nossa história pregressa, em cuja corrente histórica nos lançamos até atingir o
estado atual; isto quer dizer que dispomos constantemente da oportunidade de
aprender as lições para enriquecer nosso crescimento e evolução espiritual.
Corretamente entendida, a doutrina do karma não é, como supõem alguns, uma
forma de evitar uma ação responsável, nem uma desculpa para a aceitação das
coisas tais como estão, mas um incentivo para aproveitar o presente da forma
mais criativa e positiva possível; toda experiência vivencial se converte em um
empurrão para diante na nossa jornada para a compreensão de nós mesmos.
"O que hoje somos deve-se aos nossos pensamentos de ontem que condicionaram
nosso comportamento, e são os nossos atuais pensamentos que constroem a nossa
vida de amanhã; a nossa vida é a criação de nossa mente. Se um homem fala ou
atua com a mente impura, o sofrimento lhe seguirá da mesma forma que a roda do
carro segue ao animal que o arrasta". (Buda)
Comparemos este pesamento acima, do Buda, com este de Jesus:
"O olho - o modo como vemos, interpretamos, a realidade - é a lâmpada do
corpo. Se teu olho é bom, todo o teu corpo se encherá de luz. Mas se ele é mau,
todo teu corpo se encherá de escuridão. Se a luz que há em ti está apagada,
imensa é a escuridão".
Nada existe que não esteja relacionado com a sua própria causa. Carma é uma lei
natural, existente em todo parte. A semente que cai no solo fértil e germina está
obedecendo ao carma. O som que é produzido pela vibração de ar no interior da
flauta é fruto de um carma físico. A complexa organização e beleza da vida é
algo que demonstra uma sutil interelação entre todos os fenômenos naturais e
mentais. Daí os budistas desenvolverem uma visão de mundo como uma infinita
"Teia de Rubis", em que todos os brilhantes e todas as gemas
preciosas, por menores que sejam, refletem todas as demais: uma analogia
surpreendentemente do pensamento holístico
atualmente muito em voga, e aceitável plenamente à luz das mais recentes
descobertas da física quântica.
Buda e Jesus
Desde o século passado que estudiosos apontam as surpreendentes semelhaças
entre os ensinamentos de Buda e Jesus. É como se Deus tivesse posto duas
vertentes de uma mesma fonte adequadamente apropriadas para o mundo Ocidental e
Oriental. Vejas alguns exemplos:
Buda: É mais fácil ver os erros dos outros que os próprios; é muito difícil
enxergar os próprios defeitos. Espalham-se os defeitos dos outros como palha ao
vento, mas escondem-se os próprios erros como um jogador trapaceiro"
Jesus: Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não vês a trave no teu?
Como ousas dizer a teu irmão: 'Deixa-me tirar o cisco de teu olho, pois sei
corrigir teu erro de visão'? Hipócrita, tira primeiro o engano de tua visão, e
só então poderás tirar o cisco de teu companheiro".
Buda: "Não importa o que um homem faça, se seus atos servem à virtude ou
ao vício, tudo é importante. Toda ação acarreta frutos"
Jesus: "Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bonsc
frutos. Porventura colhem-se figos de espinheiros ou ervas de urtigas? Toda
árvore se conhece pelos frutos".
Buda: A pessoa má fala com falsidade, acorrentando os pensamentos às palavras.
Aquele que fala mal e rejeita o que é verdadeiramente justo não é sábio".
Jesus: O homem bom tira coisas boas do tesouro do coração, e o mau retira
coisas más, pois a boca fala do que está cheio o coração".
Buda: Assim como a chuva penetra numa casa mal coberta, também a paixão invade
uma mente dispersa. Assim como a chuva não penetra numa casa bem coberta,
igualmente a paixão não invade uma mente bem formada".
Jesus: Todo aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é como um
homem que construiu uma casa sobre a rocha. Caiu a chuva, uma torrente se
abateu sobre a casa, mas ela não caiu, pois estava fundada sobre a rocha. Mas
aquele que ouve as minhas palavras mas não as pratica é semelhante a um homem
que construiu sua casa na areia. Veio a chuva, a torrente se abateu sobre ela,
e ela desabou. E foi grande a sua ruína".
Muitas outras analogias ainda mais ricas seriam possíveis. Remeto o leitor ao
livro "O Buda Jesus" para um estudo mais aprofundado.