A LINHAGEM DO SANTO GRAAL
Tradução: Marcos Malvezzi Leal
MADRAS
Agradecimentos
................................... 11
Créditos das imagens ............................13
Prefácio ..................................................15
Origens da linhagem
A quem serve o Graal? ...........................17
Ídolos pagãos do Cristianismo................20
Linhagem dos reis....................................25
No princípio
Javé e a deusa ....................................29
Herança do Messias.................................33
Pergaminhos e tratados...........................35
Os segredos dos códigos dos escrivões ...37
Armagedon ...............................................41
Jesus, filho do Homem
A Concepção Imaculada.........................44
Matrimônio dinástico..............................48
Descendência do rei Davi.......................51
A disputa messiânica..............................52
A missão inicial
Quem foram os Apóstolos?....................55
Tiago e João.............................................57
Simão Zelote............................................58
Judas lscariotes.......................................59
Tadeu, Tiago e Mateus..........................59
Filipe, Bartolomeu e Tomás..................60
Simão- Pedro e André............................61
Sacerdotes e anjos....................................62
o Messias
Água e vinho.............................................67
O rei e seu jumento..................................70
A rainha messiânica................................74
Supressão da evidência de casamento...78
Traição
Política e a Páscoa.........................................81
Crucificação...................................................85
Para Gólgota..................................................88
Crucificação
Lugar da Caveira..........................................90
Três horas de escuridão................................94
O túmulo vazio...............................................97
Ressuscitado dentre os mortos.....................98
A linhagem continua.....................................103
Tempos da restauração.................................103
A Jesus um filho.............................................106
O Jesus mitológico de Paulo..........................107
O filho do Graal..............................................111
Registros ocultos e os Desposyni....................113
Maria Madalena
Noiva e mãe real..............................................117
Mulher escarlate - a Madona Negra.............122
Madalena e a Igreja........................................125
As mulheres e a seleção do Evangelho..........126
Senhora do Lago.............................................127
José de Arimatéia
A capela de Glastonbury................................133
O Domínio do Graal.......................................138
O escudo do digníssimo..................................141
Missões apostólicas no Ocidente....................143
O novo Cristianismo
O bom rei Lúcio...............................................147
São Miguel........................................................149
Ascensão da Igreja Romana............................151
Santa Helena.....................................................156
Religião e a linhagem
O debate da Trindade.....................................159
Declínio do império..........................................161
Os reis feiticeiros..............................................163
Os Pendragons
Corte dos reis pescadores................................171
Camelot.............................................................173
São Columba e Merlin.....................................178
Rei Artur
O histórico senhor da guerra.........................182
Modred e Morgana ......................................187
As santas irmãs.............................................191
Ilha de Avalon...............................................192
Intriga contra a linhagem
A Igreja em evolução....................................196
Cisma no Cristianismo..................................200
Controle da arte religiosa...............................202
Entram os carolíngios......................................205
Reis dos judeus.................................................207
O Santo Império Romano................................208
Templo do Graal..............................................210
Legado do Sangréal.........................................210
A pedra filosofal..............................................216
Os símbolos sagrados do Graal......................222
O cálice e a videira.........................................222
O rebento de Jesse..........................................225
Tarô e o Graal ...........................................226
Guardiões da Relíquia Sagrada.....................231
Os cavaleiros cruzados....................................231
Santuário da Arca............................................234
Notre Dame.......................................................239
Irmandade do terceiro grau............................242
Massacre em Languedoc.................................244
O reino dos escoceses
A perseguição dos Templários........................247
Banquo e
Macbeth..........................................249
Os High Stewards……………………………252
Robert, o Bruce...............................................256
A Casa Real de Stewart..................................257
A Era do Cavalheirismo
Guerra e a peste negra...................................258
Romance arturiano .. ..............................259
A feliz Inglaterra............................................263
A Escócia e o Graal.......................................264
A pedra do destino.........................................268
Joana d' Arc....................................................270
A América antes de Colombo........................272
Heresia e Inquisição
O martelo das bruxas......................................276
A revolta protestante......................................277
A Ordem da Rosa-cruz ..................................281
Casa dos Unicórnios
A união das Coroas........................................286
Guerra civil....................................................290
O colégio invisível.........................................292
Liberdade de consciência
Jacobi tas.........................................295
Tratado da União............................299
Bonnie Príncipe Charles................301
Assassinato de caráter....................302
O Sangréal hoje..............................305
A conspiração da linhagem............305
A coroa da América........................313
Preceito do Sangréal.......................315
Bibliografia.....................................406
Índice remissivo.............................427
Por sua valiosa assistência na preparação desta obra, muito devo aos bons
ofícios da Casa Real de Stewart, à Santa Família de S1. Columba, ao Conselho
Europeu de Príncipes, à Ordem dos Cavaleiros Templários de Santo Antônio, à
Nobre Ordem da Guarda de St. Gennain e à Corte do Dragão Imperial e Real e
Ordem da Hungria.
Gostaria também de agradecer aos arquivistas e bibliotecários que me
ajudaram nas buscas, principalmente os da Biblioteca Britânica (British
Library), dos Departamentos de Antiguidades do Oeste da Ásia e de Antiguidades
Egípcias no Museu Britânico, Bibliotheque Nationale de France, Bibliotheque de
Bordeaux, a Biblioteca do Condado de Devon, Biblioteca Central de Binningham,
Biblioteca Nacional da Escócia, Galerias de Arte da Cidade de Manchester e da
Academia Irlandesa Real.
Sou muito grato à minha esposa Ângela, cujo esforço incansável fez essa
obra vingar, e ao meu filho James, por seu encorajamento. Expressa gratidão também
vai para o meu agente Andrew Lownie, bem como para os diretores e a equipe da
Element and HarperCollins Publishers.
Àqueles meus colegas que facilitaram o caminho deste empreendimento, de
uma forma ou outra eu ofereço meus agradecimentos. Sou particularmente grato a
Adrian e Helen Wagner, e a Stephen e Tracy Knight da MediaQuest, por seu
projeto original desta obra. Agradeço ainda ao Chev. David Roy Stewart, Chev. Jack Robertson, Rev. David Stalker, Karen
Lyster, Scarlett Nunn, John Baldock, Matthew Cory, Jenny Carradice, Tony
Skiens, Chev. David Wood, Gretchen Schroeder, Laura Wagner, Jaz Coleman, Dr. A.
R. Kittermaster, Chris Rosling, Colin Gitsham e lan F. Brown.
Por seu generoso apoio ao ajudar o meu
trabalho em nível internacional, agradeço especialmente a Eleanor Robson e
Steve Robson, do Peter Robson Studio; Duncan Roads, Ruth Parnell, Marcus e
Robyn Allen de Nexus; Adriano Forgioni de Hera; JZ Knight e todos na Ramt
School of Enlightenment; Christina Zohs de The Golden Thread; Nancy e Mike
Simms da Entropic Fine Art; Laura Lee, Ann e Whitley Strieber, Robert Sessions
da Penguin Books; Greg Brandenburgh da Fair Winds Press; Jeanette Limondjian de
Bames & Noble.
Meus profundos reconhecimentos a Sir Peter Robson por ter criado as
pinturas de inspiração alegórica que acompanham meu trabalho, e ao compositor
Adrian Wagner pelo álbum musical que o acompanha, Holy Spirit and the Holy
Graal. Um agradecimento também especial ao HRH Príncipe Michael de Albany, por
me conceder acesso privilegiado aos arquivos da Casa e da Cavalaria. Como este
livro é uma síntese de assuntos inter-relacionados, sou profundamente grato
àqueles autores especialistas cujo domínio em seus respectivos campos facilitou
a abordagem de aspectos específicos. Sua pesquisa pessoal, conhecimento
especializado e suas preeminentes obras já publicadas foram de inestimável
importância.
E, finalmente, devo transmitir minha gratidão a todos os leitores que têm
apoiado e incentivado meu trabalho no decorrer dos anos - especialmente àqueles
que me escrevem com tantos comentários e contribuições úteis.
Laurence Gardner
Devo agradecer aos abaixo mencionados pelas seguintes ilustrações
fotográficas e pelas imagens com direitos reservados:
1,20, BridgemanArt Library, Londres; 2, 15,23,
Mary Evans Picture Library, Londres; 3, 8, 21, E. T. Archive, Londres; 4,
Kunstistorisches Museum, Viena; 6, 13, Galleria Uffize, Scala Museum, Florença;
7, National Gallery, Londres; 9, 12,24, Tate Gallery, Londres; 10, 19,22,
Entropic Fine Art, Ontário; 11, National Gallery of Art, Washington; 14,
British Library, Londres; 16, Edwin Wallace and Mary Evans Picture Library,
Londres; 17, Walker Art Gallery, Liverpool.
Embora todos os esforços tenham sido feitos para a obtenção das devidas
permissões, se houver qualquer erro ou omissão quanto a direitos reservados,
pedimos desculpas e nos comprometemos a corrigir as falhas em qualquer edição
futura.
A Linhagem do Santo Graal é uma notável realização na área de pesquisa
genealógica. São raros os historiadores familiarizados com fatos tão
bombásticos quanto os expostos neste livro. As revelações são absolutamente
fascinantes e, sem dúvida, serão apreciadas por muitos como verdadeiros
tesouros de iluminismo. Nelas se encontra a história vital daquelas questões
fundamentais que ajudaram a dar forma à Igreja Cristã na Europa e nos Estados
das Cruzadas.
Talvez algumas pessoas considerem de natureza herética alguns aspectos
deste livro. É direito de qualquer indivíduo acalentar tal visão, uma vez que
as exposições inerentes são um tanto alheias à tradição ortodoxa. Contanto,
permanece o fato de que Chevalier Labhràn penetrou as profundezas dos
manuscritos disponíveis e dos dados arquivais de qualquer domínio convencional.
O conhecimento desvelado resultante é apresentado de maneira muito articulada,
interessante e apaixonante.
Esta obra traz uma incrível visão dos séculos de alianças governamentais
estratégicas, junto a engodos e intrigas inerentes. Durante cerca de dois mil
anos, os destinos de milhões de pessoas têm sido manipulados por personalidades
singulares, freqüentem ente caprichosas, que pervertem as aspirações
espirituais de nossa civilização. Com riqueza de detalhes, o autor removeu as constrições
do interesse tendencioso para relatar numerosas histórias suprimidas de nossa
herança. Fazendo isso, ele ressuscita a história politicamente silenciada de
uma dinastia real resoluta que a Igreja há muito se esforça por extinguir, para
garantir interesses próprios. Agora, nesta nova era de entendimento, que a
verdade prevaleça e que a Fênix ressulta mais uma vez.
HRH Príncipe Michael
de Albany
Chefe da Casa Real de Stewart
Após a Revolta dos Judeus em Jerusalém, no I século da era cristã, os
senhores romanos teriam destruí do todos os registros a respeito do legado de
Davi da família de Jesus, o Messias. A destruição, porém, nunca foi completa, e
alguns documentos relevantes foram guardados pelos herdeiros de Jesus, que
trouxeram a herança messiânica do Oriente Próximo para o Ocidente. Como
confirma a Enciclopédia Eclesiástica de Eusébio, bispo de Cesaréia, esses herdeiros eram chamados de Desposyni
(antigo termo grego para "do Mestre"), um título sagrado reservado
exclusivamente para aqueles da mesma descendência familiar de Jesus. Eles
tinham o legado sagrado da Casa Real de Judá - uma linhagem dinástica existente
ainda hoje.
No decorrer deste livro, estudaremos a extraordinária história dessa
linhagem soberana, desvendando um detalhado relato genealógico do Sangue Real
Messiânico (o Sangréal) em descendência direta de Jesus e seu irmão Tiago.
Contudo, para abordarmos esse tema, teremos de considerar primeiramente as
histórias bíblicas do Antigo e do Novo Testamento sob uma perspectiva diferente
daquela normalmente transmitida. Não estaremos reescrevendo a história, mas
remodelando relatos conhecidos - levando a história de volta à sua base
original, em vez de perpetuar os mitos de estilo estratégico daqueles cujos
interesses são tendenciosos.
Com o passar dos séculos, uma contínua conspiração governamental e da
Igreja tem prevalecido acima do legado messiânico. Essa tendência aumentou
quando a Roma Imperial desviou o curso do Cristianismo para servir a um ideal
alternativo, e continua até o presente.
Muitos eventos históricos aparentemente não relacionados foram, na
verdade, capítulos da mesma e contínua supressão da linhagem. Das guerras
judaicas do 1o. século d.C., passando pela Revolução Americana do
século XVIII e além, as maquinações têm sido perpetuadas por governos europeus
e ingleses, em colaboração com a Igreja Católica Romana e a Igreja Anglicana.
Em suas tentativas de restringir o direito nato real de Judá, os Altos Movimentos
cristãos instalaram vários regimes próprios - tal como a própria Casa de
Hanover, da Grã-Bretanha - SaxeCoburg - Gotha. Essas administrações foram
forçadas a apoiar doutrinas religiosas específicas, enquanto outras foram
depostas por pregar a tolerância religiosa.
Agora, na entrada de um novo milênio, é hora de reflexão e reforma no
mundo civilizado - e para a realização dessa reforma é apropriado considerar os
erros e os sucessos do passado. Para essa finalidade, não há registro melhor do
que o existente nas crônicas do Sangréal.
A definição Santo Graal apareceu pela primeira vez na Idade Média, como
um conceito literário, baseado (como veremos mais adiante) em uma série de
erros de interpretação por parte de escrivões. O termo derivava imediatamente
como uma tradução de Saint Grail e das antigas formas San Graal e Sangréal. A
antiga Ordem do Sangréal, uma Ordem dinástica da Casa Real Escocesa de Stewart,
era diretamente aliada à continental Ordem Européia do Reino de Sion, e os
cavaleiros de ambas as Ordens eram adeptos do Sangréal, que define o verdadeiro
Sangue Real (o Sang Réal) de Judá: a A Linhagem do Santo Graal.
Bem distinto de seu aspecto físico dinástico, o Santo Graal também tem
uma dimensão espiritual. Ele tem sido simbolizado por muitas coisas, mas, como
objeto material, costuma ser visto como um cálice, especialmente contendo (ou
que já conteve) o sangue vital de Jesus. O Graal também já foi retratado como
uma vinha, estendendo seus ramos através dos anais do tempo. O fruto da vinha é
a uva, e da uva vem o vinho. Nesse sentido, os elementos simbólicos do cálice e
o vinho coincidem, pois o segundo há muito é comparado como o sangue de Jesus.
Na verdade, essa tradição está presente bem no coração do sacramento da
Eucaristia (Sagrada Comunhão), e o sangue perpétuo do Graal, ou do cálice,
representa nada menos que a duradoura linhagem messiânica.
Na cultura esotérica do Graal, o cálice e a vinha sustentam o ideal de
"serviço", enquanto o sangue e o vinho correspondem ao eterno
espírito de "cumprimento". A busca espiritual do Graal é, portanto,
um desejo pelo cumprimento, prestando e recebendo serviço. Aquilo que é chamado
de Código do Graal é, em si, uma parábola para a condição humana, da busca de
todos nós, por meio do serviço.
O problema é que o preceito do código foi sufocado por um complexo avaro
da sociedade, baseado na noção da "sobrevivência do mais forte".
Hoje, é evidente que a riqueza, não a saúde, é um demarcador na trilha dos
socialmente fortes, enquanto outro critério seria a obediência à lei. Acima
dessas considerações, porém, há outra exigência: submeter-se à disciplina do
partido enquanto se serve aos semideuses do poder. Esse pré-requisito nada tem
a ver com a obediência à lei ou o comportamento adequado; depende totalmente de
não balançar o barco nem se ater a opiniões não-conformistas. Aqueles que
quebram as regras são considerados hereges, intrometidos ou criadores de
encrenca, e como tais reputados por seu governo elementos socialmente
impróprios. Consequentemente, a adequação social é conseguida quando se submete
à doutrinação e se abandona a individualidade pessoal para que seja preservado
o status quo administrativo. Sob qualquer padrão de reconhecimento, isso
dificilmente seria descrito como um modo de vida democrático.
O ideal democrático é expressado como "Governo pelo povo para o
povo". Para facilitar esse processo, as democracias são organizadas com
base eleitoral, em que os poucos representam os muitos. Os representantes são
escolhidos pelo povo para governar para o povo - mas o resultado paradoxal
geralmente é o governo do povo. Isso é contrário a todos os princípios da
comunidade democrática e nada tem a ver com serviço. Está, portanto, em
oposição direta ao Código do Graal.
Em nível nacional e local, os representantes eleitos há muito tempo vêm
conseguindo reverter o ideal harmonioso, colocando a si próprios sobre
pedestais acima do eleitorado. Em virtude disso, os direitos individuais, as
liberdades e o bem-estar são controlados por ditames políticos, que determinam
quem é socialmente adequado e quem não é, em todos os momentos. Em muitos
casos, isso implica até decisões sobre quem pode ou não sobreviver. Com essa
finalidade, há muitos que almejam posições de influência pela pura gana de
poder sobre os outros. Servindo a interesses próprios, eles se tomam
manipuladores da sociedade, causando o enfraquecimento da maioria. O resultado
é que, em vez ser servida da maneira justa, a maioria é reduzida a um estado de
servidão.
Não é por acaso que, desde a Idade Média, o lema dos Príncipes de Gales
tem sido Ich dien ("eu sirvo"). Tal lema nasceu diretamente do Código
do Graal durante a Era do Cavalheirismo. Chegando ao trono real por linhagem
hereditária em vez de eleições, era importante para os sucessores promover o
ideal de serviço. Mas a que os monarcas realmente serviam? Ou melhor, a quem
serviam? De um modo geral (e certamente através das eras feudais e imperiais),
eles "governaram" em conluio com seus ministros e a Igreja. Governar
não é servir, e faz parte da justiça, igualdade e a tolerância do ideal
democrático. E portanto incompatível com a máxima do Santo Graal.
Assim, A Linhagem do Santo Graal não se restringe em conteúdo a
genealogias e histórias de intriga política, mas suas páginas contêm a chave do
Código do Graal essencial: a chave não só de um mistério histórico, mas também
de um modo de vida. É um livro a respeito do bom e do mau governo. Explica como
o reino patriarcal do povo foi suplantado pela tirania dogmática e pelo domínio
ditatorial da Terra. É uma jornada de descobrimento através de eras passadas,
com os olhos voltados para o futuro.
Nesta era da tecnologia dos computadores, de telecomunicações por
satélite e da indústria espacial internacional, o avanço científico acontece a
uma velocidade assustadora. À medida que cada estágio de desenvolvimento chega
mais rápido, os indivíduos funcionalmente competentes emergirão como os
"sobreviventes", enquanto o resto será considerado
"inadequado" por um establishment impetuoso que serve às próprias
ambições, mas não a seus súditos.
Mas o que tudo isso tem a ver com o Santo Graal? Tudo. O Graal tem muitas
formas e atributos - como será revelado. Contudo, em qualquer forma que seja
retratada, a busca do Graal é regida por um dominante desejo de honesta
conquista. É a rota pela qual todos podem sobreviver entre os fortes, ou
adequados, pois ele é a chave da harmonia e unidade em todo estado social e
natural. O Código do Graal reconhece o avanço por mérito e respeita a estrutura
da comunidade - mas acima de todas as coisas, ele é inteiramente democrático.
Seja apreendido em sua dimensão física ou espiritual, o Graal pertence tanto a
líderes como a seguidores, determinando que todos devem ser como um, em serviço
comum e unificado.
Para alguém pertencer aos fortes, deve estar plenamente informado. Só por
meio da conscientização podem ser feitas preparações para o futuro. O regime
ditatorial não é uma rota de informação; é uma constrição com o objetivo de
impedir o livre acesso à verdade. A quem, portanto, serve o Graal? Ele serve
àqueles que, apesar dos contratempos, buscam - pois são os campeões do
iluminismo.
No decorrer de nossa jornada, confrontaremos um número de afirmações que
podem, a princípio, parecer assustadoras, mas isso costuma acontecer quando se
traz a história de volta às suas bases, pois a maioria das pessoas é
condicionada a aceitar determinadas interpretações da história como fatos.
Muito do que aprendemos de história é por meio de propaganda estratégica, seja
ela motivada pela Igreja ou por política. Tudo é parte do processo de controle;
separa os mestres dos servos e os fortes dos fracos. A história política tem
sido escrita por seus mestres: os poucos que decidem o destino e a sina dos
muitos. A história religiosa não é diferente, pois seu desígnio é implementar o
controle pelo medo do desconhecido. Dessa forma, os mestres religiosos
retiveram sua supremacia à custa de devotos que genuinamente buscam iluminação
e salvação. Quanto à história política ou religiosa, é evidente que os
ensinamentos estabelecidos chegam às raias do fantástico, mas mesmo assim
raramente são questionados. Quando estes são menos do que fantásticos, porém,
costumam parecer tão vagos que quase não fazem sentido, se examinados em
qualquer nível de profundidade.
Em termos bíblicos, nossa busca do Graal começa com a Criação, conforme
definida no livro do Gênesis. Em 1779, um consórcio de livreiros de Londres
publicou uma obra gigantesca com 42 volumes, Universal History - que viria a
ser muito reverenciada e que afirmava, com grande grau de convicção, que o
trabalho de Criação de Deus começou em 21 de agosto de 4004 a.C. Surgiu, então, um debate a respeito do mês
exato, pois alguns teólogos achavam que 21 de março seria uma data mais
precisa. Todos concordavam, porém, que o ano estava correto, e aceitavam que só
seis dias tinham passado entre o nada cósmico e o surgimento de Adão.
Na época da publicação, a Inglaterra se via em meio à sua Revolução
Industrial. Era um período instável de extraordinárias mudanças e
desenvolvimentos, mas, assim como no acelerado ritmo dos avanços da atualidade,
pagou-se um preço. As preciosas artes e técnicas de outrora se tomaram
obsoletas diante da produção em massa, e a sociedade se reagrupava para
acomodar uma estrutura comunitária com base na economia. Uma nova estirpe de
vencedores emergia, enquanto a maioria da população cambaleava num ambiente
desconhecido que nada tinha a ver com os costumes e padrões de sua educação.
Certo ou errado, esse fenômeno é chamado de Progresso, e o seu critério
inflexível é aquele preceito do naturalista inglês Charles Darwin: a
"sobrevivência do mais forte". O problema é que as chances de
sobrevivência das pessoas costumam diminuir quando elas são ignoradas ou
exploradas por seus mestres: aqueles mesmos pioneiros que forjam a rota do
progresso, auxiliando (mas não garantindo) apenas a sobrevivência própria.
É fácil vermos hoje que a História Universal de 1779 estava errada.
Sabemos que o mundo não foi criado em 4004 a.C. Sabemos também que Adão não foi
o primeiro homem na Terra.? Essas noções arcaicas já estão ultrapassadas; mas
para as pessoas no fim do século XVIII, essa impressionante história era o
produto de homens mais esclarecidos do que a maioria e, portanto,
presumivelmente correta. Vale a pena, portanto, fazermos a nós mesmos a
seguinte pergunta, neste estágio: quantos fatos aceitos pela ciência e pela
história atualmente também serão considerados ultrapassados à luz de futuras
descobertas?
Dogma não é necessariamente verdade; é apenas uma interpretação
fervorosamente divulgada da verdade, com base nos fatos disponíveis. Quando
novos fatos influentes são apresentados, o dogma científico muda naturalmente,
mas isso é raro de acontecer com o dogma religioso. Neste livro, estamos particularmente
interessados nas atitudes e ensinamentos de uma Igreja Cristã que não presta
atenção a descobertas e revelações, e que ainda mantém boa parte do dogma
incongruente que remonta a tempos medievais. Como observou astutamente H. G.
Wells no início da década de 1900, a vida religiosa das nações ocidentais
"subsiste numa casa da história construída sobre areia".
A teoria da evolução de Charles Darwin em The Descent of Man, em 1871 não
causou nenhum dano pessoal a Adão, mas a idéia de que ele seria o primeiro ser
humano caiu por terra. Como todas as formas de vida orgânica no planeta, os
humanos evoluíram por mutação genética e seleção natural, no decorrer de
centenas de milhares de anos. O anúncio de tal fato encheu de horror a
sociedade, orientada pela religião. Alguns simplesmente se recusavam a aceitar
a nova doutrina, mas muitos caíram no desespero. Se Adão e Eva não eram os pais
primordiais, não havia Pecado Original e, portanto, o próprio motivo do perdão
não tinha fundamento!
A maioria entendera de maneira completamente errada o conceito de Seleção
Natural. As pessoas deduziam que, se a sobrevivência era restrita aos mais
fortes, então o sucesso devia depender de superar o próximo! Estava nascendo
uma nova geração, cética e cruel. O nacionalismo egotista florescia como nunca
antes na história, e as divindades domésticas eram veneradas como, no passado,
adoravam-se os deuses pagãos. Símbolos de identidade nacional (como Britannia e
Hibernia) se tomaram novos ídolos do Cristianismo.
Dessa base insalubre se gerou uma doença imperialista, e os países mais
fortes e avançados reivindicaram o direito de explorar as nações menos
desenvolvidas. A nova era da construção de impérios começava com uma luta
indigna por domínio territorial. O Reich alemão foi fundado em 1871, com a
amálgama de estados até então separados. Outros estados se juntaram para formar
o Império Austro-Húngaro. O Império Russo expandiu-se consideravelmente e, na
década de 1890, o Império Britânico já ocupava nada menos que um quinto de toda
a massa territorial do globo. Aqueles eram os dias dos resolutos missionários
cristãos, muitos dos quais enviados da Inglaterra da rainha Vitória. Com a
estrutura religiosa gravemente ferida em casa, a Igreja procurava uma
justificativa no exterior. Os missionários viviam particularmente ocupados na
Índia e na África, onde as pessoas já tinham as próprias crenças e nunca tinham
ouvido falar de Adão. Mais importante, porém: nunca tinham ouvido falar de
Charles Darwin!
Na Inglaterra, um novo estrato intermediário na sociedade emergira dos
empregadores da Revolução Industrial. Essa próspera classe média deixou a
verdadeira aristocracia e a classe governamental muito longe do alcance do
povo, efetivamente criando uma estrutura de classes - um sistema de divisões no
qual todos tinham seu lugar designado. Os chefes e comandantes se refestelavam
em empreendimentos arcádicos, enquanto os mercadores oportunistas competiam por
espaço em meio ao consumo exacerbado. Os homens da classe trabalhadora
aceitavam seu estado servil, com hinos de aliança, um sonho de Esperança e
Glória, e um retrato de sua sacerdotisa tribal, Britannia, acima da lareira.
Os estudiosos da história sabiam que não tardaria até que os impérios
começassem a mirar uns aos outros, e previam o dia em que os poderes
concorrentes se digladiariam em feroz oposição. O conflito começou quando a
França se empenhou em recuperar a Alsácia-Lorena da ocupação alemã, enquanto as
duas guerreavam pelas reservas de ferro e carvão do território. A Rússia e o
Império Austro-Húngaro se enfrentavam em luta pelo domínio dos Bálcãs e havia
disputas resultantes de ambições colonialistas na África e em outros lugares. O
pavio foi aceso em junho de 1914, quando um nacionalista sérvio assassinou o
arquiduque Fernando, herdeiro do trono austríaco. Nesse ponto, a Europa
explodiu numa grande guerra, fortemente instigada pela Alemanha. As
hostilidades foram dirigidas contra a Sérvia, Rússia, França e Bélgica, e a
contra-ofensiva era liderada pela Inglaterra. A luta durou mais de quatro anos,
chegando ao fim com uma revolta na Alemanha, quando o imperador (Kaiser)
Guilherme II fugiu do país.
Diante de todos os avanços tecnológicos de uma era industrialista, a
história tinha feito pouco progresso em termos sociais. As conquistas da
engenharia levaram a uma habilidade marcial sem precedentes, enquanto o
Cristianismo se tornara tão fragmentado que já não mais se deixava reconhecer.
O orgulho da Inglaterra permanecia intacto, mas o Reich alemão não se
conformava em aceitar passivamente suas perdas. Seu despótico Führer (líder),
Adolf Hitler, anexou a Áustria em 1937 e invadiu a Polônia dois anos depois. A
segunda grande guerra - verdadeiramente uma Guerra Mundial - começava: a mais
feroz disputa territorial até hoje. Durou seis anos e foi centrada nas crenças
vitais da própria religião: os direitos de todos num ambiente civilizado.
Subitamente, a Igreja e o povo perceberam que a religião nada tinha a ver
- nunca tivera - com patriarcas e milagres. Ela tinha a ver, isso sim, com a
crença num modo humanitário de vida, numa aplicação de padrões morais e valores
éticos, de fé e caridade, além da constante busca por liberdade e salvação.
Finalmente, toda contenda geral e contínua a respeito da natureza evolucionária
da descendência humana era deixada de lado; esse era o território dos
cientistas e a maioria das pessoas podia relaxar e aceitar o fato.
A Igreja emergia como um oponente muito menos temível dos estudiosos, e o
novo ambiente era mais agradável a todos os envolvidos. Para muitos, o texto da
Bíblia já não tinha mais de ser considerado um dogma inviolável e venerado, por
si. A religião estava incutida em seus preceitos e princípios, não no papel onde
ela era impressa.
Essa nova perspectiva abria espaço para infinitas possibilidades
especulativas. Se Eva realmente era a única mulher existente e seus três filhos
eram homens, então com quem seu filho Set se uniu para gerar as tribos de
Israel? Se Adão não foi o primeiro homem na Terra, qual seria o seu verdadeiro
significado? Quem ou o que eram os anjos? O Novo Testamento também tinha seus
mistérios. Quem foram os Apóstolos? Os milagres realmente aconteceram? E o mais
importante: a Concepção Imaculada e a Ressurreição de fato tinham ocorrido da
maneira descrita?
Consideraremos todas essas questões antes de seguirmos o caminho da
linhagem do Graal em si. Na verdade, é imperativo conhecermos a origem
histórica e o ambiente de Jesus para compreendermos os fatos de seu casamento e
sua paternidade. À medida que avançarmos, muitos leitores estarão pisando em
solo totalmente novo, mas que já existia antes de ser acarpetado e escondido
por aqueles cuja motivação era suprimir a verdade para reter o controle. Só quando
removermos o carpete do disfarce estratégico, teremos sucesso em nossa busca
pelo Santo Graal.
De modo geral, já se reconhece que os capítulos iniciais do Antigo
Testamento não representam o começo da história do mundo, como parecem sugerir.
Mais precisamente, eles contam a história de uma família que se tornou uma raça
compreendendo várias tribos - uma raça que se tornou à nação hebraica. Se Adão
foi o primeiro de uma espécie, então ele deve ter sido o progenitor dos hebreus
e das tribos de Israel. De fato, como
descreve o livro, ele foi o primeiro de uma linhagem predestinada de
governantes sacerdotais.
Dois dos mais intrigantes personagens do Antigo Testamento são José e
Moisés. Cada um teve um papel importante na formação da nação hebraica e ambos
têm identidades históricas que podem ser examinadas independentemente da
Bíblia. Em Gênesis 41:39-43, lemos como José se tornou Governador do Egito:
Disse o Faraó a José: administrarás a minha casa, e à tua palavra
obedecerá todo o meu povo; somente no trono eu serei maior que tu... Desse
modo, fê-lo governar sobre toda a terra do Egito.
Referente a Moisés, em Êxodo 11:3, descobrimos também que:
Moisés era muito famoso na terra do Egito, aos olhos dos oficiais do
Faraó e aos olhos do povo.
Entretanto, a despeito do status e de toda a proeminência, nem José nem
Moisés aparecem em qualquer registro egípcio sob seus nomes bíblicos.
Os anais de Ramsés II (c.1304-1237 a.C.) especificam que o povo semita se
assentou na terra de Gósen, explicando que também para lá se dirigiram os
semitas vindo de Canaã, em busca de alimento. Mas por que os escrivãos de
Ramsés mencionariam esse povoado do delta do Nilo em Gósen? De acordo com a
cronologia padrão da Bíblia, os hebreus foram para o Egito uns três séculos
antes da época de Ramsés e fizeram seu êxodo por volta de 1491 a.C., muito
antes que ele chegasse ao trono. Assim, diante desse registro em primeira mão,
vemos que a cronologia padrão da Bíblia está incorreta. .
Tradicionalmente, presume-se que José foi vendido como escravo no Egito
na década de 1720 a.C. e nomeado Governador pelo Faraó uma década ou duas
depois. Mais tarde, seu pai Jacó (cujo nome foi mudado para Israel) e 70
membros da família o seguiram até Gósen para escapar da fome em Canaã. Apesar
disso, Gênesis 47:11, Êxodo 1:11 e Números 33:30 fazem referências à
"terra de Ramsés" (egípcio: "a casa de Ramsés") mas se
tratava de um complexo de armazéns de grãos construídos pelos israelitas para
Ramsés II em Gósen, uns 300 anos após a época em que, presumivelmente, se
encontravam lá!
Ao que parece, a versão judaica alternativa é mais correta do que a
Cronologia Padrão: José esteve no Egito não no início do século XVIII a.C., mas
no início do século XV a.C. Lá, ele foi nomeado Ministro Chefe de Tutmósis IV
(c.1413-1405 a.C.). Para os egípcios, porém, José (Yusuf, o Vizir) era
conhecido como Yuya, e sua história é particularmente reveladora - não só em
relação ao relato bíblico de José, mas também com respeito a Moisés. O
historiador e lingüista nascido em Cairo, Ahmed Osman, fez um estudo profundo
dessas personalidades em seu ambiente egípcio contemporâneo e as descobertas
são de grande significado.
Quando o faraó Tutmósis morreu, seu filho se casou com a irmã, Sitamun
(como era a tradição faraônica) para poder herdar o trono como o faraó
Amenhotep III. Pouco depois, ele desposou também Tiye, filha do Ministro Chefe
(JoséNuya). Foi decretado, porém, que nenhum filho de Tiye podia herdar o trono
e, por causa da extensão de terras governadas por seu pai,
José, havia um medo geral de que os israelitas estivessem ganhando poder
demais no Egito. Então, quando Tiye engravidou, foi passado um edito
determinado que o bebê deveria ser morto ao nascer, se fosse menino. Os
parentes israelitas de Tiye viviam em Gósen e ela possuía um pequeno palácio de
verão, um pouco rio acima, em Zarw, para onde se dirigiu quando ia dar à luz.
De fato, Tiye teve um menino, mas as parteiras reais conspiraram com ela e o
colocaram à deriva num cesto de vime, que desceu o rio e foi parar na casa do
meio-irmão de seu pai, Levi.
O menino, Aminadab (nascido em 1394 a.C.), foi devidamente educado na
região a leste do delta pelos sacerdotes egípcios de Rá. Depois, na
adolescência, ele foi viver em Tebas. Naquela época, sua mãe tinha adquirido
mais influência do que a rainha mais velha, Sitamun, que nunca tivera um filho
e herdeiro do faraó, só uma filha chamada Nefertite. Em Tebas, Aminadab não
aceitava as divindades egípcias com sua miríade de ídolos; e assim ele
introduziu a noção de Áton, um deus onipotente que não tinha imagem. Áton era,
portanto, equivalente ao Adon dos hebreus (um título emprestado da língua
fenícia e que significa "Senhor"), de acordo com os ensinamentos
israelitas. Naquela época, Aminadab (o equivalente hebraico de Amenhotep:
"Amon está alegre") mudou o nome para Akhenáton, que significa
"Servo de Aton".
O faraó Amenhotep passou por um período com problemas de saúde e, como
não havia um herdeiro homem direto da casa real, Akhenaton desposou sua
meio-irmã Nefertite para ser co-regente durante o conturbado período. No devido
tempo, porém, quando Amenhotep III morreu, Akhenaton pôde ascender ao trono
como faraó, ganhando o título oficial de Amenhotep IV. Ele e Nefertite tiveram
seis filhas e um filho, chamado Tutankháton.
O faraó Akhenaton fechou todos os templos dos deuses egípcios e construiu
novos templos a Aton. Ele também administrava uma casa distintamente doméstica
- muito diferente da norma real no antigo Egito. Ele se tomou impopular em
muitas frentes, particularmente entre os sacerdotes da antiga divindade
nacional, Amon (ou Amen) e do deus sol Rá(ou Re), o que resultou na
proliferação de intrigas contra a sua vida. As ameaças de insurreição armada
eram fortes, se ele não deixasse que os deuses tradicionais fossem venerados
junto ao deus sem rosto, Áton. Mas Akhenaton recusou, e acabou sendo forçado a
abdicar em favor de seu primo Smencare, que foi sucedido pelo filho de
Akhenaton, Tutankhaton. Quando assumiu o trono aos 11 anos de idade, porém,
Tutankhaton foi obrigado a mudar o nome para Tutankhamon, mas só viveu nove ou
dez anos, morrendo ainda muito jovem.
Akhenaton, enquanto isso, foi banido do Egito. Ele fugiu com alguns
seguidores para a remota segurança de Sinai, levando seu cetro real, encimado
por uma serpente de bronze. Para os seus partidários, ele continuava sendo o
monarca por direito (o herdeiro ao trono que lhe fora usurpado) e ainda era
considerado por eles o Mose, Meses ou Mosis, que significa "herdeiro"
ou "nascido de" - como no nome Tuthmosis (nascido da Verdade) e
Ramsés (modelado por Rá).
Evidências do Egito indicam que Moisés (Akhenáton) conduziu seu povo de
Pi-Ramsés (perto da moderna Kantra) para o sul, através do Sinai, e na direção
do lago Timash. Era um território extremamente pantanoso e, apesar de passável
a pé com certa dificuldade, qualquer cavalo ou carroça em perseguição cairia
desastrosamente.
Entre os seguidores de Moisés estavam as famílias de Jacó-Israel: os
israelitas. E, com a inspiração de seu líder, eles construíram o Tabernáculo e
a Arca da Aliança no sopé do monte Sinai. Quando Moisés morreu, eles começaram
a invadir a região abandonada por seus antepassados muito tempo atrás, mas
Canaã (Palestina) tinha mudado consideravelmente nesse meio tempo, tendo sido
infiltrada por ondas de filisteus e fenícios. Os registros falam de grandes
batalhas marítimas e de poderosos exércitos marchando para a guerra.
Finalmente, os israelitas (sob seu novo líder, Josué) tiveram sucesso e, após
atravessar o Jordão, tomaram Jericó dos cananeus, garantindo uma posição segura
em sua tradicional Terra Prometida.
Após a morte de Josué, o período de governo nas mãos de Juízes nomeados
foi um rol de desastres, até que as tribos hebraicas e israelitas se uniram sob
o primeiro rei, Saul, por volta de 1048 a.C. Futuramente, porém, com a
conquista de Canaã mais completa possível, Davi de Belém se casou com a filha
de Saul e se tomou rei de Judá (correspondente à metade do território
palestino) por volta de 1008 a.C. Subseqüentemente, ele também adquiriu Israel
(o equilíbrio do território) para se tomar rei geral dos judeus.
Além das explorações militares dos israelitas, os compiladores do Antigo
Testamento descreveram a evolução da fé judaica desde os tempos de Abraão. Não
é a história de uma nação unificada devotada ao Deus Javé, e sim de uma seita
tenaz que, a despeito de todas as dificuldades, esforçou-se para instituir a
religião dominante de Israel. Na opinião deles, Javé era do sexo masculino, mas
esse era um conceito sectário que originou muitos e graves problemas.
No cenário mais amplo contemporâneo, entendia-se geralmente que a criação
da vida deveria emanar tanto de uma fonte masculina como de uma feminina.
Outras religiões - no Egito, na Mesopotâmia e em outros lugares - tinham
divindades de ambos os sexos. O deus masculino primário costumava ser associado
ao solou ao céu, enquanto a divindade feminina primária tinha raízes na terra,
no mar e na fertilidade. O sol dá sua força a terra e às águas, de onde surge a
vida; uma interpretação muito natural e lógica.
Em relação a essas idéias teístas, um dos personagens mais flexíveis
mencionados nos textos bíblicos é o filho do rei Davi, Salomão, célebre não só
pela magnificência e esplendor de seu reino, mas por sua sabedoria. Muito tempo
depois, o legado de Salomão seria crucial para a emergente cultura do Graal,
pois ele foi o verdadeiro defensor da tolerância religiosa. Salomão foi rei
séculos antes do período do cativeiro dos israelitas na Babilônia, e era uma
parte importante do velho cenário.
Na era de Salomão, Javé tinha considerável importância, mas outros deuses
também eram reconhecidos. Era uma época espiritualmente incerta, na qual, não
raro, as pessoas apostavam em deidades alternativas. Afinal de contas, com tal
pletora de diferentes deuses e deusas sendo homenageados na região, seria falta
de visão depreciar todos, exceto um - pois quem podia afirmar que os devotos
hebreus estavam certos?
Nesse sentido, a renomada sabedoria de Salomão era baseada no bom senso.
Embora venerasse Javé, o Deus da seita de uma minoria, ele não tinha motivo
para negar aos súditos o deus deles (l Reis 11:4-10). Ele próprio não abriu mão
de suas crenças nas forças da natureza, independentemente de quem ou o que as liderasse.
A veneração da divindade feminina primária era muito comum e popular em
Canaã, onde ela assumia a forma da deusa Astorete. Ela correspondia a Ishtar, a
principal deusa dos babilônios. Como Inana, seu templo sumério ficava em Uruk
(Ereque na Bíblia, atualmente Warka) no sul da Mesopotâmia, enquanto na Síria e
Fenícia, regiões próximas, ela seria chamada de Astarte, segundo os antigos
gregos.
O Santo dos Santos (Santuário interior) do Templo de Salomão supostamente
representaria o ventre de Astorete (ou Asera, mencionada várias vezes no Antigo
Testamento). Astorete era venerada abertamente pelos israelitas até o século VI
a.C. Como senhora Asera, ela era esposa superior de EI, suprema divindade
masculina, e juntos eles formavam o casal divino. Sua filha era Anat, rainha
dos Céus, e seu filho, o rei dos Céus, era chamado He. Com o passar do tempo,
os personagens separados de EI e He se fundiram para se tornaren Javé. Asera e
Anat se tornaram uma, convertendo-se na consorte de Javé, conhecida como a Sekiná
ou Matronit.
O nome Javé é uma transliteração posterior e um tanto anglicizada de
Yahweh, por sua vez uma forma de raiz hebraica de quatro consoantes YHWH, à
qual duas vogais foram correta ou incorretamente interpoladas. Originalmente,
essas quatro consoantes (que futuramente se tornariam uma espécie de sigla para
o Deus Único) representavam os quatro membros da família celeste: Y
representava EI, o Pai; H era Asera, a Mãe; W correspondia a He, o Filho; e H
era a Filha, Anat. De acordo com as tradições reais da época e da região, a
misteriosa noiva de Deus, a Sekiná, também era reconhecida como sua irmã. No
culto judaico da Cabala (uma disciplina esotérica que atingiu seu ápice nos
tempos medievais), a imagem dual masculina/feminina de Deus era perpetuada.
Enquanto isso, outras seitas reconheciam a Sekiná (ou Matronit) como a presença
feminina de Deus na Terra. A câmara marital divina era o Santuário do Templo de
Jerusalém, mas a partir do momento em que o Templo foi destruí do a Sekiná foi
destinada a vagar pela Terra, enquanto o aspecto de Javé se restringia aos
céus.
Em termos práticos, a solidificação do ideal hebraico do Deus masculino
único só ocorreria após cinqüenta anos de cativeiro na Babilônia (c.586-536
a.C.). Quando os israelitas foram deportados pela primeira vez por
Nabucodonosor, eram tribos efetivamente separadas e pertencentes à pelo menos
duas ramificações étnicas principais (Israel e Judá), mas eles retomaram a
Terra Santa com um propósito nacional comum, como "o povo escolhido de Javé".
Boa parte do que conhecemos hoje como o Antigo Testamento (a Bíblia
hebraica) foi primeiramente escrito na Babilônia. Portanto, não é nenhuma
surpresa que histórias sumérias e mesopotâmicas tenham se imiscuído à antiga
tradição cultural judaica - incluindo relatos sobre o Jardim do Éden (o paraíso
de Eridu), o Dilúvio e a Torre de Babel. O patriarca Abraão tinha migrado para
Canaã, vindo de Ur dos caldeus (na Mesopotâmia), de modo que a fusão cultural
era justificável; mas permanece o fato de que as histórias como de Adão e Eva
de modo algum se restringiam à tradição hebraica. Nesse sentido, suas vidas e
relevância histórica são discutidas extensivamente no livro Genesis of the
Graal Kings.
Versões alternativas à versão bíblica de Adão e Eva podem ser encontradas
nos escritos dos gregos, sírios, egípcios, sumérios e abissínios (antigos
etíopes). Alguns relatos falam da primeira consorte de Adão, Lilith, antes de
ele cair nos encantos de Eva. Lilith era serva da Sekiná e abandonou Adão
porque ele tentou dominá-la. Fugindo para o mar Vermelho, ela gritou "Por
que devo me deitar sob ti? Sou tua igual!" Um alto-relevo em terracota
sumério, mostrando Lilith (aproximadamente de 2000 a.C.), retrata-a nua e
alada, de pé sobre as costas de dois leões e segurando os bastões e anéis do
governo divino e da sabedoria. Apesar de não ser uma deusa no sentido
tradicional, seu espírito encarnado teria florescido na mais renomada amante de
Salomão, a rainha de Sabá. Lilith é descrita no livro sagrado dos mandaens
esotéricos do Iraque como a filha do Submundo e, por toda a história até os
dias atuais, ela tem representado a ética fundamental da oportunidade da
mulher.
Quando os israelitas retomaram da Babilônia para Jerusalém, os cinco
primeiros Livros de Moisés foram compilados na Tora (a Lei) judaica. O resto do
Antigo Testamento foi, entretanto, mantido separado. Durante muitos séculos,
ele foi considerado sob diferentes graus de veneração e suspeito, mas, com o
tempo, o livro dos Profetas se tomou especialmente significativo para o
estabelecimento da herança judaica. O principal motivo para hesitação era que,
embora os judeus fossem vistos como o povo escolhido de Deus, Javé não os tinha
tratado de maneira muito gentil. Ele era seu Senhor tribal todo-poderoso e
prometera ao patriarca Abraão exaltar a raça deles acima de todas as outras. E,
no entanto, apesar de tudo isso, tiveram de enfrentar guerras, fome, deportação
e cativeiro! Para contrabalançar as crescentes decepções da nação, os Livros
dos Profetas reforçaram a promessa de Javé, anunciando a vinda de um Messias,
como Rei ou Sacerdote ungido e que serviria ao povo, conduzindo-o à salvação.
Essa profecia era suficiente para garantir a reconstrução do Templo de
Salomão e a Muralha de Jerusalém, mas não surgiu nenhum salvador messiânico. O
Antigo Testamento termina nesse ponto no século IV a.c. Entretanto, a linhagem
de Davi continuava, embora não ativamente reinando. E então, mais de 300 anos
depois, começou um capítulo inteiramente novo da história soberana, quando o
revolucionário herdeiro de Judá corajosamente se lançou no domínio público. Era
Jesus Nazareno, o Rei de jure de Jerusalém.
O Novo Testamento retoma a história nos últimos anos antes de Cristo. Mas
o período intermediário e não relatado foi imensamente importante, pois montou
a cena política na qual o aguardado Messias faria a sua entrada.
A era começou com a ascensão ao poder de Alexandre, o Grande, da
Macedônia, que derrotou o imperador persa Dario em 333 a.C. Após destruir a
cidade de Tiro, na Fenícia, ele marchou para o Egito e construiu sua cidadela
de Alexandria. Com controle total do império persa, Alexandre prosseguiu pela
Babilônia, dirigindo-se ainda mais para o leste, até finalmente conquistar o
Punjab. Quando morreu prematuramente em 323 a.C., seus generais assumiram o
controle. Ptolomeu Soter tomou-se o governador do Egito e Selêuco foi governar
a Babilônia, enquanto Antígono dominou a Macedônia e a Grécia. Na virada do
século, a Palestina também foi anexada ao Império de Alexandre.
Nesse ponto, uma nova força crescia na Europa: a República de Roma. Em
264, os romanos expulsaram os govemantes cartagineses da Sicília capturando
também Córsega e Sardenha. O grande general cartaginês Aníbal retaliou, tomando
Saguntum (atualmente na Espanha); e avançou com suas tropas pelos Alpes, mas
foi impedido pelos romanos em Zama. Enquanto isso, Antíoco m (um descendente do
general macedônio Selêuco) tomou-se rei da Síria. Até 198 a.C., ele já tinha se
livrado das influências egípcias para se tomar mestre da Palestina. Seu filho,
Antíoco IV Epífanes, ocupou Jerusalém - imediatamente provocando uma revolta
liderada pelo sacerdote Judas Macabeu. Ele foi morto em batalha, mas os
macabeus conquistaram a independência israelita em 142 a.C.
Numa luta contínua, os exércitos romanos destruíram Cartago e formaram a
nova província de Roma do Norte da África. Outras campanhas deixaram a
Macedônia, a Grécia e a Ásia Menor sob controle romano. Mas as disputas
eclodiam em Roma porque as guerras de Cartago (ou púnicas) tinham arruinado os
fazendeiros da Itália enquanto, ao mesmo tempo, enriqueciam a aristocracia, que
construía grandes propriedades utilizando trabalho escravo. O líder democrata
Tibério Graco adiantou propostas para uma reforma agrária em 133 a.C., mas foi
assassinado pelo partido senatorial. Seu irmão assumiu a causa dos fazendeiros
e também foi assassinado, sendo a liderança democrática passada para o
comandante militar Caio Mário.
Em 107 a.C., Caio Mário era cônsul de Roma. Mas o Senado encontrou um campeão
próprio: Lúcio Cornélio Sula, que depôs Mário e se tornou ditador em 82 a.C.
Seguiu-se um horrível reinado de terror até o estadista democrata e general
Caio Júlio César ganhar popularidade e ser devidamente eleito para o mais
importante posto em 63 a.C.
Naquele mesmo ano, as legiões romanas marchavam até a Terra Santa, que já
se encontrava em estado de tumulto sectário. Os fariseus, que observavam as
antigas leis judaicas, bem mais estritas, tinham se revoltado contra a cultura
grega, mais liberal. Fazendo isso, eles se opunham também à casta sacerdotal
dos saduceus, e o ambiente intranqüilo deixava a região vulnerável a invasões.
Vendo a oportunidade, os romanos, sob a liderança de Pompeu Magno (Pompeu, o
Grande), subjugaram a Judéia e tomaram Jerusalém, tendo anexado a Síria e o
resto da Palestina.
Enquanto isso, a hierarquia romana também sofria seus reveses. Júlio
César, Pompeu e Crasso formaram o primeiro Triunvirato governante em Roma, mas
sua administração conjunta sofreu quando César foi enviado à Gália enquanto
Crasso supervisionava a situação em Jerusalém. Em sua ausência, Pompeu mudou
suas tendências políticas, desertando os democratas e juntando-se aos
aristocratas republicanos. Com o retorno de César, eclodiu a guerra civil.
César foi o vitorioso ~m Fársalo, na Grécia, e acabou obtendo total controle
das províncias imperiais quando Pompeu fugiu para o Egito.
Até aquela época, a rainha Cleópatra VII governava o Egito ao lado de seu
irmão Ptolomeu XIII. Entretanto, César visitou Alexandria e conspirou com
Cleópatra, que mandou assassinar o próprio irmão e começou a governar sozinha.
César prosseguiu com suas campanhas na Ásia Menor e no Norte da África, mas ao
retomar a Roma em 44 a.C. foi assassinado pelos republicanos nos idos de março.
Seu sobrinho Caio Otávio formou um segundo Triunvirato com o general Marco
Antônio e o estadista Marco Lépido. Otávio e Marco Antônio derrotaram os
principais assassinos de César, Bruto e Cássio, em Filipe, na Macedônia, mas
Marco Antônio abandonara sua esposa Otávia (irmã de Otávio) para ficar com
Cleópatra. Isso levou Otávio a declarar guerra contra o Egito, vencendo na
Batalha de Actium, o que levou ao suicídio de Marco Antônio e Cleópatra.
A Palestina, nesse ponto, era composta de três províncias separadas:
Galiléia, ao norte, Judéia, ao sul e Samaria entre as duas. Júlio César tinha
colocado o idumeu Antipater como Procurador da Judéia, com seu filho Herodes
como governador da Galiléia, mas Antipater foi morto pouco depois, e Herodes
foi chamado a Roma para ser nomeado rei da Judéia.
Para a maioria de seus súditos, Herodes era um usurpador árabe. Ele tinha
se convertido a uma forma de Judaísmo, mas não era da sucessão de Davi. Na
prática, a autoridade de Herodes se confinava à Galiléia,já que a Judéia era governada
pelo procurador romano na Cesaréia. Entre os dois, o regime era rigoroso ao
extremo, e mais de 3.000 crucificações sumárias foram feitas para forçar a
população à submissão. Impostos proibitivos eram cobrados, a tortura se tornara
uma prática comum e a taxa de suicídio entre os judeus subia de maneira
alarmante.
Foi em meio a esse ambiente brutal que Jesus nasceu: um clima de opressão
controlado por um monarca-marionete, apoiado por uma força ocupacional militar
altamente organizada. Os judeus viviam desesperados pelo seu tão aguardado
Messias ("Ungido" - do verbo hebraico maisach, "ungir"),
mas nem se pensava que tal Messias fosse divino. O que as pessoas esperavam era
um libertador que usasse a força para garantir-lhes a liberdade dos senhores
romanos. Entre os famosos Pergaminhos do Mar Morto, o texto conhecido como a
Regra de Guerra determina uma estratégia para a batalha final, chamando o
Messias de comandante militar supremo de Israel.
Os Pergaminhos do Mar Morto são atualmente os recursos mais úteis para
compreendermos a cultura judaica da era anterior aos evangelhos, mas foram
descobertos por acaso em 1947. Um pastorzinho beduíno, Mohammed ed-Di'b, estava
procurando uma cabra perdida nas cavernas de um penhasco de Qumrã, perto de
Jericó, quando encontrou um número de antigos e altos potes de terra. Foram
chamados arqueólogos profissionais e feitas escavações - não só em Qurnrã, mas
também em Muraba e Mird, nas proximidades, e no deserto da Judéia. Muitos
outros foram descobertos em 11 cavernas diferentes. Ao todo, os potes continham
500 manuscritos árabes e aramaicos - entre eles, escritos do Antigo Testamento
e numerosos documentos de registros das comunidades, com algumas de suas
tradições remontando a cerca de 250 a.C. Os Pergaminhos tinham sido escondidos
durante a Revolta dos Judeus contra os romanos (entre 66 e 70 d.C.) e jamais
recuperados. O livro do Antigo Testamento de Jeremias (32:14) Diz
profeticamente: "Assim diz o Senhor dos Exércitos: Toma esta escritura... Tanto
a selada como a aberta, e mete-as num vaso de barro, para que se possam
conservar por muitos dias.
Entre os textos mais importantes dos manuscritos, o Pergaminho de Cobre
traz um inventário, dando as localizações dos tesouros de Jerusalém e do cemitério
do vale de Cedrom. O Pergaminho da Guerra contém um relato completo de táticas
e estratégias militares. O Manual da Disciplina especifica as leis e a prática
legal junto ao ritual habitual e descreve a importância de um Conselho dos
Doze, designado para preservar a fé da terra. O fascinante Habacuc Pesher faz
um comentário sobre as personalidades contemporâneas e desenvolvimentos
importantes da época. Também faz parte da coleção um manuscrito completo de
Isaías que, com cerca de 9 metros de comprimento, é o pergaminho mais longo,
séculos mais velho que qualquer outro documento conhecido dos livros do Antigo
Testamento.
Para complementar essas descobertas, outro achado significativo da era
anterior aos Evangelhos tinha sido feito dois anos antes. Em dezembro de 1945,
dois irmãos camponeses, Mohammed e Khalifah. Ali, estavam escavando em busca de
fertilizantes num cemitério perto da cidade de Nag Hammadi, quando encontraram
um grande pote selada contendo livros encadernados com couro. As folhas de
papiro dos livros continham um sortimento de escrituras, compostas na tradição
que futuramente seria conhecida como gnóstica (visão esotérica). Obras
inerentemente cristãs, mas com tons judaicos, elas ficaram conhecidas como a
Biblioteca de Nag Hammadi.
Os livros foram escritos na antiga língua cóptica do Egito, durante os
primeiros anos da era cristã. O Museu Cóptico em Cairo certificou que eram, na
verdade, cópias de obras muito mais velhas, originalmente compostas em grego.
De fato, descobriu-se que alguns dos textos tinham origens muito remotas,
incorporando tradições anteriores ao ano de 50 d.C. Os 52 tratados separados
incluem vários textos religiosos e alguns Evangelhos até então desconhecidos.
Eles costumam retratar um ambiente muito diferente daquele descrito na Bíblia.
Sodoma e Gomorra, por exemplo, não são apresentadas como centros de
perversidade e lascívia, mas como cidades de grande sabedoria e cultura.
Servindo mais ao nosso propósito aqui, eles descrevem um mundo no qual Jesus
narra pessoalmente a Crucificação e seu relacionamento com Maria Madalena
atinge novas e elucidativas proporções.
A revolução em 168 a.C., na qual a casta sacerdotal dos Macabeus chegou à
proeminência, foi grandemente impulsionada pela ação do rei Antíoco IV Epífanes
da Síria, que impôs um sistema de culto grego à comunidade judaica.
Posteriormente, os Macabeus consagraram o Templo novamente, mas, apesar do
sucesso dos judeus contra Antíoco, muito dano social interno fora causado
porque a campanha os tinha obrigado a lutar no sabá. Um núcleo de rigorosos
judeus devotos conhecidos como os Hassídicos ("os piedosos") se
opunha fortemente a isso e, quando a triunfante Casa dos Macabeus assumiu o
controle e colocou seu rei e sumo sacerdote em Jerusalém, os hassídicos não só
expressaram sua oposição, mas também saíram em massa da cidade para estabelecer
sua comunidade "pura" nas proximidades do deserto de Qumrã. O
trabalho de construção foi iniciado em 130 a.C.
Muitas relíquias da época já foram descobertas e, na década de 1950, mais
de mil covas foram desenterradas em Qumrã. Um vasto complexo monástico da
segunda habitação também foi exposto, com salas de reuniões, bancos de gesso,
uma enorme cisterna de água e um labirinto de canais de água. Na sala dos
escrivões havia poços de tinta e os vestígios das mesas onde os Pergaminhos
eram estendidos - alguns com mais de cinco metros de comprimento. Foi
confirmado por arqueólogos e estudiosos que o assentamento original fora
danificado num terremoto e reconstruído pelos essênios no fim da era herodotiana.
Os essênios formavam uma das três principais seitas judaicas filosóficas (as
outras duas sendo os fariseus e os saduceus). .
Muitos manuscritos bíblicos foram encontrados em Qumrã, relacionados a
livros como Gênesis, Êxodo, Deuteronômio, Isaías, Jó e outros. Há também
comentários a respeito de textos selecionados e vários documentos de leis e
registros. Entre esses antigos livros estão alguns dos mais antigos escritos já
encontrados, precedendo a qualquer fonte de onde a Bíblia tradicional tenha
sido traduzi da. De particular interesse são certos comentários bíblicos
compilados pelos escrivães que relacionam os textos do Antigo Testamento aos
eventos históricos de sua própria época.Tal correlação é especialmente visível
no comentário dos escrivães sobre os Salmos e alguns livros proféticos como
Naum, Habacuc e Oséias.
A técnica aplicada para relacionar desse modo esses escritos do Antigo
Testamento à era no Novo Testamento se baseava no uso do "conhecimento
escatológico" - uma forma de representação codificada que usava palavras e
passagens tradicionais às quais eram atribuídos significados especiais e
relevantes ao entendimento contemporâneo. Esses significados só podiam ser
compreendidos por aqueles que conheciam o código.
Os essênios eram treinados no uso desse código alegórico, que ocorre nos
textos do Evangelho, particularmente em relação àquelas parábolas transmitidas
pelas palavras "quem tem ouvidos para ouvir, ouça". Quando, os
escrivães se referiam aos romanos, por exemplo, escreviam sobre os Kittim -
ostensivamente um nome para os povos da costa mediterrânea, termo que também
era usado para denotar os antigos caldeus, que o Antigo Testamento descreve
como "os caldeus, nação amarga e impetuosa, que marcham pela largura da
terra, para apoderar-se de moradas que não são suas" (Habacuc 1:6). Os
essênios ressuscitaram a velha palavra e a usaram em sua época, e os leitores
esclarecidos sabiam que Kittim era sempre uma referência aos romanos.
Para que os Evangelhos não fossem compreendidos pelos romanos, eles
foram, em grande parte, construídos com camadas duplas de significado
(escritura evangélica na superfície e informação política por baixo), e as
mensagens cuidadosamente dirigidas geralmente se baseavam em códigos de
substituição passados pelos escrivães. Entretanto, um conhecimento básico do
código só se tornou acessível quando os Pergaminhos do Mar Morto foram
descobertos recentemente. A partir de então, o entendimento da técnica críptica
propiciou maior compreensão da inteligência política velada nos textos dos
Evangelhos. O mais extenso trabalho nesse campo é o de uma renomada teóloga, a
Dra Bárbara Thiering, conferencista da Universidade de Sydney, a partir de 1967.
A Dr Thiering explica o código de forma muito clara. Jesus, por exemplo,
era citado como "a palavra de Deus". Assim, uma passagem
superficialmente rotineira como em 2 Timóteo 2:9: "A palavra de Deus não
está algemada" seria imediatamente compreendida como uma referência a
Jesus - nesse caso indicando que Jesus não estava confinado. De modo
semelhante, o imperador romano era chamado de Leão. Portanto, ser "salvo
da boca do leão" significava escapar das garras do imperador e de seus
oficiais.
O estudo dos Pergaminhos - particularmente o Pesharim, o Manual da
Disciplina, a Regra da Comunidade e a Liturgia Angélica revela um número de
definições em código e pseudônimos que costumavam ser mal compreendidos ou não
considerados importantes. Por exemplo, os "pobres" não eram os
cidadãos atingidos pela pobreza e marginalizados, e sim aqueles que tinham sido
iniciados nos escalões mais altos da comunidade e, por causa disso, eram
obrigados a abandonar suas propriedades e posses mundanas. "Muitos"
era um título usado para os líderes da comunidade celibatária, enquanto
"multidão" era uma designação do tetrarca (governador) regional e uma
"concentração de gente" era um conselho governante. Os noviços no
estabelecimento religioso eram chamados de "crianças" (filhos). O
tema doutrinal da comunidade era conhecido como o Caminho e aqueles que
seguiram os princípios do Caminho eram conhecidos como os Filhos da Luz.
O termo "leprosos" costumava ser usado para denotar aqueles que
não tinham sido iniciados na comunidade superior, ou por ela denunciados. Os
"cegos" eram aqueles que não partilhavam do Caminho e, portanto, não
viam a Luz. Nesse sentido, os textos mencionando "cura de um cego ou cura
de um leproso" referem-se mais especificamente ao processo de conversão ao
Caminho. Livrar-se da excomunhão era descrito "ser ressuscitado" (um
termo especialmente importante, ao qual retomaremos). A definição de
"impuro" se referia principalmente aos gentios não circuncidados,
enquanto o termo "doente" denotava as pessoas caídas em desgraça
pública ou clerical.
Tais informações, ocultas no Novo Testamento, tinham considerável
relevância quando foram escritas, e continuam tendo. Os métodos de disfarçar as
verdadeiras significações incluíam alegoria, simbolismo, metáfora, símile,
definição sectária e pseudônimos. Os significados ficavam totalmente claros,
porém, para aqueles que "tinham ouvidos para ouvir".
Há, de fato, muitas formas semelhantes de jargão nas línguas modernas.
Pessoas não totalmente familiarizadas com o português, por exemplo, podem ter
dificuldade em entender expressões como "o Orador se dirigiu ao
Gabinete", "os presentes se opuseram ao painel". Também nos
termos do Novo Testamento, havia uma linguagem esotérica, que incluía nuvens,
ovelhas, peixes, pães, corvos, pombas e camelos. Todas essas classificações
eram pertinentes, porque se referiam a pessoas - assim como hoje usamos
tubarão, touro, urso, etc. Hoje em dia nos referimos aos artistas de cinema
como "estrelas", enquanto os investidores no mundo do entretenimento
são chamados de "anjos". Como um leitor do futuro, digamos daqui a
2.000 anos, sem conhecimento dessas expressões, entenderia a frase: "O
anjo estava converSando com as estrelas"?
Além disso, alguns termos esotéricos no Novo Testamento não descreviam
apenas o status social das pessoas, mas eram títulos com especial relevância à
tradição do Antigo Testamento. A doutrina que a comunidade considerava sua
mensagem-guia era a Luz, e essa era representada por uma triarquia de alto
escalão (correspondendo, respectivamente, a Sacerdote, Rei e Profeta) que
retinha os títulos simbólicos de Poder, Reino e Glória. No patriarcado, o Pai
era supremo e seus dois assistentes imediatos eram designados como seu Filho e
seu Espírito.
Alguns dos registros não-bíblicos mais importantes da era do Novo
Testamento foram preservados nos escritos de Flávio Josefo, cujas obras Antiguidades Judaicas e Wars of
the Jews foram escritas sob um ponto de vista pessoal, pois ele era o
comandante militar na defesa da Galiléia durante a Revolta dos Judeus no
primeiro século da era cristã.
Josefo explica que os essênios eram muito bem treinados na arte da cura e
receberam seus conhecimentos terapêuticos sobre raízes e pedras dos
antepassados. Realmente, o termo essênio pode se referir a essa especialidade,
pois a palavra aramaica asayya significava médico e correspondia ao termo grego
essenoi.
Uma crença fundamental dos essênios era que o Universo continha os dois
espíritos cardeais de Luz e Escuridão. A Luz representava a verdade e a
justiça, enquanto a Escuridão indicava a perversidade e o mal. O equilíbrio
entre as duas no Cosmos era alcançado pelo movimento celestial, e as pessoas
recebiam iguais proporções de cada espírito, conforme determinado pelas
circunstâncias planetárias de seu nascimento. A batalha cósmica entre Luz e
Escuridão era, assim, perpetuada na humanidade e entre uma pessoa e outra:
algumas continham proporcionalmente mais Luz; outras, mais Escuridão.
Deus era considerado o governante supremo, acima dos dois espíritos
cardeais, mas, para encontrar o Caminho da Luz, era preciso seguir uma longa e
árdua trilha de conflito. Essa trilha culminava num confronto final de uma
força contra outra num Tempo de Justificativa, posteriormente chamado de Dia do
Julgamento. Acreditava-se que, à medida que esse momento se aproximava, as
forças da Escuridão ganhavam forças durante um Período de Tentação. Aqueles que
seguiam o Caminho da Luz se esforçavam para evitar a impendente avaliação, com
a súplica "Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal".
Pela tradição, o Espírito da Escuridão era identificado com Belial
(indigno), cujos filhos (Deuteronômio 13:13) veneravam outros deuses que não
Javé. O Espírito da Luz era sustentado pela hierarquia e simbolizado por um castiçal
de sete braços, o Menorá. Na época dos reis descendentes de Davi, o sacerdote
de Zadoque era considerado o principal proponente da Luz.
Mas assim como o Espírito de Luz tinha seu representante na Terra, o da
Escuridão também tinha. Era uma nomeação designada pelo Chefe dos Escrivães,
cujo propósito era fornecer uma oposição formal dentro da estrutura
hierárquica. Uma responsabilidade prioritária do designado Príncipe das Trevas
era testar as iniciadas com o celibato, capacidade que lhe conferia o título
hebraico de satanás ("Acusador"). O título equivalente em grego era
diabolos ("Agressor"), originando a palavra "diabo" ou, em
inglês, devil (a voz de satanás não era diferente da do advogado do diabo, que
tenta os candidatos potenciais à canonização na Igreja Católica Romana).
No livro do Apocalipse (16:16), a grande guerra final entre Luz e
Escuridão (entre o bem e o mal) é prevista para acontecer em Armagedon (Bar
Megiddo: os Altos de Megido), um importante campo de batalha palestino, onde
uma fortaleza militar guardava as planícies de Jezreel, ao sul das colinas da
Galiléia. O Pergaminho da Guerra descreve em detalhes a iminente luta entre os
Filhos da Luz e os Filhos da Escuridão.46 As tribos de Israel ficariam de um
lado, com os Kittim (romanos) e várias facções do outro. No contexto dessa
guerra intensa, porém, não há menção de um satanás onipotente - esse tipo de
imagem mítica não fazia parte da visão que a comunidade tinha do Juízo Final. O
conflito seria uma questão puramente mortal entre a Luz, que era Israel, e a
Escuridão da Roma Imperial.
Muito tempo depois, a noção fundamental por trás desse antigo conceito
foi adaptada pela emergente Igreja de Roma. A batalha simbólica de Bar Megiddo
foi removida de sua localização específica e reaplicada a uma escala mundial,
com Roma (a Escuridão) usurpando a Luz para seus propósitos. Para que o poder
dos bispos católicos prevalecesse, foi estrategicamente declarado que o Dia do
Juizo Final ainda não chegara. Aqueles que obedecessem aos princípios revisados
da Igreja Católica Romana tinham a promessa de entrar no Reino dos Céus,
santificados pelos bispos. A fortaleza local e temporal de Har Megiddo foi,
portanto, investi da de toques sobrenaturais, de modo que a própria palavra
Armagedon adquiriu um hediondo tom de terror apocalíptico. Implicava o temível
fim de todas as coisas, de onde a única rota até a salvação era a absoluta
obediência aos princípios de Roma. Foi, de fato, uma das mais engenhosas
manobras políticas de todos os tempos.
Os Evangelhos do Novo Testamento são escritos de maneira que não é comum
em nenhum outro tipo de literatura. Entretanto, seu método de construção não
foi acidental, pois eles tinham um propósito específico e não pretendiam relatar
fatos históricos. O objetivo dos Evangelhos era transmitir uma mensagem
evangélica (grego: eu-aggelos - "trazer boas notícias"). A palavra
inglesa Gospel (evangelho) é uma tradução anglo-saxônia do grego, significando
exatamente a mesma coisa.
O Evangelho original de Marcos foi escrito em Roma, por volta de 66 d.C.
Clemente de Alexandria, o clérigo do século II, confirmou que ele fora
divulgado numa época em que os judeus da Judéia se revoltavam contra a ocupação
romana e estavam sendo crucificados aos milhares. O autor do Evangelho,
portanto, obviamente se preocupava com a própria segurança e não podia
apresentar um documento que fosse abertamente anti-romano; sua missão era
espalhar as Boas Novas, não criar motivo para a condenação delas. O Evangelho de
Marcos era uma mensagem de apoio fraterno, uma promessa de salvação
independente para aqueles que viviam sob o jugo do domínio sufocante de Roma.
Tal previsão de liberdade tranqüilizava o espírito das pessoas e aliviava parte
da pressão dos governantes, cuja subjugação era sentida em todo o império.
Subseqüentemente, o Evangelho de Marcos se tomou uma fonte de referência
para os Evangelhos de Mateus e Lucas, cujos autores se estenderam bem mais no
tema. Por esse motivo, os três são conhecidos juntamente como os Evangelhos
Sinópticos (grego: syn-optikos - "[ver] com os mesmos olhos"), embora
se contradigam em alguns aspectos.
O Evangelho de João difere dos outros em conteúdo, estilo e conceito,
sendo influenciado pelas tradições de uma seita comunitária específica. Ele não
é, portanto, nem um pouco ingênuo em seu relato da história de Jesus e,
consequentemente, teve seus seguidores, que preservaram a distinção entre ele e
os Evangelhos Sinópticos. João também inclui inúmeros pequenos detalhes que não
aparecem em outros lugares: um fator que levou muitos estudiosos a concluir que
é um testemunho mais apurado, em termos gerais.
O primeiro Evangelho publicado, o de Marcos, não menciona a Concepção
Imaculada. Os Evangelhos de Mateus e Lucas a destacam com variados graus de
ênfase, mas a Concepção é totalmente ignorada em João. No passado, como agora,
os clérigos, estudiosos e professores lidavam com a dificuldade de analisar o
material variante, o que resultou em escolhas de crença baseadas num grupo de documentos
que são muito vagos em determinadas partes. Consequentemente, alguns pedaços
foram extraídos de cada Evangelho, a ponto de se criar um pseudo-evangelho
totalmente novo. Aos estudantes se diz simplesmente que "a Bíblia diz
isso", ou "a Bíblia diz aquilo". Para' estudar a Concepção
Imaculada, os estudantes da Bíblia são instruídos a procurar Mateus e Lucas.
Quanto a outros aspectos, a instrução é que se recorra ao Evangelho ou aos
Evangelhos respectivos, como se todos fossem capítulos constituintes da mesma
obra geral, quando, na verdade, não são.
Com o passar dos séculos, várias especulações sobre conteúdo bíblico se
tomaram interpretações, sendo estabelecidas como dogmas pela Igreja. As
doutrinas emergentes foram integradas à sociedade como se fossem fatos
positivos. Alunos em escolas e igrejas raramente aprendem que Mateus dizia que
Maria era virgem, mas Marcos não; ou que Lucas menciona a manjedoura onde Jesus
foi colocado, enquanto os outros Evangelhos não; ou ainda que nenhum dos
Evangelhos faz a mais vaga referência a um estábulo, que se tomou parte
integrante da tradição popular. O ensinamento seletivo dessa espécie não se
aplica só à Natividade em Belém, mas a muitos incidentes na vida conhecida de
Jesus. As crianças cristãs aprendem uma história sutilmente compilada, que
extrai os traços mais interessantes de cada Evangelho e os une num único conto
bem elaborado, que nunca foi escrito.
O conceito da Concepção Imaculada, ou do nascimento imaculado de Jesus, é
o verdadeiro âmago da tradição cristã ortodoxa. Mesmo assim, é mencionado
apenas em dois dos quatro Evangelhos e em nenhum outro lugar no Novo
Testamento. Em Mateus 1:18-23, lemos:
"Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua
mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida
pelo Espírito Santo. Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo
infamar, resolveu deixá-la secretamente.
Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo
do Senhor, dizendo: 'José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher,
porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e
por-lhe-á o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles'.
Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo
Senhor por intermédio do profeta: eis que a virgem conceberá e dará à luz um
filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus
conosco."
O profeta mencionado é Isaías, que, em 735 a.C., quando Jerusalém se
encontrava sob ameaça da Síria, proclamou ao perturbado rei Acaz: "Ouvi,
agora, ó casa de Davi... Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe
chamará Emanuel" (Isaías 7:13-14).41 Mas não há indicação alguma de que
Isaías estivesse prevendo o nascimento de Jesus, mais de 700 anos atrás. Essa
revelação de nada teria servido a Acaz, em seus momentos de desespero. Como
muitos exemplos no Novo Testamento, esse ilustra o modo como os eventos dos
Evangelhos costumavam ser interpretados para se adequar às ambíguas profecias.
Fora isso, a compreensão popular do texto do Evangelho se baseia em
muitos outros conceitos errôneos. A palavra semítica traduzida como
"virgem" era almah, que na verdade significava apenas uma
"mulher jovem". A palavra comparativa denotando uma mulher virgem era
bethulah. Em latim, a palavra virgo significava simplesmente
"não-casada" e, com a implicação da moderna conotação de
"virgem", o substantivo latino teria de ser qualificado pelo adjetivo
intacta (i.e., virgo intacta), dando a idéia de inexperiência sexua1.
A virgindade física atribuída a Maria se toma ainda menos crível em
relação às afirmações católicas dogmáticas de que ela era "sempre
virgem". Não é segredo que Maria teve outros filhos, como se confirma em
cada um dos Evangelhos: "Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama
sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas?" (Mateus 13
:55). Tanto em Lucas 2:7 como em Mateus 1:25, Jesus é citado como "o
primogênito de Maria". A citação acima de Mateus, além do mais, descreve
Jesus como "o filho do carpinteiro" (ou seja, o filho de José) e
Lucas 2:27 se refere claramente a José e Maria como os "pais" de
Jesus. Tanto Mateus 13:56 como Marcos 6:3 indicam que Jesus também tinha irmãs.
A descrição de Jesus como filho de um carpinteiro é outro exemplo de como
uma linguagem posterior interpretou erroneamente o significado original. Não é
uma tradução deliberadamente errada, mas mostra como algumas raízes hebraicas e
aramaicas, envoltas em textos gregos, não possuem termos correspondentes em outras
línguas. O termo traduzido como "carpinteiro" representa o sentido
muito vasto do antigo grego, ho tekton, que é equivalente à palavra semítica
naggar. Como explicou o estudioso semítico Dr. Geza Vermes, essa palavra
descritiva talvez possa ser aplicada a um trabalhador de oficio, mas é mais
provável que defina um estudioso ou professor. Certamente não descrevia José
como um artesão da madeira; definia-o, isto sim, como homem de habilidades - um
homem instruído e mestre de uma profissão. Na verdade, as melhores traduções de
ho tekton dizem respeito a um Mestre Artesão ou um Mestre da Arte: um termo
ainda usado na Maçonaria livre moderna.
Do mesmo modo, a menção em Lucas do bebê Jesus sendo colocado numa
manjedoura gerou o conceito da Natividade num estábulo, completa com todos os
animais típicos e em reverência. Mas não há base para essa imagem; nenhum
estábulo é mencionado nos Evangelhos originais ou autorizados. Na verdade, em
Mateus 2:11 vemos claramente que o menino Jesus estava deitado dentro de uma casa:
"Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o
adoraram."
Devemos observar também que as palavras exatas usadas em Lucas 2:7
explicam que Jesus foi colocado numa manjedoura porque não havia lugar "na
hospedaria", não "em toda a área da hospedaria", como se
subentende (a despeito do fato de não existirem hospedarias na região). O autor
e biógrafo A. N. Wilson especifica, porém, que o texto original grego (do qual
o Novo Testamento foi traduzido) na verdade diz que não havia "topos na
kataluma" - denotando que não havia “ lugar na sala". Na realidade, era comum usarem manjedouras
(gamelas para alimentar animais) na falta de berço.
De acordo com a citação em Hebreus 7:14, Jesus era da tribo de Judá. É
evidente, portanto, que pertencia à linhagem do rei Davi. As escrituras também
dizem que Jesus era de Nazaré, mas isso não significa que ele tenha vindo da
cidade de Nazaré. Embora Lucas 2:39 sugira que a família de José fosse de
Nazaré, o termo nazareno (ou nazireu) era estritamente sectário e nada tinha a
ver com o lugar.
Em Atos 24:5, São Paulo é acusado de sedição religiosa diante do
governador de Cesaréia: "Este homem é uma peste e promove sedições entre
os judeus esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita
dos nazarenos". O termo árabe para cristãos é Nasrani e o Alcorão islâmico
se refere aos cristãos como Nasara ou Nazara. Essas variantes derivam do
hebraico Nozrim, um substantivo plural originário da descrição Nazire ha-Brit
(Mantenedores da Aliança), uma designação da comunidade essênia em Qumrã, no
mar Morto.
Na verdade, há controvérsias quanto à real existência do lugar chamado
Nazaré na época de Jesus, pois não aparece nos mapas contemporâneos nem em
livros, documentos, crônicas ou registros militares do período, de compilação
romana ou local. Mesmo São Paulo, que narra em suas cartas muitas das
atividades de Jesus, não faz alusão a Nazaré. Pelo que se saiba, Nazaré (que
não aparece no Talmude hebraico) não tinha a menor importância antes da
destruição de Jerusalém em 70 d.C., muito tempo depois da crucificação de
Jesus.
João Batista e o irmão de Jesus, Tiago, eram nazarenos; mas o termo
sectário equivalente mais antigo, nazireu, pode ser encontrado nas figuras de
Sansão e Samuel, do Antigo Testamento. Os nazireus eram indivíduos ascéticos
comprometidos por votos rígidos durante períodos predeterminados, como se vê em
Números 6:2-21. Na era dos Evangelhos, os nazireus eram associados à comunidade
essênia de Qurnrã - o ambiente de José e Maria. A comunidade observava certas
estritas disciplinas em relação a noivado e matrimônio dinástico; por isso,
devemos nos referir à virgindade de Maria nesse contexto específico.
Tanto Mateus 1:18 como Lucas 2:5 afirmam que Maria estava "desposada"
com José, e a partir de então ela é chamada de "mulher" dele. Nesse
sentido, a palavra "desposada" não significa noiva; o termo se refere
a um matrimônio contratual.
Mas em quais circunstâncias uma mulher casada seria também virgem? Para
responder a essa pergunta, devemos nos referir à palavra semítica original
almah - que foi traduzida como "virgem" (de virgo) e incorretamente
interpretada como virgo intacta.
Como vimos, o real significado de almah era "jovem mulher" (sem
conotação sexual). Era perfeitamente possível, portanto, que Maria fosse ao
mesmo tempo almah e esposa de José. Vejamos novamente como Mateus descreve o
momento em que José descobre a gravidez de Maria, e tinha de decidir se a
esconderia ou não. Seria perfeitamente normal para uma mulher casada
engravidar, mas não era o caso de Maria.
Como esposa de um marido dinástico, Maria deveria se guiar pelas regras
aplicáveis às linhagens messiânicas (ungidas) como as do rei Davi e do
sacerdote Zadoque. Na verdade, Maria estava vivendo um período de provação
estatutária, como uma mulher casada da hierarquia dinástica (um período nupcial
em que as relações sexuais eram proibidas) e José ficaria publicamente
embaraçado caso a gravidez dela fosse revelada. A situação foi resolvida
somente quando o sumo sacerdote de Abiatar (o designado Gabriel) concedeu
aprovação para o confinamento.
Desde os tempos do rei Davi, a dinastia de Abiatar (2 Samuel 20:25) foi
estabelecida na hierarquia dos sacerdotes superiores. A linhagem de Zadoque era
a herança sacerdotal primária e a de Abiatar era a segunda. Além dos títulos
sacerdotais tradicionais, os essênios também preservaram os novos dos arcanjos
do Antigo Testamento em sua estrutura governante. Daí, o sacerdote de Zadoque
era também o arcanjo Miguel, enquanto o sacerdote de Abiatar (independentemente
de seu nome pessoal) seria o anjo Gabriel. Sendo subordinado a Zadoque/Miguel
(o Senhor: "como Deus"), Abiatar/Gabriel era o anjo designado do
Senhor (o embaixador do Miguel/Zadoque). Esse sistema angélico aparece em
detalhes no Livro 1 de Enoque 4:9, enquanto o Pergaminho da Guerra 9:15-17
identifica a ordem dos anjos de classe sacerdotal durante a era dos Evangelhos.
No relato de Lucas, foi pela intermediação do anjo Gabriel que a gravidez
de Maria recebeu aprovação, tomando-se consequentemente sagrada. Tal fato ficou
conhecido como a Anunciação, mas se tratava mais de uma questão de sancionar do
que anunciar.
Antes do nascimento de Jesus, o sumo sacerdote de Zadoque (Miguel) era Zacarias.
Sua esposa era Isabel, a prima de Maria, e seu assistente, o sacerdote de
Abiatar (Gabriel), era Simeão, o Essênio. Foi ele quem concedeu o consentimento
formal para o confinamento de Maria, embora ela e José tivessem desobedecido às
regras do matrimônio doméstico.
É evidente que essas regras domésticas não eram banais, e eram totalmente
diferentes da norma marital judaica. Parâmetros de operação eram explicitamente
definidos, ditando um estilo de vida celibatário, exceto para a procriação de
filhos e, mesmo assim, a intervalos determinados. Três meses depois de uma
cerimônia de noivado, um Primeiro Casamento era formalizado para que o período
da vida conjugal começasse no mês de setembro. As relações físicas eram
permitidas, então, mas só na primeira metade de dezembro. Isso era para
garantir que qualquer nascimento messiânico resultante ocorresse no mês do
Perdão (setembro). Se a noiva não concebesse, as relações íntimas eram
suspensas até o próximo dezembro, e assim por diante.
Quando a esposa em período probatório tivesse concebido, um Segundo
Casamento era realizado para legalizar o matrimônio. Entretanto, a noiva ainda
era considerada almah até a completude do Segundo Casamento, o qual, segundo
Flávio Josefo, jamais era celebrado até o terceiro mês de gravidez. O propósito
dessa demora era permitir a possibilidade de um aborto espontâneo. Os Segundos
Casamentos, portanto, ocorriam no mês de março. O motivo de um pleno matrimônio
não ser realizado até que a gravidez estivesse comprovada era acomodar a
mudança legal de mulher por parte do marido, caso a primeira fosse estéril.
No caso de José e Maria, nota-se que as regras do matrimônio dinástico
foram infringidas, pois Maria deu à luz Jesus na época errada do ano (domingo,
1o. de março, 7 a.C.). A união sexual deve ter ocorrido seis meses
antes do dezembro designado, em junho de 8 a.C. - mais ou menos na época do
noivado inicial- uns três meses antes do Primeiro Casamento em setembro. E foi
assim que Maria não só concebeu como almah, mas também deu à luz como alma,
antes do Segundo Casamento.
Confirmada a gravidez não-autorizada de Maria, José teria a escolha de
não prosseguir até a cerimônia do Segundo Casamento. Para evitar o embaraço,
ele poderia ter deixado Maria em custódia monástica ("deixá-la secretamente",
como em Mateus 1:19), em que a criança pródiga seria criada pelos sacerdotes.
Mas, se a criança fosse um menino, seria o primeiro descendente de José
na sucessão de Davi. Não faria sentido criá-lo como um órfão não identificado,
deixando um possível irmão mais novo para se tomar seu substituto na linhagem
real. A criança não-nascida de José e Maria seja certamente uma perspectiva
importante e exigia um tratamento especial de exceção à regra geral. Assim, o
anjo Gabriel teria aconselhado que, já que um legado sagrado estava em jogo,
José prosseguisse até o Segundo Casamento: "porque o que nela foi gerado é
do Espírito Santo" (Mateus 1:20).
Seguindo as instruções, as regras normais teriam sido aplicadas novamente
- a primeira sendo que não haveria contato físico entre marido e mulher até a
criança nascer: "Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do
Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à
luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus" (Ma teus 1:24-25). Só o que os
autores dos Evangelhos tinham a fazer era envolver toda a seqüência num véu de
enigma, e isso era possível graças à profecia de Isaías, no Antigo Testamento.
Por mais estranho que pareça, o Evangelho de Marcos (nos quais tanto
Mateus como Lucas se basearam) não menciona a Natividade. João 7:42 alude ao
nascimento em Belém, mas não como um evento misterioso. Tampouco João sugere
que a concepção de Maria seja virginal. Na verdade, o Evangelho se refere
somente à descendência de Davi por parte de Jesus: "Não diz a Escritura
que o Cristo vem da descendência de Davi e da aldeia de Belém, donde era
Davi?" Até o Evangelho de Mateus, que implica a noção da Concepção
Imaculada, começa com a afirmação: "Livro da genealogia de Jesus Cristo,
filho de Davi, filho de Abraão".
A Epístola de Paulo aos Romanos 1:3-4 se refere a "Jesus Cristo,
nosso Senhor, o qual segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi
designado Filho de Deus". Novamente em Marcos 10:47 e Mateus 22:42, Jesus
é chamado de "filho de Davi". Em Atos 2:30, Pedro, referindo-se ao
rei Davi, chama Jesus de "um de seus descendentes [que] se assentaria no
seu trono".
Levando tudo isso em conta, a divindade de Jesus é figurativamente
retratada, enquanto sua descendência de Davi ("um de seus
descendentes") é insistentemente declarada como fato.66 De fato, Jesus
geralmente referia a si próprio como o Filho do Homem (como em Mateus 16:13).
Quando um sumo sacerdote lhe perguntou se ele era realmente o Filho de Deus,
Jesus disse: "Tu o disseste" - implicando que o sacerdote é quem
afirmara aquilo, não ele (Mateus 26:63-64). Em Lucas 22:70, Jesus respondeu em
termos praticamente idênticos: "Então, disseram todos: tu és o Filho de
Deus? E ele lhes respondeu: Vós dizeis que eu sou".
Um dos principais problemas de Jesus era o fato de ele ter nascido num
ambiente de controvérsias quanto à sua legitimidade. Foi por esse motivo que
Maria e José o levaram a Simeão o Gabriel para legitimá-lo, segundo a Lei
(Lucas 2:25-35). Apesar do esforço dos pais, Jesus provocou uma reação mista e
os judeus se polarizaram em duas facções opostas quanto à questão de seu status
legal na linhagem real. Ele fora concebido no momento errado do ano e nascera
antes que o matrimônio de José e Maria fosse formalizado por seu Segundo
Casamento. Seis anos depois, seu irmão Tiago nasceu dentro das regras do
matrimônio dinástico e não havia dúvida quanto à sua legitimidade. Por isso, as
facções opostas tinham cada uma o seu Messias.
Os helenistas Gudeus ocidentalizados) afirmavam que Jesus era o Cristo
legítimo (grego: Christos - rei), enquanto os hebreus ortodoxos contestavam o
título, atribuindo-o a Tiago. O argumento persistiu por muitos anos, mas, em 23
d.C., José (pai dos dois candidatos) morreu; tornou-se imperativo, então,
resolver a disputa de uma maneira ou de outra.
Por meio de um longo costume prevalecente, os reis de Davi eram aliados
dos sacerdotes dinásticos de Zadoque, e o Zadoque prevalecente era parente de
Jesus: João Batista. Ele se destacara em 26 d.C. com a chegada do governador
romano Pôncio Pilatos. João Batista pertencia à persuasão hebraica, mas Jesus
era um helenista. Assim, João apoiava Tiago, embora reconhecesse Jesus como
legítimo, batizando-o no Jordão. Foi por causa da atitude de João que Jesus
percebeu que deveria partir para a ação, pois, se a perspectiva de um novo
reino judaico ganhasse força, ele certamente perderia para seu irmão Tiago.
Diante dessa situação, ele resolveu criar o próprio grupo organizado de seguidores:
um grupo que não seguiria nenhuma política social convencional. Sua visão era
clara, baseada na lógica de que uma nação judaica dividida jamais derrotaria o
poder de Roma. Mas ele também percebia que os judeus não cumpririam sua missão
se permanecessem separados dos gentios (não-judeus nativos). A ambição de Jesus
pelo reino de Israel era a de uma sociedade harmoniosa, integrada, mas ficou
mais do que frustrada com os judeus inflexíveis, de rígidos princípios
hebraicos.
Jesus sabia muito bem que a tradição previa que um Messias conduziria o
povo à salvação, e sabia como tal Messias era desesperadamente aguardado. João
Batista era recluso demais para desempenhar essa função. Tiago, por sua vez,
pouco fazia pelos próprios intentos, além de desfrutar o conforto de Caifás e o
apoio de João Batista. Assim, de uma posição antes reservada, Jesus entrou para
o domínio público, decidido a dar ao povo seu tão esperado Messias. Afinal de
contas, ele era o primogênito de seu pai, independentemente do que os sacerdotes
e políticos obstinados dissessem sobre o assunto. Em pouco tempo, ele juntou
seus discípulos, nomeou os doze Apóstolos (delegados) e começou seu ministério.
Com isso, buscou a aceitação num mundo onde ele não via divisão por classe,
convicção ou fortuna - promovendo um ideal de serviço nobre que deixaria uma
marca no tempo.
A despeito de toda a sua aparente humildade, há muito pouco para se dizer
de cândido ou pacifista sobre Jesus. Ele sabia muito bem que sua tarefa o
tomaria impopular com as autoridades. Não só os romanos viriam atrás deles, mas
também os próprios governantes judeus, os líderes legais, o poderoso Conselho
do Sinédrio. Mesmo assim, Jesus fez sua entrada como devia, afirmando desde o início:
"Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada" (Mateus 10:34).
Sob tais circunstâncias, parece estranho que um grupo de homens
trabalhadores abandonasse seu sustento para seguir um líder que anunciava:
"Sereis odiados de todos por causa do meu nome" (Mateus 10:22). Não
havia um Cristianismo formal a ser pregado naqueles primeiros tempos, e Jesus
não prometia lucros nem status. Entretanto, os Evangelhos parecem indicar que
seus seguidores abandonavam quaisquer atividades que exercessem e o seguiam
cegamente até o desconhecido para se tomarem "pescadores de homens".
Quem foram, afinal, esses misteriosos Apóstolos? Alguma coisa dos códigos dos
escrivães de Qumrã pode ser aplicada aos textos, que tome a identidade e o propósito
deles mais compreensíveis?
Lucas (6:13 e 10:1) nos diz que Jesus nomeou 82 seguidores ao todo; 70
destes ele enviou para pregar e doze fizeram parte de seu círculo imediato,
seus Apóstolos. Não é segredo para nenhum estudante da Bíblia que os Apóstolos
andavam armados, embora as escolas dominicais ensinem o contrário. De fato,
Jesus quis garantir essa habilidade marcial desde o princípio de sua campanha,
dizendo: "o que não tem espada, venda a sua capa e compre uma" (Lucas
22:36).
Os quatro Evangelhos concordam que Simão foi o primeiro recruta; três
Evangelhos também mencionam seu irmão André. Mas há um desacordo entre João e
os Evangelhos Sinópticos quanto à forma precisa como esse recrutamento ocorreu.
Teria sido ou no Mar da Galiléia
(o lago de Genesaré), onde os dois consertavam redes, ou num ritual de
batismo em Betabara, além do Jordão. Além disso, os relatos diferem novamente
quanto a quem estava presente, na ocasião. João 1:28-43 diz que João Batista
estava lá, enquanto Marcos 1:14-18 afirma que tudo aconteceu enquanto João
Batista estava na prisão.
O relato no Evangelho de João é sem dúvida mais correto, pois os
primeiros discípulos foram recrutados em março de 29 d.C. Em Antiguidades
Judaicas, Flávio Josefo da Galiléia (nascido em 37 d.C.) indica que Jesus
começou seu ministério no 15°. ano do reinado de Tibério César, ou seja, 29
d.C. João Batista só caiu em descrédito um ano mais tarde, em março de 30 d.C
(como se vê em João 3:24). Foi executado pelo sucessor de Herodes, o Grande,
Herodes Antipas da Galiléia, em setembro de 31 d.C.
Em Lucas 5:11, encontramos a história do recrutamento de Simão, como é
contada no relato de Marcos, mas sem menção a André. Na cena seguinte, estão
Tiago e João, os filhos de Zebedeu. Marcos e Lucas declaram, então, que Jesus
alistou também Levi. Em Mateus, porém, o discípulo seguinte não se chama Levi,
mas Mateus. Em João, um dos primeiros recrutas é Filipe, que teria vindo de
Betsaida, a cidade natal de Simão e André. Filipe, por sua vez, trouxe Natanael
de Canaã ao rebanho; e, a partir daí, nada mais se fala de recrutamentos
individuais.
É explicado a partir desse ponto que Jesus reuniu todos os seus
discípulos e dentre eles escolheu doze delegados pessoais. Certas anomalias se
tomam aparentes. Levi desaparece, assim como Natanael; mas Mateus aparece em
todas as listas. Os Evangelhos de Mateus e Marcos mencionam o nome de Tadeu
como um dos doze, enquanto os outros Evangelhos não o fazem; mas Lucas e os
Atos incluem Judas, o irmão de Tiago, entre os doze, embora ele não apareça
nesse contexto em nenhum outro lugar. Em Mateus e Marcos, também somos
apresentados a Simão, o Cananeu, descrito em Lucas e Atos como Simão, o Zelote.
Marcos narra o modo como Jesus deu a Simão, irmão de André, o nome de
Pedro pouco após se conhecerem; mas Mateus e Lucas indicam que ele já tinha
esse nome. Com João, aprendemos que Simão e André eram os filhos de João
(não-relacionado) e que Jesus se referia a Tiago e João (os filhos de Zebedeu)
como Boanerges, ou Filhos do Trovão. Em Marcos e Lucas, Levi, o publicano é
descrito como "um filho de Alfeu", enquanto a lista dos recrutas
finais inclui Tiago, outro filho de Alfeu. Tomás, um Apóstolo freqüente nos
Evangelhos, é mencionado em João e Atos como Dídimo (o Gêmeo). Sobram, então,
apenas Filipe, Bartolomeu e Judas Iscariotes, cada um qualificado por todos os
autores dos Evangelhos.
É evidente que os Apóstolos não eram um grupo de altruístas passivos, que
abandonaram tudo para se juntar a um líder carismático (embora tivesse
descendência real). Os prospectos de Jesus eram desconhecidos e, naquele
estágio, ele ainda não tinha conquistado reputação divina. É, portanto,
evidente, que alguma coisa vital está faltando nos Evangelhos. Entretanto, como
eles foram compilados para não despertar a suspeita dos senhores romanos, boa
parte de seu conteúdo foi retratada em linguagem esotérica para um público que
saberia ler as entrelinhas.
Em muitas ocasiões, nossa atenção se volta para passagens textuais
específicas com as palavras: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça" (como,
por exemplo, em Marcos 4:9). Nesse sentido, entramos agora no esclarecedor
mundo dos textos dos escrivães do Novo Testamento e, abrindo a porta para os
Apóstolos, descobrindo o formidável papel de Jesus como descendente messiânico
do rei Davi.
Jesus se referia a Tiago e João (os filhos de Zebedeu) pelo nome grego
descritivo de Boanerges: os Filhos do Trovão (Marcos 3:17). Esse é um exemplo
positivo de informação críptica dirigida aos iniciados. Trovão e Relâmpago eram
os títulos de dois ministros de alto escalão do Santuário. Os títulos
simbólicos derivavam de referências aos fenômenos do monte Sinai, descritos em
Êxodo 19: 16, quando trovão e relâmpagos envolveram a montanha e Moisés subiu
do acampamento J2ara se encontrar com Javé. O Santuário era um emblema do
Tabernáculo (Êxodo 25:8) e o Santuário Essênio era no Monastério de Mird, a
14,4 quilômetros a sudeste de Jerusalém - local de uma antiga floresta
sacerdotal.
O homem conhecido por Jesus como Trovão era Jônatas Anás, filho de Anano,
o alto sacerdote saduceu de 6 a 15 d.C. Jônatas (significando o que Javé deu)
também era chamado Natanael (Dádiva de Deus), sendo essencialmente o mesmo
nome. Seu contraponto e rival político, conhecido como Relâmpago, era Simão, o
Mago (também chamado de Zebedeu ou Zebadias, significando o que Javé tem dado),
o líder influente dos magos samaritanos. Ele é mais bem conhecido nos
Evangelhos como Simão o Cananeu ou Simão, o Zelote.
Então, seriam Tiago e João os filhos do Trovão (Jônatas Anás) ou os filhos
do Relâmpago/Zebedeu (Simão, o Mago)? A resposta é que eram as duas coisas -
não por nascimento, mas por distinção. Como Boanerges, Tiago e João eram filhos
espirituais (representantes) dos sacerdotes de Anano; também recebiam
instruções de Simão, que estava destinado ao mais alto posto patriarcal - o de
Pai da comunidade.
Somos apresentados, assim, a uma imagem muito diferente do prestígio
social dos Apóstolos. Mesmo Tiago e João, que são identificados como
"pescadores", tomam-se proeminentes na sociedade helenista. Mas por
que foram retratados (além de Simão-Pedro e André) num ambiente de barcos de
pesca? É aqui que entra a versão alternativa de João, pois a pescaria simbólica
era parte tradicional do ritual do batismo.
Os gentios que buscavam afiliação com as tribos judaicas podiam
participar do batismo, mas não ser batizados na água. Embora se juntassem aos
candidatos batismais judeus no mar, eles só tinham permissão de receber bênçãos
sacerdotais após serem içados a bordo de barcos, em grandes redes. Os
sacerdotes que realizavam o batismo eram chamados de "pescadores".
Tiago e João eram pescadores ordenados, mas Simão-Pedro e André estavam entre
os leigos (pegadores de peixe). Numa alusão ao seu ministério mais liberal,
Jesus lhes prometeu promoção canônica, dizendo: "Eu vos farei pescadores
de homens" (Marcos 1:17).
Os Apóstolos obviamente não eram um bando de devotos simplórios, mas um
influente Conselho dos Doze, guiados pelo supremo líder Jesus, o Cristo. Só
muito depois, o seu título real, Jesus Cristo (Rei Jesus), foi erroneamente
interpretado como sendo um nome próprio. É bom lembrarmos aqui que o Manual de
Disciplina de Qunrã especifica a importância de um Conselho dos Doze em
preservar a fé da terra.
Simão, o Mago (ou Zebedeu), era o chefe dos Magos Manassés do Oeste,11
uma casta sacerdotal de filósofos samaritanos que apoiavam a legitimidade de
Jesus. Foram seus embaixadores (os Reis Magos) que visitaram o menino Jesus em
Belém. Simão era um mestre do entretenimento, e os manuscritos sobre sua vida
lidam com questões de cosmologia, magnetismo natural, levitação e psicocinesia.
Ele era um defensor convicto da guerra com Roma, e se tornou conhecido como
Simão Kananites (grego: o "fanático"). Posteriormente, o nome seria
traduzido erroneamente como Simão, o Cananeu.
Como Apóstolo de Jesus, Simão era sem dúvida o mais proeminente em termos
de status social, mas era também um vivaz comandante zelote, e costuma ser
chamado de Simão Zelote, ou Simão, o Zelote. Os zelotes eram lutadores da paz
militantes decididos a se vingar dos romanos que tinham usurpado sua herança e
seu território. Para as autoridades romanas, porém, os zelotes eram
simplesmente lestai (bandidos).
Os Apóstolos, então, já assumem uma identidade mais feroz que a imagem
costumeira que temos deles, mas seu propósito permanece o mesmo: apoiar e
defender seus conterrâneos oprimidos, eles próprios, uma elite. Na maioria,
eram sacerdotes, terapeutas e professores treinados; podiam exibir qualidades misericordiosas
de cura e se apresentar como oradores de grande sabedoria e boa vontade.
Outro líder nacionalista bem nascido e de renome foi Judas, chefe dos
escrivães. Os Pergaminhos do Mar Morto foram produzidos sob sua orientação e a
de seu predecessor, o feroz Judas da Galiléia, fundador do movimento zelote.
Afora essa base acadêmica, o Apóstolo Judas era o chefe tribal dos Manassés do
Leste e um mestre de guerra de Qumrã. Os romanos tinham um apelido para ele:
Judas Sicário (a sica era uma adaga curvada, mortal). A forma grega do apelido
era Sikariotes (homem da adaga), e sua adaptação para Sicariote acabou se
convertendo em "lscariotes". Embora sempre mencionado no fim das
listas apostólicas, Judas Iscariotes seria o segundo, só perdendo para Simão
Zelote.
Tadeu é descrito como um "filho de Alfeu" e também é chamado de
Judas (Theudas) em dois dos Evangelhos. Ele era um líder influente da
comunidade e também um comandante zelote. Durante mais de cinqüenta anos, desde
9 a.C., Tadeu foi líder do Terapeutato, uma ordem ascética que evoluíra durante
a ocupação egípcia de Qumrã. Tadeu era um confederado do pai de Jesus, José, e
participou da revolta popular contra Pôncio Pilatos em 32 d.C.
Tiago, mencionado como outro "filho de Alfeu" , era na
realidade Jônatas Anás, líder do Partido do Trovão. O nome James (Tiago, em
inglês) é uma variante inglesa do nome Jacó, e o título nominal de Jacó era o
título patriarcal de Jônatas. Assim como os nomes dos anjos e arcanjos eram
preservados no sacerdócio superior, também os nomes patriarcais eram
preservados pelos anciãos da comunidade. Estes eram liderados por um
triunvirato de indivíduos especialmente nomeados, aos quais se aplicavam os
nomes titulares de Abraão, Isaac e Jacó. Nesse contexto, Jônatas Anãs foi o
patriarca Jacó por algum tempo (equivalente a James ou Tiago).
Quanto a Mateus (também chamado de Levi), ele também é descrito como um
"filho de Alfeu". Na verdade, tratava-se de Mateus Anas (irmão de
Jônatas) - sucessor como sumo sacerdote a partir de 42 d.C., até ser deposto
por Herodes Agripa I. Mateus tinha profundo interesse na promoção da obra de
Jesus e apoiava ativamente o Evangelho divulgado sob seu nome. Como sucessor de
Jônatas, ele foi o chefe dos sacerdotes levitas e tinha o título nominal de
Levi. Era também um publicano nomeado (funcionário fiscal de Jerusalém),
responsável pela coleta de taxas dos judeus da Diáspora, assentados fora de sua
terra natal, mas ainda passíveis de taxação. A renda da Ásia Menor era coletada
pelos levitas e depositada na Tesouraria em Jerusalém. "Partindo Jesus
dali, viu um homem chamado Mateus sentado na coletaria" (Mateus 9:9). De
modo semelhante, em referência ao mesmo evento, "Viu um publicano chamado
Levi assentado na coletaria" (Lucas 5:27).
Tadeu, Tiago e Mateus (Levi) são descritos como "filhos de
Alfeu", mas não eram todos irmãos. Como em outros lugares, a palavra
"filho" é usada para descrever uma posição de comissionado ou adjunto
(ou assistente). O título "de Alfeu" não implicava relação a uma
pessoa ou lugar, pois significava apenas "da Sucessão".
Como é indicado em João 1 :45-49, Filipe era associado de Jônatas Anás
(também conhecido como Natanael). Um prosélito gentio não-circuncidado,78 Filipe
era o chefe da Ordem de Sem. O Evangelho cóptico de Filipe foi escrito em seu
nome. Bartolomeu (também conhecido como João Marcos) era o companheiro
evangélico e político de Filipe. Era chefe dos prosélitos e um funcionário do
influente Terapeutato egípcio (a comunidade médica) em Qumrã.
Os Evangelhos falam pouco de Tomás, mas ele foi um dos evangelistas
cristãos mais influentes, tendo pregado na Síria, Pérsia e Índia. Acabou
morrendo a golpes de lança, por ordem de Mylapore, perto de Madras. Tomás (originalmente
o príncipe à coroa, Filipe) nasceu na família de Herodes,81 mas perdeu sua
herança quando sua mãe, Mariane II, divorciou-se de Herodes após tentar
assassiná-lo. O meio irmão de Filipe, Herodes Antipas, se tornaria Tetrarca da
Galiléia. Ridicularizando-o, os habitantes locais comparavam o príncipe Filipe
a Esaú- o filho de Isaac que perdera os direitos natos e as bênçãos de seu pai
para seu irmão gêmeo, Jacó (Gênesis 25:27) - e eles o chamavam de Teoma
(aramaico para "gêmeo"): em grego, esse nome se tornou Tomás, às
vezes traduzido como Dídimo (que também significa "gêmeo").
Lidamos aqui com os dois Apóstolos freqüentemente considerados os mais
proeminentes - nessa seqüência, porém, são apresentados por último. De fato, a
ordem em que os Apóstolos são listados nesta seção representa o reverso
daquelas apresentadas nos Evangelhos, porque personagens como Simão Zelote,
Judas Iscariotes e Tadeu eram muito mais poderosos do que indicam suas posições
no fim das listas. Mas os autores dos Evangelhos não organizaram os nomes por
acaso, pois, agindo assim, desviaram a atenção dos romanos daqueles apóstolos
que se destacavam na vida pública.
Por isso, as tabelas apostólicas geralmente começam com os membros menos
influentes, Simão-Pedro e André, que eram aldeões essênios comuns e não tinham
cargo público. No contexto de "pegador de peixe" e não
"pescador", sua função no ritual do batismo era estritamente leiga:
eles se encarregavam das redes, mas não realizavam nenhuma função sacerdotal
(como conceder bênçãos), como era o caso dos "pescadores" ordenados
Tiago e João. .
Por tudo isso, a falta de destaque público de Simão-Pedro e André era de
grande valia para Jesus. Tornava os dois irmãos mais disponíveis para ele do
que os outros, que tinham trabalhos ministeriais e legislativos para realizar.
O resultado foi que Simão-Pedro se tomou o braço direito de Jesus e era
evidentemente um sujeito de certa solidez, recebendo o apelido de Celas (a
Pedra). No Evangelho Nag Hammadi de Tomás, Jesus se refere a Simão Pedro como
seu "guardião" e ele era, presumivelmente, o principal guarda costas
de Jesus. Após perder a esposa, Simão-Pedro se tornou um proeminente
evangelista e, apesar dos ocasionais desacordos com Jesus, foi grandemente responsável
por perpetuar o Evangelho em Roma. Acabou se tornando mártir por crucificação
durante a perseguição aos cristãos pelo imperador Nero.
Já abordamos o fato de que a estrutura angélica era mantida dentro da
hierarquia sacerdotal da comunidade de Qumrã, de modo que o sacerdote da
posição mais alta não era apenas da dinastia Zadoque, mas também o arcanjo
Miguel. Assim, ele era o Miguel-Zadoque (o Melquisedeque). A segunda posição
era o Abiatar, que também era o anjo Gabriel. Vale a pena examinarmos melhor
essa ordem angélica, pois ela nos esclarecerá melhor o status social dos
Apóstolos. Nesse contexto, várias práticas costumeiras (tanto sacerdotal como
patriarcal) se tornarão evidentes, conduzindo naturalmente a uma nova e plena
compreensão dos milagres de Jesus.
O primeiro ponto a se observar é que nada há de espiritual ou etéreo na
palavra "anjo". No original grego, aggelos (geralmente transliterado
como angelos - latim: angelus) significava nada mais do que
"mensageiro". O termo moderno "anjo" vem do latim
eclesiástico, mas a palavra anglo-saxônia engel derivava originalmente do
francês antigo, angele. Um anjo do Senhor era, portanto, um mensageiro ou, mais
precisamente, um embaixador do Senhor. Um arcanjo era um embaixador sacerdotal
do mais alto escalão (o prefixo are indicando "chefe", como em
arquiduque ou arcebispo).
O Antigo Testamento descreve dois tipos de anjo, a grande maioria dos
quais agia como seres humanos normais - como em Gênesis 19:1-3, quando dois
anjos visitaram a casa de Ló, "[ele] fez assar uns pães asmos, e eles
comeram". A maioria dos anjos no Antigo Testamento pertence a essa
categoria não complicada, como o anjo que se encontrou com a esposa de Abraão,
Hagar, na fonte, o anjo que deteve a jumenta de Balaão, o anjo que conversou
com Manoá e sua esposa e o anjo que se sentou sob o carvalho com Gideão.
Outra classe de anjo parece ter sido a de algo além de um mero
mensageiro, possuindo poderes temíveis de destruição. Esse tipo de anjo
vingador aparece em 1 Crônicas 21:15-16: "Enviou Deus um anjo a Jerusalém
para a destruir... Com a espada desembainhada na mão estendida contra
Jerusalém". Vários anjos são descritos portando espadas, mas não como
divinos, e não há a menor menção nos textos das graciosas asas tão
freqüentemente reproduzidas. As asas, hoje muito familiares, foram imaginadas
por artistas e escultores para simbolizar a transcendência espiritual dos anjos
acima do ambiente mundano.
Isso nos leva a outra categoria dos assustadores fenômenos descritos no
Antigo Testamento como algo que se erguia acima da terra por meio mecânico.
Nunca eram chamados de anjos, e geralmente esses espetáculos flamejantes tinham
rodas, como em Daniel 7:9: "O seu trono eram chamas de fogo, e suas rodas
eram fogo ardente". Em Isaías 6:1-2, há um relato semelhante de um trono
aéreo, e "Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas".
Outra referência a esse tipo de equipamento ocorre em Ezequiel 1, em que todo o
cenário - exaustivamente recontado - combina em tudo com os outros, incluindo
fogo, rodas e anéis rotatórios e ruidosos.
Sem relação com a Bíblia, um antigo tratado oriundo de Alexandria, século
III, intitulado A Origem, fala da imortal Sofia, e do governante Saboá, que
"criou um grande trono sobre uma carruagem de quatro lados chamada
Querubim... E sobre esse trono, ele criou alguns serafins em forma de
dragão". Interessante é a narrativa em Gênesis 3:24 de que o Senhor
colocou serafins (carruagens ou tronos móveis) e uma chamejante espada que se
revolvia para proteger o Jardim do Éden.
O Querubim aparece novamente na antiga obra grega chamada A Hipóstase dos
Arcontes, que trata dos Governantes da Inteireza e da Criação de Adão. Esta
também fala de Saboá e sua charrete celeste: o Querubim. Há menção de um
veículo semelhante em 2 Reis 2:11, quando Elias é levado por um carro de fogo,
e outras descrições do tipo aparecem na obra suméria Épico de Gilgamesh, da
terra mesopotâmica do antigo Iraque.
Não é o objetivo deste livro examinar a origem desses fenômenos, mas
simplesmente apresentá-los como são descritos nos textos antigos. O certo,
porém, é que essas carruagens voadoras (querubins) com seus acompanhantes
serafins (auxiliares de fogo em forma de dragão) jamais foram descritas como
tendo forma humana, como fazemos com os anjos. Foi o dogma cristão do medo,
instituído pela Igreja Romana, que transformou os querubins e serafins em doces
seres celestiais.
A despeito dessas espetaculares descrições do Antigo Testamento, os anjos
do Novo Testamento eram, sem exceção, todos homens, e suas missões de oficio
angélico, estritamente dinásticas. O Livro de Enoque (representando o sexto
patriarca da linha de sucessão desde Adão) foi escrito no século 11 a.C. Ele
previa uma restauração das dinastias messiânicas e estabelecia as regras
básicas para a estrutura da hierarquia sacerdotal. Estava inclusa a premissa de
que as sucessivas lideranças dinásticas carregariam os nomes dos anjos e
arcanjos tradicionais para denotar seu posto e posição.
Nos dias do Novo Testamento do rei Davi, os sacerdotes superiores eram
Zadoque, Abiatar e Levi (nessa ordem de precedência). Os essênios de Qurnrã
preservaram devidamente seu legado sacerdotal usando aqueles nomes como
títulos: Zadoque, Abiatar e Levi, como já vimos. Além disso, de acordo com o
Livro do Enoque, os nomes angelicais eram retidos, sob voto, como marcas de
posto sacerdotal, com a dinastia Zadoque sendo também a de Miguel; a de Abiatar
de Gabriel e a de Levi de Sariel.
Portanto, devemos compreender que a batalha do arcanjo Miguel com o
dragão, em Apocalipse 12:7, corresponde ao conflito entre a sucessão Zadoque e
"a besta da blasfêmia": Roma imperial. A "segunda besta"
era do estrito regime dos fariseus, que comprometiam as ambições dos judeus
helenistas segregando judeus de gentios. A essa besta foi atribuído o número
666 (Apocalipse 13:8) - o oposto polar, numericamente avaliado, da energia
espiritual da água na força solar.
Fora das famílias dinásticas (os chefes das sucessões reais e sacerdotais
que tinham obrigação de casar para perpetuar suas linhagens), os indivíduos de
altas ordens geralmente tinham de observar o celibato, como está detalhado no
Pergaminho do Templo. Por esse motivo, havia poucos sacerdotes sendo treinados,
e estes costumavam ser criados dentro de um sistema monástico que era dos
filhos ilegítimos da comunidade. Jesus poderia ter se tomado um desses
sacerdotes, cuja mãe tinha sido "deixada secretamente", não fosse a
intervenção oportuna do anjo Gabriel.
Quando era hora de procriação, um dinasta sacerdotal (como o Zadoque)
tinha de se omitir temporariamente de sua função ordenada e passar seus deveres
religiosos para outro. Quando as relações físicas com sua esposa se
completavam, ele novamente se afastava dela e retomava sua existência
celibatária.
O Zadoque/Miguel do início da era dos Evangelhos era Zacarias (o marido
de Isabel, prima de Maria). Seu assistente sacerdotal, Abiatar/ Gabriel, era
Simeão. A história da licença procriadora é muito velada em Lucas 1:15-23, mas
o fato de ele "perder a fala no Templo" significa, na verdade, que
não podia falar em sua costumeira capacidade ordenada. Preocupado com a própria
idade avançada, Zacarias o Zadoque, transferia sua autoridade sacerdotal para
Simeão, o Abiatar, de modo que Isabel pudesse ter um filho. Esse filho foi João
Batista, o qual, com o tempo, foi o sucessor na dinastia Zadoque.
Nos dias iniciais do ministério de Jesus, o chefe dos sacerdotes Levi era
Jônatas Anás. Como chefe da dinastia levita, ele ocupava o terceiro posto de
arcanjo, o Sariel, capacidade na qual era nomeado sacerdote do rei. Além desses
três arcanjos supremos (embaixadores chefe), Miguel (o Zadoque), Gabriel (o
Abiatar) e Sariel (Levi), havia também outros com títulos. de destaque. Essas
posições, porém, não eram dinásticas e se denotavam pelos títulos
representativos, Pai, Filho e Espírito. O Pai era o equivalente do papa romano
nos tempos vindouros (Papa = Pai) - sendo o título romano copiado diretamente
da fonte. original judaica. Em essência, o Filho e o Espírito eram seus
assistentes físico e espiritual. A posição de Pai era eletiva e impedia seu
detentor de determinados outros deveres. Por exemplo, quando Jônatas Anás se
tomou o Pai, seu irmão Mateus (o Apóstolo) se tomou seu sucessor como chefe dos
sacerdotes Levi da Sucessão. Assim, Mateus se tomou o Levi dos Alfeus.
Os sacerdotes Levi (levitas) agiam como subordinados dos arcanjos. Seu
líder, porém, menor na dinastia Levi, era um sacerdote-chefe (distinto de um
sumo sacerdote). Ele era angelicamente designado Rafael.
Seus sacerdotes superiores seguiam o estilo dos filhos originais de Levi
(como explicado em Gênesis 29:34) e eram chamados de Coate, Gérson e Merari. O
próximo sacerdote no escalão era Arnrã, seguido de Aarão, Moisés e a
sacerdotisa Miriam. Estes, por sua vez, estavam acima de Nadabe, Abiú, Eliezer
e Itamar - os filhos representativos de Aarão.
É nesse ponto que o aspecto primário do Código do Graal começa a emergir,
pois o herdeiro à sucessão real de Davi não possuía título angélico e não estava
em serviço sacerdotal. O rei era obrigado a servir ao povo, e era seu desejo
expresso defendê-lo contra a injustiça instituída. O próprio nome Davi
significa "amado" e, como um proponente dessa distinção, Jesus teria
sido um ótimo rei. Era esse conceito real de serviço humilde que os discípulos
leigos achavam tão difícil compreender em seu líder messiânico. Isso fica bem
demonstrado em João 13:4-11, quando Jesus lavou os pés dos Apóstolos. Pedro
questionou o ato, dizendo: "Nunca me lavarás os pés", mas Jesus
insistiu, respondendo resoluto: "Eu vos dei o exemplo, para que, como eu
fiz, façais vós também". Um ato tão caridoso não é a marca de um dinasta
sedento de poder, mas sim um emblema de paternidade comum na natureza da
verdadeira majestade do Graal.
Embora não sejam considerados históricos no sentido tradicional, os
Evangelhos relatam a história de Jesus por meio de uma narrativa contínua. Às
vezes, há concordância; outras vezes, não há; mas o objetivo sempre é
transmitir uma mensagem social imperativa, com Jesus como catalisador.
Entretanto, a mensagem não foi passada publicamente. É dito que Jesus costumava
falar em parábolas, simplificando sua mensagem com um discurso alegórico. Para
algumas pessoas, essas histórias moralistas pareceriam superficiais, mas seus
tons sutis eram freqüentemente políticos, baseando-se em pessoas e situações
reais.
Os Evangelhos foram compostos de maneira semelhante, e é importante
reconhecer que muitas das histórias sobre Jesus são equivalentes às próprias
parábolas, para o bem daqueles "com ouvidos para ouvir". Isso sempre
fez com que fossem atribuídos tons sobrenaturais a eventos perfeitamente
objetivos. Um bom exemplo ocorre em João 2:1-10: a história de Jesus substituindo
água por vinho nas bodas de Canaã. Esse evento bem conhecido foi supostamente a
primeira de muitas ações de Jesus pelas quais ele deixava clara sua intenção de
romper com a tradição.
Embora fosse criado num regime severo que era influenciado por tradição e
leis antigas, Jesus reconhecia que Roma jamais poderia ser derrotada enquanto
existissem doutrinas extremas e concorrentes dentro da própria comunidade
judaica. Não havia o Cristianismo naquela época - a religião de Jesus era o
judaísmo e os judeus veneram a um Deus, mas eram divididos em várias facções,
cada qual com um diferente grupo de regras comunitárias. Percebia-se, porém, de
um modo geral, que Javé pertencia aos judeus, mas Jesus aspirava partilhar Javé
com os gentios, de maneira que não os obrigasse a aceitar todas as premissas
básicas do judaísmo ortodoxo.
Jesus não tinha muita paciência com os credos rigorosos dos grupos
judeus, como os fariseus, e sabia que as pessoas não ficariam livres da
opressão enquanto não abandonassem o sectarismo obstinado. Ele também sabia que
um Messias era aguardado - um salvador que deveria iniciar uma nova era de
libertação. Ele seria, portanto, um revolucionário em aparência, e se colocaria
à parte da prática costumeira. Como herdeiro da Casa real de Davi, Jesus sabia
que estava qualificado para ser esse Messias e que poucos ficariam surpresos se
ele se manifestasse como tal.
O que Jesus não tinha era uma autoridade social designada; não era um rei
em exercício nem um sumo sacerdote. Contudo, não prestava atenção a esses
detalhes e começou a implementar mudanças ritualísticas, apesar de sua
deficiência titular. Em sua primeira oportunidade, nas bodas de Canaã, ele
hesitou dizendo: "Minha hora ainda não é chegada". Mas sua mãe
ignorou a falta de titularidade e disse aos servos: "Fazei como ele vos
disser".
O único relato desse episódio está no Evangelho de João, em que o
incidente da água convertida em vinho é descrito como o primeiro milagre de
Jesus. Mas o Evangelho não diz que eles "ficaram sem vinho", como se
costuma citar erroneamente. O texto na verdade diz: "E quando eles queriam
vinho, a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm vinho'. De acordo com o ritual
descrito nos Pergaminhos do Mar Morto, a relevância disso é clara. No
equivalente da Comunhão, só os celibatários plenamente iniciados tinham
permissão de beber vinho. Todos os outros presentes eram considerados não
santificados e só podiam passar pelo ritual purificador com água; entre estes
se incluíam homens casados, noviços, gentios e todos os judeus leigos.
O texto do Evangelho continua: "Estavam ali seis talhas de pedra,
que os judeus usavam para as purificações". A importância da ação de Jesus
é que resolveu quebrar a tradição quando abandonou a água e permitiu que os
convidados "impuros" provassem o vinho sagrado. O mestre-sala (grego:
Architriclinos) não sabia "donde viera [o vinho] (se bem que o sabiam os
serventes que haviam tirado a água)". Ele não comentou a respeito de
nenhuma transformação miraculosa, apenas se disse surpreso pelo vinho melhor
ser servido àquela hora. Como Maria declarou, ao mandar os servos obedecerem a
Jesus, o episódio "manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram
nele".
A comunhão com pão e vinho consagrados era uma tradição essênia antiga, e
não um produto do Cristianismo, posterior. Com o tempo, a Igreja Cristã se
apropriou do costume original como seu sacramento eucarístico, simbolizando o
corpo e o sangue de Jesus de acordo com as referências do Evangelho à suposta
instituição na Santa Ceia (como, por exemplo, em Mateus 26:26-28).
Representado com semelhante alegoria nos Evangelhos é o episódio
conhecido como a Multiplicação que alimentou Cinco Mil Pessoas. A lei judaica
era estrita, mas o novo ministério de Jesus tinha a intenção de abrir os
corações. Normalmente, os gentios só tinham acesso ao ritual judaico se fossem
convertidos convictos, comprometendo-se a observar os costumes judaicos
(incluindo a circuncisão, no caso dos homens). Os pensamentos de Jesus, porém,
voltavam-se para os gentios não-circuncidados: por que eles não podiam também
ter acesso a Javé? Afinal de contas, ele já permitira que gentios impuros
bebessem vinho consagrado em Canaã.
O conceito de um Deus partilhado por judeus e gentios se tomou a própria
força vital da missão de Jesus. Mas era um ideal mais do que revolucionário;
para os judeus radicais ortodoxos, aquilo era ultrajante, pois Jesus estava
assumindo poder pessoal sobre suas prerrogativas históricas. Estava tomando
Javé (o Deus do povo escolhido) acessível a todos, com poucos compromissos
exigidos.
Como já vimos, os gentios que desejavam ser batizados no judaísmo
passavam por um ritual em que, como "peixes", eram içados a bordo de
barcos por "pegadores de peixe" para serem abençoados por
"pescadores" sacerdotais. Numa transferência semelhante de imagens,
os funcionários levitas do Santuário eram chamados de "pães". No rito
da ordenação (a cerimônia de admissão ao ministério sacerdotal), os sacerdotes
levitas ativos costumavam servir sete pães aos sacerdotes, enquanto aos
candidatos celibatários ofereciam cinco pães e dois peixes. Havia certo
simbolismo legal de importância nisso, pois embora os gentios pudessem receber
o batismo como se fossem "peixes", a Lei era muito firme ao
determinar que só os judeus podiam ter pães.
Mais uma vez, Jesus resolveu quebrar a convenção e permitir que os
gentios impuros participassem do que normalmente era reservado para judeus que
eram candidatos ao sacerdócio. Nesse sentido, Jesus fez sua concessão aos
representantes dos não-judeus não-circuncidados da fraternidade de Cam
(conhecida figurativamente como os Cinco Mil). Assim, ele conferiu à Multidão
(órgão governante) acesso simbólico ao ministério, servindo-Ihes cinco pães e
dois peixes dos candidatos sacerdotais judeus (Marcos 6:34-44).
No episódio conhecido como a Multiplicação para os Quatro Mil, os sete
pães dos sacerdotes superiores foram oferecidos por Jesus à Multidão
não-circuncidada de Sem (Marcos 8:1-10).
Nas cerimônias de batismo, os pegadores de peixe que apanhavam os peixes
gentios primeiramente levavam os barcos a alguma distância da praia. Em
seguida, os postulantes batismais entravam na água e vadeavam até os barcos.
Quando tudo estivesse pronto, os pescadores sacerdotais deixavam a praia e se
encaminhavam para os barcos atracados ao longo de um molhe - daí "caminhar
sobre as águas". Nascido na tribo de Judá, não a de Levi, Jesus não tinha
autoridade de sacerdote batismal; mesmo assim, desconsiderou as convenções para
usurpar um título sacerdotal e caminhar sobre as águas até o barco dos
discípulos (Mateus 14:25-26). Ele chegou a incitar Pedro a fazer a mesma coisa,
mas este não pôde aceitar o desafio por medo de afundar sob as penalidades
legais (Mateus 14:28-31).
Essa nova visão de nossa parte, tanto do sentido velado das palavras dos Evangelhos
como das motivações políticas de Jesus, não detrai suas prováveis habilidades
como curandeiro. Sendo ligado ao Terapeutato de Qurnrã, porém, ele não seria o
único com tais capacidades. Entretanto, um médico carismático não era a imagem
prevista de um Messias libertador, esperado para libertar o povo da opressão
romana. O que era particularmente notável nesse protagonista radical era o fato
de ter aplicado seu conhecimento médico com os indignos e impuros gentios; ele
não restringia seus préstimos à sociedade judaica, como os fariseus e outros
grupos preferiam. Essa forma de ministério social - um ministério de serviço
nobre, conforme promovido pelo emergente Código do Graal, era perfeitamente
indicativo do ideal messiânico de Jesus para um povo unificado.
Pouco depois de Jesus começar sua missão, João Batista foi preso porque
tinha irritado Herodes Antipas, o governador da Galiléia. Antipas desposara
Herodias, a mulher divorciada de seu meio-irmão, Filipe, e João Batista condenara
repetidamente o casamento, declarando que era pecaminoso. Como resultado, foi
aprisionado por um ano e finalmente decapitado. Após essa morte ignóbil, muitos
de seus seguidores se aliaram a Jesus. Alguns achavam que João era o Messias
esperado, mas
muitas de suas profecias não tinham se realizado e ele acabou sendo
desconsiderado. Um dos motivos pelos quais as profecias de João se mostraram
incorretas era a diferença entre os calendários solares e lunares usados,
complicado pelo calendário juliano vindo de Roma.
Os essênios eram defensores do filósofo grego Pitágoras (c.5705 a.C.),
que, em seu grande estudo das proporções matemáticas, buscava um sentido tanto
no mundo físico como no metafísico, por meio de proporções matemáticas. No
decorrer dos séculos, com o uso de sua metodologia, os eventos do mundo foram
previstos com uma precisão surpreendente. Um evento específico previsto por
esse método foi o início de uma nova Ordem Mundial, uma ocorrência que em
muitos setores provaria ser o advento do Messias Salvador.
Os anos (que atualmente designamos como a.C.) já estavam, portanto, numa
contagem regressiva predeterminada muito antes de Jesus nascer. Aconteceu,
então, que a previsão messiânica desviara sete anos quando aplicada a Jesus, o
que explica por que ele nasceu no ano 7 a.C. e não no ano estabelecido como O
(754 AUC). Mas seu irmão Tiago de fato nasceu no ano certo, daí muitos o
considerarem o herdeiro legítimo. Muito tempo depois, por meio de um novo
sistema de datas romano, o ano O foi designado 1 d.C.
No movimento separado da rígida doutrina hebraica de João Batista, até o
rei Herodes Agripa começou a considerar Jesus o herdeiro legal de Davi,
deixando Tiago com pouca gente para defender sua causa. Com esse incentivo,
Jesus decidiu acelerar sua campanha, mas agiu precipitadamente e cometeu a
ofensa de irritar os governadores e anciãos.
Era um costume judaico de longa data ter um Dia do Perdão (Yom Kippur),
no qual as pessoas podiam ser absolvidas de seus erros. O ritual solene ocorria
no período equivalente a setembro, e o rito essênio era realizado pelo Pai na
exclusão do Santo dos Santos (santuário interior) do templo monástico em Mird.
Para testemunhar o perdão, o Pai tinha a permissão da companhia de um
co-celebrante: um Filho simbólico. Em 32 d.e., o Pai era Simão Zelote, e seu
Filho nomeado era o tenente imediato Judas Iscariotes (João 13:2 menciona o
status de Judas como filho de Simão, mas o relacionamento exato dos dois e o
significado sacerdotal não são claros).
Quando o ato do Perdão se completasse, três. assistentes eram autorizados
a proclamar o fato, a partir de um local alto a oeste do templo, simbolicamente
difundindo a palavra aos judeus residentes em outras terras (os judeus da
Diáspora). Nessa ocasião, os assistentes nomeados eram Jesus (representando o
rei Davi), Jônatas Anás (representando o grande místico Elias) e Tadeu
(representando Moisés), correspondendo respectivamente aos papéis simbólicos de
rei, sacerdote e profeta. Mas quando chegou o momento de Jesus fazer sua
proclamação, ele não apareceu nos trajes de um rei, e sim na túnica de um sumo
sacerdote: "Foi transfigurado diante deles; as suas vestes tornaram-se
resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra poderia
alvejar. Apareceu-lhes Elias com Moisés, e estavam falando com Jesus"
(Marcos 9:2-4).
Em 32 d.C., Simão Zelote se desentendeu com as autoridades, após liderar
uma revolta malsucedida contra o governador da Judéia, Pôncio Pilatos. O motivo
da revolta era que Pilatos vinha usando fundos públicos para melhorar seu
suprimento de água particular. Uma queixa formal fora apresentada no tribunal,
mas os soldados de Pilatos assassinaram os queixosos conhecidos. Seguiu-se
imediatamente uma insurreição armada, sob a liderança dos zelotes proeminentes,
Simão Zelote, Judas Iscariotes e Tadeu. Talvez inevitavelmente, a revolta
falhou e Simão foi excomungado por edito do rei Herodes Agripa. O adversário
político de Simão, Jônatas Anás, pôde assim ascender ao supremo oficio de Pai.
Segundo a Lei, a excomunhão (a ser considerada execução espiritual, ou
morte por decreto) levava quatro dias para a implementação completa. Nesse meio
tempo, o excomungado vestia uma mortalha, era isolado e considerado
"doente para morrer". Devido à sua posição patriarcal até então,
Simão foi encarcerado na câmara funerária patrimonial em Qurnrã conhecida como
o Seio de Abraão. Suas irmãs de devoção, Marta e Maria, sabiam que sua alma
estaria condenada para sempre se ele não
fosse libertado (ressuscitado) ao terceiro dia; por isso, foram chamar
Jesus, dizendo que Simão estava "doente" (João 11:3).
No começo, Jesus não tinha o poder de agir, pois só o Pai ou o sumo
sacerdote podia realizar a ressurreição, e Jesus não tinha um oficio
sacerdotal. Entretanto, Herodes Agripa se desentendeu com os governadores
romanos, perdendo sua jurisdição para o beneficio temporário de seu tio,
Herodes Antipas, que tinha apoiado a ação zelote contra Pilatos. Aproveitando a
oportunidade, Antipas cancelou a ordem de excomunhão e instruiu para que Simão
fosse "ressuscitado dos mortos". Jesus se viu num dilema. Ele era
herdeiro pela linhagem real, embora sem título formal, mas queria ajudar seu
amigo e fiel seguidor - e foi o que fez. Embora o momento para a morte
espiritual (o quarto dia após a excomunhão) de Simão tivesse chegado, Jesus
decidiu assumir uma função sacerdotal e realizar a libertação. Ao fazê-lo, ele
confirmou a posição do espiritualmente morto Simão como a do Valete de Abraão,
Eliazar (corrompido nos Evangelhos para Lázaro) e o chamou, sob o nome
disfarçado, mandando-o sair do seio de Abraão.
Foi assim que Lázaro ressuscitou sem a sanção .oficial do novo Pai, ou do
sumo sacerdote ou do Sinédrio. Jesus infringiu abertamente as regras, mas
Herodes Agripa acabou obrigando Jônatas Anás a consentir com o fall accompli e,
para o povo em geral, um evento sem precedentes era de fato um milagre.
Jesus tinha percebido exatamente o que queria e, com essa impressionante
ação apoiando-o, só o que lhe restava era ser formalmente ungido e aparecer
diante do povo como o verdadeiro Messias de forma que não pudesse ser
contestada. O modo como o Messias Salvador deveria conquistar tal
reconhecimento já tinha sido determinada, segundo a profecia de Zacarias (9:9)
no Antigo Testamento: "Alegra-te muito, ó filha de Sião: exulta, ó filha
de Jerusalém: eis que aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado
em jumento".
Foram tomadas providências quando Jesus e seus discípulos estavam em
Betânia durante a semana da Páscoa, março de 33 d.C. Primeiro (conforme
relatado em Mateus 26:6-7 e Marcos 14:3), Jesus foi ungido por Maria de
Betânia, que lhe passou um precioso nardo nos cabelos. Foi encontrado um animal de carga apropriado,
que correspondesse à profecia de Zacarias, e assim Jesus entrou em Jerusalém
montado num jumento. Há muito se supõe que esse foi um gesto de humildade - e
realmente foi, mas consistiu em muito mais do que isso. Da época do rei Salomão
até a deportação dos judeus para a Babilônia, depois da queda de Jerusalém em
586 a.C., os reis da dinastia de Davi tinham o costume de seguir até seus
destinos montados em mula. O costume representava a acessibilidade do monarca
aos mais inferiores de seus súditos - outro exemplo do código messiânico de
serviço.
Costuma-se afirmar que em nenhuma parte do Novo Testamento é dito que
Jesus se casou. Por outro lado, e talvez ainda mais importante, também não é
dito que ele não se casou. Na verdade, os Evangelhos contêm um número de pistas
específicas de seu estado de homem casado, e seria realmente incrível que ele
permanecesse solteiro, pois os regulamentos dinásticos eram muito claros a esse
respeito.
Como já vimos, as regras do matrimônio dinástico não eram banais.
Parâmetros explicitamente definidos ditavam um estilo de vida celibatário,
exceto para a procriação em intervalos regulares. Um período extenso de noivado
era seguido por um Primeiro Casamento em setembro, depois do qual a relação
física era permitida em dezembro. Se ocorresse a concepção, havia então uma
cerimônia do Segundo Casamento em março para legalizar o matrimônio. Durante
esse período de espera, e até o Segundo Casamento, com ou sem gravidez, a noiva
era considerada, segundo a lei, um almah ("jovem mulher" ou, como
erroneamente citada, "virgem").
Entre os livros mais pitorescos está o Cântico dos Cânticos – uma série
de cantigas de amor entre uma noiva soberana e seu noivo. O Cântico identifica
a poção simbólica dos esponsais com o ungüento aromático chamado nardo. Era o
mesmo bálsamo caro que foi usado por Maria de Betânia para ungir a cabeça de
Jesus na casa de Lázaro (Simão Zelote) e um incidente semelhante (narrado em
Lucas 7:37-38) havia ocorrido algum tempo antes, quando uma mulher ungiu os pés
de Jesus com ungüento, limpando-os depois com os próprios cabelos.
João 11:1-2 também menciona esse evento anterior, explicando depois como
o ritual de ungir os pés de Jesus foi realizado novamente pela mesma mulher, em
Betânia. Quando Jesus estava sentado à mesa, Maria pegou "uma libra de
bálsamo puro de nardo, mui precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os
seus cabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do bálsamo" (João
12:3).
No Cântico dos Cânticos (1:12) há O refrão nupcial: "Enquanto o rei
está assentado à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume". Maria não só
ungiu a cabeça de Jesus na casa de Simão (Mateus 26:6-7 e Marcos 14:3), mas
também ungiu-lhe os pés e os enxugou depois com os cabelos em março de 33 a.c.
Dois anos e meio antes, em setembro de 30 a.C., ela tinha realizado o mesmo
ritual três meses depois das bodas de Canaã.
Em ambas as ocasiões, a unção foi feita enquanto Jesus se sentava à mesa
(como define o Cântico dos Cânticos). Era uma alusão ao antigo rito no qual uma
noiva real preparava a mesa para o seu noivo. Realizar o rito com nardo era maneira
de expressar privilégio de uma noiva messiânica, e tal rito só se realizava nas
cerimônias do Primeiro e do Segundo Casamento. Somente como esposa de Jesus e
sacerdotisa com direitos próprios, Maria poderia ter ungido-lhe a cabeça e os
pés com ungüento sagrado.
O Salmo 23 descreve Deus, na imagem masculina/feminina da época, como
pastor e noiva. Da noiva, o salmo diz "Prepara-me uma mesa... Ungeme a
cabeça com óleo".Os De acordo com o rito do casamento sagrado da antiga
Mesopotâmia (a terra de Noé e Abraão), a grande deusa, Inana, tomou como noivo
o pastor Dumuzi (ou Tammuz),106 e foi a partir dessa união que o conceito da
Sekiná e Javé evoluiu em Canaã por meio das divindades intermediárias Asera e
El Eloim.
No Egito, a unção do rei era o dever privilegiado das irmãs/noivas
semidivinas dos faraós. Gordura de crocodilo era a substância usada na unção,
pois era associada à destreza sexual, e o crocodilo sagrado dos egípcios era o
Messeh, que corresponde ao termo hebraico Messias: "Ungido"}. Na
antiga Mesopotâmia, o intrépido animal real (um dragão de quatro pernas) era
chamado de Mus-hUs.
Era preferível que os faraós desposassem suas irmãs (especialmente suas
meio-irmãs maternas com outros pais) porque a verdadeira herança dinástica era
passada pela linha feminina. Alternativamente, primeiros de primeiro grau
maternos também eram consideravam. Os reis de Judá não adotavam essa medida
como prática geral, mas consideram a linha feminina um meio de transferir
realeza e outras posições hereditárias de influência (mesmo hoje, o judeu
verdadeiro é aquele nascido de mãe judia). Davi obteve sua realeza, por
exemplo, casando-se com Micol, filha do rei Saul. Muito tempo depois, Herodes,
o Grande, ganhou seu status real desposando Mariane da casa real sacerdotal.
Assim como os homens que eram designados para várias posições patriarcais
assumiam nomes que representavam seus ancestrais - como Isaac, Jacó e José -
também as mulheres seguiam sua genealogia e escalão. Seus títulos nominais
incluíam Raquel, Rebeca e Sara. As esposas das linhas masculinas de Zadoque e
Davi tinham o posto de Elisheba (Elizabeth, ou Isabel) e Miriam (Maria),
respectivamente. Por isso a mãe de João Batista é chamada de Isabel e a de
Jesus, Maria, nos Evangelhos. Essas mulheres passaram pela cerimônia de seu
Segundo Casamento só quando estavam com três meses de gravidez, quando a noiva
deixava de ser uma almah e se tomava uma mãe designada.
Como já vimos, as relações sexuais só eram permitidas em dezembro;
maridos e mulheres viviam separados o resto do ano. No início de um período de
separação, a esposa era classificada como uma viúva e deveria chorar por seu
marido. Isso está descrito em Lucas 1:38, quando Maria de Betânia, na primeira
ocasião, "estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas
lágrimas". Uma vez que o período de viuvez simbólico estivesse
estabelecido e durante esses longos períodos de separação, a esposa recebia a
designação convencional de irmã, como hoje acontece com as freiras. Então, quem
exatamente era Maria de Betânia, a mulher que duas vezes ungiu Jesus com nardo,
segundo a tradição messiânica?
Para sermos precisos, ela jamais é chamada de Maria de Betânia na Bíblia.
Ela e Marta são apenas chamadas de "irmãs" na casa de Lázaro de
Betânia. O título completo de Maria era Irmã Miriam Madala ou, como é mais
conhecida, Maria Madalena. Gregório I, Bispo de Roma (590-604), e São Bemardo,
o abade cisterciense de Clairvaux (1090-1153), confirmaram que Maria de Betânia
era Maria Madalena.
Na segunda ocasião em que Jesus foi ungido com nardo, Judas Iscariotes
afirmou sua insatisfação pelo modo como as coisas estavam acontecendo. Declarou
sua oposição (João 12:4-5) e abriu o caminho para a sua traição de Jesus. Após
o fracasso da revolta dos zelotes contra Pilatos, Judas tinha se tomado um
fugitivo. Jesus pouco lhe servia politicamente, pois não tinha influência com o
Sinédrio; por isso Judas apelava para seu irmão incontroverso Tiago, que era
membro do Sinédrio. Conseqüentemente, Judas não só não queria ver Jesus sendo ungido
como Messias, mas sua aliança com Tiago o fazia ressentir o episódio. Jesus,
porém, insistiu na importância de sua unção por Maria (Marcos 14:9): "Em
verdade vos digo: onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será também
contado o que ela fez, para memória sua".
Fora o fato de Jesus provavelmente ter amado Maria Madalena, não há muita
coisa nos Evangelhos que indiquem sua relação íntima até Maria aparecer com a
mãe de Jesus e Salomé (a consorte de Simão Zelote) na Crucificação. Já no
Evangelho de Filipe de Nag Hammadi, a situação é diferente, e o relacionamento
entre Jesus e Maria é discutido abertamente:
"E a companheira do Salvador é Maria Madalena. Mas Cristo a amava
mais do que a todos os discípulos, e costumava beijá-la freqüentemente na boca.
Os demais discípulos se ofendiam com isso
e expressavam desagrado. Diziam a ele: 'Por que a amas mais do que a
nós?'. O Salvador lhes respondia: 'Por que eu não vos amo como a ela? ...
Grande é o mistério do matrimônio, pois sem ele o mundo nunca teria existido. A
existência do mundo depende do homem, e a existência do homem depende do
matrimônio'.
Como se não fossem as referências específicas à importância do casamento
na passagem acima, a referência ao beijo na boca é particularmente relevante;
mostra mais uma vez uma relação aos ofícios da sagrada noiva e do sagrado
noivo, e não era marca de amor extra marital nem de amizade. Como parte do
refrão nupcial real, esse tipo de beijo é o tema da primeira linha do Cântico
dos Cânticos, diz: "Beija-me com os beijos de tua boca; porque melhor é o
teu amor do que o vinho".
No Evangelho de João não há menções de bodas em Canaã, só de um banquete
de casamento e da água e do vinho. Os discípulos estavam lá, assim como vários
convidados, inclusive gentios, e outros que eram tecnicamente impuros. Essa,
portanto, não era a cerimônia do casamento em si, mas a refeição sagrada que
precedeu ao noivado. O costume era que houvesse um anfitrião formal (como
aparece no relato); ele seria o mestre-sala do Banquete. A autoridade
secundária cabia somente ao noivo e à sua mãe, e isso tinha grande relevância,
pois quando surgiu a questão da comunhão com vinho, a mãe de Jesus disse aos
servos (João 2:5): "Fazei tudo o que ele vos disser". Nenhum convidado
teria esse direito de ordenar, o que deixa evidente que Jesus e o noivo eram o
mesmo.
Essa comunhão de noivado (6 de junho de 30 d.C.) ocorreu três meses antes
de Maria ungir Jesus pela primeira vez na casa de Simão (3 de setembro de 30
a.C.). As regras eram rígidas: só como noiva de Jesus, Maria teria permissão de
fazer o que fez. Com seu Primeiro Casamento devidamente completado em setembro,
ela também teria chorado pelo marido (como em Lucas 7:38) antes de partirem em
sua separação estatutária. Antes, como almah comprometida, ela seria
classificada de pecadora e mulher aleijada. O casal não teria tido uma união
física até o próximo dezembro.
Um dos motivos por que não há menção direta do estado civil de Jesus no
Novo Testamento é que as evidências foram deliberadamente retiradas por decreto
da Igreja. Isso foi revelado recentemente, em 1958, quando um manuscrito do
Patriarca Ecumênico de Constantinopla foi descoberto num mosteiro em Mar Sabá,
a leste de Jerusalém, por Morton Smith, professor de história antiga na
Universidade de Columbia, EUA. Os trechos citados abaixo são de seus escritos
subseqüentes.
Em meio a um livro das obras de Santo Inácio de Antioquia, havia uma
transcrição de uma carta do Bispo Clemente de Alexandria (c.1502 d.C.). Era
endereçada a seu colega, Teodoro, e incluía uma seção geralmente desconhecida
do Evangelho de Marcos. A carta de Clemente decretava que parte do conteúdo
original de Marcos deveria ser suprimida porque não coadunava com os requisitos
da Igreja. A carta diz:
Pois mesmo que seja verdade, aquele que ama a Verdade não deve concordar
com isso. Pois nem todas as coisas verdadeiras são a Verdade; tampouco aquela
verdade que parece verdadeira às opiniões humanas deve ser preferível à verdadeira
Verdade - aquela que é de acordo com a fé. A essas verdades ninguém deve dar
ouvidos; tampouco, caso venham disseminar suas falsificações, deve-se concordar
que o Evangelho secreto é de Marcos, e sim negar mediante juramento. Pois nem
todas as coisas verdadeiras devem ser ditas a todos os homens.
Na seção removida do Evangelho, há um relato da ressurreição de Lázaro,
mas nela Lázaro (Simão Zelote) chama Jesus de dentro da tumba mesmo antes que a
pedra fosse removida. Isso deixa claro que o homem não estava morto no sentido
físico, o que certamente joga por terra a insistência da Igreja que a
ressurreição deve ser considerada um milagre sobrenatural. Além disso, o
Evangelho de Marcos original não incluía detalhes dos eventos da Ressurreição e
sua seqüela; terminava simplesmente com as mulheres fugindo do sepulcro vazio.
Os doze versículos finais da Marcos 16, como publicados hoje, foram
deliberadamente acrescentados numa data posterior.
A relevância disso é que o incidente com Lázaro era parte da mesma
seqüência de eventos cujo clímax foi Maria Madalena ungindo Jesus em Betânia.
Os Evangelhos Sinópticos não dizem o que aconteceu após a chegada de Jesus à
casa de Simão, pois a ressurreição de Lázaro não está incluída neles; mas em
João 11 :20-29, vemos:
Marta, quando soube que vinha Jesus, saiu ao seu encontro; Maria, porém,
ficou sentada em casa... [Marta] Retirou-se e chamou Maria, sua irmã, e lhe
disse em particular: 'O Mestre chegou e te chama'. Ela, ouvindo isso,
levantou-se depressa e foi ter com ele.
Não há motivo aparente para o comportamento hesitante de Maria, embora,
fora isso, a passagem pareça suficientemente objetiva. Mas o incidente é
descrito com mais detalhes na parte de Marcos que foi oficialmente suprimida.
Explica que Maria saiu da casa com Marta na primeira ocasião, mas foi
admoestada pelos discípulos e lhe foi ordenado que entrasse e aguardasse a
instrução do Mestre. O fato é que, como esposa de Jesus, Maria era comprometida
por um estrito código de prática nupcial. Não tinha permissão de deixar a casa
e cumprimentar o marido até que tivesse recebido seu consentimento expresso. O
relato de João deixa Maria em seu lugar devido, sem explicação, mas o texto
mais detalhado de Marcos foi estrategicamente removido da publicação.
A supressão da história de Lázaro é o motivo pelo qual os relatos da
unção nos Evangelhos de Marcos e Mateus a mostram na casa de Simão, o leproso,
e não na casa de Lázaro, como em João. Mas a descrição "Simão, o
leproso" é simplesmente outra forma mais reservada de se referir a Simão
Zelote (Lázaro); ele era classificado como "leproso" porque sua
excomunhão o deixara horrivelmente impuro. Isso, por sua vez, explica o relato
anômalo de um leproso recebendo amigos prestigiosos em sua bela casa.
Entretanto, o fato resultante era que, com sua esposa grávida de três meses,
Jesus não era apenas um Cristo Messiânico formalmente ungido quando entrou em
Jerusalém montado num jumento; era também um futuro pai.
Jesus entrou em Jerusalém com estilo; mantos e folhas de palmeira foram
espalhados em seu caminho e o povo rejubilava: "Hosana ao filho de
Davi" (Mateus 21:9). Mas devemos dizer que essa atividade frenética era
por parte principalmente dos discípulos (conforme descrito em Lucas 19:36-39).
Os ramos de palmeira espalhados tinham o objetivo de lembrar o povo da entrada
triunfante em Jerusalém de Simão Macabeu, que libertou a Palestina do jugo da
opressão síria em 142 a.C. Mas o rosto de Jesus não era muito conhecido na
cidade; seu território familiar era a Galiléia e a região ao redor. De fato, em
Mateus 21: 1 O, lê-se: "E entrando ele em Jerusalém, toda a cidade se
alvoroçou, e perguntavam: Quem é este?"
Uma profecia de João Batista tinha
determinado que em março de 33 d.C. haveria a proclamação do Messias Salvador e
a restauração do verdadeiro Rei. Muitas coisas haviam sido cuidadosamente
preparadas para esse momento - a unção, o jumento, as folhas de palmeira e
assim por diante - mas nada importante aconteceu! De acordo com Marcos 11:11,
Jesus entrou no Templo e "tendo observado tudo, como fosse já tarde, saiu
para Betânia com os doze". Lucas 10:40 nos diz que os fariseus ordenaram
aos discípulos que fossem repreendidos por criar tumulto. Mateus 21:12 acrescenta:
"Tendo Jesus entrado no templo, expulsou todos os que ali vendiam e
compravam; também derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam
pombas". Depois, retomou a Betânia. João (12:37) explica ainda que Jesus
conversou com algumas pessoas na rua, seguindo-se que, "embora tivesse
feito tantos sinais na sua presença, não creram nele".
Levando em conta todos esses fatos, a visita a Jerusalém foi um não
evento infeliz. Jesus não recebeu a aclamação que esperava e percebeu que seus
dias estavam contados, principalmente por ser ele conhecidamente ligado aos
comandantes zelotes, Simão Zelote, Judas Iscariotes e Tadeu, que havia liderado
a revolta contra Pilatos. Os escrivãos e sacerdotes "procuravam como o
prenderiam, à traição, e o matariam" (Marcos 14: 1). Seu plano de criar
uma Judéia idílica, livre da opressão romana, não dera certo porque seu sonho
de unificar o povo não tinha a simpatia de seus conterrâneos sectários -
principalmente dos fariseus e saduceus.
Também naquela época, uma grave cisão ocorria dentro do grupo apostólico.
Simão Zelote não vinha se dando bem com JônatasAnás (Tiago de Alfeu) e a
rivalidade política dos dois atingiu o ápice. Em seus respectivos papéis como
Relâmpago e Trovão, os dois disputavam a suprema posição de Pai. Simão era o
Pai desde março de 31 d.C., mas perdeu a supremacia para Jônatas por causa de
sua excomunhão. Jônatas fora obrigado a endossar a ressurreição de Lázaro (pela
qual Simão retomava à vida política e social), mas não estava disposto a abrir
mão do poder que acabara de ganhar, especialmente quando Simão fora
ressuscitado de maneira contrária às regras estabelecidas.
Também havia desacordo entre Jônatas e Jesus quanto a convertidos gentios
batizados terem ou não de se submeter à circuncisão. Jesus era a favor de
permitir aos convertidos uma escolha, mas Jônatas queria que a circuncisão
fosse obrigatória. E, por fim, Jônatas rejeitava o plano zelote de uma guerra
declarada contra Roma, enquanto Simão (sempre impulsivo em palavras e atos)
promovia a visão marcial. Nisso, Jesus estava mais inclinado a apoiar Simão -
não que ele procurasse especificamente uma solução militar, mas não gostava da
atitude complacente de Jônatas.
Encurralado em meio a tudo isso estava Judas Iscariotes, decidido a ficar
do lado de quem parecesse mais politicamente valioso. Judas tinha sido
denunciado como um líder zelote e por isso sua única esperança era Jônatas,
que, como o novo Pai, podia autorizar sua reabilitação política e negociar a
favor dele com o governador romano, Pôncio Pilatos. Quanto à questão dos
convertidos judeus serem circuncidados, Judas se opunha veementemente a Jesus e
apoiava Jônatas. Ao mesmo tempo, Judas percebia que Simão se encontrava numa
posição fraca: Simão enfrentaria acusações criminais (assim como Judas e Tadeu)
por ter liderado a revolta zelote. Seria até possível que Jesus também fosse
acusado ao lado deles, caso se provasse que ele apoiava ativamente a facção de
guerra. Essa situação era uma provável saída para Judas, pois ele poderia trair
a amizade de Jesus e revelar o paradeiro de Tadeu.
Pouco depois, chegava o tempo da celebração judaica da Páscoa, quando
hordas de peregrinos se juntavam aos moradores de Jerusalém para o ritual do
Cordeiro Pascal, de acordo com Êxodo 12:3-11. Nesse ínterim, sabemos que Jesus
e seus Apóstolos se dirigiram à lendária sala superior onde fizeram a
derradeira Santa Ceia. Mas há alguns elementos questionáveis nisso. Numa época
em que todas as acomodações na cidade estavam lotadas devido à ocasião, como os
Apóstolos poderiam obter uma sala tão grande para uso próprio? Como os zelotes
fugitivos, Simão, Judas e Tadeu, podiam se dar ao luxo de andar tão livremente
em Jerusalém enquanto eram procurados por liderar a recente revolta?
A resposta a essas perguntas pode ser encontrada nos Pergaminhos do Mar
Morto, onde fica evidente que a Santa Ceia não ocorreu em Jerusalém, e sim em
Qumrã. Na verdade, Josefo explica em The Antiquities of the Jews que os
essênios não observavam os festivais judaicos tradicionais em Jerusalémll7 e,
portanto, não seguiam o ritual do Cordeiro Pascal na Páscoa.
Mais de cento e sessenta anos antes, quando os piedosos hassídicos
deixaram Jerusalém por Qumrã por volta de 130 a.C., seu novo ambiente se tomou
uma Cidade Santa substituta. O costume foi preservado pelos essênios
posteriores e, nesse contexto, eles freqüentemente se referiam a Qumrã como
"Jerusalém" (Yuru-salem: Cidade da paz). Como se evidencia em um dos
Pergaminhos do Mar Morto, conhecido como Regra da Comunidade, a famosa Santa Ceia
corresponde, na verdade, ao Banquete Messiânico (a Ceia do Senhor). O fato de
ela ter ocorrido ao mesmo tempo que a celebração da Páscoa em Jerusalém foi
total coincidência, pois o Banquete Messiânico tinha um significado bem
diferente. Os principais anfitriões do banquete eram o sumo sacerdote e o
Messias de Israel. O povo da comunidade
era representado por oficiais designados que, juntos, formavam o Conselho dos
Apóstolos Delegados. A Regra estipula a ordem correta de precedência para os
lugares à mesa e detalhes do ritual que deviam ser observados durante a
refeição. Ela conclui:
E quando eles se reúnem para a mesa comunitária... E misturam vinho para
beber, que nenhum homem estenda a mão para pegar o pão ou o vinho antes do
Sacerdote, pois é ele quem abençoa os primeiros frutos de pão e vinho... E
depois, O Messias de Israel estenderá as mãos sobre o pão, e então toda a
congregação da comunidade dará bênçãos, cada um de acordo com seu escalão.
Chegado o momento da comunhão, Judas saiu da sala, ostensivamente, para
dar esmolas aos pobres (João 13:28-30). Na verdade, ele foi cuidar dos arranjos
finais para a traição de Jesus, enquanto Jesus - que sabia da intenção dele -
disse: "O que pretendes fazer, faze-o depressa" (João 13:27). Ainda
havia tempo, porém, para que a profecia de João Batista a respeito da
restauração do verdadeiro Cristo se cumprisse, mas o prazo final era aquela
noite: o equinócio venal de 20 de março de 33 d.C. Jesus sabia que se isso
acontecesse sem uma proclamação feita a favor dele, sua ambição acabaria. A
partir daquela noite não haveria esperança de satisfazer a predição messiânica
e ele seria denunciado como fraude. Quando Judas saiu da sala, já era quase
meia-noite.
Após o banquete, Jesus e os demais Apóstolos foram para o antigo mosteiro
em Qurnrã, normalmente conhecido como o Monte das Oliveiras. O Evangelho de
João e os Evangelhos Sinópticos não concordam quanto à ordem precisa dos
eventos, mas seja como for, Jesus previu seu destino e esboçou aos companheiros
quais seriam as reações deles. Ele declarou que até Pedro o negaria, diante da
profecia não cumprida. Enquanto alguns dos discípulos de Jesus dormiam no
jardim do mosteiro, Jesus caminhava entre eles (Mateus 26:36-45), angustiado
por talvez não ter sido reconhecido como o Messias Salvador. A meia-noite
passou, e chegaram Judas Iscariotes e os soldados. O jardim do Monte das
Oliveiras era conhecido como o "Vale do óleo" (Getsêmani).
O sucesso do plano de Judas dependia de ele cair nas graças do Pai,
Jônatas Anás. Se Judas planejou um jogo calculado ou se ele e Jônatas tinham
feito algum acordo antes não se sabe. Mas quando o momento da prisão chegou,
Jônatas certamente se aliou a Judas. Isso não é uma surpresa, pois a filha de
Jônatas era casada com o sumo sacerdote fariseu, José Caifás, enquanto tanto
Jônatas como Judas eram adversários políticos do amigo íntimo de Jesus, Simão
Zelote. Com a prisão em Getsêmani concluída, "Assim, a escolta, o
comandante e os guardas dos judeus prenderam Jesus, manietaram-no e o
conduziram primeiramente a Anás; pois era sogro de Caifás, sumo sacerdote
naquele ano" (João 18:12-13).
Parece estranho que Simão Zelote, que sem dúvida devia estar presente a
esses eventos, não seja mencionado em nenhum dos Evangelhos. Porém, em Marcos
14:51-52, há uma referência específica e velada a uma pessoa que pode ser
Simão: "Seguia-o um jovem, coberto unicamente com um lençol, e
lançaram-lhe a mão. Mas ele, largando o lençol, fugiu desnudo". Fugir
desnudo pode simbolizar o fato de Simão ter sido destituído de seu antigo alto
escalão eclesiástico; enquanto sua descrição como "jovem" o relega ao
seu novo status de demovido, como um noviço na Comunidade, após a excomunhão.
O julgamento de Jesus nem sequer foi um julgamento devido, e o cenário,
conforme apresentado nos Evangelhos, é cheio de ambigüidades. Mateus 26:57-59
descreve assim a situação: "E os que prenderam Jesus o levaram à casa de
Caifás, o sumo sacerdote, onde se haviam reunido os escrivães e os anciãos. Mas
Pedro o seguia de longe até o pátio do sumo sacerdote e, tendo entrado,
assentou-se entre os serventuários, para ver o fim. Ora, os principais
sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum testemunho falso contra
Jesus". .
Ainda que todos esses sacerdotes, escrivãos e anciãos estivessem, de alguma
forma, convenientemente reunidos nas primeiras horas do dia, permanece o fato
de que era contrário à lei que o Conselho se reunisse à noite. Lucas 22:36
indica que, embora Jesus fosse levado primeiramente a Caifás, o Sinédrio só se
reuniu quando amanheceu. Mas isso ainda seria ilegal, pois o Sinédrio não podia
se reunir durante a Páscoa.
Todos os Evangelhos afirmam que Pedra seguiu Jesus até a casa onde estava
Caifás, então ele negou o mestre três vezes, conforme previsto. A casa, porém,
não era na cidade de Jerusalém; era a casa da sacristia em Qurnrã. Na qualidade
de sumo sacerdote prevalecente, Caifás necessariamente teria estado no Banquete
Messiânico (como especifica a Regra da Comunidade) e, portanto, residiria na
comunidade junto a outros funcionários do Sinédrio, na noite anterior à
sexta-feira de Páscoa.
Todos os relatos concordam que Caifás entregou Jesus ao governador
romano, Pôncio Pilatos, cuja presença facilitava o interrogatório imediato.
Isso se confirma em João 18:28-31, fazendo surgiu ainda outra anomalia:
Depois, levaram Jesus da casa de Caifás para o pretório. Era cedo de
manhã. Eles não entraram no pretório para não se contaminarem, mas poderem
comer a Páscoa. Então, Pilatos saiu para lhes falar e lhes disse: "Que
acusação trazeis contra este homem?" Responderam-lhe: "Se este não
fosse malfeitor, não to entregaríamos". Replicou-lhe, pois, Pilatos:
"Tomai-o vós outros e julgai-o segundo a vossa lei". Responderam-lhe
os judeus: "A nós não nos é lícito matar ninguém".
Nesse aspecto, a verdade é que o Sinédrio tinha plenos poderes não só de
condenar criminosos, mas também de decretar e implementar a sentença de morte,
se necessário. Os Evangelhos também afirmam que Pilatos ofereceu suspender a
sentença de Jesus porque "É costume entre vós que eu vos solte alguém por
ocasião da Páscoa". Novamente, isso não é verdade. Nunca existiu esse
costume. Embora os zelotes, Simão (Lázaro) e Judas, apareçam em eventos que
levaram à prisão de Jesus, parece que Tadeu (o terceiro mais importante
revolucionário) não é mencionado após a Santa Ceia. Mas ela entra na história,
no julgamento. Tadeu era um assistente da Sucessão (de Alfeu), um assistente do
Pai e, portanto, um devoto Filho do Pai. Em hebraico, a expressão Filho do Pai
incorporaria os elementos Bar (Filho) e Abba (Pai) - por isso, Tadeu pode ser
descrito como "Bar Abba"; e há um homem chamado Barrabás intimamente
ligado à possibilidade da suspensão de Jesus por Pôncio Pilatos.
Barrabás é descrito em Mateus 27:16 como um "preso muito
conhecido"; em Marcos 15:7 como alguém que tinha sido "preso com
amotinadores, os quais em um tumulto haviam cometido homicídio"; em Lucas
23:19, como um homem que "estava no cárcere por causa de uma sedição na
cidade e também por homicídio"; e em João 18:40 como
"salteador". A descrição de João é um tanto vaga, pois todos os dias
os ladrões ("salteadores") eram sentenciados à crucificação.
Entretanto, a palavra traduzida não reflete verdadeiramente a implicação grega
original, porque léstés não significa "ladrão", e sim "contra a
lei". As palavras de Marcos apontam mais especificamente para o papel de
insurgente de Barrabás na recente revolta.
O que parece ter acontecido é que quando os três prisioneiros, Simão,
Tadeu e Jesus, foram levados a Pilatos, os casos dos dois primeiros eram
simples; eram líderes zelotes conhecidos e tinham sido condenados desde a
insurgência. Por outro lado, Pilatos achava extremamente difícil provar a
acusação contra Jesus. De fato, Jesus só estava ali porque o contingente judeu
o tinha passado para Pilatos para sentenciá-lo junto aos outros. Pilatos pediu
à hierarquia que lhe fornecesse ao menos um pretexto - "Que acusação
trazeis contra este homem?" - mas não recebeu resposta satisfatória. No
desespero, Pilatos sugeriu que o levassem, acrescentando: "julgai-o
segundo a vossa lei", ao que os judeus responderam com a falsa desculpa de
"A nós não é lícito matar ninguém".
Assim, Pilatos se voltou para o próprio Jesus: "És tu o rei dos
judeus?", perguntou; ao que Jesus replicou: "Vem de ti mesmo esta
pergunta ou to disseram outros a meu respeito?"
Confuso, Pilatos continuou: "A tua própria gente e os principais
sacerdotes é que te entregaram a mim. Que fizeste?"
O interrogatório prosseguiu até que finalmente Pilatos "voltou aos
judeus e lhes disse: "Eu não acho nele crime algum" (João 18:38).
Nesse ponto, Herodes Antipas da Galiléia entrou em cena (Lucas 23:7-12).
Ele não era amigo dos sacerdotes Anás e seu propósito era que Jesus fosse
libertado para provocar seu sobrinho, o rei Herodes Agripa. Assim, Antipas fez
um acordo com Pilatos para garantir a libertação de Jesus. O pacto entre Judas
Iscariotes e Jônatas Anás foi portanto substituído, sem envolvê-los, por meio
de um acordo entre o tetrarca herodiano e o governador romano. A partir daquele
momento, Judas perdeu qualquer chance de perdão pelas atividades zelotes e seus
dias estavam contados. De acordo com o novo arranjo, Pilatos disse aos anciãos
judeus (Lucas 23:14-16):
Apresentastes-me este homem como agitador do povo; mas, tendo-o
interrogado na vossa presença, nada verifiquei contra ele dos crimes de que o
acusais. Nem tampouco Herodes, pois no-lo tomou a enviar. É, pois, claro que
nada contra ele se verificou digno de morte. Portanto, após castigá-lo,
soltá-lo-ei.
Se os membros do Sinédrio esperassem até depois da Páscoa, poderiam ter
conduzido seu próprio julgamento em perfeita legalidade. Mas estrategicamente
eles passaram a responsabilidade para Pilatos, porque sabiam que não havia uma
acusação real para ser substanciada. Certamente não tinham barganhado pelo
senso de justiça de Pilatos, nem pela intervenção de Herodes Antipas. Mas
Pilatos conseguira derrotar seu próprio objetivo. Ele tentou conciliar sua
decisão de libertar Jesus com a noção de que o gesto poderia ser considerado
uma concessão de Páscoa e, ao fazê-lo, abriu a porta para uma escolha por parte
dos judeus: Jesus ou Barrabás? Nesse momento, "toda a multidão, porém,
gritava: Fora com este! Solta-nos Barrabás!" (Lucas 23:18).
Pilatos insistiu a favor de Jesus, mas os judeus gritavam:
"Crucifica-o!" Novamente, Pilatos perguntou: "Que mal fez este?
De fato, nada achei contra ele para condená-lo à morte". Mas finalmente
cedendo ao senso de compromisso, mal orientado, Pilatos libertou Barrabás (Tadeu).
Os soldados romanos colocaram uma coroa de espinhos sobre a cabeça de Jesus e o
envolveram com um manto púrpuro. Pilatos o devolveu aos sacerdotes, dizendo:
"Eis que eu vo-lo apresento, para que saibas que não acho nele crime
algum" (João 19:4).
Naquele momento, as coisas estavam indo bem para os anciãos de Jerusalém;
seu plano tinha dado certo. O idoso Tadeu pode ter sido libertado, mas Simão e
Jesus estavam em custódia, bem como Judas Iscariotes. Sem dúvida, o maior de
todos os traidores era o Pai predominante, Jônatas Anás, o antigo apóstolo
conhecido como Tiago Alfeu (ou Natanael). As três cruzes foram devidamente
ergui das no Lugar da Caveira, o calvário (Gólgota) e preparadas para receber
Jesus e os líderes zelotes da guerrilha, Simão Zelotes e Judas Iscariotes.
No caminho até a crucificação em Gólgota, ocorreu um evento significativo
quando um misterioso personagem chamado Simão, o Cireneu, ofereceu-se para
carregar a cruz de Jesus (Mateus 27:32). Muitas teorias tentam explicar quem
teria sido esse cireneu, mas sua identidade verdadeira não é muito importante.
O importante é que ele estava lá. Há uma interessante referência a ele num
antigo tratado cóptico chamado O Segundo Tratado do Grande Seth, descoberto
entre os livros de Nag Hammadi. Em meio à explicação de que houve uma
substituição pelo menos para uma das vítimas da crucificação, o tratado
menciona o cireneu, nesse contexto. A substituição aparentemente ocorreu de
fato, pois o tratado declara que Jesus não morreu na cruz, como se presumia. O
próprio Jesus teria dito: "Quanto à minha morte - suficientemente real
para eles - lhes parecera real por causa de sua falta de compreensão e de sua
cegueira".
O Alcorão islâmico (Capítulo 4, intitulado "Mulheres")
especifica que Jesus não morreu na cruz, afirmando: "Contudo, eles não o
mataram, nem o crucificaram, mas ele foi representado por alguém que lhe era
semelhante... Na verdade, eles não o mataram". No século 11, também o
historiador Basilides de Alexandria escreveu que a crucificação fora encenada
(com Simão, o Cireneu, usado como substituto), enquanto o líder gnóstico, Mani
(nascido perto de Bagdá em 214 d.C.), fazia exatamente a mesma afirmação.
No evento, porém, parece que Simão, o Cireneu, substituiu Simão Zelote,
não Jesus. Evidentemente, a execução de dois homens como Jesus e Simão não
passaria ignorada; por isso, uma estratégia foi implementada para ludibriar as
autoridades judaicas (embora é bem possível que os homens de Pilatos tenham
participado do subterfúgio). E essa estratégia contou com o uso de um veneno
indutor de coma e a representação de um logro físico.
Se havia um homem capaz de arquitetar essa ilusão, ele era Simão Zelote,
líder dos Magos Samaritanos e reconhecido como o maior Mago de sua época. Tanto
os Atos de Pedra como as Constituições Apostólicas124 da Igreja contam a
história de como, alguns anos depois, Simão levitou até ficar acima do fórum
romano. Em Gólgota, porém, as coisas eram muito diferentes: Simão estava sob
guarda e a caminho de ser crucificado.
Era necessário livrar Simão de seu destino - então, foi organizada uma
substituição na pessoa do cireneu, que estaria mancomunado com o já libertado
Tadeu (Barrabás). O logro começou a caminho de Gólgota quando, aceitando a cruz
de Jesus, o cireneu conseguiu se imiscuir no meio da multidão. A troca em si
foi feita no local da crucificação, facilitada pela confusão preparatória
geral. Em meio à balbúrdia de erguerem as cruzes, o cireneu aparentemente
sumira, mas na verdade estava no lugar de Simão. Nos Evangelhos, a seqüência
seguinte de eventos é cuidadosamente velada, pois pouquíssimos detalhes são
dados sobre os homens crucificados com Jesus; de fato, eles apenas são
descritos como "ladrões".
E assim a encenação estava montada: Simão (Zelote), o Mago, conseguira
sua liberdade e pôde, a partir daí, lidar com o restante dos procedimentos.
CRUCIFICAÇÃO
Embora a crucificação geralmente seja descrita como um evento
relativamente público, os Evangelhos afirmam (por exemplo, em Lucas 23:49) que
os observadores foram obrigados a ver tudo "de longe". Em Mateus,
Marcos e João, o lugar é chamado de Gólgota, enquanto em Lucas tem o nome de
Calvário. Entretanto, ambos os nomes (hebraico: Gulgoleth, aramaico: Gulgolta,
latim: Calvaria) derivam de palavras que significam "caveira" ou
"crânio" e o significado de Gólgota, conforme dado nos Evangelhos, é
claro: um "lugar da caveira".
Três séculos mais tarde, à medida que a fé cristã espalhava sua
influência, vários lugares em Jerusalém e ao redor receberam um significado
supostamente próprio do Novo Testamento. Em muitas ocasiões, tratava-se apenas
de colocar um nome num local apropriado; era uma demanda do mercado turístico e
dos peregrinos. Foi identificado, então, um devido Calvário; uma rota pela qual
Jesus teria carregado a cruz foi traçada e um sepulcro conveniente marcado para
representar a lendária tumba.
No contexto de toda essa criatividade, Gólgota (Calvário) se localizaria
do lado de fora da Muralha de Herodes, a noroeste de Jerusalém. Era uma colina
infértil, e foi escolhida por ter formato que lembrava vagamente uma caveira.
Posteriormente, a tradição ocidental romantizou o lugar como sendo "uma
colina verdejante e distante" - um tema sobre o qual muitos artistas
produziram várias versões. Entretanto, apesar de todo esse idealismo
fantasioso, nenhum dos Evangelhos faz menção alguma de uma colina. De acordo
com João 19:41, o local era um "jardim" no qual havia um sepulcro
particular que pertencia a José de Arimatéia (Mateus 27:59-60). Considerando a
evidência dos Evangelhos, em vez do folclore popular, vemos que a crucificação
não foi um espetáculo no alto de uma colina, com enormes cruzes projetadas
contra o horizonte e uma multidão épica de espectadores. Pelo contrário, foi um
evento modesto, num terreno controlado - um jardim exclusivo que era, de uma
forma ou de outra, o "Lugar da Caveira" (João 19:17).
Os Evangelhos dizem muito pouco sobre o assunto, mas em Hebreus 13:11-13
encontramos algumas pistas importantes acerca do local:
Pois aqueles animais cujo sangue é trazido para dentro do Santo dos
Santos, pelo sumo sacerdote, como oblação pelo pecado, têm o corpo queimado
fora do acampamento. Por isso foi que também Jesus, para santificar o povo pelo
seu próprio sangue, sofreu fora da porta. Saiamos pois a ele, fora do arraial,
levando a sua repreensão.
Com isso, deduzimos que Jesus sofreu "fora da porta" ou
"fora do acampamento". Também há certa associação com um lugar onde
os corpos dos animais sacrificados eram queimados. Essa referência é
particularmente importante porque os lugares onde se queimavam os restos dos
animais eram considerados impuros. De acordo com Deuteronômio 23:10-14,
"fora do acampamento" era uma expressão para descrever áreas como
fossas e latrinas públicas, lugares que eram tanto física como ritualmente
impuros. No mesmo sentido, "fora da porta" definia vários outros
locais impuros, incluindo cemitérios comuns.
Além disso, os Pergaminhos do Mar Morto deixam claro que, por constituir
um ato de deflagração andar por cima dos mortos, os cemitérios humanos eram
identificados com o sinal de uma caveira. Portanto, naturalmente, o "local
de um crânio" (Gólgota/Calvário) era um cemitério - um jardim sepulcral
restrito que continha um sepulcro vazio sob os cuidados de José de Arimatéia.
Outra pista está em Apocalipse 11:8, que diz que Jesus foi crucificado na
"praça da grande cidade que, espiritualmente, se chama Sodoma e
Egito". Isso positivamente identifica o local do cemitério como sendo
Qumrã, que foi designado Egito pelo Terapeutato, e associado geograficamente
com o centro de Sodoma, no Antigo Testamento.
Quem, então, foi José de Arimatéia? Nos Evangelhos, ele é descrito como
um "ilustre membro do Sinédrio, que também esperava o reino de Deus"
(Marcos 15:43). Ele também era "discípulo de Jesus, ainda que
secretamente, pelo receio que tinha dos judeus" (João 19:38). Mas embora a
aliança de José com Jesus fosse mantida oculta dos anciãos judeus, ela não era
segredo para Pôncio Pilatos, que aceitava, sem questionar, o envolvimento do
homem com os afazeres de Jesus. Esse mesmo envolvimento não surpreendia Maria,
a mãe de Jesus, nem Maria Madalena, Maria Cléopas ou Salomé. Todas estavam
satisfeitas com os planos de José, aceitando sua autoridade sem comentários ou
objeções.
Às vezes relacionado ao vilarejo de Arimé, na planície de Genesaré,
Arimatéia era, na verdade, um título descritivo como muitos outros no Novo
Testamento. Representava um status particularmente alto. Assim como Mateus Anás
tinha a distinção sacerdotal de "Levi de Alfeu" (Levi da Sucessão),
José era "de Arimatéia". Entretanto (como no título de Levi, de
Mateus), José não era seu verdadeiro nome batismal. Arimatéia (como Alfeu)
derivava de uma combinação de elementos hebraicos e gregos - nesse caso, o
hebraico: ha ram ou ha rama (da altura ou do topo) e o grego: Theo (relacionado
a Deus). Juntos, os dois termos significariam "do Mais Alto de Deus"
(ha Rama Theo) e, como uma distinção pessoal, Alteza Divina.
Enquanto isso, sabemos que Jesus era o herdeiro do trono de Davi. O
título patriarcal de José se aplicava ao sucessor imediato128 e, nesse sentido,
com Jesus considerado o herdeiro, então seu irmão mais velho, Tiago, era o José
designado. Assim, José de Arimatéia emerge como o próprio Tiago, irmão de
Jesus. Não é nenhuma surpresa, portanto, que Jesus tenha sido sepultado num
sepulcro que pertencia à sua farm1ia real. Tampouco é surpresa que Pilatos
deixasse o irmão de Jesus cuidar de tudo ou que as mulheres da família de Jesus
aceitassem os planos feitos por José (Tiago), sem questioná-los. O motivo pelo
qual José ocultava do Sinédrio seu apoio a Jesus é evidente, pois ele tinha
seus próprios seguidores entre todos os escalões da comunidade hebraica.
Desde a descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto em Qurnrã, em 1947, as
escavações prosseguiram até os anos 50. Nesse período, importantes descobertas
foram feitas em várias cavernas. Os arqueólogos descobriram que uma caverna, em
particular, tinha duas câmaras e duas entradas separadas, a uma boa distância
entre si. O acesso à câmara principal era por meio de um buraco no caminho do
telhado, enquanto a cavidade adjacente era acessível pelo lado. Da entrada no
telhado, foram construídos degraus que desciam até a câmara e, para fechar a
entrada contra água de chuva, uma grande pedra fora rolada para cobrir a
abertura. De acordo com o Pergaminho de Cobre, esse sepulcro era usado como um
depósito de tesouro, sendo assim chamado de Caverna do Homem Rico. Esse
sepulcro do Príncipe José se localizava diretamente em frente ao Seio de
Abraão.
A profecia de que o Messias entraria em Jerusalém montado num jumento não
era a única feita a respeito do Messias no livro de Zacarias, no Antigo
Testamento. Duas outras profecias - Zacarias 12: 10 e 13:6 diziam que ele seria
esfaqueado, e sua morte lamentada por toda a Jerusalém, e que seria ferido nas
mãos por causa de seus amigos. Jesus percebera que, sendo crucificado, seria
qualificado em todos esses aspectos. Ele podia ter estourado o prazo segundo a
profecia de João Batista, mas a crucificação lhe ofereceria outra chance.
Assim, como vemos em João 19:36 a respeito de Zacarias: "E isso aconteceu
para se cumprir a Escritura" .
A crucificação era ao mesmo tempo punição e execução: a morte por
martírio se prolongava por muitos dias. Primeiro, os braços estendidos da
vítima eram amarrados, pelos pulsos, a uma viga, que em seguida era encaixada
horizontalmente como um poste de madeira colocado na vertical. Às vezes, as
mãos eram traspassadas por pregos também, mas estes, sozinhos, seriam inúteis.
Suspendido com todo o peso nos braços, um homem teria seus pulmões comprimidos
e acabaria morrendo rapidamente sufocado. Para prolongar a agonia, a pressão no
peito era aliviada quando os pés da vítima também eram traspassados e presos no
poste. Presa assim, a vítima poderia permanecer viva por vários dias,
possivelmente uma semana ou mais. Depois de algum tempo, para liberar as
cruzes, os carrascos às vezes quebravam as pernas dos prisioneiros para
aumentar o peso do corpo pendurado e acelerar a morte.
Naquela sexta-feira, equivalente a 20 de março de 33 d.C., não havia
motivo para que qualquer um dos homens crucificados morresse no decorrer do
dia. No entanto, deram vinagre a Jesus e, tendo-o tomado, ele "rendeu o
espírito" (João 19:30). Pouco depois, um centurião espetou o flanco de
Jesus com uma lança, e o fato de ele sangrar (o que se identificou como sangue
e água) parecia indicar que ele estava morto (João 19:34). Na realidade, o
sangramento vascular indica que um corpo está vivo, não morto. O Dr. A. R.
Kittermaster, em seu relatório de 1979, intitulado A Medical View of the
Calvary [Uma Visão Médica do Calvário], confirmou que "Morto ou vivo, o
fluxo de água é difícil de explicar, mas o sangue não jorra de um ferimento
feito por lança após a morte. Seria necessário fazer uma laceração muito grande
para que saísse algum sangue de um corpo morto". Naquele momento, Judas e
o cireneu estavam bem vivos, por isso quebraram-lhes as pernas.
Os Evangelhos não dizem quem deu o vinagre a Jesus na cruz, mas João
19:29 especifica que o recipiente estava pronto e esperando para ser usado. Um
pouco antes na mesma seqüência (Mateus 27:34), é dito que a poção era
"vinho com fel", ou seja, vinho azedo misturado com veneno de cobra.
Dependendo das proporções, esse tipo de mistura pode induzir à inconsciência ou
até causar morte. Nesse caso, o veneno não foi dado a Jesus em numa caneca, mas
sim uma esponja e em doses medidas. A pessoa que o administrou foi, sem dúvida,
Simão Zelote, que também deveria estar numa cruz.
Enquanto isso, José de Arimatéia estava negociando com Pilatos para
remover o corpo de Jesus antes do Sabá e coloca-lo em seu sepulcro. Pilatos se
surpreendeu por Jesus ter morrido em tão pouco tempo (Marcos 15:44):
"Pi1atos admirou-se de que ele já tivesse morrido. E, tendo chamado o
centurião, perguntou-lhe se havia muito que morrera". Para acelerar as
coisas, José recitou para Pilatos uma regra judaica baseada em Deuteronômio
21:22-23 e confirmada no Pergaminho do Templo de Qurnrã: "Se alguém houver
pecado, passível da pena de morte, e tiver sido morto, e o pendurares num
madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro durante a noite, mas
certamente o enterrarás no mesmo dia". Pilatos, então, sancionou a mudança
do procedimento de pendurar um pecador (como se manifestava na crucificação)
para o velho costume de enterra-lo vivo. Em seguida, voltou para Jerusalém,
deixando José no controle de tudo (é possivelmente interessante que em Atos
5:30, 10:39 e 13:29, as referências à tortura de Jesus sempre se relacionem ao
fato de ele estar "pendurado numa árvore").
Estando Jesus num estado de coma, aparentemente sem vida, e Judas e o
cireneu com as pernas quebradas, os três foram descidos da cruz, tendo ficado
lá menos da metade de um dia. O relato não diz que os homens estavam mortos;
simplesmente faz referência à remoção de seus corpos, isto é, corpos vivos, e
não cadáveres.
O dia seguinte era o Sabá, sobre o qual os Evangelhos falam pouco. Só
Mateus 27:62-66 menciona esse sábado, mas se refere simplesmente a uma conversa
entre Pilatos e os anciãos judeus em Jerusalém, após o que Pilatos enviou dois
guardas para vigiar a tumba de Jesus. Fora isso, os quatro Evangelhos continuam
sua história a partir da manhã do domingo.
No entanto, se algum dia foi importante para o desenrolar dos eventos
seguintes era justamente o sábado: o Sabá do qual pouco ouvimos falar. Esse
respeitado dia de descanso e adoração era a chave do segredo de tudo o que
aconteceu. Foi o que ocorreu no sábado que causou tamanho espanto nas mulheres,
quando elas encontraram a pedra fora de posição, na madrugada de domingo. Em
termos práticos, nada havia de assustador no deslocamento da pedra - qualquer
um poderia tê-la movido. Na verdade, as próprias mulheres a teriam empurrado,
pois não tinham motivo para prever um acesso impedido. O impensável era que a
pedra fora movida no Sabá, um dia sagrado no qual era absolutamente proibido
erguer qualquer peso. O mistério não estava no "ato" da remoção, mas
no "dia" da remoção. Pois seria impossível que a pedra tivesse sido
movida no Sabá!
Há alguma variação entre os Evangelhos quanto ao que realmente aconteceu
no terceiro dia: o domingo. Mateus 28:1 diz que Maria e Maria Madalena foram
até a tumba, enquanto Marcos 16:1 inclui também Salomé. Lucas 24:10 apresenta
Joana, mas omite Salomé, enquanto João 20:1 fala de Madalena chegando
totalmente sozinha. Marcos, Lucas e João afirmam que quando a mulher, ou as
mulheres, chegaram, a pedra já tinha sido deslocada.
Em Mateus, porém, as duas sentinelas estavam de guarda e a pedra ainda se
encontrava na mesma posição. Então, para assombro das mulheres e das
sentinelas, "um anjo do Senhor desceu do céu, removeu a pedra e
assentou-se sobre ela".
Na seqüência, fica evidente que Jesus não estava na tumba onde fora
colocado. De acordo com Mateus 28:5-6, o anjo guiou as mulheres até a caverna.
Em Marcos 16:4-5, elas entraram sozinhas e se viram diante de um jovem vestindo
uma túnica branca. Lucas 24:3-4, porém, descreve dois homens dentro da caverna.
E João 20:2-12 conta como Maria Madalena foi buscar Pedro e outro discípulo
antes de entrar na caverna. Em seguida, depois que seus companheiros tinham ido
embora, Maria encontrou dois anjos sentados dentro do sepulcro.
Na análise final, não fica claro se os guardas existiam ou não. O número
de mulheres presentes varia entre uma, duas ou três. Talvez Pedro estivesse com
elas, talvez não. Havia um anjo do lado de fora ou um jovem dentro do sepulcro;
alternativamente, havia talvez. dois anjos dentro, que deviam estar sentados ou
em pé. Quanto à pedra, possivelmente ela ainda estava na posição certa ao
nascer do dia, ou talvez já tivesse sido removida. .
Só há um denominador comum em tudo isso: Jesus não estava mais lá - mas
mesmo isso não é certo. De acordo com João 20:14-15, Maria Madalena se afastou
dos anjos e viu Jesus em pé, mas tomou-o por um jardineiro. Ela caminhou na
direção dele, mas Jesus não a deixou se aproximar, dizendo: "Não me
detenhas" (João 20: 17).
Esses são os quatro relatos nos quais se baseia toda a história da
Ressurreição, e, no entanto, eles apresentam divergências em quase todos os
detalhes. Por causa disso, séculos de polêmica vêm se arrastando quanto à
questão de quem viu Jesus ressuscitado primeiro, Maria Madalena ou Pedro. Mas
será que somos capazes de traçar o que de fato aconteceu depois que José
(Tiago) deixou Jesus na tumba, na sexta-feira?
Inicialmente, o cireneu e Judas Iscariotes (com as pernas quebradas, mas
ainda bem vivos) tinham sido colocados na segunda câmara da tumba. O corpo de
Jesus ocupava a câmara principal. Dentro dos confins da câmara dupla, Simão
Zelote já estava em seu posto, com lâmpadas e tudo de que precisasse para a
operação (detalhe interessante, havia uma lâmpada entre os objetos encontrados
dentro da caverna, nos anos 50).
Então, segundo João 19:39, Nicodemos chegou, "levando cerca de cem
libras de um composto de mirra e aloés". Extrato de mirra era uma forma de
sedativo de uso comum na prática medicinal da época. Mas para que tamanha
quantidade de aloés? O suco de aloé, como explica a moderna farmacopéia, é um
purgativo forte e de rápido efeito - exatamente o que seria necessário para
Simão expelir o fel (veneno) do corpo de Jesus.
É um fato muito significativo que o dia após a crucificação era o Sabá.
Na verdade, o tempo para toda a operação de "ressuscitar Jesus dentre os
mortos" (libertá-lo da excomunhão) dependia da hora precisa que se
considerava ter o início o Sabá. Naqueles dias, não havia um conceito para uma
duração fixa de horas e minutos. O registro e a medida do tempo eram algumas
das funções oficiais dos levitas que programavam o curso das horas pelas
sombras no chão em áreas medidas. Além disso, desde cerca de 6 a.C., já se
usavam os relógios de sol. Entretanto, nem as marcas no chão nem os relógios de
sol tinham utilidade quando não havia sombra. Assim, havia doze "horas do
dia" determinadas (luz) e, do mesmo modo, doze "horas da noite"
(escuridão). As últimas eram medidas por sessões de oração levíticas (como as
horas canônicas da Igreja Católica de hoje. Na verdade, a atual oração Angelus
- feita pela manhã, ao meio-dia e na hora do pôr-do-sol - deriva da prática dos
antigos anjos levitas). O problema, porém, era que à medida que os dias e
noites ficavam mais longos ou mais curtos, eram necessários ajustes nos
momentos em que as horas se sobrepunham.
Naquela sexta-feira específica da crucificação, era necessário um ajuste
adiantado de três horas completas e, por causa disso, há uma discrepância
notável entre os relatos de Marcos e João quanto à cronologia dos eventos
naquele dia. Marcos 15:24 diz que Jesus foi crucificado na terceira hora,
enquanto João 19:14-16 afirma que Jesus foi preparado para a crucificação por
volta da sexta hora. Essa anomalia ocorre porque o Evangelho de Marcos usa a
contagem de tempo helenista, enquanto o de João usa a hebraica. O resultado da
mudança de tempo (como descreve Marcos 15:33) foi que "chegada à hora
sexta, houve trevas sobre a terra até a hora nona". Essas três horas de escuridão
eram apenas simbólicas; ocorreram dentro de uma fração de segundo (como
acontece com as mudanças de tempo hoje quando atravessamos diferentes fusos
horários ou quando avançamos ou atrasamos os relógios para o horário de verão).
Assim, nessa ocasião, o fim da quinta hora foi imediatamente seguido pela nona
hora.
A chave para a história da Ressurreição se encontra nessas três horas
perdidas (as horas do dia que se tomaram horas da noite), pois o novo começo
estabelecido para o Sabá era três horas antes da velha décima segunda hora - ou
seja, à nona hora, que foi redefinida como décima segunda hora. Mas os magos
samaritanos de Simão Zelote trabalhavam com uma estrutura de tempo astronômica
e não implementaram formalmente a mudança de três horas até a décima segunda
hora original. Isso significava que, sem quebrar as regras de não trabalhar no
Sabá, Simão tinha três horas completas para realizar o que tinha de fazer,
embora os outros já tivessem começado o sagrado período de descanso. Era tempo
suficiente para administrar
os medicamentos a Jesus e cuidar das fraturas ósseas do cireneu. Judas
Iscariotes não recebeu o mesmo tratamento misericordioso, sendo atirado de um
penhasco, o que lhe causou a morte (como relatado em Atos 1:16-18). A
referência anterior em Mateus 27:5, indicando que Judas se enforcou, aplica-se
meramente ao fato de que, naquele momento, ele montou a cena para a sua ruína.
Quando o Sabá começou, segundo o tempo dos magos (três horas depois do
Sabá judaico padrão), ainda havia três hora
noturnas antes de Maria Madalena chegar ao romper do dia e no início de
uma nova semana. É irrelevante se havia ou não sentinelas em guarda aquela
noite; qualquer ida e vinda de Simão e seus colegas seria feita por meio da
segunda entrada, que ficava a certa distância. Se a pedra foi ou não removida
também é irrelevante. O importante aqui é que, quando Jesus apareceu, ele
estava vivo e bem.
Quanto ao anjo que moveu a pedra para as mulheres, em Mateus 28:3, lemos:
"O seu aspecto era como um relâmpago, e a sua veste, alva como a
neve". Como vimos, Simão (Mago) Zelote era politicamente classificado como
"Relâmpago"; suas vestes eram brancas e, em seu escalão, ele era de
fato um anjo. A frase poderia, portanto, ser interpretada mais literalmente
como "Seu aspecto era o de Simão Zelote em sua veste sacerdotal". Mas
por que isso seria uma surpresa tão grande para as mulheres? Porque elas
achavam que Simão tinha sido crucificado e sepultado, com as pernas quebradas.
Não só Simão estava presente, mas também Tadeu: "Houve um grande
terremoto porque um anjo do Senhor desceu do céu" (Mateus 28:2). Assim
como Simão Zelote era classificado como Relâmpago (enquanto Jônatas Anás era o
Trovão), Tadeu era, por sua vez, -designado como Terremoto (num jogo de imagens
semelhante a respeito do monte Sinai, como em Juízes 5:5. Portanto, Simão e
Tadeu eram os dois anjos encontrados por Maria (João 20:11-12). Simão também
era o "jovem" em vestes brancas (Marcos 16:5), a descrição indicando
seu recém demovido status como noviço, subseqüente à excomunhão de Lázaro.
O jardim onde Jesus foi crucificado ficava sob a jurisdição de José de
Arimatéia (Tiago, o irmão de Jesus). Era uma área consagrada simbolizando o
Jardim de Éden, o que fazia identificar Tiago com Adílo, o homem do Jardim.
Assim, quando Maria viu Jesus e pensou que fosse o jardineiro, a inferência é
que ela acreditava estar olhando para Tiago. O motivo de Jesus não deixar que
ela o tocasse era que Maria estava grávida e, de acordo com as regras para as
noivas dinásticas, ela não tinha permissão de ter contato físico com o marido
naquele período.
É evidente que Maria e a maioria dos discípulos não tinham participado do
subterfúgio daquela sexta-feira e do sábado. De fato, a intenção de Simão era
permanecer misterioso; escapar da caverna funerária com vida e as pernas
intactas contribuiria para a sua já grande reputação. Também interessava a
Jesus que o seu reaparecimento espantasse a todos. No evento, o esforço
conjunto - com o apoio de Tadeu, do cireneu e do irmão Tiago (José) - manteve
de pé a missão após sua quase ruína, permitindo aos apóstolos continuar com seu
trabalho. Se Jesus tivesse de fato morrido, seus discípulos se teriam
dispersado, em medo e dúvida, e a causa teria morrido com ele. Mas do jeito que
tudo transcorreu, a missão ganhou uma nova vida - cujo resultado foi o
nascimento do Cristianismo.
E se não há ressurreição dos mortos, então, Cristo não ressuscitou. E se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé... Porque se os
mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou...
Esse é a defesa da Ressurreição, apresentada como penhor de fé por São
Paulo em 1 Coríntios 15:13-16. Admitamos que não constitui um argumento muito
bom para algo que é tão fundamental para a fé cristã. De fato, é um argumento
que depõe contra si mesmo. Se Paulo estivesse falando em termos espirituais,
seus contemporâneos teriam aceitado suas palavras mais rapidamente, mas não foi
o caso. Ele falava literalmente, referindo-se à noção de cadáveres voltando à
vida, segundo a profecia no livro de Isaías (26: 19): "Os vossos mortos e
também o meu cadáver viverão e ressuscitarão".
A imortalidade da alma (não a do corpo) era um conceito conhecido bem
antes da época de Jesus. No antigo mundo grego, os seguidores do filósofo
ateniense Sócrates (c.469-399 a.C.) já o divulgavam. No século IV a.C., Platão
afirmava que a mente, não a matéria, era a raiz da realidade. Mesmo antes
disso, Pitágoras (c.570-500 a.C.) divulgava a doutrina da reencarnação: a idéia
de que, quando o corpo físico morre, a alma entra em outro corpo e começa uma
nova vida.
Na verdade, a crença na reencarnação é comum em muitas religiões
provenientes da mesma época, incluindo o Hinduismo e o Budismo.
Paulo, entretanto, não se referia à transmigração de almas; ele
expressava uma crença na qual o Cristianismo se destaca como sozinho, como uma
das maiores religiões - a noção de que uma pessoa morta pode voltar à vida,
"em carne". O Credo dos apóstolos diz que Jesus foi
"crucificado, morto e sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia".
Estudiosos e pesquisadores há muito criticam a interpretação literal desse
conceito e, em anos recentes, muitos clérigos também o contestam. Mas as velhas
doutrinas são difíceis de exterminar e muitos sentem que abandonar esse
conceito seria o mesmo que abandonar a ética intrínseca do próprio
Cristianismo. Entretanto, se o Cristianismo tem uma base de valor (e certamente
tem), essa base deve ser o código moral, somado aos ensinamentos de Jesus. Na
verdade, os Evangelhos tratam desses padrões sociais e seus ensinamentos
associados. Eles são a própria essência da Boa Notícia.
Afirma-se com freqüência que após quase 2.000 anos cerca de três quartos
da população mundial não aceitam a idéia de ressurreição física. Muitos acham
essa idéia mais perturbadora do que iluminada, o que faz com que a mensagem
cristã seja severamente reprimida. Poucas religiões (ou quase nenhuma delas)
contestariam o motivo magnânimo e inspirador do ideal de Jesus - um ideal de
harmonia, unidade e serviço numa sociedade fraterna. Na verdade, não há uma
base melhor para a religião; entretanto, a distorção de um dogma restritivo
prevalece, junto a uma querela constante sobre questões de interpretação e
ritual. Enquanto essas disputas continuarem, não poderá haver uma verdadeira
harmonia; e uma sociedade eclesial dividida pouco mais pode oferecer a si
própria e ao mundo do que um serviço limitado.
Um dos principais problemas associados à aceitação da ressurreição carnal
de Jesus é que essa premissa é muito pouco defendida nos Evangelhos. Vimos que
os versículos 9 a 20 de Marcos 16 foram estrategicamente acrescentados muito
tempo depois que o Evangelho estava completo e publicado. E se o Evangelho de
Marcos foi o primeiro dos Evangelhos Sinópticos, formando a base para os
outros, então uma dúvida legítima pode pairar sobre a autenticidade dos
versículos finais de Mateus e Lucas. Mas se ignorarmos tudo isso, para
aceitarmos os quatro Evangelhos como são apresentados, deparamo-nos com um
quadro muito vago no qual muitos detalhes são não só confusos mas conflitantes.
Primeiro, Maria Madalena pensou que Jesus fosse outra pessoa. Depois, Pedro e
Cléopas conversaram com ele por várias horas pensando que fosse um estranho. Só
quando Jesus se sentou para comer com seus apóstolos, eles os reconheceram -
momento em que ele desapareceu da vista de todos.
O que se destaca aqui é que o conceito da Ressurreição, como o conhecemos
hoje, era completamente desconhecido entre as pessoas da época. Exceto por
aqueles diretamente envolvidos com todo o cenário da crucificação, os
discípulos estavam às cegas. Eles realmente acreditavam que seu mestre tinha
morrido, e seu reaparecimento os espantaria de fato. Não eram os sacerdotes de
alta posição como Simão, Levi e Tadeu, mas os apóstolos menos sofisticados como
Pedra e André. No entanto, eles certamente teriam compreendido que a previsão
de Jesus de como seu templo retomaria em três dias (João 2:19) nada tinha a ver
com uma posterior interpretação européia fugiu completamente do simbolismo da
morte.
Como vemos na história de Lázaro, um homem era considerado morto quando
fosse excomungado - uma forma de morte espiritual por decreto. O processo
levava quatro dias para a implementação, período em que o excomungado era
considerado doente para morrer. Nesse sentido, Jesus fora formalmente
denunciado pelo Sinédrio dos anciãos legais, pelo sumo sacerdote, José Caifás,
e pelo novo Pai, Jônatas Anás. Sua excomunhão foi absoluta e, desde as
primeiras horas da sexta-feira da crucificação, ele estava oficialmente
"doente". O “único modo de escapar da morte" no quarto dia seria
a prévia libertação (ressurreição) da denúncia por parte do Pai ou sumo
sacerdote, motivo pelo qual Jesus insistiu em ressuscitar no terceiro dia. Em
qualquer outro contexto, o período de três dias não tinha o menor significado.
Mas com o sistema voltado firmemente contra ele, quem poderia realizar a
ressurreição?
O único homem capaz de se encarregar do rito era o Pai deposto, o leal
Simão Zelote. A despeito das maquinações em Jerusalém, a posição de Simão como
o Pai ainda era respeitada por muitos, mas Simão fora crucificado com Jesus, ou
pelo menos era o que a maioria dos discípulos acreditava. Entretanto, Simão ressurgiu,
vivo e bem, com Jesus, o qual ele tinha "ressuscitado dentre os
mortos" nas primeiras horas da manhã de domingo. Para aqueles que tinham
participado do plano, a ressurreição de Jesus fora de fato um milagre e, como
afirma o Evangelho: "Quando pois Jesus ressuscitou dentre os mortos,
lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isso; e creram na Escritura
e na palavra de Jesus" (João 2:22).
Foi Paulo (um hebreu convertido posteriormente) quem estabeleceu a
doutrina da ressurreição de sangue e ossos, mas mesmo o seu entusiasmo não
durou muito. No entanto, como tinha se expressado de maneira tão inflamada
sobre o assunto e sustentado os próprios argumentos com contra-argumentos, como
vimos antes ("se não há ressurreição dos mortos, então, Cristo não
ressuscitou..." e assim por diante), Paulo era considerado um fanático
pelo irmão de Jesus, Tiago, cujos nazarenos nunca tinham pregado a
Ressurreição. De fato, desde aqueles tempos da inicial exaltação paulina, a
Ressurreição diminuiu como fator de interesse fundamental. Isso fica totalmente
claro nas posteriores Epístolas (cartas) de Paulo em outros livros do Novo
Testamento, em que mal se fala em ressurreição.
Mais importante era o fato de Jesus ter-se decidido a sofrer por seus
ideais, e Paulo tentou encontrar uma base explanatória mais forte para sua
doutrina, declarando:
Se há corpo natural, há também corpo espiritual. A carne e o sangue não
podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herdar a incorrupção. Eis que vos
digo um mistério (1 Coríntios 15:44-50. É essencial lembrar que Jesus não era
gentio nem cristão. Ele era um judeu helenista, cuja religião era o judaísmo
radical. Com o passar do tempo, porém, sua missão original foi usurpada e
dominada por um movimento religioso que assumiu seu nome para obscurecer seus
herdeiros de fato. Esse movimento se centralizava em Roma e baseava sua
autoridade auto-proclamada na afirmação de Mateus 16:18-19, na qual Jesus teria
dito "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja". Infelizmente,
a palavra grega petra (rocha), relacionada à Rocha de Israel, foi traduzida
erroneamente como se fosse petros (pedra), referindo-se a Pedro134 (que chegou
a ser chamado de Cefas: uma Pedra, como em João 1:42). Jesus estava, na
verdade, afIrmando que a missão dele e de Pedro deveria ser fundamentada sobre
a Rocha de Israel, não sobre o próprio Pedro. Independentemente disso, o novo
movimento decretou que só aqueles que tivessem recebido autoridade passada
diretamente de Pedro poderiam ser líderes da Igreja Cristã. Foi um conceito
engenhoso, cuja intenção era restringir o controle geral a uma fraternidade
seleta e auto-promotora. Os discípulos gnósticosl35 de Simão (Mago) Zelotes o
chamavam de "a fé dos tolos".
O Evangelho de Maria Madalena confirma que, por algum tempo após Jesus
ter ressuscitado dentre os mortos, alguns dos apóstolos ainda não sabiam e
continuavam acreditando que o Cristo deles tinha sido crucifIcado. Os apóstolos
"choravam continuamente, dizendo: 'Como poderemos nos achegar aos gentios
e pregar-lhes o evangelho do reino do Filho do Homem? Se foram cruéis com ele,
também não o serão conosco?'"
Como já tinha falado com Jesus no túmulo, Maria Madalena pôde responder:
"Parai de chorar. Não há motivo para a dor. Tomai coragem, pois vossa
graça estará convosco e em vossa volta, e vos protegerá".
Pedro, então, disse a Maria: "Irmã, nós sabemos que o Salvador te
amava mais do que às outras mulheres. Fala-nos tudo o que lembrares que o
Salvador só a ti e a ninguém mais dizia - tudo o que sabes dele e que nós não
sabemos".
Maria contou-lhe o que Jesus tinha lhe dito: "Benditos sois vós,
pois não tremeis diante da minha visão: pois onde está o pensamento, lá está
também o tesouro". Depois, André respondeu, e disse aos irmãos:
"Dizei o que quiserdes sobre o que acabastes de ouvir. De minha parte, não
acredito que estas foram as palavras do Salvador". Pedro, concordando com
André, disse: "Ele teria de fato falado em segredo a uma mulher, e não a
nós livremente?" E com isso, Maria chorou e disse a Pedro: Pensas que são
minhas as palavras, ou que não digo a verdade sobre o Salvador?
Levi respondeu, e disse a Pedro: 'Sempre foste inoportuno. Agora vejo que
contradizes esta mulher, como se fosseis inimigos. Mas se o Salvador a achou
digna, quem és tu, afinal, para rejeita-la? O Salvador certamente a conhece
bem'.
Levi, como sabemos, era Mateus Anãs, um sacerdote e assistente de Alfeu.
Sua opinião sensata era o produto do intelecto e de uma boa educação. Pedro e
André, por outro lado, eram aldeões menos educados que, apesar do tempo passado
com Jesus e os apóstolos mais cultos, ainda tinham visões antiquadas sobre a
função da mulher. A atitude machista de Pedro acabaria alcançando uma posição
de destaque na doutrina romanizada, baseada parcialmente em seu ensinamento.
Os primeiros bispos da Igreja Cristã alegavam ser sucessores apostólicos
diretos de Pedro - tendo recebido a autoridade episcopal pela imposição pessoal
das mãos. Mas esses mesmos bispos foram descritos no Apocalipse Gnóstico de
Pedro como "secos como canais".
O texto continua:
''Denominam a si próprios como bispos e diáconos, como se tivessem
recebido sua autoridade diretamente de Deus... Embora não compreendam o
mistério, vangloriam-se dizendo que o segredo da Verdade é deles, e somente
deles".
Quanto à Ressurreição, o tema permanece um paradoxo, considerado de
grande importância, quando não precisaria ser; e, no entanto, tem um
significado expresso do qual a maioria das pessoas não está ciente. O Evangelho
de Tomás cita Jesus dizendo: "Se o espírito ganhasse a existência por
causa do corpo, seria um milagre dos milagres"
A LINHAGEM CONTINUA
TEMPOS DA RESTAURAÇÃO
Como já vimos, Maria Madalena estava no terceiro mês de gravidez na época
da crucificação. Ela e Jesus haviam consumado seu Segundo Casamento na unção em
Betânia, em março de 33 d.C. Além de obtermos essa informação diretamente de
fontes do Evangelho, também é uma questão de cálculo direto. Um herdeiro do
sexo masculino à sucessão dinástica era idealmente necessário para ter seu primeiro
filho no seu quadragésimo aniversário ou perto dele (40 anos eram o período
reconhecido da geração real). O nascimento de um filho e herdeiro dinástico
devia sempre ser planejado para ocorrer no período equivalente a setembro - o
mês mais sagrado do calendário judaico - e por esse motivo as relações sexuais
só eram permitidas no mês de dezembro.
Os Primeiros Casamentos também aconteciam no mês sagrado de setembro - o
mês que incluía o Dia do Perdão. Um casamento dinástico seria, portanto,
teoricamente programado para o mês de setembro que caísse no trigésimo terceiro
aniversário da noiva, com a atividade sexual iniciada no mês de dezembro
imediatamente seguinte. Na prática, porém, havia sempre a chance de que a
primeira criança fosse uma menina; para isso, então, eram tomadas providências
no sentido de adiar o Primeiro Casamento para o trigésimo sétimo aniversário da
noiva. Assim, a primeira chance de uma criança caía em seu trigésimo sétimo
setembro. Se não houvesse concepção no primeiro dezembro, o casal tentaria
novamente um ano depois - e assim por diante. Um menino que nascesse por volta
do quadragésimo aniversário do marido era perfeitamente aceitável, dentro dos
padrões de geração.
Tendo nascido o menino, o contato sexual entre os pais não era mais permitido
por seis anos. Por outro lado, se a criança fosse uma menina, o período
seguinte de celibato era limitado à três anos até os "Tempos da
restauração" (o retomo do estado conjugal). Como vimos, o Segundo
Casamento era consumado no mês de março após a concepção, quando a noiva
estaria grávida de três meses.
De acordo com esses costumes e regras, o Primeiro Casamento de Jesus se
deu em setembro de 30 d.C. (seu trigésimo terceiro setembro), a primeira
ocasião em que Maria Madalena ungiu pela primeira vez os seus pés (Lucas
7:37-38). Portanto, não houve concepção naquele dezembro, nem no dezembro do
ano seguinte. Mas em dezembro de 32 d.C., Maria concebeu e, como era seu dever,
ungiu-lhe a cabeça e os pés em Betânia (Mateus 26:6-7, Marcos 14:3 e João 12:1-3),
formalmente santificando seu Segundo Casamento em março de 33 d.C.
Contrariando as regras, Jesus tinha nascido em 1o. de março de
7 a.C., mas por questão de regularização, fora-lhe atribuída à data oficial de
15 de setembro, de acordo com as exigências messiânicas (é costume de alguns
monarcas celebrar tanto o aniversário real como o oficial, em datas diferentes
- como faz a rainha da Inglaterra, atualmente). Foi só no ano de 314 d.C. que o
imperador romano, Constantino, o Grande, mudou arbitrariamente a data oficial
do aniversário de Jesus para 25 de dezembro, ainda comemorado hoje, e com
muitas pessoas acreditando que seu nascimento físico se deu de fato nesse dia.
Havia dois motivos para Constantino efetuar essa mudança. Em primeiro
lugar, separava a celebração cristã de qualquer ligação com os judeus,
sugerindo que Jesus era cristão e não judeu. Em segundo lugar, o reajuste do
aniversário oficial de Jesus deveria coincidir com o costumeiro Festival do Sol
pagão, chamado Sol Invictus. Entretanto, no cenário contemporâneo da época de
Jesus, 15 de setembro de 33 d.C. (seis meses após a crucificação) foi seu
trigésimo nono aniversário oficial, e naquele mês Maria Madalena teve uma
filha. Ela recebeu o nome de Tamar (palmeira - assimilado em grego como Dâmaris),
um nome tradicional da fanu1ia de Davi. Jesus deveria, então, entrar num estado
de total celibato por três anos até os ''Tempos da restauração", como
vemos em Atos 3:20-21.
Da presença do Senhor venham tempos de refrigério, e que envie ele o
Cristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu receba
até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca de
seus santos profetas desde a Antiguidade.
Esse mês de setembro de 33 d.C. coincidiu com o restabelecimento formal
de Simão Zelote como o Pai da Comunidade, momento em que Jesus foi finalmente
admitido no sacerdócio - um ritual no qual ele figurativamente "ascendeu
aos céus".
Embora reconhecido por muitos como o rei da descendência de Davi, Jesus
vinha tentando entrar no sacerdócio e particularmente no santuário interior dos
sacerdotes superiores: o alto monastério conhecido como o Reino do Céu. Com o
Simão Zelote foi reinstituído, o desejo de Jesus se realizou: ele foi ordenado
e levado ao Céu pelo Líder dos Peregrinos seu próprio irmão Tiago. Nesse
contexto fraternal, Tiago, usando imagens do Antigo Testamento, era a designada
Nuvem. Era uma nuvem que tinha conduzido os antigos israelitas até a Terra
Prometida (Êxodo 13:21-22) e a aparição de Deus a Moisés no monte Sinai fora
acompanhada não só por trovões e relâmpagos, mas também por uma nuvem (Êxodo
19:16). Portanto (assim como Trovão, Relâmpago e Terremoto), Nuvem era uma
designação simbólica dentro da comunidade essênia.
A elevação de Jesus ao sacerdócio está registrada no Novo Testamento pelo
evento conhecido como Ascensão. Jesus não era o único que falava em parábolas,
mas também os autores dos Evangelhos, usando alegorias e paralelos que eram
importantes para "aqueles com ouvidos para ouvir". Portanto, as
passagens dos Evangelhos que parecem ser narrativas diretas (por mais
sobrenatural que pareça o contexto) também são parábolas. Como Jesus disse aos
discípulos (Marcos 4: 11-12):
A vós outros é dado conhecer o
mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de
parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e ouvindo, ouçam e não
entendam.
A Ascensão é apenas outra parábola, conforme descrita em Atos 1:9:
"Ditas essas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma
nuvem o encobriu dos seus olhos". Enquanto Jesus partia para o sacerdotal
reino do Céu, dois sacerdotes angélicos anunciaram que ele voltaria do mesmo
modo:
Eis que dois varões vestidos de branco se puseram ao lado deles e lhes
disseram: Varões galileus, porque estais olhando para as alturas? Esse Jesus
que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o viste subir (Atos
1:10-11).
E assim Jesus abandonou o mundo cotidiano por três anos, período em que
Maria Madalena, a mãe de sua filha, não teria contato físico com ele. Desde o
sexto mês de gravidez, Maria tinha o direito de chamar a si própria de Mãe, mas
quando sua filha nasceu e os três anos de celibato começaram, ela seria
considerada viúva. Os filhos dinásticos eram criados e educados num centro
comunitário monástico, onde viviam também suas mães (aquelas designadas viúvas
ou aleijadas: mulheres celibatárias). Muito pouco se diz a respeito de Jesus
nos Evangelhos porque ele também foi criado num ambiente conventual fechado.
O período de três anos da separação monástica de Jesus expirou em
setembro de 36 d.C., após o que as relações sexuais com sua esposa foram
novamente permitidas em dezembro.
Uma propriedade muito clara da linguagem usada no Novo Testamento é que
as palavras, os nomes e títulos com significado cifrado são usados sempre com o
mesmo sentido. Não só eles têm o mesmo significado cada vez, que são usados,
mas também são utilizados sempre que esse significado é exigido. Sem dúvida, os
estudos mais apurados até hoje nessa área de pesquisa foram os da Bárbara
Thiering, baseados em informações contidas nos comentários dos Pergaminhos do
Mar Morto acerca dos livros do Antigo Testamento. Esses comentários guardam os
segredos dos pesharim (os caminhos para pistas vitais) e foram produzidos pelos
eruditos escrivãos de Qumrã.
Em alguns casos, as derivações individuais de nomes ou títulos
codificados podem ser complexas ou obscuras, mas geralmente são diretas, ainda
que quase nunca óbvias. Com freqüência, as informações cifradas nos Evangelhos
são anunciadas pela declaração de que são para "aqueles com ouvidos para
ouvir" - uma frase que é um inegável prenúncio a uma passagem com um
sentido oculto para aqueles que conhecem o código. As regras dominantes do
código são fixas e o simbolismo permanece constante, como no caso do próprio
Jesus.
Por meio do inerente pesher (singular de pesharim e significando
"explicação" ou "solução") bíblico, Jesus é definido como a
Palavra de Deus - termo já definido desde o início no Evangelho de João:
No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus, e a
Palavra era Deus... E a Palavra se fez homem e habitou entre nós (João 1:1,
14).
Não há variáveis nos textos dos Evangelhos: sempre que a expressão
"a Palavra de Deus" é usada (com ou sem maiúscula, dependendo da
tradução), significa que Jesus, ou estava presente ou era o tema da narrativa,
como em Lucas 5:1, quando a palavra de Deus estava perto do lago.
A expressão também é usada em Atos para identificar o paradeiro de Jesus
após a Ascensão. Assim, quando lemos que "[ouviram] os apóstolos, que
estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus..." (Atos 8:
14), podemos entender imediatamente que Jesus estava em Samaria.
Conseqüentemente, quando lemos que "crescia a palavra de Deus"
(Atos 6:7), entendemos que Jesus "crescia"; conforme simbolizado pelo
pesher na parábola do Semeador e a Semente (Marcos 4:8): "Outra [semente],
enfim, caiu em boa terra e deu fruto, que vingou e cresceu". Em suma, a
referência nos Atos significa que "'Jesus [deu fruto e] cresceu", ou
seja, ele teve um filho. Talvez não nos surpreenda que seu primogênito também
se chamasse Jesus, e voltaremos a ele no momento oportuno.
Como exigiam as regras messiânicas, o nascimento ocorreu em 37 d.C. - o
ano depois de Jesus retomar ao seu casamento, no "tempo da
restauração". Depois do nascimento de seu filho, porém, Jesus estava
destinado agora a nada menos que outros seis anos de celibato monástico.
Na Igreja Russa de Santa Maria Madalena, Jerusalém, há um magnífico
retrato de Maria, que a mostra segurando um ovo vermelho, mostrando-o ao
observador. Esse é o supremo símbolo da fertilidade e do novo nascimento. De
modo semelhante, A Alegoria Secreta de Jan Provost (uma pintura esotérica do
século XV) mostra Jesus com uma espada, junto à sua esposa Maria, que é coroada
e usa uma vestimenta preta de uma sacerdotisa nazarena, enquanto deixa voar a
pomba do Espírito Santo.
Durante os anos da separação monástica de Jesus (o estado celestial),
seus apóstolos continuaram a pregar - mas não tinham o intento de fundar uma
nova religião. Embora a mensagem deles fosse radical, ainda eram judeus e
queriam apenas reformas no judaísmo, com Pedro como líder evangélico das
operações.
Em oposição direta ao crescente movimento estava Saulo de Tarso, um
hebreu ortodoxo devoto, que era tutor do filho do rei Herodes Agripa. Saulo não
tinha tempo para as visões helenistas liberais de Jesus; ele acreditava que os
judeus eram superiores a todos os gentios, e considerava Tiago o verdadeiro
Messias.
O ano de 37 d.C. trouxe mudanças administrativas em todo o Império
Romano, e especialmente na Palestina. O imperador Tibério tinha falecido, e, o
novo imperador, Caio Calígula, demitiu Pôncio Pilatos para nomear seu homem,
Félix, governador da Judéia. Também removidos de suas posições foram José
Caifás, o sumo sacerdote, e Simão Zelote, o Pai. Teófilo, irmão de Jônatas
Anás, assumiu o posto de alto sacerdote, e uma administração inteiramente nova
estava em andamento - mais dependente de Roma que antes.
Em 40 d.C., Jesus estava em Damasco, onde os líderes judeus participavam
de uma conferência para discutir sua posição em relação a Roma. Assim como
Jesus sabia que os judeus jamais poderiam derrotar Roma enquanto estivessem
divididos dos gentios, Saulo de Tarso tinha certeza de que a associação com os
gentios representava uma fraqueza que deixava os judeus vulneráveis e expostos.
Saulo ficou particularmente irritado quando uma estátua de Calígula foi colocada
dentro do Templo de Jerusalém uma afronta cuja culpa ele atribuía a Jesus e aos
helenistas, os quais ele considerava serem os responsáveis por dividir a nação
judaica. Ele também se dirigiu a Damasco para defender seu caso.
O relato em Atos sugere que Saulo foi a Damasco, Síria, com um mandato do
sumo sacerdote em Jerusalém, mas isso não pode ser verdade. O Sinédrio judaico
não tinha nenhuma jurisdição na Síria. É
muito mais provável que Saulo, ligado à Casa de Herodes, estivesse de fato
trabalhando em operação romana para suprimir os nazarenos. Entretanto, antes
que Saulo tivesse a chance de se fazer presente à conferência, Jesus o deteve
nas instalações monásticas. Quando Paulo chegou ao meio-dia, o sol estava a
pique bem sobre a clarabóia do templo, e lá se encontrava Jesus, pronto para
enfrentar o acusador. Depois, tendo ouvido o sermão persuasivo de Jesus, Saulo
percebeu que se deixara cegar por dogmas sectários (Atos 9:8).
"Subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor; e, caindo por
terra, ouviu uma voz que lhe dizia: 'Saulo, Saulo, por que me persegues?' (Atos
9:3-4)”.
Subseqüentemente, Jesus instruiu o discípulo Ananias para que fosse
ensinar a Saulo, mas Ananias hesitou, acreditando que Saulo era um agente do
inimigo: "Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos
males tem feito aos teus santos em Jerusalém" (Atos 9:13). O discípulo,
porém, obedeceu, dizendo: "Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o
próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a
vista e fiques cheio do Espírito Santo" (Atos 9:17).
O uso nas passagens acima das palavras "vista" e
"caminho" é novamente cifrado, pois, como mencionado anteriormente, o
tema doutrinal da comunidade era chamado de o Caminho. Depois das devidas
instruções sobre o pensamento helenista, Saulo foi iniciado para que também
pudesse ver claramente o caminho da salvação, unido aos gentios:
"Imediatamente lhe caíram dos olhos como que, umas escamas, e tomou a ver.
A seguir, levantou-se e foi batizado" (Atos 9: 18).
Dessa experiência, Saulo emergiu como um helenista totalmente convertido.
Imediatamente, ele começou a pregar em Damasco – mas havia um problema, pois as
pessoas não acreditavam que o homem que viera tão inflamado para desafiar o
Messias agora o estivesse promovendo. Os judeus estavam confusos, desconfiados,
e logo ficaram irados a ponto de ameaçar a vida de Saulo; os discípulos tinham
de tirá-lo da cidade. No entanto, em 43 d.C., Saulo era um fervoroso
evangelista, bem conhecido sob seu novo nome, Paulo, para ser associado
popularmente a Pedro. No entanto, surgia agora um problema muito mais
insidioso. Sua conversão fora tão traumática, sua mudança de opinião tão
avassaladora, que Paulo considerava Jesus não só um Messias terreno com uma
inspiradora mensagem social, mas também como o Filho de Deus encarnado: um
senhor poderoso e celestial.
As viagens missionárias de Paulo o levaram até a Anatólia (Ásia Menor) e
às áreas do leste mediterrâneo onde se falava o grego. Mas sua versão
dramaticamente revista da Boa Notícia era que um surpreendente Salvador logo
estabeleceria um regime mundial de perfeita justiça - contando com o apoio de
escritos ambíguos do Antigo Testamento, como, por exemplo, do livro de Daniel
7:13-14. Quando foram escritos, esses textos nada tinham a ver com Jesus, mas
eram suficientemente esclarecedores para Paulo, dando-lhe a inspiração
necessária para a sua inflamada inventiva. Em sua empolgação, ele proclamava a
Ira do Senhor com todo o zelo de um profeta do Antigo Testamento, fazendo
afirmações ultrajantes que lhe garantiram uma atenção sem precedentes.
"Eu estava tendo, nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as
nuvens do céu um como o Filho do Homem.
Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e
homens de todas as línguas o servissem.”
Em 1 Tessalonicenses 4:16-17,
Paulo declarou:
"Porquanto, o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a
voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em
Cristo ressuscitarão primeiro.
Depois, nós, os vivos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre
nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e assim, estaremos para sempre com
o Senhor.”
Por meio do ensinamento imaginativo de Paulo, surgiu todo um novo
conceito de Jesus. Ele não era mais simplesmente o tão esperado Ungido, o
Messias que reinstituiria a linhagem de Davi e libertaria os judeus da opressão
na Palestina. Ele era agora o Salvador celestial do Mundo!
"... a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;
pois nele foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis
e invisíveis...
Ele é a cabeça do corpo, da Igreja... Para em todas as coisas ter a
primazia. Porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude
(Colossenses 1:15-19).”
Enquanto Tiago e Pedro pregavam individualmente, usando imagens bem menos
engenhosas, Paulo se desviara para o reino indecifrável da pura fantasia. Em
seu entusiasmo desenfreado, ele inventou um mito inexplicável e desatinou a
fazer profecias que jamais se cumpriram. Apesar de tudo isso, é Paulo - não
Pedro nem Tiago - quem domina o corpus do Novo Testamento, além dos Evangelhos.
Tamanho era o poder do ensinamento de Paulo que o Jesus missionário dos Evangelhos
se transformou num aspecto de Deus Todo-Poderoso, e Jesus, o Cristo dinástico
(o herdeiro real da Casa de Judá), perdeu-se totalmente na história religiosa.
A tarefa designada a Paulo era disseminar instruções judaico-helenistas
entre os gentios da costa mediterrânea, e levar a mensagem de Jesus àqueles
judeus que viviam fora de sua terra natal. Mas, em vez disso, ele ignorou o
objetivo principal e (talvez inevitavelmente) acabou criando seu próprio culto.
Para Paulo, a veneração e adoração de Jesus eram suficientes para garantir a
redenção e a entrada no Reino do Céu. Todos os valores sociais professados e
insistidos por Jesus foram deixados de lado na tentativa de Paulo de competir
com uma variedade de crenças pagãs.
Em todo o mundo mediterrâneo, havia muitas religiões, cujos deuses e
profetas supostamente nasciam de virgens e, de uma forma ou de outra,
desafiavam a morte. Eram todos de origem sobrenatural e possuíam poderes
fabulosos sobre os mortais comuns. Para fazermos justiça a Paulo, ele certamente
teve problemas que Tiago e Jesus jamais enfrentaram em seu ambiente nativo. A
rota de sucesso de Paulo, diante de todas as dificuldades, devia apresentar
Jesus de maneira que transcendesse até esses ídolos para-normais. Mas, ao fazer
isso, ele criou uma imagem de Jesus tão distante da realidade que a sociedade
judaica o considerava uma fraude. Apesar de tudo isso, porém, foi o Jesus
transcendente inventado por Paulo que mais tarde se tornou o Jesus do
Cristianismo ortodoxo.
Nos primeiros anos da década de 40 d.C., Pedro se associou ao
recém-convertido Paulo em Antioquia, Síria, enquanto Tiago e seus nazarenos
continuaram operando em Jerusalém. Outra divisão nos escalões se tornou
evidente quando Simão (o mago) Zelote montou uma base separada para sua seita
gnóstica esotérica em Chipre.
Pedro fora o braço direito de Jesus e, como tal, deveria ter-se tornado o
guardião de Maria Madalena durante os anos de sua separação (viuvez simbólica),
mas, embora Pedro também fosse casado, ele pensava mal das mulheres e não
estava preparado para ficar à disposição de uma sacerdotisa.
A opinião de Paulo sobre as mulheres era menos lisonjeira ainda e ele se
opunha veementemente ao envolvimento delas em questões de religião. Os dois
homens, portanto, deliberadamente excluíram Maria de seu novo movimento e, para
garantir sua total alienação, publicamente a declararam herege, pois ela era
uma amiga íntima da consorte de Simão Zelote, Helena-Salomé.
Nesse ínterim, Jesus e Maria reassumiram a condição de casados em
dezembro de 43 d.C., seis anos depois do nascimento de seu filho. Jesus não
parecia estar muito preocupado com Pedro e com a atitude de Paulo em relação à
Maria, pois ele conhecia Pedro o suficiente e, sem dúvida, não hesitava em
reconhecer o fanatismo de Paulo, gostasse disso ou não. Na verdade, Jesus
parecia estar perfeitamente satisfeito por sua mulher estar associada à facção
gnóstica de Simão e Helena (ou aos nazarenos de seu irmão Simão), em vez de se
ligar ao ministério machista que estava sendo promovido por Pedro e Paulo.
Afinal de contas, Maria (e também Marta) fora a irmã devotada de Simão (Lázaro)
na Betânia e se davam muito bem. Nessa época Maria concebeu novamente. Na
primavera de 44 d.C., Jesus embarcara numa missão a Galácia (na Ásia Menor
central), com o prosélito chefe (líder dos convertidos gentios), João Marcos,
talvez mais bem conhecido como Bartolomeu.
Nesse período, Tiago e seus Nazarenos se tomaram uma ameaça cada vez
maior para a autoridade romana em Jerusalém. Como resultado direto, o apóstolo
Tiago Boanerges foi executado por Herodes de Cá1cis em 44 d.C. (Atos 12: 1-2).
Simão Zelote partiu para a retaliação imediata e mandou envenenar Herodes
Agripa, mas foi obrigado a fugir, logo
depois. Tadeu, porém, não teve a mesma sorte; ao tentar escapar atravessando o
Jordão, foi pego por Cálcis e executado sumariamente. Isso deixou Maria, que
estava grávida, numa situação precária, pois Cálcis sabia que ela era amiga de
Simão. Ela foi pedir a proteção do ex-pupilo de Paulo, o jovem Herodes Agripa
II (na época com 17 anos de idade), que providenciou para que ela fosse levada
à propriedade dos Herodes na Gália, onde Herodes Antipas e seu irmão Arquelau
estavam exilados.
Mais tarde naquele mesmo ano, Maria deu à luz seu segundo filho em Provença,
e há uma referência específica a isso no Novo Testamento: "A palavra do
Senhor crescia e se multiplicava" (Atos 12:24).154 Esse filho era o
importante Filho do Graal e, após seu avô, ele foi chamado de José.
Tendo cumprido sua obrigação dinástica de ter dois filhos homens, Jesus
se viu devidamente liberado de quaisquer restrições e pôde levar uma vida
normal mais uma vez. A partir de 46 d.C., seu filho mais velho, Jesus II, com 9
anos de idade, passou a receber a educação em Cesaréia. Três anos depois, ele
passou pela cerimônia de seu Segundo Casamento em Provença. Segundo os
costumes, simbolicamente ele nasceria de novo do ventre de sua mãe, quando
tivesse 12 anos - seu Primeiro Ano como iniciado. Presentes estavam seu tio
Tiago (José ha Rama Theo: "de Arimatéia"), que mais tarde levaria seu
filho ao oeste da Inglaterra por algum tempo.
Em 53 d.C., Jesus Júnior foi oficialmente proclamado Príncipe da Coroa na
sinagoga em Corinto, recebendo o devido título de Justus (o Justo - Atos 18:7).
Com isso, ele era o sucessor formal de seu tio, Tiago, o Justo, como herdeiro
real. Atingindo a maioridade aos 16 anos, Jesus Justo também se tomou o nazireu
chefe, tendo direito à túnica preta do posto - usada também pelos sacerdotes de
Ísis, a Deusa Mãe universal.
Seu pai, Jesus Cristo, foi a Roma passando por Creta e Malta, em 60 d.C.
Enquanto isso, Paulo retomava a Jerusalém, tendo viajado extensivamente com
Lucas, o médico. Chegando lá, porém, ele foi acusado de conspirar contra Jônatas
Anás, que tinha sido assassinado pelo governador Félix. O governador foi
enviado para julgamento diante do imperador Nero em Roma, e Paulo teve de ir
junto. Algum tempo depois, Félix foi absolvido, mas Paulo permaneceu em
custódia por causa da associação com seu ex-pupilo Herodes Agripa II, que Nero
detestava. Nesse período, Jesus Justo também estava na cidade (Colossenses
4:11).
Mais ou menos na mesma época, mas bem longe dos perigos de Roma, o irmão
mais jovem de Jesus Justo, José, tinha completado a educação numa escola druida
e vivia na Gália com sua mãe. Posteriormente se juntou a eles Tiago, o tio de
José, assumindo residência permanente no Ocidente, após fugir de Jerusalém em
62 d.C. Seus nazarenos tinham sido submetidos a uma perseguição brutal por
parte dos romanos e o Sinédrio acusara Tiago de passar ensinamentos
ilegais.Conseqüentemente, ele foi sentenciado a sofrer apedrejamento público e
excomungado, sendo declarado espiritualmente "morto" pelos anciãos
judeus. O então "honorável conselheiro" do Sinédrio e providencial
Messias dos hebreus acabou caindo do próprio pináculo de graça civil e
religiosa - um evento simbolicamente descrito como se ele tivesse de fato caído
fisicamente do telhado do Templo.
Após perder toda a credibilidade espiritual aos olhos da lei, Tiago
reassumiu seu título hereditário, Tiago ha Rama Theo, e seguiu para oeste para
se juntar a Maria Madalena e seus colegas na Gália. De volta à Roma de Nero,
Pedro chegava para assumir a responsabilidade pela seita paulina, na época
conhecida como "os cristãos". Nero tinha desenvolvido um ódio
irascível pelos cristãos e, para diminuir a quantidade deles, instituíra um
regime fanático de perseguição. Sua forma favorita de tortura era amarrá-los a
estacas nos jardins de seu palácio e transformá-los em tochas humanas à noite.
Antes de morrer, Paulo conseguiu transmitir uma mensagem a Timóteo de que
Jesus estava em segurança, mas não disse onde. Alguns sugerem que Jesus seguiu
os passos do apóstolo Tomás até a Índia, e ele teria morrido em Srinagar,
Kashmir, onde um túmulo é atribuído a ele. Tal idéia surgiu de uma indicação em
Kashmir, em 1894, de que Jesus era sinônimo de um profeta chamado Isa, ao qual
o túmulo fora originalmente dedicado - mas a evidência, embora um tanto
intrigante, está longe de ser conclusiva nesse aspecto.
Quando Tiago (José de Arimatéia) já estava permanentemente estabelecido
no Ocidente, não tardou até que Simão Zelote conduzisse a maioria dos nazarenos
para fora de Jerusalém em 65 d.C. Ele os levou para o leste do Jordão e se
espalharam pela região da antiga Mesopotâmia (atual Iraque).
O regime de Nero tinha causado um considerável nervosismo político, e os
temperamentos estavam perigosamente acirrados na Terra Santa. No início de 66
d.e., brigas esporádicas surgiam em Cesaréia entre os zelotes e os romanos. A
hostilidade rapidamente se espalhou para Jerusalém, onde os zelotes ganhavam
numerosas posições estratégicas. Eles preservaram a cidade por quatro anos, até
que um fortíssimo contingente romano liderado por Flávio Tito chegou em 70
d.C., arrasando Jerusalém. Como Jesus tinha corretamente previsto muitos anos
antes, o Templo ruiu e, com ele, tudo também ruíra. A maior parte dos
habitantes foi dizimada; os sobreviventes foram vendidos como escravos e a
Cidade Santa se tomou uma ruína vazia durante as seis décadas seguintes.
Na onda dessa destruição, a nação judaica se encontrava num grande estado
de perturbação. Não só Jerusalém tinha caído, mas também Qurnrã e, com o passar
do tempo, o último famoso bastião era a fortaleza de Massada, nas montanhas, a
sudoeste do mar Morto. Lá, menos de mil judeus resistiam aos repetidos cercos
de um poderoso exército romano, mas aos poucos iam ficando sem provisões e
suprimentos. Em 74 d.C., a causa já estava perdida e o comandante da guarnição,
Eliezer Ben Jair, organizou um programa de suicídio em massa. Só sobreviveram
duas mulheres e cinco crianças.
Várias ondas de refugiados nazarenos abandonaram a Terra Santa para
perpetuar sua tradição no norte da Mesopotâmia, na Síria e no sul da Turquia. O
cronista Júlio Africano, escrevendo por volta de 200 d.C., quando residia na
cidade de Edessa (hoje Urfa, na Turquia; não confundir com Edessa na Grécia),
registrou detalhes do êxodo. No início da revolta, os governadores romanos tinham
mandado queimar todos os registros públicos em Jerusalém para impedir um futuro
acesso aos detalhes da genealogia da família de Jesus. Durante a revolta dos
judeus, todos os registros foram facilmente confiscados pelas tropas romanas,
que tinham ordens de destruir registros particulares também - destruir, aliás,
qualquer evidência documentária relevante que pudessem encontrar. Mas, apesar
de toda essa operação, a destruição não foi completa e certos documentos
continuaram devidamente ocultos.
Ao escrever sobre essa erradicação proposital de documentos messiânicos,
Africano afirmou: "Algumas pessoas precavidas tinham registros
particulares próprios, tendo guardado nomes na memória ou recuperado-os de
cópias, e se orgulhavam de preservar a lembrança de suas origens
aristocráticas". Ele descreveu esses herdeiros reais como os Desposyni
(herdeiros [ou pertencentes] do Senhor [ou Mestre]). Nos primeiros anos da era
cristã, várias ramificações dos Desposyni eram perseguidas pela ditadura romana
- primeiro pelo império, depois pela Igreja Romana. Eusébio confirmou que, nos
tempos imperiais, os líderes Desposyni se tomaram chefes de suas seitas por
meio de uma "progressão dinástica estrita". Mas, sempre que possível,
eles eram perseguidos até a morte - caçados como malfeitores e mortos pela
espada romana, por ordem imperial.
A verdade total sobre essa Inquisição seletiva certamente foi escondida,
mas sua mitologia e tradição sobreviveram na cultura do Graal, nas cartas de
tarô, no romance arturiano, nas canções dos Trovadores, na tapeçaria do
Unicórnio, na arte esotérica e na contínua veneração pela herança de Maria
Madalena. Tão poderosa tem sido a tradição que, ainda hoje, o Santo Graal
continua sendo a suprema relíquia de uma busca. Mas tudo isso (por mais excitante
ou romântico que pareça) é considerado herético pelo sistema eclesiástico
ortodoxo. Por quê? Porque o mais importante objeto da perene busca representa
assustadora ameaça a uma Igreja que dispensou a sucessão messiânica em favor de
uma alternativa clerical auto-estabelecida.
NOIVA E MÃE REAL
Maria Madalena morreu em 63 d.C., com 60 anos, num lugar chamado La
Sainte Baume, no sul da França. Ela é descrita no Novo Testamento como uma
mulher "da qual saíram sete demônios" (Lucas 8:2), e antes, no mesmo
Evangelho, ela é chamada de "pecadora". Mas, além disso, Maria é
descrita em todos os Evangelhos como uma companheira favorita e leal de Jesus.
No entanto, as descrições que Lucas faz de Maria são, mais uma vez, cifradas.
Antes do casamento, as Marias ficavam sob a autoridade do chefe dos
escrivãos, que, na época de Maria Madalena, era Judas Iscariotes. O chefe dos
escrivões era também o Sacerdote Demônio no. 7 e os sete sacerdotes demônios
foram estabelecidos como um grupo de oposição formal àqueles sacerdotes que
eram as sete luzes do Menorá. O dever deles era supervisionar as mulheres
celibatárias da comunidade. Quando se casou, Maria Madalena obviamente foi
liberada dessa condição. Por isso, "[dela] saíram sete demônios", e
ela teve permissão de ter relações sexuais na base regular explicada antes.
Como já foi mencionado, seu casamento não foi comum, e Maria se sujeitou
a longos períodos de separação conjugal do marido - períodos em que ela era
classificada não como esposa, mas como uma "irmã" (no sentido devoto,
como seria uma freira). Em sua condição de Irmã, Maria era apegada ao Pai,
Simão Zelote (Lázaro). Também uma Irmã do Pai era Marta, cujo nome também era
titular. Marta significava "senhora", e a diferença entre as Martas e
Marias era que as primeiras tinham permissão de possuir propriedade, enquanto
as Marias não. As Irmãs tinham o mesmo status comunitário que as viúvas
(mulheres aleijadas), uma posição abaixo da almah. Portanto, uma almah (virgem)
se casaria e seria promovida à Mãe, mas durante os períodos de separação
conjugal ela seria demovida abaixo de sua posição de solteira.
O pai de Maria Madalena era o sacerdote chefe (subordinado ao sumo
sacerdote) Siro, o Jairo. O sacerdote jairita presidia na grande sinagoga de
mármore em Cafarnaum e sua posição era totalmente separada do Zadoque e do
Abiatar. Era um posto hereditário desde os tempos do rei Davi, restrito aos
descendentes de Jair (Números 32:41). Como confirma 2 Samuel 20:25-26:
"Seva, o escrivão; Zadoque e Abiatar, os sacerdotes; e também Ira, o
jairita, era ministro de Davi".
A primeira menção de Maria no Novo Testamento é, na verdade, a história
de como ela ressuscitou dentre os mortos, como filha de Jairo em 17 d.C.
Ressuscitar (simbolicamente, da escuridão eterna) tem a ver com elevação de
status dentro do Caminho ou, como já vimos, uma libertação da morte espiritual,
que era a excomunhão. Entretanto, como as mulheres não eram excomungadas, o
evento de Maria foi claramente uma elevação iniciatória. Para os meninos, a
primeira elevação era quando eles tinham 12 anos e para as meninas, 14. Como
Maria foi elevada, ou ressuscitada no ano 17 d.C., isso significa que ela
nasceu no ano III d.C. e era, portanto, nove anos mais jovem que Jesus; assim,
quando entrou no contrato conjugal em 30 d.C., ela tinha 27 anos.
Tendo concebido em dezembro de 32 d.C., Maria tinha 30 anos no Segundo
Casamento, ano em que (33 d.C.) ela deu à luz Tamar.
Quatro anos depois, nasceu seu filho Jesus, o jovem, e em 44 d.C. (quando
ela tinha 41 anos), o segundo filho, José. Nessa época Maria se encontra em
Marselha (Massília), onde a língua oficial foi o grego até o século V. Um fato
não reconhecido, mas que deveria ser enfatizado, é que a língua de estilo
aramaico de Jesus, dos apóstolos e todos os que tinham a ver com o judaísmo
helenista foi fortemente influenciada pelo grego. Os hebreus, claro, usavam sua
língua semítica específica. É por isso que termos como Alphaeus e ha Rama Theo
são combinações de elementos gregos e hebraicos. Além disso, por causa dessa
longa ocupação romana, essa outra cultura lingüística foi, até certo grau,
incorporada. Foram feitos ajustes por respeito aos gentios (não-judeus) e aos
prosélitos (gentios convertidos ao judaísmo) para que, dentro de todas as
variáveis, houvesse um entendimento mútuo.
De acordo com a tradição gnóstica, Maria Madalena era associada à
Sabedoria (Sofia), representada pelo Sol, Lua e um halo de estrelas. A gnose
feminina de Sofia era considerada o Espírito Santo, representado na Terra pela
Madalena, que fugiu para o exílio, carregando no ventre o filho de Jesus. João,
em Apocalipse 12:1-17, descreve Maria e seu filho, e fala de sua perseguição,
fuga e da contínua caça romana aos "restantes da sua descendência"
(seus descendentes).
"Viu-se grande sinal no céu, a saber, uma mulher vestida do Sol com
a Lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça, que achando-se
grávida, grita com as dores de parto, sofrendo tormentos para dar à luz.
Viu-se também outro sinal no céu, e eis um dragão, grande, vermelho, com
sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas.
E... O dragão se deteve em frente à mulher que estava para dar à luz, a
fim de lhe devorar o filho quando nascesse.
Nasceu-lhe, pois, um filho varão [que há de reger todas as nações com
cetro de ferro. E o seu filho foi arrebatado por Deus até o seu trono].
A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado
lugar...
Houve guerra no céu. Miguel e os seus anjos guerrearam contra o dragão...
E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente... Eles, pois,
venceram-no por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do
testemunho que deram...
Quando o dragão se viu atirado para a terra, perseguiu a mulher que dera
à luz o filho varão. E foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para
que voasse até o deserto, ao seu lugar.
Irou-se o dragão contra a mulher e foi guerrear com os restantes de sua
descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de
Jesus."
Além de Maria, entre outros migrantes à Gália, em 44 d.C., incluíam-se
Marta e sua criada Marcela. Havia também Filipe, o Apóstolo, Maria Jacó Cléopas
e Maria Salomé-Helena. O ponto de desembarque em Provença era Ratis, que mais
tarde ficou conhecido como Les Saintes Maries de La Mer. Apesar da proeminência
de Maria e Marta nos textos dos Evangelhos, elas não são mencionadas nos Atos,
nem nas epístolas de São Paulo depois da partida delas para o Ocidente, em 44
d.C.
A Vida de Maria Madalena, escrita por Raban Maar (776-856), arcebispo de
Mayence (Mainz) e Abbé de Fuld, incorpora muitas tradições sobre Maria, que
remontam até bem antes do século V. Uma cópia do manuscrito de Maar foi
descoberta na Universidade de Oxford na primeira década de 1400 e a obra é
citada na Chronica Majora de Mateus Paris, por volta de 1190. Também está
listada na Scriptorum Ecclesiasticorum Historia Literaria Basilae, em Oxford.
Luís XI da França (1461-1483) insistia na posição dinástica de Maria na
linhagem real da França. Santa Maria Madalena, do frade dominicano Pere
Lacordaire (publicada depois da Revolução Francesa), é uma obra particularmente
informativa, assim como La Légende de Sainte Marie Madeleine, de Jacobus de
Voragine, arcebispo de Gênova (nascido em 1228). Tanto Voragine como Maar afirmam
que a mãe de Maria, Eucária, tinha parentesco com a casa real de Israel (a casa
real sacerdotal, e não a de Davi de Judá).
Outra importante obra de Jacobus de Voragine é a famosa Legenda Aurea
(Lenda Dourada), um dos primeiros livros impressos em Westminster, Londres, por
William Caxton, em 1483. Publicado anteriormente em francês e latim, Caxton foi
persuadido por William, conde de Arundel, a produzir uma versão em inglês dos
manuscritos europeus. É uma coletânea de crônicas eclesiásticas detalhando as vidas
de figuras santas escolhidas. Altamente venerada, a obra era lida em público
regularmente, nos mosteiros e igrejas medievais. Uma narrativa em particular da
Legenda é sobre Santa Marta de Betânia e sua irmã, Maria Madalena:
"Santa Marta, anfitriã do Senhor Jesus Cristo, nasceu numa família
real. O nome de seu pai era Siro, e de sua mãe, Eucária; o pai viera da Síria.
Junto à sua irmã, por herança da mãe, Marta recebeu três propriedades: o
castelo Madalena, Betânia e uma parte de Jerusalém. Após a Ascensão de nosso
Senhor, quando discípulos tinham partido, ela, com o irmão Lázaro e a irmã
Maria, e também São Máximo, embarcou num navio, no qual - graças à proteção de
nosso Senhor - chegaram todos em segurança a Marselha. De lá, seguiram até a
região de Aix, onde converteram os habitantes à fé".
O nome Madalena deriva do substantivo hebraico migdal (torre). Em termos
práticos, a afirmação de que as irmãs possuíam três castelos é ligeiramente
errônea, principalmente porque as Marias (Miriams) não podiam possuir
propriedades. A herança conjunta na verdade se referia ao status pessoal; ou
seja, elas herdaram altos postos comunitários (castelos/torres) de tutela, como
em Miquéias 4:8170 - Magdaleder (Torre do rebanho).
O culto a Madalena mais ativo acabou sendo mantido em Rennesle-Château na
região de Languedoc. Em outras partes da França havia muitos santuários
dedicados à Santa Maria Madalena, entre os quais seu sepulcro em St. Maximus,
onde a tumba de alabastro e o sepulcro eram guardados pelos monges cassianos no
início do século V. A enigmática área de Rennes-Ie-Château tem fascinado muita
gente desde o destaque que recebeu em 1982 por Michael Baigent, Richard Leigh e
Henry Lincoln em sua notável obra The Holy Blood and the Holy GraU, e Henry
Lincoln em The Holy Place. Em nenhum outro texto, porém, os fatos
surpreendentes da paisagem da região são mais bem transmitidos do que na
obra-prima cartográfica do Chevalier David Wood, Genisis.
A ordem dos Cassianos tem uma história interessante. Embora São Benedito
geralmente seja considerado o Pai do monasticismo ocidental, na verdade ele foi
precedido por João Cassiano, que fundou seu mosteiro cassiano por volta de 410
d.C. (após os esforços comunais inovadores de Martinho, bispo de Tours e
Honorácio, arcebispo de Arles). O significativo avanço em disciplina monástica
por parte de Cassiano (a ser seguido por Benedito e outros) foi a sua separação
e independência da organização da Igreja episcopal. Cassiano denunciou a tomada
de ordens sagradas como uma "prática perigosa", e declarou que os
monges deveriam "evitar os bispos, a qualquer custo". Inicialmente um
eremita ascético em Belém,
João Cassiano estabeleceu suas duas escolas perto de Marselha - uma para
homens e outra para mulheres. Assim, Marselha se tomou um centro conventual
reconhecido: o berço do ritual das Candelárias, que sucedia à antiga procissão
das tochas de Perséfone do Submundo. De modo semelhante, o Festival da Madona
se originou na Basilica de São Vítor, em Marselha.
Outra importante sede madalena era a de Gellone, onde a Academia de
Estudos Judaicos (o mosteiro de St. Guilhelm le Désert) floresceu durante o
século IX. A igreja em Rennes-Ie-Château foi consagrada a Maria Madalena em
1059 e, em 1096 (o ano da Primeira Cruzada), a grande Basilica de Santa Maria
Madalena foi iniciada em Vézelay. Foi aí que São Francisco de Assis fundou a
Ordem dos Frades Menores Franciscanos (posterionnente os capuchinhos) em 1217.
Foi também em Vézelay, em 1146, que o monge cisterciense São Bemardo de
Clairvaux pregou a Segunda Cruzada ao rei Luís VII, à rainha Eleanor, aos
cavaleiros e a uma congregação de cem mil pessoas. De fato, o entusiasmo das
Cruzadas era intimamente ligado à veneração da Madalena.
As ordens dos cistercienses, dominicanos, franciscanos e várias outras da
época seguiam, todas, um estilo de vida separado do episcopado da Igreja
Romana. Mas todas tinham um interesse comum por Maria Madalena. Ao esboçar a
Constituição para a Ordem dos Cavaleiros Templários em 1128, São Bemardo de
Clairvaux mencionou especificamente um requisito de "Obediência a Betânia,
o castelo de Maria e Marta". É, portanto, evidente que as grandes
catedrais de Notre Dame da Europa, totalmente instigadas pelos cistercienses e
Templários, foram dedicadas não à Maria mãe de Jesus, mas a Nossa Senhora,
Maria Madalena.
Os antigos textos cristãos descrevem Maria Madalena como "a mulher
que conhecia o todo". Era aquela a quem "Cristo amava mais do que a
todos os discípulos"; ela era a apóstola "agraciada com conhecimento,
visão e perspicácia maiores que as de Pedro" e a bem-amada noiva que ungiu
Jesus no Casamento Sagrado (o Hieros Gamos) em Betânia.
Ignorando tudo isso, a Igreja Romana preferiu desacreditar Maria
Madalena, numa tentativa de exaltar sua sogra, Maria, a mãe de Jesus.
Para isso, fez uso de comentários ambíguos no Novo Testamento -
comentários que descreviam a Madalena não casada como uma "pecadora"
(o que na verdade significava que ela era celibatária, uma almah aguardando o
noivado). Os tendenciosos bispos, porém, decidiram que uma mulher pecadora
deveria ser uma prostituta, e Maria foi assim rotulada.
Há um paralelo fascinante entre Maria e sua colega migrante
Helena-Salomé. Como não gostava de mulheres (principalmente as cultas), Pedro
sempre considerara Helena-Salomé uma bruxa. Não lhe importava o fato de ela ser
próxima à mãe de Jesus e tê-la acompanhado na crucificação. Como consorte de
Simão Zelote (Zebedeu), Helena também tinha sido a mãe conventual dos apóstolos
Tiago e João Boanerges. Ao contrário de Maria Madalena, que era ligada à Ordem
regional de Dan, Helena pertencia à Ordem tribal de Aser, que permitia às
mulheres ter propriedade pessoal.
Helena também era suma sacerdotisa da Ordem de Éfeso (tendo o posto
titular de "Sara") e podia usar a túnica vermelha das hierodulai
(grego: "mulheres sagradas"). Pedro temia muito essas mulheres de
altos escalões, pois elas eram uma ameaça à posição dele. Do mesmo modo, a
Igreja Romana não reconhecia tal status cardeal nas mulheres, e elas eram
classificadas como prostitutas e feiticeiras. Assim, a imagem antes venerada
das hierodulai foi transformada e (por meio do francês e do inglês falados na
Idade Média) elas se tomaram "meretrizes", sendo chamadas de
"mulheres escarlates".
Maria Madalena era uma Irmã Superior da Ordem dos Nazireus (o equivalente
a um bispo superior) e tinha o direito de usar roupa preta. Num paralelo à
antiga reverência a Maria Madalena, um culto conhecido como a Madona Negra
surgiu em Ferrieres em 44 d.C. Entre as muitas representações da Madona Negra
que ainda existem, uma das mais belas estátuas pode ser vista em Verviers,
Liege; ela é totalmente preta, com um cetro e uma coroa dourados, cercada pelo
halo de estrelas de Sofia. O bebê que ela carrega também porta uma coroa
dourada da realeza. Em contraste à imagem da Madona Negra, também era comum que
Maria Madalena fosse representada usando um manto vermelho, geralmente sobre um
vestido verde (representando a fertilidade). Um exemplo é o famoso afresco
Santa Maria Madalena, de Piero della Francesca, de cerca de 1465, na catedral
gótica de Arezzo, perto de Florença. Ela está vestida de maneira semelhante em
Maria aos Pés da Cruz, de Botticelli. O vermelho (como o escarlate das
hierodulai) indica o alto status clerical de Maria. Entretanto, o conceito das
mulheres de capa vermelha ocupando alto posto enfurecia a hierarquia do
Vaticano e, apesar da veneração à mãe de Jesus por parte da Igreja, foi
determinado que ela não seria dignificada com o mesmo privilégio. Em 1649, os
bispos chegaram a emitir um decreto determinando que todas as imagens da mãe de
Jesus deveriam mostrá-la usando apenas azul e branco. O efeito de tal determinação foi de que a
Santa Maria, embora exaltada pela Igreja, não tinha o reconhecimento eclesiástico
dentro do sistema.
As mulheres foram totalmente impedidas de se ordenarem na Igreja
Católica, e a negação geral às mulheres (exceto à mãe de Jesus) de qualquer
status venerável jogou Maria Madalena ainda mais para trás. Pela mesma
estratégia, os próprios herdeiros físicos de Jesus foram totalmente eclipsados
e os bispos puderam reforçar sua reivindicação de autoridade sagrada por meio
de uma sucessão auto-estabelecida de apenas homens. Essa não era uma
descendência messiânica de Jesus, como deveria ter sido, nem ao menos uma
descendência do príncipe ha Rama Theo, Tiago, o Justo (irmão de Jesus), mas uma
sucessão criada a partir de Pedro, um essênio rústico e obstinado, que
desprezava as mulheres.
Ao mesmo tempo, a Igreja em seus primórdios tinha de lutar contra a
veneração bastante difundida à Deusa Universal (particularmente no ambiente
mediterrâneo), o que se intensificou durante o período de disputas clericais
envolvendo sexismo. Desde tempos pré-históricos, a Deusa aparecia em muitas
formas e era conhecida por muitos nomes, incluindo Cibele, Diana, Deméter e
Juno. Mas por mais que fosse personificada, ela sempre se identificava com
Ísis, que seria a "Mãe Universal, senhora de todos os elementos, filha
primordial do tempo, soberana de todas as coisas e manifestação única de
tudo".
Para os antigos egípcios, Ísis era a irmã-esposa de Osíris, fundador da
civilização e juiz das almas após a morte. Isis era especificamente uma
protetora maternal e seu culto se espalhava por vastas áreas. Ela costumava ser
retratada segurando seu filho Hórus, cujas encarnações eram atribuídas aos
próprios faraós. É um fato bem estabelecido que a imagem familiar da Madona
Branca é baseada nas representações de Ísis, a mãe amamentando. Foi ela quem
inspirou a misteriosa Madona Negra, da qual existiam quase 200 imagens na
França até o século XVI. Cerca de 450 representações já foram descobertas em
todo o mundo. Mesmo a venerada padroeira da França, Notre Dame de Lumiêre
(Nossa Senhora das Luzes), tem suas origens na Mãe Universal.A imagem da Madona
Negra com seu filho tem sido um dilema constante para a Igreja - principalmente
aquelas estátuas em igrejas e santuários notáveis na Europa continental. Em
alguns casos, elas são inteiramente pretas, mas muitas têm apenas o rosto, as mãos
e os pés pretos, embora não de caráter negróide. Algumas são exageradamente
pintadas em tons de pele clara para combinar com a representação típica da
Madona Branca, enquanto muitas simplesmente foram retiradas da vista do
público. Algumas têm vestimentas modestas, mas outras são exibidas com vários
graus de prestígios e soberania, com trajes e coroas suntuosamente decoradas. A
Madona Negra tem sua tradição na rainha Ísis e suas raízes na Lilith
pré-patriarcal. Ela representa, portanto, a força e a igualdade da mulher - uma
figura orgulhosa, imponente e dominadora, em contraste à imagem estritamente
subordinada da Madona Branca convencional, conforme é vista em representações
nas igrejas da mãe de Jesus. Diziam que tanto Ísis como Lilith sabiam o nome secreto
de Deus (um segredo conhecido também por Maria Madalena, "a mulher que
conhecia o todo"). A Madona Negra, portanto, também representa a Madalena
que, segundo a doutrina alexandrina, "transmitia o verdadeiro segredo de
Jesus". Na verdade, o culto antigo de Madalena era intimamente associado
aos locais da Madona Negra. Ela é negra porque a Sabedoria (Sofia) é negra,
tendo existido nas trevas do Caos antes da Criação. Para o gnóstico de Simão
Zelote, a Sabedoria era o Espírito Santo: a grande e imortal Sofia que gerou o
Primeiro Pai, Yaldaboath, das profundezas. Sofia era a encarnação do Espírito
Santo na rainha Maria Madalena, e foi ela que, segundo se diz, cumpriu a
observância suprema da Fé.
Desde os dias do movimento cristão ortodoxo, todos os veneradores do
princípio feminino eram considerados hereges. Muito tempo antes do imperador
Constantino, os Pais da Igreja, como Quinto Tertuliano, por exemplo, montaram a
cena contra o envolvimento feminino, afirmando:
"Não é permitido para uma mulher falar na igreja nem batizar,
tampouco lhe é permitido oferecer Eucaristia ou desejar qualquer função
masculina, particularmente no ofício sacerdotal". No entanto, Tertuliano
só seguia as opiniões expressadas por seus predecessores, notadamente Pedro e
Paulo.No Evangelho de Maria, Pedro questiona o relacionamento de Maria com
Jesus, dizendo: "Ele teria realmente falado secretamente com uma mulher, e
não livremente conosco? Por que devemos mudar de idéia e dar ouvidos a
ela?". Novamente, no tratado cóptico chamado Pistis Sophia (Fé Sabedoria),
Pedro se queixa da pregação de Maria e pede a Jesus que a silencie, que não lhe
permita comprometer sua supremacia. Mas Jesus repreende Pedro, e Maria
confessa: "Pedro me faz hesitar. Tenho medo dele, porque ele odeia a raça
das mulheres". Maria tinha bons motivos para temer Pedro, pois a atitude
dele se tomava perfeitamente óbvia em muitas ocasiões - como no Evangelho de
Tomás. Opondo-se à presença de Maria entre os discípulos, Simão Pedro disse a
eles: "Deixai que Maria vá embora, pois as mulheres não são dignas de
viver". No Evangelho de Filipe, Maria Madalena é considerada "o
símbolo da sabedoria divina", mas todos esses textos foram excluídos pelos
bispos porque eles comprometiam o domínio do sacerdócio exclusivamente
masculino. O ensinamento de Paulo no Novo Testamento, entretanto, foi exposto
sem hesitação:
"A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito
que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio
(l Timóteo 2:11-12)".
Esses pronunciamentos autoritários eram particularmente úteis porque
mascaravam o verdadeiro problema. A questão era que as mulheres tinham de ser
excluídas a todo custo. Se não fossem, a presença de Madalena prevaleceria.
Como esposa de Jesus, ela não só era a rainha messiânica, mas também a mãe dos
verdadeiros herdeiros. Há nos Evangelhos nada menos do que sete listas das
mulheres que acompanhava Jesus regularmente e, em seis destas, Maria Madalena é
a primeira mencionada, até antes de sua mãe. Durante séculos após sua morte, o
legado de Madalena permaneceu a maior das ameaças a uma Igreja temerosa que
tinha desviado da descendência messiânica em favor de uma sucessão apostólica
auto-estabelecida.
Diante do medo da Igreja de Maria Madalena, um novo documento especial
foi produzido, determinando o que o bispo considerava a posição de Madalena
dentro do esquema. Intitulado A Ordem Apostólica. Esse documento era a
transcrição de uma suposta discussão entre os Apóstolos após a Santa Ceia e afirmava
(diferentemente dos Evangelhos que tanto Maria como Marta estavam presentes,
destruindo assim parte de seu próprio objetivo. Um extrato do suposto debate
informa:
"João disse: 'Quando o Mestre abençoou o pão e o cálice, e lhes
conferiu as palavras, Este é o Corpo e o meu Sangue, ele não ofereceu às
mulheres que estavam conosco'. Marta disse: Ele não ofereceu a Maria, porque a
viu rir"'.
Com base nessa história puramente Imaginária, a Igreja decretou que os
primeiros Apóstolos tinham decidido que as mulheres não teriam permissão de se
ordenarem porque não eram sérias! A essência dessa conversa falsa foi adotada
como doutrina formal da Igreja e Maria Madalena foi declarada uma descrente.
O Novo Testamento, como o conhecemos, começou a tomar forma no ano de 367
d.C., quando uma seleção inicial de escritos foram compilados pelo bispo
Atanásio de Alexandria. Dessa lista, certas obras foram aprovadas e ratificadas
pelo Concílio de Hippo em 393 d.C. e o Concílio de Cartagc em 397 d.C.
A seleção, porém, seguiu vários critérios, o primeiro dos quais sendo que
os Evangelhos canônicos deveriam ser escritos nos nomes dos apóstolos de Jesus.
Mas essa regra parece ter sido desrespeitada desde e início. Embora Mateus e
João fossem Apóstolos de Jesus, Marcos e Lucas não eram; ambos são apresentados
nos Atos como futuros colegas de São Paulo. Por outro lado, Tomás e Filipe
estavam entre os doze originais, mas os Evangelhos em seus nomes foram
excluídos! Não apenas isso, mas foram também condenados à destruição e, em todo
o mundo mediterrâneo, esses e outros livros foram enterrados e escondidos no
século V. Subseqüentemente, o Novo Testamento foi submetido a vários cortes e
emendas, até a versão que hoje conhecemos ser aprovada pelo Concílio de Trento,
no norte da Itália, somente em 1545-63.
Só recentemente alguns dos antigos manuscritos foram desenterrados, sendo
que a maior de todas as descobertas foi feita em 1945 em Nag Hammadi, Egito.
Embora só fossem encontrados em tempos recentes, a existência desses livros não
era segredo para os historiadores. Na verdade, alguns deles, incluindo o
Evangelho de Tomás, o Evangelho dos Egípcios, o Evangelho da Verdade e outros,
são mencionados nos escritos do século 11 de Clemente de Alexandria, Irineu de
Lyon e Orígenes de Alexandria.
Qual foi o critério para a escolha dos textos dos Evangelhos? Foi, na
verdade, uma regra totalmente machista, que excluía qualquer coisa que
defendesse o status das mulheres na Igreja ou na sociedade comunitária. Como já
mencionado, o aparente desprezo de Paulo e Pedro pelas mulheres foi usado para
criar uma cena estrategicamente dominada pelos homens, mas até mesmo as frases
citadas desses homens foram escolhidas com muito cuidado, ainda que fora de contexto.
Na Epístola de São Paulo aos romanos, ele faz um menção especial às suas
assistentes; Febe, por exemplo, a qual ele diz que "está servindo à
Igreja" (16:1-2), e Júlia (16:15) e Priscila, que arriscou a vida pela
causa (16:3-4). Na verdade, o Novo Testamento (mesmo em sua forma
estrategicamente compilada) simplesmente pulula com mulheres discípulas, mas os
bispos da Igreja Romana preferiram ignorá-las.
A Igreja tinha tanto medo das mulheres que foi instituída uma norma de
celibato para todos os padres, que se tomou lei em 1138 - uma regra que os
padres observam até hoje. O que incomodava realmente os bispos, porém, não eram
as mulheres em si nem a atividade sexual era a perspectiva de intimidade
sacerdotal com elas que causava o problema. Por quê? Porque as mulheres podem
se tomar mães e a própria natureza da maternidade é a perpetuação das linhagens
- um tabu que, a qualquer custo, tinha de ser separado da imagem necessária de
Jesus.
Mas a Bíblia não sugeria isso. Na verdade, indicava bem o contrário. São
Paulo chegou a dizer em sua Segunda Epístola a Timóteo (3:2-5) que um bispo
deveria ser o marido de uma mulher e ter filhos, pois com família é mais bem
qualificado para cuidar da Igreja. Embora, de um modo geral, os bispos
decidissem seguir os ensinamentos de Paulo, desconsideraram totalmente essa
diretriz explícita, ignorando até o estado civil de Jesus.
Em 633, um misterioso barquinho atracou no porto de Boulognesur-mer, no
norte da França. Não havia ninguém a bordo, mas ele trazia uma estatueta com
aproximadamente um metro, de uma Madona Negra com o bebê, junto a uma cópia dos
Evangelhos em siríaco. Ninguém sabia de
onde viera o barco, mas ele causou um grande furor e sua enigmática ocupante
(conhecida como Nossa Senhora do Sagrado Sangue se tornou a insígnia da
catedral de Madalena de Notre Dame em Bouloglr - um objeto de considerável
veneração até ser destruído na Revolução Francesa.
A Madona Negra de Boulogne reforçava a ligação entre Maria e o mar
(latim: mare; francês: mer) na mentalidade popular, e o emblema da Maria do Mar
(derivado da insígnia da catedral) era usado nos crachás dos peregrinos antes
da época de Carlos Magno. Na verdade uma versão do objeto chegou à Escócia
antes dos selos armoriais se tornarem comuns na Grã-Bretanha. Na Escócia do
século XI, o Pone de Leith, em Edimburgo, incorporou seu emblema oficial numa
representação de Maria do Mar e seu Filho do Graal num barco à vela protegido
por uma nuvem: uma referência a Tiago (José de Arimatéia) que fora, um dia, a
Nuvem: o Líder dos Peregrinos.
Por algum motivo, os estudiosos de heráldica preferiram ignorar
importância desses emblemas femininos, assim como os compiladores de árvores
genealógicas e registros parentais desconsideraram as linhagens femininas. Esse
foi o caso particularmente nas eras georgiana e vitoriana na Grã-Bretanha,
cujas crônicas fornecem a base de boa pane das informações insatisfatórias
disponíveis hoje. Talvez a atual entrada na Era de Aquário traga um fim à
história dominada pelo homem, mas, por ora, a maioria dessas obras é publicada
em estilo e formato antigos. Pouca pesquisa é necessária, porém, para descobrir
que o ideal do Noblesse Uterine (herança matrilinear da nobreza) era um
conceito plenamente aceito durante a Idade das Trevas e a Idade Média.
Diz-se de um modo geral que a noção de heráldica (o porte de armas
heráldicas e brasões da família) começou no século XII. Talvez isso se aplique
à Inglaterra, mas os britânicos não inventaram o conceito, como os heráldicos
gostariam que acreditássemos. As supostas autoridades no assunto, o Colégio dos
Heráldicos e o Colégio das Armas, foram estabelecidas no fim do século XIV para
controlar os registros dos portadores de armas. Era necessário que um cavaleiro
portasse um brasão decorado para que fosse reconhecido, apesar de vestido da
cabeça aos pés com cota de malha e armadura. O uso de bandeiras e outros
emblemas indicando família ou região se originou em tempos mais remotos, em
Flandres e norte da França.
Entretanto, a despeito disso, poucos na Grã-Bretanha já viram uma
insígnia anterior ao século XII, particularmente não de origem feudal. O
emblema do Porto de Leith é, portanto, exclusivo, com relação à data, e à
associação não-feudal, feminina.
O manuscrito ricamente ilustrado de Raban Maar, A Vida de Maria Madalena,
consiste em 50 capítulos encadernados em seis volumes. Entre outras coisas, ele
conta como Maria, Marta e suas companheiras deixaram a costa da Ásia:
" ... E favorecidos por um vento leste, eles singraram pelo mar
[Mediterrâneo] entre a Europa e a Ásia, deixando a cidade de Roma e toda a
terra da Itália para a direita [norte]. E então, animadamente mudando o curso
para a direita [norte], eles chegaram à cidade de Marselha na província gaulesa
de
Vienne, onde o rio Rone encontra o litoral. Lá tendo invocado Deus, o
Grande Rei de todo o Mundo
- eles se separaram".
As bibliotecas de Paris contêm um número de manuscritos ainda mais antigo
que o de Raban Maar, que dão testemunho da missão de Maria em Provença. Ela é
mencionada especificamente num hino dos anos 600 (republicado nos registros da
Acta Santo rum, emitida pelo jesuíta Jean Bolland, no século XVII). As
companheiras de Maria, Maria-Salomé (Helena) e Maria Jacó (esposa de Cléopas),
estariam enterradas na cripta de Les Saintes Maries, no Camargue. Muito antes
de a igreja do século IX ser construída, sua antecessora era chamada Sanctae
Mariae de Ratis, e perto da atual nave principal encontram-se os restos de uma
escultura mostrando as Marias no mar.
A associação entre Maria Madalena e a Gália foi artisticamente retratada
de duas maneiras: representativa e mística. Em alguns casos, ela aparece en
voyage para Marselha, como nos relatos documentados. Talvez o exemplo mais
importante desse estilo de reprodução seja aquele exibido na igreja de Les
Saintes Maries: uma pintura de Henri de Guadermaris. Ela mostra a chegada das
Marias num barco ao litoral de Provença e foi mostrada no Salão de Paris em
1886. Outro quadro famoso em estilo semelhante é A Viagem Marítima, de Lukas
Moser, que faz parte do altar folhado em ouro e prata, Der Magdalenenaltar, na
Katho/isches Pfarrant St. Maria Magdalena, Tiefenbronn, sul da Alemanha.
Maria também é mostrada movendo-se acima da Terra, para receber a
iluminação celestial (como o romance apócrifo a descrevia fazendo todos os
dias), ou sendo levada para oeste, como no Apocalipse. Um bom exemplo desse
estilo de representação é Maria Madalena Levada pelos Anjos. Essa obra de arte
feita por volta de 1606, por Giovanni Lanfranco, na Galleria Nazionale di Capodimonte,
em Nápoles, mostra Madalena nua, junto a três anjos, pairando sobre uma
desoladora paisagem européia.
Os restos mortais de Marta estão enterrados em Tarascon, na província
francesa de Vienne. Cartas patentes de Luís XI de 1482 referem-se a uma visita
do rei merovíngio Clóvis a esse túmulo no fim do século V. Os restos mortais de
Maria Madalena foram preservados na Abadia de São Máximo, a cerca de 48
quilômetros de Marselha. Carlos 11 da Sicília, conde de Provença, desenterrou o
crânio e o úmero (osso do braço) de Maria em 1279 para colocá-los em exibição
em vitrinas de ouro e prata, onde permanecem até hoje. Alguns dos outros ossos
e as cinzas de Maria foram guardados numa uma, mas sofreram atos de vandalismo
durante a Revolução Francesa.
A caverna de solitude de Maria se encontra nas proximidades de La Sainte
Baume. Foi essa caverna que Sire de Joinville visitou em 1254, quando retomava
da Sétima Cruzada com o rei Luís IX. Logo depois, ele escreveu que eles
"chegaram à cidade de Aix em Provença para homenagear a Abençoada Maria,
que repousava a cerca de um dia de jornada de onde estavam. Fornos ao local
chamado Baume, sobre uma rocha muito íngreme e escarpada, onde, segundo dizem,
a Santa Madalena residiu num convento".
Três séculos antes, Wuillermus Gerardus, marquês de Provença, fez uma
peregrinação até a caverna, enquanto a alta igreja da gruta em La Sainte Baume
(com seus vários altares e belas esculturas de Maria Madalena) há muito tempo é
um conhecido .lugar de peregrinação.
Aix-en-Provença, onde Maria Madalena morreu em 63 d.C., era a antiga
cidade de Acquae Sextiae. Foram as termas de água quente em Aix (Acqs) que lhe
deram seu nome - sendo acqs um derivativo medieval da antiga palavra latina
aquae (águas). Na tradição Languedoc, Maria é lembrada como Ia Dompna dei
Acquae: a Senhora das Águas. Para os gnósticos (assim como para os celtas), as
mulheres que recebiam veneração religiosa eram freqüentem ente associadas a
lagos, poços, fontes e termas. Na verdade, gnose (conhecimento) e sabedoria eram
atribuídas ao Espírito Santo feminino que "pairava sobre as águas"
(Gênesis 1:2).
Vimos anteriormente como os sacerdotes batismais da era dos Evangelhos
eram descritos como "pescadores" e, desde o momento em que Jesus foi
admitido no sacerdócio da Ordem de Melquisedeque (Hebreus 5), ele também se
tornou um "pescador" designado. A linha dinástica da Casa de Judá
foi, assim, estabelecida exclusivamente como de reis sacerdotes e, como ficaram
conhecidos os descendentes de Jesus nas histórias do Graal, Reis Pescadores. As
linhagens dinásticas de Jesus e Maria Madalena, emergentes dos Reis Pescadores,
preservaram o maternal Espírito de Aix, para se tornarem a "família das
águas": a Casa del Acqs.
A família era proeminente em Aquitaine - uma área com um nome que também
tem suas .raízes em acquae ("águas") ou acqs, como também o tem o
nome da cidade de Dax, oeste de Toulouse, que deriva de d 'Acqs . Nesse caso,
as ramificações reais merovíngias, que se desenvolveram dos reis pescadores se
tornaram condes de Toulouse e Narbonne, também príncipes do Septimanian Midi (o
território entre a França e a Espanha).
Outra família, aparentada pela linha feminina, herdou a Igreja Céltica de
Avalon, com Viviane deI Acqs reconhecida como rainha herdeira, no início do
século VI. Subseqüentemente, na Bretanha, uma ramificação masculina
correspondente da Provençal Casa del Acqs se tomou os Comtes (condes) de León
d' Acqs, em descendência da neta de Viviane I, Morgana.
Desde a época em que Chrétien de Troyes escreveu seu conto, no século
XII, de Ywain e a Senhora da Fonte (no qual a Senhora corresponde a Za Dompna
de Z Aquae), a herança de Acqs persiste na literatura arturiana. O legado da
família de Z Acqs, central ao tema do Graal, sempre esteve diretamente
relacionado às águas salgadas e associado a Maria Madalena. Alternativamente, o
nome du Lac era usado para indicar relacionamento com o sangue de Pendragon
(sendo Zac, ou "lago", um pigmento vermelho da árvore-do-dragão -
como na cor do Lago Escarlate). Em 1484, a obra Morte d'Arthur, de Sir Thomas
Malory, usou essa segunda descrição, com Viviane II (Senhora da Fonte e mãe de
Lancelot deI Acqs) devidamente classificada como a Senhora do Lago.
JOSÉ DE ARIMATÉIA
A CAPELA DE GLASTONBURY
Nos Annales Eeclesiastieae de 1601, o bibliotecário do Vaticano, cardeal
Barônio, registrou que José de Arimatéia chegou em Marselha em 35 d.C. De lá,
ele e sua companhia atravessaram até a Grã-Bretanha para pregar o Evangelho.
Isso foi confirmado muito antes pelo cronista Gildas m (516-570), cujo De
Excidio Britanniae afirmava que os preceitos do Cristianismo foram levados à
Grã-Bretanha nos últimos dias do imperador Tibério César, que morreu em 37 d.C.
Mesmo antes de Gildas, eminentes clérigos como Eusébio, bispo de Cesaréia
(260-340), e Santo Hilário de Poitiers (300-367) escreveram sobre as primeiras
visitas apostólicas à Grã-Bretanha. Os anos 35-37 apresentam, portanto, as mais
antigas datas registradas do evangelismo cristão. Eles correspondem a um
período pouco após a crucificação - antes da época em que Pedro e Paulo estavam
em Roma e que os Evangelhos entrassem para o domínio público.
Um personagem importante do primeiro século d.C. na Gália foi São Filipe.
Ele foi descrito por Gildas e William de Malmesbury como sendo a inspiração por
trás da missão de José na Inglaterra. O De Saneto Joseph ab Arimathea afirma:
"Quinze anos depois da Assumpção [ou seja, 63 d.C.], ele [José] foi até
Filipe' o Apóstolo, entre os gauleses Freculfo, bispo de Liseux no século IX, escreveu
que São Filipe enviou depois a missão da Gália para a Inglaterra, "para
levar lá a boa notícia do mundo da vida e pregar a encarnação de Jesus
Cristo".
Chegando ao oeste da Inglaterra, José e seus 12 missionários foram
encarados com ceticismo pelos nativos bretões, mas cumprimentados com
cordialidade pelo rei Arvirago de Silúria, irmão de Caractaco, o Pendragon. Em
consulta a outros chefes, Arvirago concedeu a José doze medidas de terra em
Glastonbury, cada uma considerada capaz, do ponto de vista agrícola, de
sustentar uma família por um ano com um arado. - essa medida chamada hide,
equivalia em Somerset (o condado de Glastonbury) a 100 acres (48,5 hectares).
Aí eles construíram sua pequena e ímpar igreja em uma escala do antigo
tabernáculo hebreu. Essas concessões permaneciam como posses de terra gratuita
durante muitos séculos, como se confirma do Livro do Juízo Final de 1086:
"A Igreja da Glastonbury tere suas próprias vilas com doze hides de terra
que jamais pagaram imposto". Na era de José, as capelas cristãs ficavam
escondidas nas catacumbas subterrâneas de Roma, mas quando a capela de Santa
Maria foi construída em Glastonbury, a Grã-Bretanha pôde se gabar de ter a
primeira igreja cristã de superfície no mundo.
Além dos relatos de José de Arimatéia em Glastonbury, outros falam de sua
associação com a Gália e o comércio de estanho do Mediterrâneo. John de
Glastonbury (compilador no século XIV de Glastoniensis Chroniea) e John
Capgrave (superior dos frades agostinianos na Inglaterra, 1392-1464) citam um
livro encontrado pelo imperador Teodósio (375-395 d.C.) no pretório de
Jerusalém. De Saneto Joseph ab Arimathea, de Capgrave conta como José foi
aprisionado pelos anciãos judeus depois da crucificação. Isso também é descrito
no livro apócrifo, Atos de Pilatos . O historiador e bispo Gregório de Tours
(544-595) também menciona o aprisionamento, após a crucificação, de José em sua
História dos Francos e, no século XII, o episódio foi novamente contado em
Joseph d'Arimathie, do cronista borgonhês Sire Robert de Boron, que escrevia a
respeito do Graal.
O Magna Glastoniensis Tabula e outros manuscritos vão mais além, dizendo
que José acabou escapando e foi perdoado. Alguns anos depois, ela estava na
Gália com seu sobrinho, José, que fora batizado pelo apóstolo Filipe. O jovem
José (segundo filho de Jesus e Maria) é tradicionalmente chamado de Josefes,
nome que continuaremos a usar neste livro para diferenciá-lo de José de
Arimatéia.
Muitos escritos valiosos e outras relíquias foram destruídos no incêndio
de Glastonbury em 1184, e outros tantos foram perdidos com a dissolução por
parte da Casa de Tudor 'dos mosteiros. No decorrer dessa posterior destruição,
o abade Richard Whiting de Glastonbury foi assassinado em 1539 pelo servo do
rei Henry VIII. Felizmente, cópias de alguns importantes manuscritos foram
guardadas - uma das quais (atribuída a Gildas Ill) se refere a José de
Arimatéia como um "nobre decurião". O arcebispo do século IX, Raban
Maar, também o descreveu como um noblis decurion. Um decurião era uma espécie
de supervisor de propriedades mineiras, e o termo se originou na Espanha, onde
trabalhavam mineiros judeus nas célebres fundações de Toledo desde o século VI
a.C. Não é impossível que o interesse mineiro de José fosse o principal motivo
da generosa concessão feita pelo rei Arvirago. Afinal de contas, José era um
artesão e mercador de metal bem conhecido: um Mestre Artesão (ho-tekton), assim
como seu pai e os personagens do Antigo Testamento, Tubalcain e Hiram Abiff -
ambos lembrados na moderna Franco-Maçonaria.
O De Sancto Joseph afirma que a igreja de Santa Maria, de José de
Arimatéia, fora dedicada "no trigésimo primeiro ano depois da Paixão de
Nosso Senhor" [ou seja, 64 d.C.]. Isso bate com o ano 63 d.C. como sua
data de inauguração, conforme nos diz William de Malmesbury. Mas quanto ao fato
de que a dedicação era a Santa Maria (freqüentemente considerada a mãe de
Jesus), há muito tempo se argumenta que uma igreja já teria sido consagrada a
ela uns quinze anos antes de sua Assunção e séculos antes da criação de
qualquer culto à Virgem Maria. Como se confirma nas Crônicas de Mateus Paris,
dos séculos XII e XIII, porém, 63 d.C. foi exatamente o ano em que a outra
Maria, Maria Madalena - morreu em La Sainte Baume.
Entre as visitas que José fez à Grã-Bretanha, duas foram muito
importantes para a Igreja e citadas posteriormente por numerosos clérigos e
correspondentes religiosos. A primeira (descrita pelo cardeal Barônio) foi logo
após a captura inicial de José pelo Sinédrio, depois da crucificação. Essa
visita em 35 d.C. combina exatamente com um relato de São Tiago, o Justo, na
Europa, o que não é uma surpresa, já que José de Arimatéia e São Tiago eram a
mesma pessoa. O reverendo Lionel S. Lewis (vigário de Glastonbury na década de
1920) também confirmou, a partir de seus anais, que São Tiago se encontrava em
Glastonbury em 35 d.C. A segunda visita de José foi após o apedrejamento e a
excomunhão (morte espiritual) em 62 d.C. de Tiago, o Justo, em Jerusalém.
Cressy, um monge beneditino que viveu pouco depois da Reforma, escreveu:
''No quadragésimo primeiro ano de Cristo (ou seja, 35 d.C.), Tiago,
voltando da Espanha, visitou a Gália, a Bretanha e as cidades dos venezianos,
onde pregou o Evangelho, e retomou a Jerusalém para consultar a Virgem Bendita
e São Pedro acerca de questões de grande peso e importância".
As "questões de peso e importância" mencionadas por Cressy
diziam respeito à necessidade de uma decisão sobre receber ou não os gentios
incircuncisos na Igreja Nazarena. Como primeiro bispo de Jerusalém, Tiago,
irmão de Jesus, presidiu a reunião do Concílio que tratou do debate.
Muitas antigas tradições se referem a São Tiago em Sardenha e Espanha,
mas geralmente são atribuídas ao São Tiago errado. Isso ocorre porque o
apóstolo Tiago Boanerges (às vezes chamado de São Tiago, o Maior, distinto de
Tiago de Alfeu - Menor) desaparece do Novo Testamento por muito tempo.
Equívocos causados pelas aparentes anomalias e definições duplicadas a
respeito de José de Arimatéia e São Tiago, o Justo, acabaram provocando
discussões entre os bispos no Concílio da Basiléia em 1434. Como resultado, os
países resolveram individualmente cada qual seguir suas diferentes tradições.
São José é o mais lembrado em relação à história da Igreja na Grã-Bretanha,
enquanto São Tiago é venerado na Espanha. Mesmo assim, as autoridades inglesas
cederam ao associá-lo à monarquia e a Corte Real em Londres se tomou o Palácio
de São Tiago.
O debate dos bispos se seguiu a uma disputa anterior no Concílio em Pisa
em 1409 sobre o tema da antiguidade cronológica das Igrejas nacionais na
Europa. Os principais contendores eram a Inglaterra, a França e a Espanha. A
vencedora foi a Inglaterra, pois a igreja em Glastonbury foi fundada por
José/Tiago "statim post passionem Christi" (pouco depois da Paixão de
Cristo). Desde então, o monarca da França era intitulado Sua Cristianíssima
Majestade, enquanto na Espanha o título era Sua Digníssima Majestade Católica.
O título ferozmente competido de Sua Santíssima Majestade, no entanto, era
reservado para o rei da Inglaterra. Registros do debate Disputio super
Dignitatem Angliae et Galliae in Concilio Constantiano - dizem que a Inglaterra
ganhou a disputa porque o santo não só ganhara de Avirago terras na região
oeste do país, mas também fora enterrado em Glastonbury. A possibilidade de que
outro São Tiago (Boanerges, ou Tiago, o Maior) poderia ter visitado a Espanha
em determinada época não era relevante para o debate.
Tendo determinado que José/Tiago foi enterrado em Glastonbury, devemos
descobrir por que a Estoire del Saint Graal cisterciense afIrma que ele foi
sepultado na Abadia de Glais na Escócia. Isso não é tão contraditório quanto
parece, pois na época da morte de José os escoceses gaélicos ainda não tinham
se estabelecido nas Terras Altas à oeste (Dalriada), mas constituíam uma
população tribal da Irlanda do Norte (Ulster) que se infiltrara no sudoeste da
Grã-Bretanha. As áreas no oeste do país colonizadas pelos primeiros escoceses
costumavam ser chamadas coletivamente de Escócia (terra dos escoceses), quando
o extremo norte da Grã-Bretanha era chamado de Caledônia. Além disso, a palavra
glais (tão comum nos antigos nomes escoceses) vem de um antigo dialeto
irlandês, e significa "riacho" ou "córrego". O nome
Douglas, por exemplo, deriva de dubh glais (riacho escuro). A Glastonbury
original foi criada em meio a baixadas aquosas, e era chamada de Ilha de Glais.
Portanto, o local do sepulcro de José na Abadia de Glais na verdade se referia
à Abadia de Glastonbury.
No primeiro século d.C., a ilha principal da Grã-Bretanha (Inglaterra,
País de Gales e Escócia) era conhecida como Albion. Os irlandeses a chamavam de
Alba - um nome que posteriormente se restringiu ao norte escocês depois que os
escoceses da Irlanda se estabeleceram nas Terras Altas ocidentais de Dalriada.
No decorrer do século X, Alba tinha sido adaptado para Albany, e o nome
alternativo, Escócia (ou Scotia), surgiu cerca de um século depois.
A distinção de José (hebraico: Yosef, que significa "ele
acrescentará") era conferida ao filho mais velho de cada geração na
sucessão de Davi. Quando um filho dinástico da Casa de Judá (com qualquer nome
pessoal) se tornava o Davi, seu filho mais velho (o príncipe da coroa) se
tomava o José. Se não houvesse um filho no momento da sucessão (ou se o filho
tivesse menos de 16 anos de idade), então o irmão mais velho do Davi assumiria
temporariamente a distinção de José. Ela seria passada para o herdeiro legítimo
assim que houvesse um filho maior de idade. Acrescentado a ela, havia o título
ha Rama Theo (Arimatéia) da Divina Alteza - equivalente ao título principesco
atual de Alteza Real.
Dentro das sucessões judaicas reais, sacerdotais, angélicas e
patriarcais, havia numerosos títulos dinásticos e hereditários, além de várias
distinções de ofício e nomeação. Assim, era possível que qualquer indivíduo
adulto fosse conhecido por uma série de nomes diferentes, de acordo com o
contexto do momento. Como vimos, Mateus também era Levi em sua condição
oficial. Zacarias era o Zadoque e, portanto, angelicamente Miguel. Jônatas Anás
(às vezes chamado de Natanael) também era Tiago de Alfeu (o Jacó da Sucessão)
e, além disso, o Elias. Foi simplesmente por causa dessa estrutura hierárquica
e patriarcal que Tiago, o Justo, irmão de Jesus, também ficou conhecido como
José de Arimatéia (ha Rama Theo) - o José (ele acrescentará) de Divina Alteza.
Em períodos diferentes, sempre houve, claro, outros Josés de Arimatéia. Agora,
de posse desses fatos relacionados, devemos examinar a situação sob uma perspectiva
diferente - a da pura cronologia.
Exceto por alguns termos descritivos vagos, o Novo Testamento não fornece
uma verdadeira pista sobre o que José de Arimatéia tinha a ver com a família de
Jesus; tampouco menciona a idade de José. Fora das escrituras, porém,
presume-se que ele tenha sido o tio da mãe de Jesus. Pinturas e livros
ilustrados, conseqüentemente, representam-no já como um senhor idoso na década
de 30 d.C. Numerosos relatos escritos, das mais variadas fontes, registram que
José chegou a Glastonbury trinta anos depois, em 63 d.C. Além disso, a História
da Igreja de Cressy (que incorpora os registros do mosteiro de Glastonbury)
afirma que José de Arimatéia morreu em 27 de julho de 82 d.C.
Se a mãe de Jesus, Maria, nasceu por volta de 26 a.C., como se presume,
ela teria cerca de dezenove anos quando Jesus nasceu. No momento da
crucificação, ela estaria com cinqüenta e poucos anos. Se José fosse tio dela,
ele deveria ser uns vinte anos mais velho - o que o deixaria com setenta e
poucos naquela época. Entretanto, trinta anos depois (aparentemente com mais de
cem anos) ele estaria começando uma nova vida como evangelista e decurião no
Ocidente! Como se isso não bastasse, os registros afirmam que ele morreu vinte
anos depois.
Obviamente, nada disso faz sentido, e o aspecto hereditário da distinção
de José de Arimatéia precisa ser aplicado. Portanto, como já determinamos, o
José de Arimatéia da época da crucificação era Tiago, o Justo, nascido em 1
d.C. Ele morreu em 82 d.C., após ter sido formalmente excomungado em Jerusalém,
vinte anos antes.
É também evidente que as origens e a farm1ia da mãe de Jesus não são
expostas na Bíblia. Isso não é uma surpresa, já que a interpretação da Igreja
da herança de Maria é que ela foi um produto da Conceição Imaculada. As
principais fontes a respeito da Maria não são os Evangelhos canônicos, mas as
escrituras apócrifas, O Evangelho de Maria e o Protoevangelho. Muitas das
grandes representações artísticas da vida e da famí1ia de Maria se baseiam
nesses escritos, como a famosa obra O Encontro de Ana e Joaquim (os pais de
Maria), de Albrecht Düfer. O trabalho geralmente considerado mais minucioso
acerca do assunto é A Leggenda di Sant Anna Madre della Gloriosa Vergine Maria,
e di San Gioacchino (A história de Santa Ana, mãe da Bem-aventurada Virgem
Maria, e de São Joaquim). Essa obra associa os pais de Maria à Casa Real de
Israel, mas não menciona José de Arimatéia como seu tio.
Foi, na verdade, por meio de um conceito bizantino do século IX que a
Igreja promoveu pela primeira vez a idéia de José ser o tio de Maria. Antes
disso, não há menção dele como tal. O conceito surgiu numa época em que os
temerosos e supercautelosos concílios da Igreja estavam debatendo o conteúdo
aprovado do Novo Testamento. Se José de Arimatéia pudesse ser mantido como um
personagem secundário na estrutura da sucessão de Davi, e se não fosse
associado à linhagem messiânica principal, seus descendentes reais não poderiam
abalar a estrutura apostólica auto-atribuída dos bispos romanos.
Com essa estratégia, a existência do filho de Jesus e Maria, Josefes,
também foi convenientemente disfarçada no Ocidente. Ele geralmente era descrito
como filho de José de Arimatéia, ou às vezes seu sobrinho (que, sem dúvida,
era). Em qualquer desses papéis, ele não era uma ameaça ao esquema ortodoxo e,
de fato, as duas definições de seu relacionamento (filho e sobrinho) tinham uma
base genuína, pois ele era herdeiro da distinção ha Rama Theo.
Quando Jesus se tomou o Davi, seu irmão Tiago se tomou o José. Essa
situação só mudou quando Jesus, o jovem, atingiu a idade em que podia herdar o
título. Depois da morte de Jesus, o Cristo, seu filho mais velho, Jesus, o
Justo, tomou-se o Davi. Seu filho mais novo, Josefes (o irmão do novo Davi),
passou a ser o José - o designado príncipe à coroa ha Rama Theo. Mas até então,
enquanto seu irmão Jesus Justo (chamado Gais or Gésu nas histórias do Graal)
estava no exterior, em Roma e Jerusalém, o pai adotivo e tutor legal de Josefes
foi seu tio Tiago, o prevalecente José de Arimatéia.
Posteriormente, o primogênito de Jesus Justo foi Galains (chamado Alain
na tradição do Graal). De acordo com o costume do matrimônio dinástico, Jesus
Justo tinha se casado primeiramente em setembro de 73 d.C.; sua esposa era uma
neta de Nicodemos. O legado do parentesco de Davi (que seria representado como
o Domínio do Graal) foi prometido a Galains e, com o tempo, formalmente passado
a ele por seu tio e guardião, Josefes. Mas Galains se tomou um celibatário
convicto e morreu sem filhos. Assim, a herança do Graal reverteu para a
linhagem menor de Josefes - passando para seu filho Josué, do qual descendem os
reis pescadores da Gália.
Como mencionado anteriormente, José de Arimatéia estivera na Grã-Bretanha
com o filho mais velho de Maria, Jesus Justo, 12 anos de idade, em 49 d.C. Esse
evento é bem lembrado na tradição do oeste da Inglaterra e evidenciado na
famosa canção de William Blake, Jerusalém. As histórias contam como o jovem
Jesus caminhou pela costa de Exmoor e foi até a vila Mendip de Priddy. Como aqueles
pés da realeza realmente "caminharam sobre o verde das montanhas da
Inglaterra" (embora os pés do filho e não do pai), uma pedra em memória de
seus pais, Jesus e Maria Madalena, foi colocada na parede sul da Capela de
Santa Maria, Glastonbury. Essa pedra, que permanece no local da capela
original, do primeiro século d.C., tem a inscrição "Jesus Maria" e,
com o tempo (sendo uma das relíquias mais veneradas da abadia), tomou-se um
lugar de oração para peregrinos na Idade Média. A capela original foi iniciada
em 63 d.C. (imediatamente depois da morte de Maria Madalena), e os velhos anais
afirmam que Jesus consagrou pessoalmente a capela em honra de sua mãe.
Portanto, foi a Madalena (não a Maria, mãe de Jesus Cristo) que a capela de
Glastonbury foi dedicada por seu filho mais velho, Jesus Justo, em 64 d.C.
Quando Maria Madalena morreu, em 63 d.C., seu filho Josefes já era bispo
de Saraz. Em Morte d'Arthur, de Malory, Saraz (Sarras) é apresentado como o
reino do rei Evelake, mencionado na história de Galahad, filho de Lancelot. O
conto começa quando Galahad herda um escudo sobrenatural do Cristo, e encontra
o misterioso Cavaleiro Branco:
"E em pouco tempo apareceu Galahad, quando o cavaleiro branco dele
se aproximou pelo eremitério, e os dois se cumprimentaram cortesmente.
'Senhor", disse Sir Galahad, 'por este escudo, muitas maravilhas se
sucederam.' 'Senhor', disse o cavaleiro, 'aconteceu no trigésimo segundo ano
após a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo que José de Arimatéia, o gentil
cavaleiro, que tirou Nosso Senhor da Cruz sagrada, partiu de Jerusalém com um
grande grupo dos seus. E ele pelejou até chegar a uma cidade chamada Sarras. E
na época em que lá chegou, havia um rei chamado Evelake, que fazia uma grande
guerra contra os sarracenos, e especialmente um sarraceno, que era primo de
Evelake, um rei rico e poderoso, que marchou por estas terras, e seu nome era
Tolleme le Feintes. Assim, um dia os dois se encontraram em batalha...'."
Saraz era Sahar-Azzah, na costa mediterrânea - talvez mais bem conhecida
como Gaza, o antigo centro filisteu onde Sansão encontrou seu fim (Juízes 16).
Não há registros de um rei Evelake, mas o nome é uma variante literária
do título Avallach, encontrado em várias genealogias de soberanos e santos. Era
uma palavra sujeita a muitas formas diferentes (como Abalech, Arabach e
Amalach), mas todas derivadas do termo egípcio-grego Alabarch. Novamente, a
palavra não representa um nome (nem sobrenome ou nome de família), mas um
título. São Jerônimo (340-420 d.C.), tradutor da Bíblia para o latim, dizia que
Tibério Alexandre, o procurador da Judéia a partir de 46 d.C., era filho de
Alexandre Lisímaco, alabarch de Alexandria. Em essência (embora politicamente
aplicado a magistrados responsáveis pela justiça entre os judeus), o termo
alabarch indicava um líder (chefe) de comunidade.
O conto do Cavaleiro Branco dizia (como vimos acima) que o inimigo
sarraceno de Evelake era Tolleme le Feintes (Tolomeu, o fingido, ou falso),
também mencionado em The Antiguities, de Josefo:
"Tolomeu, o arquiladrão, foi finalmente trazido em correntes, e
morto; mas não sem antes ter espalhado mal e destruição entre os idumeus e
árabes" .
A pessoa diante da qual Tolomeu foi apresentado era o procurador da
Judéia, Cúspio Fado (o antecessor de Tibério Alexandre), que mandou executar
Tolomeu por volta de 45 d.C.
O Cavaleiro Branco continuou sua história, contando que o bispo Josefes
informou ao rei Evelake que este seria morto por Tolleme le Feintes, a menos
que abandonasse a crença na velha lei e acreditasse na nova lei: "E então,
lá, ele lhe mostrou a fé verdadeira da Santíssima Trindade". Evelake se
converteu imediatamente, e o Escudo do Digníssimo lhe foi dado de presente, o
que lhe permitiu derrotar Tolleme. Posteriormente, Josefes batizou o rei
Evelake antes de sair para pregar o Evangelho na Grã-Bretanha.
A força do enigmático escudo branco estava em sua cruz vermelha, e num
véu místico que ia diante do escudo, com o nome de Jesus. Isso faz lembrar a
conversão do filho de Vespasiano. Conforme narrado na Vindicta Salvatoris , ele
foi curado de lepra por um sudário etéreo que trazia a efigie do Messias.
Para concluir, o Cavaleiro Branco relatou que, seguindo as instruções de
Josefes, o escudo foi guardado com toda a segurança pelo santo eremita Nacien.
Ficou com ele numa abadia após sua morte, para ser resgatado um dia por Sir
Galahad. Nas palavras do bispo Josefes, pouco antes de morrer: "O último
de minha linhagem o usará em volta do pescoço, e com ele realizará muitas
maravilhas".
Em De Sancto Joseph e outras fontes, Nacien (ou Nacion) é descrito não
como um eremita, mas como um príncipe da Média. Historicamente, o príncipe
Nascien, de Septimanian Midi, era o ancestral do século V dos reis francos
merovíngios, e entre seus descendentes também se incluíam os Senescais
(Stewards, ou servos) de Dol e Dinan, na Bretanha. Esses poderosos mordomos-mor
eram descendentes da mãe de Lancelot, Viviane II del Acqs, rainha dinástica de
Avalon, e foram os progenitores da mais influente linhagem dos desposyni - a
Casa Real Escocesa de Stewart.
Uma das pessoas mais prestativas a Maria Madalena em Provença foi seu
amigo Simão Zelote, que, não mais na condição de Pai ativo, assumiu o título
que lhe fora dado por Jesus na ressurreição - o do ecônomo (mordomo) de Abraão
Eliezer ou Lázaro. Sob esse nome, ele se tornou o primeiro bispo de Marselha e
sua estátua está na igreja de São Vítor. Uma passagem da nave da igreja dá para
uma capela subterrânea (localizada na antiga residência de Lázaro), que era
fortemente guardada pelos monges, nos primeiros dias. Foi Lázaro (também
conhecido como o Grande Máximo) quem enterrou Maria Madalena em seu sepulcro
original de alabastro, em St. Maximin, 63 d.C. Antes disso, ele estivera em
Jerusalém e Antioquia por algum. tempo e, depois da morte de Maria, voltou a
Jerusalém e à Jordânia antes de retomar e se juntar a José de Arimatéia.
Na Grã-Bretanha, porém, Lázaro era mais conhecido por seu nome
apostólico, Simão Zelote. Niceforo (758-829), o patriarca de Constantinopla e
historiador bizantino, escreveu que "São Simão, sobrenome Zelo te, viajou
pelo Egito e África, depois pela Mauritânia e por toda a Líbia, pregando o
Evangelho. E a mesma doutrina ele ensinou aos povos do mar Ocidental e das
ilhas chamadas britânicas".
Aproximadamente cinco séculos antes, em 303 d.C., o bispo Doroteu de Tiro
tinha escrito em suas Synopsis de Apostole que "Simão Zelote pregava o
Cristo por toda a Mauritânia e África Menor. Acabou sendo crucificado nas ilhas
britânicas, morto e sepultado". Os Annales Ecclesiasticae do cardeal
Barônio, de 1601, também confirmam o martírio de Simão na Grã-Bretanha. Ele foi
crucificado pelos romanos, sob as ordens de Cato Deciano, em Caistor,
Lincolnshire. Por pedido do próprio santo, porém, seus restos mortais foram
posteriormente colocados junto com os de Maria Madalena, em Provença.
Também associado a José de Arimatéia na Grã-Bretanha era o tio de Rerodes
Agripa, Aristóbulo, que fora um especial aliado de Maria Madalena quando ele
recebeu proteção em Vienne, fora de Lyon. Alguns comentaristas sugerem que um
Aristóbulo mais jovem (o segundo marido da fatal dançarina Salomé) era
confederado de Maria, mas na época estava ocupando o cargo de regente para o
rei, na Altnênia Menor. O Aristóbulo Coiteto é descrito nos textos que o citam
na Grã-Bretanha; eles se referem devidamente a ele como Arwystli Ren
(Aristóbulo, o Velho) e a cidade de Arwystli em Powys recebeu seu nome. Ele era
irmão de Herodes Agripa I, Herodes de Cálcis e Herodias (a mãe de Salomé).
Os escritos do clérigo romano, Hipólito (nascido por volta de 160 d.C.),
apresentam Aristóbulo como um bispo dos bretões. Cressy afirma que ele era um
bispo na Grã-Bretanha, ordenado pelo próprio São Paulo. A Martirologia da
Igreja Grega afirma que Aristóbulo foi martirizado na Grã-Bretanha "após
ter construído igrejas e ordenado diáconos e padres para a ilha". Esse
fato é confirmado por Santo Ado (800-874), arcebispo de Vienne, em Adonis Martyrologia.
Anteriormente, em 303 d.C., São Doroteu, bispo de Tiro, escreveu que Aristóbulo
estava na Grã-Bretanha quando São Paulo enviou cumprimentos à sua casa em Roma:
"Saudai os da casa de Aristóbulo" (Romanos 16:10). E a obra jesuíta
Regia Fides afirma também: "É absolutamente certo que antes de São Paulo
chegar a Roma, Aristóbulo se encontrava na Grã Bretanha". Na verdade, ele
foi executado pelos romanos em Verulamium (S1. Albans) em 59 d.C.
Além de ser conhecido como José de Arimatéia, São Tiago, o Justo era
chamado de Ilid pelos cronistas do país de Gales. Ele era o patrono de Llan
Ilid em Gwent, tendo fundado uma missão em Cor-Eurgian. O Cwydd to St. Mary
Magdalene, no Gestyn Ceriog, refere-se a José como Ilid, assim como o
manuscrito de The Sayings of the Wise, ou os ditos dos sábios. O nome Ilid é
considerado uma variante do hebraico Eli (que significa "meu Deus" ou
"elevado"). A Achan Sant Prydain (Genealogia dos Santos da
Grã-Bretanha) diz que "veio com Brân, o Abençoado de Roma, para a
Grã-Bretanha, Arwystli Hen, Ilid, Cyndaff - homens de Israel- e Maw ou Mawan,
filho de Cyndaf'.
O arquidruida de Silúria, Brân, o Abençoado, casou-se com a filha de José
de Arimatéia, Ana (Enygeus), que às vezes é mencionada arbitrariamente como uma
"consabrina" da bem-aventurada Maria (nesse caso, a mãe de Jesus).
Como José já foi erroneamente descrito como tio de Maria, acredita-se que a
palavra "consabrina" talvez denote uma prima. Na prática, porém, a
palavra era muito obscura e denotava nada mais que uma parenta mais nova. Era,
portanto, o termo perfeito para ser usado em relacionamentos genealógicos
não-específicos, ou quando se considerava necessário que estes permanecessem
velados.
Em 51 d.C., Brân foi feito refém e levado a Roma com Caractaco, o
Pendragon. Residente em Roma, Gladys, a filha mais nova de Caractaco, casou-se
com o senador Rufu Prudente e se tomou Cláudia Rufina Britânica (como confirma
o poeta romano, Marcial, por volta de 68 d.C.). A outra filha de Caractaco era
Santa Eurgen de Llan llid (esposa de Salog, Senhor de Salisbury). O afamado
filho de Caractaco, príncipe Lino, se tomou primeiro bispo nomeado de Roma. Em
sua segunda epístola a Tunóteo 4:21 (Novo Testamento), Paulo escreve: ''Êubulo
te envia saudações; o mesmo fazem Prudente, Lino, Cláudia e os irmãos
todos". Êubulo (eu-boulos: "bem precavido" ou
"prudente") era uma variação de Aristóbulo (aristo-boulos: "o
mais bem precavido" ou "mais nobre em conselho").
Na Grã-Bretanha, as atividades de José de Arimatéia eram mantidas por um
círculo fechado de doze anacoretas celibatários (devotos reclusos). Quando um
deles morria, era substituído por outro. Nas histórias do Graal, esses
anacoretas eram chamados de "os irmãos de Alain (Galains)", que era
um dos membros. Nessa condição, eles eram filhos simbólicos de Brân, o
patriarca (o Pai na antiga ordem, ao contrário da nova intitulação de bispo de
Roma). Por isso, em parte da literatura, Alain é definido como o filho de Brân
(Bron). Entretanto, após a morte de José em 82 d.C, o grupo se desintegrou -
principalmente porque o controle romano tinha mudado para sempre o caráter da
Inglaterra.
Já vimos que uma grande confusão reinava por causa dos vários nomes
atribuídos a José (José de Arimatéia, São Tiago, o Justo, Ilid e assim por
diante), mas é evidente que certas obras do folclore popular contribuíram muito
para confundir ainda mais a questão das linhagens descendentes após essa época.
Tais obras incluem Brutos, as Trifades, o Mabinogion, e Cycles of the Kings.
Historicamente, são todas importantes por não serem inteiramente fictícias, e a
maioria das tradições é, por sua própria natureza, baseada em fatos antigos.
Mas esses contos são propositadamente românticos em construção e, como
resultado, muitos historiadores céticos os atacaram cruelmente. Igualmente
lamentável é o fato de outros escritores terem se deixado levar exageradamente
por essas obras semi-imaginativas. Conseqüentemente, uma boa dose de
informações impossíveis do ponto de vista genealógico está contida em livros
que parecem se basear em fontes fidedignas.
Infelizmente também, a literatura romântica dá pouca atenção à cronologia
correta, e os personagens relevantes se espalham aleatoriamente pelos textos
aventurosos. The High History of the Holy Graal (A Grande História do Santo
Graal - c.1220) é um bom exemplo disso, dizendo que Percival (um seguidor de
Artur, no século VI) era neto de José de Arimatéia, do século I: "Bom
cavaleiro ele era, pois sua linhagem vinha de José de Arimatéia, e esse José
era o tio de sua mãe".
Pedro nunca foi formalmente
nomeado bispo de Roma. Lino nomeado por Paulo em 58 d.C. (enquanto Pedro ainda
estava vivo: Constituições Apostólicas) - foi, portanto, o primeiro papa.
O NOVO CRISTIANISMO
O BOM REI LÚCIO
Em meados do século II, o rei Lúcio, bisneto de Arvirago, reviveu o
espírito dos primeiros discípulos na Grã-Bretanha. Ao fazê-lo, ele foi
considerado aquele que "aumentou a luz" dos primeiros missionários de
José e, como tal, ficou conhecido como Lleiffer Mawr (O Grande Luminar). Sua
filha, Eurgen, proporcionou o primeiro elo entre as duas sucessões principais
de Davi - uma de Jesus e a outra de Tiago (José de Arimatéia) quando casou com
Aminadab, o bisneto de Jesus e Maria Madalena na descendência de Josefes, que
tinha se tomado o bispo nazireu de Saras (Gaza).
Lúcio reconheceu abertamente o Cristianismo em Winchester em 156 d.C. e
sua causa foi exaltada em 177 d.C. por uma perseguição romana em massa dos
cristãos na Gália. Esta foi particularmente imposta nas antigas regiões de
Herodes, Lyon e Vienne, onde Santo Irineu e 19 mil cristãos foram condenados à
morte 30 anos depois. Durante a perseguição, muitos cristãos gauleses fugiram
para a Grã-Bretanha, principalmente para Glastonbury, onde procuraram o auxílio
do bom rei Lúcio. Este, por sua vez, foi procurar Eleutério, bispo de Roma,
para pedir conselhos (isso, é claro, se deu antes dos dias da Igreja Romana
Imperial). Lúcio escreveu com toda franqueza a Eleutério, pedindo instruções
para seu governo cristão.
A carta em resposta, contida no Sacrorum Concilio rum Collectio, ainda
existe em Roma. Eleutério sugeriu que um bom rei sempre tinha a liberdade de
rejeitar as leis de Roma, mas não a lei de Deus. O trecho seguinte é uma
tradução:
"Os fiéis cristãos, como todo o povo do reino, devem ser
considerados filhos do rei. Vivem sob a tua proteção... Um rei é conhecido por
seu governo, não pelo poder que ele retém sobre a terra. Enquanto tu governares
bem, serás um rei. Se não fizeres isso, o nome do rei não perdurará, e perderás
o nome de rei" .
John Capgrave (1393-1464), o mais erudito dos frades agostinianos, e o
arcebispo Ussher, em sua obra, De Brittanicarum Ecclesiarum Primordiis, contam
que Lúcio enviou os missionários Medway e Elfan a Roma, para transmitir sua
mensagem pedindo conselhos. Eles retomaram com os emissários do bispo, Fagano e
Duvano (que os anais galeses mencionam como Fagan e Dyfan), cuja jornada foi
confirmada por Gildas no século VI. O Venerável Bede de Jarrow (673-735) também
escreveu a respeito do apelo do rei, mencionado na Crônica Anglo-saxônica.
Fagan e Dyfan reinstituíram a velha ordem dos anacoretas em Glastonbury,
e desde então é atribuído a eles o crédito da segunda fundação do Cristianismo
na Grã-Bretanha. Em seguida, a fama de Lúcio se espalhou muito. Ele já era
reconhecido como o construtor da primeira torre de Glastonbury em St. Michael's
Tor, em 167 d.C., e agora a igreja em Llandaff foi dedicada a ele como
Lleurwgg, o Grande.
Mais impressionante ainda, Lúcio foi o responsável pela fundação do
primeiro arcebispado cristão em Londres. Uma placa em latim acima da lareira na
sacristia da igreja de St. Peter, Cornhill, na parte velha de Londres, diz:
"No ano de nosso Senhor ,
Lúcio, o primeiro rei cristão desta ilha hoje chamada de Grã -Bretanha, fundou
a primeira igreja em Londres, bem conhecida como a Igreja de St. Peter [São
Pedro] em Cornhill; e fundou lá a sede do arcebispado, e fez dela a igreja
metropolitana e principal de seu reino. E assim, ela permaneceu pelo espaço de
quatrocentos anos até a chegada de Santo Agostinho... E então, a sede e o pálio
do arcebispado foram transladados da referida igreja de St. Peter em Cornhill
para Dorobenia, hoje chamada de Canterbury".
O conselho dado pelo arcebispo Eleutério em resposta ao apelo do bom rei
Lúcio é fascinante, pois respeita totalmente o princípio de serviço que permeia
o Código Messiânico do Graal. Os reis das dinastias do Graal na Grã-Bretanha e
na França sempre trabalharam com esta base: eram os Pais Comuns do povo, nunca
governantes das terras (o segundo título era um conceito particularmente feudal
e imperial que comprometia completamente o Código). Eles compreendiam, por
exemplo, a importante diferença entre ser rei dos francos e rei da França, ou
reis dos escoceses e reis da Escócia. Por isso, os monarcas do Graal eram
capazes de valorizar suas nações, em vez de valorizar os clérigos e políticos.
A partir do momento em que uma monarquia nacional se torna regulamentada
por Atos do Parlamento e decretos da Igreja, os títulos de rei ou rainha são
inúteis. Sob tais circunstâncias, ninguém tem autoridade suficiente para se
equiparar com a da Igreja ou Parlamento e, portanto, ninguém pode agir em nome
do povo. Os reis do Graal eram definidos como Guardiões do Reino e, nesse
sentido, o conselho do bispo Eleutério a Lúcio foi ao mesmo tempo profundo e
iluminado: "Todas as pessoas do reino devem ser consideradas filhos do
rei. Vivem sob a tua proteção".
A Capela de São Miguel (Tor Chapel Of St. Michael), Glastonbury, foi
estabelecida pelo rei Lúcio em cima de um antigo sítio pagão. Trilhas
históricas conduzem a esse lugar, vindo do Monte de São Miguel, Marazion – e
passando por várias igrejas de São Miguel: em Brentor, Burrowbridge Mump,
Othery e mais além. Recentemente, os autores Paul Broadhurst e Hamish Miller lançaram
um livro fascinante, The Dance of the Dragon, que identifica o eixo São
Miguel/Apolo desde a Irlanda, passando pelo sudeste da Inglaterra, França,
Itália, Grécia e Israel.
São Miguel, a quem tantas igrejas foram dedicadas, não era um clérigo
tradicional nem um santo mártir, mas é o equivalente ao arcanjo Miguel,
mencionado apenas uma vez no Novo Testamento (Apocalipse 12:7). Em seu livro
escrito no primeiro século d.C., The Wars of the Jews, Flavius Josephus
confirmou que os essênios de Qumrã juraram preservar os nomes dos anjos em sua
hierarquia sacerdotal. O portador do título angélico Miguel era o sacerdote
Zadoque. Descendente do Zadoque original da era do rei Davi, o Miguel da época
de Jesus era João Batista, que herdara o posto de seu pai Zacarias.
Até aquele momento, o rei de jure da descendência de Davi sempre fora
categorizado separadamente dos sacerdotes angélicos Miguel, Gabriel, Sariel e
Rafael. No entanto, tanto as linhagens Zadoque como as de Davi eram
estritamente dinásticas, mas quando João Batista morreu, não deixou sucessor.
Jesus tentou em diversas ocasiões ganhar reconhecimento como sacerdote; ele até
se promoveu visivelmente como tal no evento que ficou conhecido como
Transfiguração. Mas só na Ascensão seu sacerdócio foi formalizado, quando ele
foi levado ao Reino do Céu (o alto monastério) para se tomar sumo sacerdote
(Hebreus 3:1) na Ordem de Melquisedeque (Hebreus 5:6). Sua função dinástica se
tomou duplamente messiânica: a de rei sacerdote (ou como dizem as histórias do
Graal, um Rei Pescador). Pela primeira vez desde a era de Davi e Zadoque, os
títulos reais e angélicos se juntavam em um, sendo Jesus tanto o Davi como o
Miguel:
"Onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo se tomado sumo
sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (Hebreus 6:20)".
Fragmentos do documento do príncipe Melquisedeque encontrados entre os
Pergaminhos do Mar Morto indicam que Melquisedeque e Miguel eram a mesma
pessoa. É essa representação que aparece no livro do Apocalipse quando o arcanjo
Miguel (o poder Zadoque descendente do Messias) luta com o dragão da opressão
romana. De modo semelhante, o documento Qurnrã Damasco confirma que os títulos
de Zadoque e Melquisedeque eram equivalentes e sustentavam um ao outro. Em
essência, como Zadoque era a suprema designação de sumo sacerdote, e como
Melqui (ou Ma1co) significava rei, é evidente que o título de Melquisedeque
indicava a inter-relação rei/sacerdote.
Hebreus 7:14 descarta totalmente a noção interpretada do Evangelho acerca
da concepção imaculada, confirmando que o verdadeiro pai de Jesus era José:
"Pois é evidente que nosso Senhor procedeu de Judá, tribo à qual Moisés
nunca atribuiu sacerdotes". Também é explicado que a lei a respeito do
sacerdócio foi mudada para acomodar a nova distinção angélica de Jesus (Hebreus
7: 12).
Desde então, a sucessão dinástica de Melquisedeque (Melqui-Zadoque)
dependia da linha masculina de Jesus, descendendo através dos Reis Pescadores.
Essa era a linhagem do Sangréal de Davi - Sangue Real de Judá, conhecida mais
romanticamente como a Fannlia do Graal. No princípio, eles não eram monarcas
propriamente ditos (de facto), mas reis sacerdotes por direito (de jure).
Somente no século V (quando o rei pescador descendente Faramund se casou com a
princesa Argotta, herdeira dos francos sicambros) a linhagem cristã começa sua
impressionante ascensão à proeminência.
Não é coincidência a presença de São Miguel registrada na região da
Comuália (Inglaterra) por volta de 495 d.C. e na Gália por volta de 580. Cada
descendente mais velho na linhagem do Graal era o Miguel dinástico, e a cidade
de Marazion (na Comuália) tinha origens judaicas - seu nome (que significa
mercado de Sião) é um sinônimo de Jerusalém. Do outro lado de Marazion, numa
espécie de calçadão com baixa maré, fica o monte de São Miguel - o local de um
antigo mosteiro celta. Ele se tornou um convento beneditino no século VIII e
era o nome de uma cela da abadia de St. Michel (São Miguel), na Bretanha.
Em 66 d.C., um sacerdote novato, Flavius Josephus, foi nomeado comandante
em defesa da Galiléia. Ele tinha sido treinado para o sacerdócio fariseu, mas
aceitou o serviço militar quando os judeus se rebelaram contra os senhores
romanos. Josephus acabou se tomando o mais importante historiador da época e
seus escritos, traduzidos para o inglês com os títulos de The Wars of the Jews
e The Antiquities of the Jews, dão-nos uma boa idéia da longa e complexa
história da nação desde os tempos dos patriarcas até os anos da opressão
romana. No contexto de sua obra, é interessante observarmos sua referência a
Jesus. Ela o coloca firmemente dentro da estrutura histórica do tempo, mas sem
a menor menção de sua divindade ou de alguma imagem das escrituras:
"Foi mais ou menos nessa época que Jesus surgiu - um homem sábio, se
é que se pode chamá-Io de homem, pois era um realizador de milagres. Um
professor de quem os homens recebiam o conhecimento com prazer, e para si ele
atraiu muitos dos judeus, além de muitos dos gentios. Ele era o Cristo; e
quando Pilatos - por sugestão dos principais homens dentre nós - condenou-o à
crucificação, aqueles que o amavam desde o início não o abandonaram, pois ele
apareceu a eles vivo novamente, no terceiro dia - exatamente como os santos profetas
haviam previsto, além de outras dez mil coisas maravilhosas acerca dele,
igualmente previstas. E a seita cristã - cujo nome vem dele continua em plena
existência ainda hoje".
O opus erudito de Josephus, com mais de 60 mil linhas manuscritas, foi escrito
durante os anos 80 d.C., quando ele estava em Roma, de onde surgira o Evangelho
de Marcos, um pouco antes. Embora Pedro e Paulo tenham sido executados durante
o regime de Nero, os textos dos Evangelhos da época não eram, de fato,
anti-romanos. Na verdade, os primeiros cristãos eram mais propensos a culpar os
judeus (em vez de Pilatos) pela perseguição de Jesus e, como a revolta dos
judeus de 66-70 d.C. falhou, eles acreditavam firmemente que Deus tinha mudado
sua Aliança para, agora, com os cristãos.
A despeito disso, a posição dos cristãos no Império Romano cada vez mais
expandido era precária; eles eram uma minoria, sem status legal. Da
crucificação de Pedro, ordenada por Nero, até o Edito de Milão, em 313 d.C.
(quando o Cristianismo foi oficialmente reconhecido), houve nada menos que 30
bispos cristãos de Roma nomeados. O primeiro bispo, nomeado por Paulo ainda nos
dias de Pedro, em 58 d.C., foi o príncipe Lino da Grã-Bretanha, filho do rei
Caractaco (às vezes, Lino é descrito como escravo, mas isso foi uma propaganda
posterior impetrada pela Igreja, e retomaremos esse assunto mais adiante por
ser de extrema importância).
Por volta de 120 d.C., as nomeações individuais tinham se tomado a
prerrogativa da eleição de grupos e os candidatos tinham de ser cidadãos de
Roma. Na época do bispo Higino (136 d.C.), havia pouca ou nenhuma ligação entre
os cristãos paulinos e os seguidores da doutrina judaica de Jesus. Estes
últimos haviam se assentado principalmente na Mesopotâmia, na Síria, no sul da
Turquia e no Egito - além dos movimentos estabelecidos na Grã-Bretanha e na
Gália. Enquanto isso, os cristãos de Roma eram constantemente suprimidos porque
suas crenças aparentemente desafiavam a divindade tradicional dos Césares
(imperadores). Com o passar do tempo, a supressão se tomou ainda mais severa,
até chegar às proporções experimentadas no reinado de Nero e se transformar em
perseguição deflagrada.
A religião prevalecente de Roma imperial era politeísta (culto a muitos
deuses) e tinha emanado grandemente da veneração de deidades naturais como as
das florestas e das águas. Enquanto Roma crescia à condição de Estado, os
deuses de seus vizinhos etruscos e sabinos tinham sido incorporados. Entre eles
se incluíam Júpiter (o deus do céu) e Marte (o deus da guerra). Os cultos de
origem grega também foram assimilados e, a partir de 204 a.C., as orgias de
Cibele (a deusa asiática da terra) se tomaram evidentes, logo emuladas pelos
rituais hedonistas de DionísiolBaco (o deus do vinho). À medida que o Império
Romano se espalhava para o leste, o culto esotérico de Ísis, a Mãe Universal,
também foi introduzido, junto à veneração persa de Mitra (deus da luz, da
verdade e da justiça). Por fIm, a religião solar síria de Sollnvictus (o
inconquistado e inconquistável sol) se tomou a grande crença geral. Sua visão
do Sol como supremo doador da vida fazia com que todos os outros cultos se
incluíssem nela, sendo o imperador a encarnação terrestre da divindade.
Em meados do século II, os nazarenos originais (seguidores dos
ensinamentos de Jesus e Tiago) não só eram impopulares com as autoridades
romanas, mas também eram rechaçados pelos cristãos paulinos - particularmente
por Irineu, bispo de Lyon (nascido c. 120 d.C.). Ele os condenava como hereges
por afirmarem que Jesus era um homem, e não de origem divina, conforme ditava a
nova Fé. Na verdade, ele chegou a declarar que o próprio Jesus praticava a
religião errada e estava pessoalmente enganado em suas crenças! Irineu escreveu
a respeito dos nazarenos, que ele chamava de ebionites (pobres), dizendo:
"Eles, como o próprio Jesus e como os essênios e Zadoques de dois
séculos antes, deixam-se guiar pelos livros proféticos do Antigo Testamento.
Rejeitam as epístolas de Paulo e rejeitam o apóstolo Paulo, chamando-o de
apóstata da Lei".
Como forma de retaliação, os nazarenos da Igreja originada com os
desposyni denunciavam Paulo como um "renegado" e "falso
apóstolo", afirmando que seus escritos idólatras deveriam ser totalmente
rejeitados.
Em 135 d.C., Jerusalém foi novamente massacrada pelos exércitos romanos -
dessa vez sob ordens do imperador Adriano - e os judeus sobreviventes se
espalharam. Aqueles que permaneceram na Palestina se contentavam (em seu
desespero diante da derrota militar final) em se ocupar somente com a lei e a
religião rabínica. Enquanto isso, a seita paulina (agora totalmente separada de
suas origens judaicas) estava se tomando cada vez mais problemática aos olhos
das autoridades.
Tendo alcançado o pico de sua glória na era de Adriano (117-138 d.C.), o
imperialismo romano começou a declinar com Cômodo. Seu governo ineficiente
(180-192 d.C.) incitou muita desunião, levando a uma guerra civil que durou
décadas, jogando vários generais uns contra os outros e contra o governo
central. Um conflito surgiu quanto a quem deveria usar a coroa, e facções
rivais do exército começaram a escolher soberanos próprios. O imperador Lúcio
Severo (193-211 d.C.) conseguiu restaurar parte da ordem com o uso judicioso da
Guarda Pretoriana (exército pessoal do imperador), mas sua disciplina não durou
muito. Durante todo o século m, as disputas internas deixaram as fronteiras do
império abertas, vulneráveis a ataques dos sarracenos da Pérsia e dos gados das
regiões do mar Negro.
Em 135 d.C., o imperador Maximino decretou que todos os bispos e sacerdotes
cristãos deveriam ser aprisionados, seus bens pessoais confiscados e suas
igrejas incendiadas. Os cativos foram sentenciados a várias formas de punição e
escravidão, incluindo servidão penal nas minas de chumbo em Sardenha. Ao
chegarem, cada cativo teria um olho arrancado e o pé esquerdo e o joelho
direito danificados para restringir seus movimentos. Além disso, os homens
seriam castrados. Se isso não fosse suficiente, eles seriam acorrentados da
cintura aos tornozelos para que não pudessem ficar eretos, e as correntes
seriam permanentemente soldadas. Como se poderia esperar, a maioria não
sobreviveu por mais que alguns meses. Naqueles dias, ser cristão era perigoso,
mas ser um líder conhecido era um atestado de morte pessoal.
Na época do imperador Décio (249 d.C.), os cristãos tinham se tornado tão
rebeldes que foram declarados criminosos, e a perseguição em massa a eles
começou com base oficial. Isso continuou até o reinado de Diocleciano, que se
tomou imperador em 284 d.C. Este acabou com qualquer vestígio de procedimento
democrático e instituiu uma monarquia absoluta. Os cristãos eram obrigados a
oferecer sacrifícios ao divino imperador e sofriam as mais duras punições por
desobediência. Foi decretado que todas as casas de reunião dos cristãos fossem
demolidas, e os discípulos que oferecessem assembléias alternativas seriam
condenados à morte. Toda propriedade da Igreja foi confiscada pelos
magistrados, enquanto todos os livros, testamentos e doutrinas escritas da fé
foram queimados em praça pública. Cristãos de qualquer estirpe não podiam
exercer cargo público e os escravos cristãos não tinham a menor esperança de
liberdade. A proteção da lei romana foi suspensa e aqueles que contestavam os
editos eram queimados vivos lentamente ou comidos por animais nas arenas.
Diocleciano tentou rechaçar as persistentes agressões dos invasores
bárbaros, descentralizando o controle e estabelecendo duas divisões do império.
A partir de 293 d.C., o império ocidental passou a ser administrado da Gália,
enquanto o oriental se centralizava em Bizâncio, na (atual) região noroeste da
Turquia. Mas os ataques continuaram, em particular com novas invasões
ocidentais por parte das tribos germânicas dos francos e alemânicos, que
anteriormente não tinham conseguido atravessar o Reno. Os romanos já não eram
mais um poder invasor; agora eram eles as constantes vítimas de insurgência de
todos os lados.
Um dos mais cruéis perseguidores no regime de Diocleciano foi Galério,
governador das províncias orientais. Ele ordenou que qualquer pessoa que não
venerasse o imperador acima de tudo fosse executada de forma dolorosa. Pouco
antes de sua morte em 311 d.C., porém, Galério emitiu um surpreendente decreto
de tolerância, dando aos cristãos o direito de "se reunir em seus
conventículos sem medo de serem molestados". Depois de dois séculos e meio
de terror e supressão, os cristãos entravam numa nova era de liberdade
condicional.
Em 312 d.C., Constantino se tomou imperador no Ocidente - governando em
conjunto com Licínio no Oriente. Nessa época, o Cristianismo tinha aumentado
consideravelmente em número de seguidores e florescia na Inglaterra, Alemanha,
França, Portugal, Grécia, Turquia e todos os cantos do domínio romano. Na
verdade, os evangelistas cristãos eram mais capazes de subjugar os bárbaros do
que as legiões de Roma - mesmo em lugares distantes como a Pérsia e a Ásia
Central. Não era preciso muita imaginação para Constantino perceber que,
enquanto seu império se desmoronava, poderia haver algum mérito prático em
abraçar o Cristianismo. Ele via no Cristianismo uma força unificadora que
certamente poderia ser usada para vantagem estratégica dele mesmo. .
Embora Constantino fosse o sucessor de seu pai, ele tinha um rival para a
suprema posição imperial, na pessoa de seu cunhado, Maxêncio. Em 312 d.C., seus
exércitos se encontraram na ponte Milvian (ligeiramente fora de Roma) e
Constantino foi vitorioso. A campanha foi a melhor oportunidade para ele
estabelecer sua afiliação pessoal com o Cristianismo, e ele anunciou que tinha
tido a visão de uma cruz no céu, acompanhada pelas palavras "com este
sinal, conquistas". Os líderes cristãos ficaram muito impressionados que
um imperador romano marchasse para a vitória portando a bandeira deles.
Constantino mandou chamar o idoso bispo Miltíades. O propósito do
imperador não era se filiar à Fé sob a autoridade do bispo de Roma, mas assumir
a Igreja Cristã em sua totalidade. Uma de suas primeiras instruções foi de que
os pregos da cruz de Jesus lhe fossem trazidos - um dos quais ele afixaria à
sua coroa. Seu pronunciamento subseqüente ao estupefato Miltíades mudaria para
sempre a estrutura do Cristianismo: "No futuro, nós, como Apóstolo de
Cristo, ajudaremos a escolher o Bispo de Roma". Declarando-se Apóstolo,
Constantino proclamou que o magnífico Palácio Laterano seria a futura
residência dos bispos.
Quando Miltíades morreu em 314 d.C., ele foi o primeiro bispo de Roma em
uma longa sucessão a ter morte natural. De repente, o Cristianismo tinha se
tomado respeitável e era aprovado como religião imperial (na verdade, a
Religião Imperial). Constantino subseqüentemente se tornou César de todo o
Império Romano, em 324 d.C., e passou a ser conhecido como Constantino, o
Grande.
Para substituir Miltíades, Constantino. (quebrando a prática tradicional)
escolheu seu associado, Silvestre, como primeiro bispo imperial. Ele foi
coroado com grande pompa e cerimônia - uma grande diferença dos obscuros
procedimentos comuns ao antigo ritual cristão. Os dias de medo e perseguição
tinham acabado, mas o preço alto por essa liberdade era a veneração ao
imperador - precisamente o que os predecessores cristãos tentavam, com tanto
afinco, evitar. Os sacerdotes existentes não tinham escolha na questão e eram
instruídos a aceitar que sua Igreja estava agora formalmente atrelada ao império.
Era agora a Igreja de Roma.
Silvestre estava entusiasmado demais para perceber a armadilha à qual
estava levando os discípulos de São Pedro. Ele só via a rota da salvação
oferecida por Constantino. Embora esse passo monumental garantisse aos cristãos
o direito de andar e se pronunciar livremente entre a sociedade, sua hierarquia
estava encerrada em ouro, jóias e todo o aparato que o próprio Cristo negava.
Muitos seguidores da Fé se sentiam ultrajados, pois seus líderes tinham sido
seduzidos e corrompidos pelo próprio regime que banira seus ancestrais. Eles
declaravam que o novo status de aceitabilidade não era uma vitória da
conversão; era uma nuvem maligna de derrota absoluta - uma profanação de todos
os princípios considerados tão sagrados.
Até aquele ponto, a mensagem cristã vinha ganhando apoio em todos os
setores. Aqueles que pregavam o Evangelho sabiam que Constantino e seus
predecessores estavam seriamente enfraquecidos diante do sucesso gradual e
evidente do Cristianismo. Afinal de contas, aquele fora o motivo pelo qual o
pai de Constantino tinha se casado com a princesa cristã da Grã-Bretanha,
Elaine (Santa Helena). Silvestre e seus colegas em Roma talvez tenham
considerado a nova aliança uma manobra politicamente segura, mas os emissários
no campo a viam exatamente como era: um suborno estratégico por parte do
inimigo. Afirmavam que a mensagem espiritual de São Pedro fora subvertida pela
idolatria de um poder ganancioso, no esforço de impedir sua queda imperial. Em
termos reais, o verdadeiro propósito do Cristianismo tinha sido anulado pelo
novo regime. Após quase três séculos de esforço e luta, o ideal de Jesus fora
totalmente abandonado entregue em uma bandeja para ser devorado por seus
adversários.
À parte os vários cultos, os romanos vinham venerando seus imperadores
como deuses descendentes de outros deuses, como Netuno e Júpiter. No Concílio
de Arles, em 314 d.C., Constantino reteve seu status divino, introduzindo o
Deus onipotente dos cristãos como seu patrono pessoal. A partir daí, ele lidou
com as anomalias da doutrina, substituindo certos aspectos do ritual cristão
pelas tradições pagãs familiares de adoração ao sol, além de outros
ensinamentos de origem síria e persa. Em suma, a nova religião da Igreja Romana
fora construída como um híbrido para agradar a todas as facções influentes. Com
essa estratégia, Constantino almejava uma religião comum e unificada (Católica
significa universal), sendo ele próprio o líder.
Desde a publicação original de A Linhagem do Santo Graal, em 1996, vários
leitores têm mencionado que o retrato que o livro faz da herança real de Santa
Helena difere do que é ensinado pela Igreja. E difere mesmo, pois o caso de
Santa Helena é um bom exemplo de como as histórias pessoais têm sido manipuladas
para satisfazer aos interesses estratégicos dos bispos. Por isso, vale a pena
examinarmos o modo como o ensinamento propagandista se desenvolveu, nesse
sentido.
A palavra "propagandista" não é usada levianamente aqui, pois
os ensinamentos da Igreja a respeito de Santa Helena de fato faziam parte da
estratégia do Congregatio Propaganda Fide. Esse colégio especialmente nomeado
da propaganda dos cardeais foi estabelecido em 1662 pelo papa Gregório XV, e
seu único propósito era "incutir a todo custo" dogmas da Igreja, por
meio de seus professores e historiadores aprovados, sempre que tais dogmas
discordassem dos fatos tradicionais e registrados.
Antes dessa época, as informações publicadas a respeito do direito inato
da imperatriz Helena eram obtidas a partir de registros britânicos. No que
tange à Inglaterra, foi somente em 1776 que o historiador inglês Edward Gibbon
promoveu a ficção romana do nascimento de Helena, ao lançar sua obra History of
the Decline and Fali of the Roman Empire. A isso se seguiu uma vindicação em
1779, depois que seus relatos espúrios dos primeiros anos do Cristianismo foram
criticados por estudiosos acadêmicos, mas Gibbon se convertera ao Catolicismo
em 1753 e não hesitou em representar Helena de acordo com a doutrina oficial.
Segundo Gibbon, Helena fazia parte de uma família de estalajadeiros na
cidadezinha de Naissus, nos Bálcãs. Posteriormente, ele confessou que esse
detalhe era apenas uma conjectura, mas mesmo assim suas afirmações originais
têm sido aceitas literalmente por historiadores e autores de enciclopédias.
Todos os registros anteriores a Gibbon na Grã-Bretanha dizem que a
princesa Elaine (greco-romano: Helen; romano: Helena) nasceu e foi criada em
Colchester e ficou famosa por sua capacidade político-administrativa. Seu marido,
Constâncio, foi proclamado imperador de York (Caer Evroc). Antes disso, em 290
d.C., ele tinha ampliado o arcebispado de York a pedido de Helena e foi
subseqüentemente sepultado em York. Em reconhecimento à peregrinação de Helena
à Terra Santa em 326 d.C, a igreja de Helena da Cruz foi construída em
Colchester, onde o brasão da cidade foi estabelecido como sua cruz, com três
coroas de prata no lugar das armas.
Desde a época da Reforma, e principalmente depois que o Colégio de
Propaganda foi instituído, Roma assumiu um programa estruturado de
desinformação sobre muitos aspectos da história da Igreja, que prosseguiu com
intensidade cada vez maior. Na prática, porém, a visão romana reestruturada de
Helena é extremamente vaga, com vários relatos se contradizendo. Muitos
clérigos defendem a teoria dos Bálcãs, como apregoada por Gibbon; alguns
afirmam que Helena teria nascido na Nicomédia e outros ainda dizem que ela era
natural de Roma. .
Independentemente dos registros britânicos, as informações de Roma anteriores
a 1662 também defendem a herança britânica de Helena – bem como outros escritos
na Europa. Entre eles havia a Epístola, do século XVI, do escritor alemão
Melancthon, que escreveu: "Helena foi sem dúvida uma princesa
britânica". Os registros dos jesuítas (mesmo o livro jesuíta Pilgrim Walks
ín Rome) afirmam, ao detalhar o nascimento de Constantino na Grã-Bretanha:
"Uma das maiores glórias da Inglaterra católica é contar com Santa Helena
e Constantino entre seus filhos - sendo Santa Helena a única filha do rei
Coilus" .
O documento romano mais citado para apoiar a mensagem antibritânica é um
manuscrito do fim do século IV (após a morte de Helena), de autoria de Amiano
Marcelino, do qual as informações originais a respeito de Helena (c.248-328
d.C.) realmente desapareceram! Há, no entanto, uma espúria nota de margem, dos
idos do século XVII, que cita os detalhes aprovados pela Igreja nos quais os
seguidores de Gibbon e outros baseiam suas opiniões.
Em meio a tudo isso, a única pessoa que a Igreja e seus diligentes
eruditos preferiram ignorar foi o próprio cardeal de Roma, Barônio, o
bibliotecário do Vaticano que compilou os Annales Ecclesiasticae de 1601. Nessa
obra, ele diz explicitamente: "Deve ser louco o homem que, diante da
antiguidade universal, recuse-se a acreditar que Constantino e sua mãe eram
bretões, nascidos na Grã-Bretanha".
RELIGIÃO E A LINHAGEM
O DEBATE DA TRINDADE
Pelo conteúdo de muitos livros a respeito do início do Cristianismo,
podemos facilmente imaginar que a Igreja Romana era a verdadeira Igreja de
Jesus, enquanto as outras crenças relacionadas a ele seriam heréticas e
profanas. Isso está longe da verdade; muitas ramificações do Cristianismo eram,
na verdade, menos pagãs que a Igreja política de Roma. Elas desprezavam os
ídolos e artimanhas opulentas do ideal romano e foram proibidas por decreto
imperial. Os gnósticos, em particular, foram condenados como pagãos por
insistir que o Espírito era bom, mas a Matéria era impura. Essa distinção
certamente não combinava com as atitudes altamente materialistas da nova
Igreja.
Também havia aqueles da tradição nazarena, que defendiam a causa original
de Jesus em vez dos excêntricos e exuberantes ensinamentos de Paulo, tão
prontamente adotados por Roma. Esses cristãos judaicos da escola tradicional
controlavam muitas das principais igrejas do Oriente Próximo durante o reinado
de Constantino. Além disso, eram liderados simplesmente pelos descendentes da
própria família de Jesus: os herdeiros desposyni do Senhor.
Em 318 d.C., uma delegação de Desposyni viajou até Roma e, chegando ao
recém-instituído Palácio Laterano, os homens foram recebidos pelo bispo
Silvestre. Por meio de seu principal porta-voz, Joses (descendente do irmão de
Jesus, Judas), os delegados argumentaram que a Igreja deveria, por questão de
justiça, ter sede em Jerusalém, não em Roma. Eles afirmavam que o bispo de
Jerusalém deveria ser um verdadeiro herdeiro Desposynos, enquanto os bispos de
outros centros importantes (como Alexandria, Antioquia e Éfeso) também deveriam
ser aparentados. Suas exigências, claro, foram em vão, pois Silvestre não
estava em posição de contradizer os decretos do imperador. Os ensinamentos de
Jesus tinham sido superados por uma doutrina mais adequada às exigências
imperiais e, em termos bem claros, Silvestre informou aos homens que o poder de
salvação não se encontrava mais com Jesus, mas sim com o imperador Constantino!
O imperador sabia, sem dúvida, que Jesus tinha sido venerado por Paulo
como Filho de Deus, mas não havia espaço para que esse conceito persistisse.
Jesus e Deus tinham de se fundir em uma entidade única para que o Filho fosse
identificado com o Pai. Sucedeu-se, porém, que Deus foi formalmente definido
como Três Pessoas em Uma: uma divindade compreendendo três partes iguais e
co-eternas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esses aspectos (pessoas) da
Trindade tinham uma semelhança perturbadora com os três títulos sacerdotais, o
Pai, Filho e Espírito, usados muito tempo antes pelos essênios em Qurnrã.
Alguns bispos, porém, opunham-se a esse novo dogma. Muitos dos delegados
eram teólogos cristãos da velha escola, que pregavam que Jesus era o Filho, e
que o Filho fora criado na carne por Deus, mas não era - ele próprio - Deus. O
porta-voz líder dessa facção era um idoso sacerdote líbio de Alexandria,
chamado Ário. Mas quando Ário se levantou para falar, Nicolas de Mira
desferiu-lhe um soco no rosto, acabando com a oposição.
O credo niceno da Trindade de Deus foi estabelecido como a base para a
nova, reformada, fé cristã ortodoxa. Os seguidores de Ário (conhecido a partir
de então como arianos) foram banidos. Alguns delegados, incluindo o bispo
Eusébio de Cesaréia, estavam preparados para chegar a um acordo, mas aquilo era
inaceitável e eles foram impelidos a aceitar plenamente o novo credo. E assim,
com Deus designado como Pai e Filho, Jesus foi convenientemente passado para
trás como figura de importância prática. O imperador era agora considerado a
divindade messiânica - não só a partir daquele momento, mas por uma herança
reservada para ele "desde o início dos tempos".
Com sua estrutura revisada, a Igreja Romana se sentiu em segurança contra
o surgimento de qualquer linha cristã alternativa. De fato, com o Jesus
histórico estrategicamente deixado para trás, a religião cristã, dizia-se,
recebera seu nome de um homem chamado Cresto, que, em 49 d.C., fora um dos
primeiros protagonistas em Roma. Havia agora apenas dois objetos oficiais de
adoração: a Santíssima Trindade de Deus e o próprio Imperador - o novo Salvador
nomeado do Mundo. Qualquer um que contestasse isso seria declarado herege e os
cristãos que tentassem manter a lealdade a Jesus como o Cristo Messiânico
seriam proclamados pagãos pela Igreja Imperial.
Além disso, era costume através das gerações que o atual bispo de Roma
nomeasse seu sucessor antes de morrer, mas essa tradição foi mudada quando
Constantino se auto proclamou Apóstolo de Deus na Terra. Tornou-se, então,
direito do imperador ratificar nomeações, e os vários candidatos freqüentemente
sofriam violência, gerando grandes ondas de derramamento de sangue nas ruas. A
teoria da Sucessão Apostólica foi mantida, mas a candidatura era apenas uma
farsa, pois os bispos de Roma passaram a ser escolhidos dentre os próprios
candidatos do imperador.
Em 330 d.C., Constantino declarou Bizâncio a capital do Império Oriental
(bizantino), mudando-lhe o nome para Constantinopla. No ano seguinte, ele
convocou um Concílio Geral naquela cidade para ratificar a decisão do Concílio
de Nicéia. Nessa ocasião, a doutrina de Ário (que vinha ganhando um
significativo número de adeptos) foi formalmente declarada blasfema. O controle
da Igreja pelo imperador era parte integrante de seu estilo autocrático; seu
governo era absoluto e a Igreja nada mais era que um departamento de seu
império. Silvestre podia ser o bispo nomeado de Roma, mas seu nome mal apareceu
em uma seqüência de eventos instigada por Constantino e que mudaria para sempre
a natureza e o propósito do Cristianismo.
Com essa forma de Cristianismo romano estabelecida como nova religião
imperial, um edito ainda mais totalitário seria passado pelo imperador
Teodósio, o Grande (379-395 d.C.). Em 381 d.C., um segundo Concílio Ecumênico
de Constantinopla foi convocado com o propósito de acabar com a oposição
ariana. Teodósio achava difícil implementar seu exclusivo direito divino de
nomeação messiânica enquanto os arianos ainda pregavam que o Filho (Jesus) fora
criado por Deus e que o Espírito Santo tinha passado do Pai para o Filho. Esse
conceito tinha de ser esmagado e Jesus precisava ser permanentemente removido
do reconhecimento.
Foi, portanto, decretado pela Igreja que a doutrina da Trindade de Deus
deveria ser aceita por todos: Deus era o Pai, Deus era o Filho e Deus era o
Espírito Santo. Não poderia mais haver contestação!
Nesse período, contudo, a tradição nazarena foi mantida. Desde os tempos
das primeiras revoltas judaicas, os nazarenos tinham conservado sua religião
sob a liderança dos Desposyni. Eles floresciam na Mesopotâmia, no leste da
Síria, no sul da Turquia e na Ásia Central. Totalmente separados do
Cristianismo artificial do Império Romano, tinham uma fé mais próxima dos
ensinamentos originais de Jesus do que quaisquer outros e uma base
essencialmente judaica, em vez de um envolvimento idólatra com adoração ao
solou outros cultos de mistérios. Na verdade, os nazarenos eram os mais puros
dentre os verdadeiros cristãos; seu modo de entender a Trindade era simples:
Deus era Deus e Jesus era um homem - um Messias herdeiro da sucessão de Davi.
Eram absolutamente enfáticos quanto a isso e repudiavam qualquer noção de que a
Bem-aventurada Maria fosse Virgem.
Ao mesmo tempo, havia outros que, embora dispostos a aceitar a doutrina
do Deus Trino, ainda retinham uma crença na divindade de Jesus. A visão deles
divergia consideravelmente da dos nazarenos, pois acreditavam no que Paulo
tinha dito - que Jesus era o filho biológico de Deus. Isso deu margem a outro
credo, que surgiu por volta de 390 d.C., e ficaria conhecido como o Credo dos
Apóstolos. Começava: "Creio em Deus Pai Todo-poderoso e em Jesus Cristo,
seu único filho, nosso Senhor". Essa reintrodução declarada de Jesus
dificilmente conduziria ao imperador como Salvador, mas dali a alguns anos Roma
foi saqueada pelos godos e o império ocidental entrou em declínio.
Nesse ponto, um novo protagonista emergiu na disputa pela Trindade:
Nestório, patriarca de Constantinopla desde 428 d.C. Em harmonia com os
nazarenos, Nestório afirmava que a questão de Jesus ser Deus ou Filho de Deus
era totalmente irrelevante, pois era óbvio que ele tinha nascido em
circunstâncias naturais, de um pai e de uma mãe. Com base nessa premissa,
Nestório se colocava contra seus colegas católicos, que já traziam Jesus de
volta à cena desde que o império começara a cair. Eles se referiam a Maria como
a Theotokas (grego: "portadora de Deus") ou Dei Genitrix (latim:
"geradora de Deus"). Como resultado, o preceito nazareno-nestoriano
de que Maria era uma mulher como qualquer outra foi condenado pelo Concílio de
Éfeso (431 d.C.) e ela passou a ser venerada como uma mediadora (ou
intercessora) entre Deus e o mundo mortal. Quanto a Nestório, ele foi declarado
herege e banido, mas logo se viu entre amigos no Egito e na Turquia,
estabelecendo a Igreja Nestoriana em Edessa, em 489 d.C. Foi aí que Júlio Africano
registrou, anteriormente, a destruição proposital por parte dos romanos dos
documentos desposyni de herança real, mas também confirmou a existência de
contínuos relatos particulares de linhagem descrevendo a seita familiar de Davi
como sendo mantida por uma "sucessão dinástica estrita".
A partir de meados do século V, a Igreja de Roma continuou no Ocidente,
enquanto a Igreja Ortodoxa Oriental emergia de seus centros em Constantinopla,
em Alexandria, em Antioquia e em Jerusalém. O debate sem solução acerca da
Trindade tinha criado um grande abismo entre as facções e cada uma afirmava
representar a verdadeira Fé. A Igreja de Roma foi reformada pelos
administradores municipais nomeados: os cardeais - um título derivado do latim
cardo (pivô) - dentre os quais havia 28 no Vaticano.
Enquanto a Igreja de Roma estava sendo reestruturada, o império ocidental
ruiu - demolido pelos visigodos e vândalos. O último imperador, Rômulo Augusto,
foi deposto pelo chefe germânico Odoacer, que se tomou rei da Itália em 476
d.C. Na falta de um imperador, o então Bispo Supremo, Leão I, ganhou o título
de Pontifex Maximus (sumo pontífice ou construtor de pontes). No Oriente,
porém, a história foi diferente e o império bizantino estava destinado a
florescer por mais mil anos.
À medida que o poder de Roma desmoronava, o Cristianismo romano também
sucumbia. Os imperadores se identificavam com o Deus Cristão, mas os
imperadores tinham falhado. Sua supremacia religiosa passara para as mãos do
sumo pontífice, mas sua religião já era uma minoria, em um cenário cristão de
gnósticos, de arianos, de nazarenos e da crescente Igreja Celta.
Nos últimos anos do império em declínio, a maior de todas as ameaças à
Igreja Romana surgiu de uma linha real dos desposyni, na Gália. Tratava-se da
dinastia merovíngia: descendentes masculinos dos Reis Pescadores, com uma
herança feminina sicambra. Os sicambros eram assim chamados por causa de
Cambra, uma rainha tribal que vivera aproximadamente em 380 d.C. Eram
originariamente da Cítia, norte do mar Negro, sendo chamados de Newmage (Nova
Aliança).
A Biblioteca Nacional de Paris contém um fac-símile da altamente afamada
Fredegar’s Chronicle - uma extensa obra histórica do século VII, da qual o
original foi compilado em 35 anos. Uma edição especial do manuscrito de
Fredegar’s foi dada de presente à ilustre Corte dos Nibelungos e reconhecida
pelas autoridades do Estado como história oficial e completa. Fredegar (que
morreu em 660) era um escrivão borgonhês e a sua Crônica abrangia o período dos
primeiros dias dos patriarcas hebreus até a era dos reis merovíngios. Ela
citava numerosas fontes de informação e referência cruzada, incluindo os
escritos de São Jerônimo (tradutor do Antigo Testamento para o latim), do
arcebispo Isidoro de Sevilha (autor da Enciclopédia do Conhecimento) e do bispo
Gregório de Tours (autor de A História dos Francos).
Em 452 d.C., o bispo Leão I de
Roma e um contingente desarmado de monges enfrentaram o temível Átila, o Huno,
e seu exército às margens do rio Pó, no norte da Itália. Naquela época, o
império de Atila se estendia do Reno até a Asia Central. Suas hordas bem
equipadas estavam preparadas com charretes, escadas, catapultas e todo tipo de
aparato marcial para atacar Roma. A conversação durou poucos minutos, mas o
resultado foi que Atila ordenou a seus homens que saíssem do acampamento e
recuassem para o norte. O que de fato se passou entre os dois homens nunca foi
revelado, mas, depois do episódio, Leão, o Grande, estaria destinado a exercer
poder supremo. Algum tempo antes, em 434 d.C., um enviado do imperador
bizantino Teodósio II se defrontara com o temível huno em circunstâncias
semelhantes, às margens do rio Morava (sul da moderna Belgrado). Ele deu a
Atila o equivalente contemporâneo a milhões de dólares como resgate pela paz no
Oriente. O acordo do bispo Leão foi provavelmente o mesmo (ver Malachi Martin,
The Decline and Fall of the Roman Church. Também, para uma leitura adicional
acerca do assunto, ver Norman J. Buli, The Rise of the Church, Heinemann,
Londres, 1967).
O Prólogo de Fredegar afirma que suas pesquisas foram mais minuciosas que
aquelas dos autores por ele citados. Ele diz: "Julguei necessário ser mais
detalhista em minha determinação de alcançar a acuidade... Por isso incluí
(como fonte de material para um trabalho futuro) todos os reinados dos reis e
sua cronologia".
Para desenvolver tal acuidade, Fredegar, que vivia nas graças com a
realeza de Borgonha, fez uso de seu privilegiado acesso a uma variedade de
registros da Igreja e anais do Estado. Ele conta que os francos sicambros (de
onde veio o nome da França) eram assim chamados por causa de seu chefe,
Frâncio, morto em 11 a.C.
No século IV, os francos sicambros estavam na terra do Reno, para onde
tinham se mudado da Panônia (oeste do Danúbio), em 388 d.C., sob a liderança de
seus chefes, Genobaud, Marcomer e Sunno. No decorrer do século seguinte, seus
exércitos invadiram a Gália romana e dominaram a área que é hoje a Bélgica e o norte
da França. Foi nessa ocasião que a filha de Genobaud, Argotta, casou-se com o
rei pescador Faramund (419-430 d.C.), freqüentemente citado como o verdadeiro
fundador da monarquia francesa. Faramund era neto de Boaz-Anfortas (a quem
retomaremos) na sucessão messiânica direta do filho de Josué, Aminadabe (na
linhagem de Cristo), que se casou com a filha do rei Lúcio, Eurgen (na linhagem
de Arimatéia).
Faramund, porém, não era o único parceiro conjugal com uma herança
messiânica. A própria Argotta descendia da irmã de Lúcio, Athildis, que se
casou com o chefe sicambro Marcomer (oitavo na descendência de Frâncio), por
volta de 130 d.C. Assim, a sucessão merovíngia, que se originou de Fararnund e
Argotta, era duplamente desposyni.
O pai de Argotta, Genobaud, Senhor dos francos, foi o último homem de sua
linhagem - portanto, o filho de Faramund e Argotta, Clodion, tornou-se
devidamente o próximo Senhor dos francos na Gália. Em 488 d.C., o filho de
Clodion, Meroveus, foi proclamado Guardião em Toumai e foi a partir dele que a
linhagem ficou famosa como à dinastia mística dos merovíngios, chegando à
proeminência de reis dos francos. Eles reinavam não mediante coroação ou
nomeação criada, mas por uma tradição aceita que correspondia ao direito
messiânico de gerações passadas.
Apesar das cuidadosas genealogias listadas em sua época, a herança de
Meroveus é estranhamente obscura nos anais monásticos. Embora fosse o filho
legítimo de Clodion, ele é citado pelo historiador Prisco como uma procriação
da criatura marinha arcana, o Bistea Neptunis. Evidentemente, havia algo muito
especial acerca do rei Meroveus e de seus sucessores sacerdotais, pois eles
recebiam uma veneração especial e eram grandemente conhecidos por seu
conhecimento esotérico e habilidades ocultas. No século VI, Gregório de Tours
afirmou que os chefes francos na linha feminina sicambra de sua ancestralidade
não eram exatamente conhecidos por sua cultura ascética; porém, essa culta
dinastia (que ele chamava de "a mais proeminente e nobre linhagem de sua raça")
emergiu na antiga tradição dos nazireus para se tomar conhecida como a dinastia
dos reis feiticeiros de cabelos compridos.
No Antigo Testamento (Números 6:3,5,13), os nazireus eram judeus, como
Simão e Samuel, comprometidos por estritos votos de obrigação:
"Abster-se-á de vinho e de bebida forte...
Todos os dias do seu voto de nazireado não passará navalha pela cabeça;
até que se cumpram os dias para os quais se consagrou ao Senhor, santo será,
deixando crescer livremente a cabeleira...
Esta é a lei do nazireu".
Os votos do nazireu eram válidos durante períodos específicos. Na
tradição essênia, os períodos de absoluto celibato também eram implementados. O
posto de nazireu-chefe era tradicionalmente ocupado pelo príncipe da coroa de
Davi, que usava o preto cerimonial. Nessa capacidade, o chefe real da ordem
costumava ser Tiago, o Justo, o irmão de Jesus, e os sucessivos Príncipes à
Coroa de Judá, de jure, mantinham o status e suas responsabilidades.
Independentemente de sua herança judaica, os merovíngios não eram judeus
praticantes, tampouco o eram outros cristãos não-romanos cujas crenças tinham
se originado do Judaísmo. O bispo católico Gregório de Tours os descreveu como
"seguidores de práticas idólatras", mas os merovíngios não eram pagãos
no sentido de não serem iluminados. Na prática, seu culto espiritual não era
muito diferente dos cultos druidas e eles eram grandemente reverenciados como
professores esotéricos, juízes, curandeiros pela fé e clarividentes. Embora
fossem intimamente associados aos borgonheses, os merovíngios não eram
influenciados pelo arianismo e seu sistema exclusivo não era gaulês/ romano nem
teutônico. De fato, dizia-se que era algo inteiramente novo e sua cultura
parecia ter surgido do nada.
Os reis merovíngios não governavam a terra, nem eram politicamente
ativos; as funções governamentais eram realizadas por seus prefeitos do palácio
(ministros chefes), enquanto os reis se ocupavam mais das questões militares e
sociais. Entre seus principais interesses estavam a educação, a agricultura e o
comércio marítimo. Eles eram estudantes ávidos da prática de realeza correta na
antiga tradição, e seu modelo reverenciado era o rei Salomão, o filho de Davi.
Suas disciplinas se baseavam muito na escritura do Antigo Testamento, mas, apesar
disso, a Igreja Romana os proclamou irreligiosos.
Não só os merovíngios eram próximos dos primeiros nazireus, mas também
mantinham outros antigos costumes dos tempos bíblicos. De acordo com a tradição
essênia, os meninos "renasciam" aos 12 anos de idade quando, vestindo
uma túnica simples, passavam por uma encenação ritualística de nascimento - um
Segundo Nascimento (como mencionado anteriormente, em relação a Jesus Justo).
Simbolicamente, o menino nascia novamente do ventre de sua mãe e era instalado
em sua posição comunitária. A realeza merovíngia seguia uma prática semelhante:
os filhos dos reis ganhavam o direito hereditário da realeza dinástica pela
iniciação no 12o aniversário. Não havia necessidade de outra
coroação, mais tarde. A dinastia não era a de reis "criados", mas sim
uma sucessão de reis naturais, cuja intitulação era automática por meio de
nomeação santificada. Como já vimos, os merovíngios não eram da descendência de
Cristo, mas também descendiam de Tiago (José de Arimatéia) pela irmã e pela
filha do rei Lúcio.
O costume essênio do Segundo Nascimento é evidenciado nos Evangelhos,
embora de maneira muito obscura, e foi completamente mal compreendido na
tradução. Em Lucas 2:1-12, a cerimônia do Segundo Nascimento de Jesus se
confunde cronologicamente com seu nascimento real. Como no Evangelho de Mateus,
Lucas narra a Natividade (o Primeiro ou verdadeiro nascimento de Jesus) durante
os últimos dias do reinado de Herodes, o Grande, que morreu em 4 a.C. Mas Lucas
também diz que Cireneu (Quirino) era governador da Síria na época, e que o
imperador César Augusto tinha implementado um censo nacional. Na realidade,
Cireneu nunca foi governador da Síria enquanto Herodes ainda estava vivo; ele
foi nomeado para o cargo em 6 d.C. quando, segundo Josefo em Antiguidades
Judaicas, houve uma contagem da população na Judéia conduzida por Cireneu, a
pedido de César Augusto. Esse é o único censo registrado na região; na época de
Herodes não houve nenhum. O censo foi feito 12 anos depois do Primeiro
Nascimento de Jesus (real) - precisamente no ano de seu Segundo Nascimento
(iniciatório).
Esse erro foi, por sua vez, responsável pela confusão cronológica que
cerca a história de como Jesus se perdeu no Templo quando estava em Jerusalém
com seus pais (Lucas 2:41-50). O evento é relatado como se ocorresse quando
Jesus tinha 12 anos de idade, mas deveria, na verdade, estar relacionado ao seu
"décimo segundo ano". Isso equivaleria a doze anos após seu
nascimento na comunidade. Na Páscoa daquele ano, Jesus teria 24 anos (ou 23, de
acordo com seu aniversário oficial em setembro). Nessa época, ele estaria
passando de iniciado para homem, mas, em vez de acompanhar seus pais às
respectivas celebrações, ele ficou para trás para discutir os negócios de seu
Pai, sendo seu Pai espiritual, na época, o sacerdote Eliezer Anás.
Durante toda a sua infância, Jesus foi associado a professores e
astrônomos brilhantes - em particular, aos Magos filósofos, que eram muito
admirados pelos reis merovíngios. Nos tempos merovíngios, os três reis magos da
Natividade foram nomeados para se tomarem os santos padroeiros de Cologne, dos
francos, recebendo os nomes espúrios de Gaspar, Melquior e Baltazar.
Os reis merovíngios eram renomados feiticeiros ao estilo dos magos
samaritanos, e eles acreditavam firmemente nos poderes ocultos do favo de mel.
Como o favo de mel é feito naturalmente de prismas hexagonais, os filósofos o
consideravam a manifestação da harmonia divina na natureza. Sua construção era
associada à visão interior e à sabedoria, conforme é detalhado em Provérbios
24:13-14:
''Filho meu, saboreia o mel, porque é saudável... Então, sabe que assim é
a sabedoria para a tua alma"
Para os merovíngios, a abelha era uma criatura das mais sagradas e, sendo
um emblema sagrado da realeza egípcia, ela se tomou um símbolo da sabedoria.
Cerca de 300 pequenas abelhas douradas foram encontradas presas ao manto de
Childeric I (filho de Meroveus) quando sua tumba foi desenterrada em 1653.
Napoleão também as mandou prender na túnica que usou em sua coroação, em 1804.
Ele reivindicava seu direito por ser descendente de Tiago de Rohan-Stuardo, o
filho natural (legitimado em 1677) de Charles II Stuart, da Grã-Bretanha, com
Marguerite, duquesa de Rohan. Os Stuarts, por sua vez, tinham direito a essa
distinção porque eles e seus parentes condes da Bretanha descendiam do irmão de
Clodion, Fredemundo - portanto (aparentados com os merovíngios), também eram
descendentes dos reis pescadores, por Faramund. A abelha merovíngia foi adotada
pelos Stuarts exilados na Europa, e as imagens de abelhas ainda são encontradas
em alguns copos e jarros de vidro jacobitas.
Quando o filho de Meroveu, Childeric, morreu em 481 d.C., foi sucedido
por seu filho de 15 anos, Clóvis. Nos cinco anos que se seguiram, ele conduziu
seus exércitos para o sul das Ardenas, expulsando os galo-romanos; de modo que,
em 486, seu reino incluía centros como Reims e Troyes. Os romanos conseguiram
manter um reino em Soissons, mas Clóvis derrotou seus contingentes, e o
govemante romano Siágrio fugiu para a corte dos visigodos, do rei Alaric II.
Com isso, Clóvis ameaçou entrar em guerra contra Alaric, e o fugitivo foi
entregue para execução. Com vinte e poucos anos de idade, tendo tanto os
romanos como os visigodos a seus pés, Clóvis estaria destinado a se tomar a
figura mais influente no Ocidente.
Naquela época, a Igreja Romana tinha muito medo da crescente popularidade
do arianismo na Gália, enquanto o Catolicismo corria sérios riscos de acabar na
Europa Ocidental, onde a maioria dos bispos ativos era ariana. Clóvis não era
católico nem ariano; por isso, ocorreu à hierarquia romana que a ascensão de
Clóvis poderia ser usada em vantagem da Igreja. De fato, inadvertidamente,
Clóvis os ajudou ao desposar a princesa de Borgonha, Clotilde, no centro da
Madona Negra de Ferrieres.
Embora os borgonheses fossem tradicionalmente arianos em suas crenças,
Clotilde era católica e se empenhou em evangelizar, pregando a sua versão da
Fé. Por algum tempo, ela não conseguiu promover a doutrina para o seu marido,
mas sua sorte mudou em 496 d.C. O rei Clóvis e seu exército travaram batalha
contra a tribo dos alemães perto de Cologne e, pela primeira vez em sua ilustre
carreira militar, o rei merovíngio estava perdendo. Em um momento de desespero,
ele invocou o nome de Jesus no mesmo instante em que o rei alemão foi morto.
Com a perda de seu líder, os alemães fraquejaram e bateram em retirada;
Clotilde não perdeu a oportunidade de afirmar que Jesus tinha causado a vitória
merovíngia. Clóvis não estava plenamente convencido disso, mas sua esposa
mandou chamar imediatamente Remy, bispo de Reims, e providenciou o batismo de
Clóvis.
Em sua justa aliança ao líder, cerca de metade dos guerreiros merovíngios
seguiram Clóvis até a pia batismal. A notícia de que o alto potentado do
Ocidente tinha se tomado católico se espalhou, o que seria de enorme valor para
o bispo Anastásio em Roma. Uma grande onda de conversões veio em seguida, e a
Igreja Romana foi salva de um colapso quase inevitável. Na verdade, não fosse o
batismo do rei Clóvis, a principal religião da Europa Ocidental poderia ser
hoje a ariana, em vez da católica. Entretanto, a complacência real não foi uma
barganha unilateral; em troca do acordo do rei em ser batizado, as autoridades
romanas juraram aliança a ele e a seus descendentes. Prometeram que um novo
Santo Império seria estabelecido sob o regime dos merovíngios. Clóvis não tinha
motivo para duvidar da sinceridade da aliança romana, mas sem querer ele se
tomou o instrumento de uma conspiração por parte dos bispos contra a linhagem
messiânica. Com a bênção da Igreja, Clóvis pôde entrar com suas tropas na
Borgonha e em Aquitânia. Calcula-se que, em virtude disso, os arianos seriam
obrigados a aceitar o Catolicismo, mas os romanos também tinham em mente algo
mais duradouro um plano para manobrar estrategicamente os merovíngios até
retirá-los do cenário, deixando o bispo de Roma com poder supremo na Gália.
Após uma série de conquistas militares, o rei Clóvis morreu em Paris, com
45 anos de idade. Foi sucedido por seus filhos, Teodorico, Clodomiro,
Childebert e Lothar. Nessa época, 511 d.C., o domínio merovíngio estava
dividido em reinos separados. Teodorico reinou na Austrásia (de Cologne
a Basiléia), com a sede de seu governo em Metz. De Orléans, na Borgonha,
Clodomiro supervisionava o vale Loire e oeste de Aquitânia, ao redor de
Toulouse e Bordeaux. Childebert foi o sucessor na região do Sena, de Neustria a
Armórica (Bretanha), sendo Paris sua capital; e Lothar herdou o reino entre
Scheldt e o Somme, com seu centro em Soissons. Essas décadas de governo
conjunto foram tempestuosas; os conflitos continuavam contra as tribos góticas,
e acabaram permitindo a penetração merovíngia no leste de Aquitânia, sendo Borgonha
totalmente absorvida no reino.
Lothar foi o último dos quatro irmãos a morrer, em 561, quando já tinha
se tornado rei geral. Seus filhos Sigeberto e Chilperic foram os sucessores, e
a linhagem de Chilperic se estabeleceu em quatro gerações com Dagoberto II, que
se tomou rei da Austrásia em 674. Até então, um conselho de bispos tinha
estendido a autoridade e as imunidades da Igreja, ao mesmo tempo que reduzia os
poderes de taxação e administração geral por parte da casa real.
Conseqüentemente, as províncias-chave do reino merovíngio se viram sob
supervisão imediata dos prefeitos do palácio, que, por sua vez, eram aliados
íntimos dos bispos católicos. O desmantelamento romano da supremacia merovíngia
estava começando.
CORTE DOS REIS PESCADORES
Os francos sicambros, de cuja linha feminina tinham surgido os
merovíngios, eram associados à Arcádia Grega antes de migrar para as terras do
Reno. Como já vimos, eles chamavam a si próprios de Newmage (a Nova Aliança),
como os essênios de Qumrã foram, um dia conhecidos. Esse legado arcádico foi o
responsável pelo misterioso monstro do mar (o Bistea Neptunis), simbolicamente
definido nos registros ancestrais merovíngios. O senhor do mar relevante era o
rei Palas, um deus da antiga Arcádia, cujo predecessor fora o grande Oceano. Na
verdade, o conceito remonta aos antigos reis da Mesopotâmia, que teriam nascido
de Tiâmat, a grande mãe das águas salgadas primordiais.
Dizia-se que o monstro marinho imortal estava sempre encarnado em uma
dinastia de antigos reis, cujo símbolo era um peixe. Este se tomou um emblema
dos reis merovíngios, junto ao Leão de Judá e à flor-de-lis, que foi
introduzida no fim do século V pelo rei Clóvis para denotar a linhagem real da
França. Antes disso, o familiar trifólio judaico simbolizava a aliança da
circuncisão. Tanto o leão como a flor-de-lis foram posteriormente incorporados
às armas reais da Escócia.
Nas histórias arturianas, a linhagem soberana de Davi era representada
pelos Reis Pescadores da FaIllilia do Graal e a linhagem patriarcal era
denotada pelo nome Anfortas, um título simbólico adaptado de In fortis (latim:
"em força"). Identificava-se com o nome hebraico Boaz, o bisavô de
Davi (também significando "Em força"), que é lembrado na moderna
Franco-Maçonaria.
O nome Boaz fora dado ao pilar esquerdo do Templo do rei Salomão (1 Reis
7 :21 e 2 Crônicas 3: 17). Seus capitéis, bem como os capitéis do pilar
direito, Jaquim, eram decorados com romãs de bronze (1 Reis 7:41-42 - um
símbolo de fertilidade masculina, como vemos em Cântico dos Cânticos 4: 13. Não
é por acaso que os famosos quadros de Botticelli, A Madona da Romã e A Madona
do Magnificat mostram o menino Jesus segurando uma romã aberta, madura. Na
verdade, de 1483 a 1510, Botticelli (mais exatamente, Sandro Filipepi) foi
Nautonnier (timoneiro) do Prieuré Notre Dame de Sião, uma sociedade esotérica
com ligações com o Graal. Na tradição do Graal da época de Botticelli, o senhor
marinho arcádio, Palas, manifesta-se no rei Penes: "Meu nome é Penes, rei
da terra estrangeira e primo próximo de José de Arimatéia". Sua filha,
Elaine, era a Portadora do Graal de le Corbenic (le Cors beneicon: o Abençoado
em Corpo) e mãe de Galahad por Lancelot deI Acqs.
Nas histórias tradicionais do Graal há uma consistência de nomes de
origem judaica (ou aparentemente judaica), tais como Josefes, Lot, Elinant,
Galahad, Bron, Urien, Hebron, Penes, Joseus, Jonas e Ban. Em quase todas as
lendas, incluindo os relatos posteriores, do século XV, de Sir Thomas Malory,
ocorrem digressões acentuadas em relação aos reis pescadores. Além disso, há
muitas referências a José de Arimatéia, rei Davi e rei Salomão. Até o sacerdote
Judas Macabeu (que morreu em 161 a.C.) é mencionado. Com o passar dos anos,
muitos acharam estranho que esse bem-nascido herói sacerdotal da Judéia seja
tratado com tanta estima em uma história aparentemente cristã:
"'Senhor Cavaleiro', disse ele a Messire Gawain, 'rogo-vos que
conquisteis este escudo; do contrário, eu vos conquistarei... Pois ele
pertenceu ao melhor cavaleiro de sua fé e que foi sempre... 'mais sábio'
'Quem, pois, foi ele?' , perguntou
Messire Gawain. 'Judas Macabeu foi ele...'
'Dizeis a verdade', disse Messire Gawain, 'e qual é o vosso nome?'
'Senhor, meu nome é Joseus, e sou da linha de José de Abarimacie. O rei
Pelles é meu pai, que se encontra na floresta, e o rei Pescador é meu tio'''.
Alguns historiadores de arte afirmam que as romãs nesses quadros indicam
a ressurreição por meio de associações clássicas com a história de Perséfone.
Ela era a antiga deusa grega (filha de Zeus e Deméter) que foi levada ao
Submundo por Hades (Plutão). Uma condição para o seu resgate seria que ela
passasse apenas uma parte de cada ano subseqüente na superfície da Terra, e que
o seu retorno anual fosse marcado pela regeneração da vida natural que
caracteriza a primavera. Essa história é uma alegoria do ciclo de crescimento e
morte da vegetação e nada tem a ver com a ressurreição física dos mortos. Tal
conotação foi dada aos quadros de Botticelli por um sistema temeroso, que
desejava esconder os fatos. Botticelli foi um grande estudioso do Graal, um
esotérico de autoridade e elaborador de cartas de tarô. Suas sementes de romã
representam a fertilidade de acordo com as romãs do Cântico dos Cânticos e os
capitéis do Templo de Salomão, que foi construí do cerca de mil anos antes de
Jesus ser crucificado.
É sabido que alguns dos cavaleiros atribuídos ao rei Artur eram baseados
em personagens reais - particularmente Lancelot, Bors e Lionel, ligados à
ramificação del Acqs da FamI1ia do Graal. E quanto aos outros? As indicações
são de que muitos tinham origens reais, embora não necessariamente da era
arturiana.
Quando a maioria dos romances do Graal foi escrita, na Idade Média, os
judeus não eram muito amados na Europa. Dispersados da Palestina, muitos tinham
se assentado em várias partes do Ocidente, mas, sem terra para cultivar, eles
recorriam ao comércio e às finanças. Tais práticas não eram bem recebidas pelos
cristãos, por isso os empréstimos foram proibidos pela Igreja de Roma. Nessas circunstâncias,
o rei Edward I mandou expulsar todos os judeus da Inglaterra em 1209, exceto os
médicos qualificados. Nesse clima, é evidente que os escritores (na
Grã-Bretanha ou na Europa continental) não achariam natural ou politicamente
correto usar uma série de nomes que soassem judaicos para seus heróis,
cavaleiros e reis locais. Os nomes, porém, persistem, desde aqueles dos antigos
protagonistas, como Josefes, até o posterior Galahad.
Nas primeiras histórias do Graal, Galahad era identificado pelo nome
hebraico de Gileade. O Gileade original era filho de Micael, o trineto de
Nahor, irmão de Abraão (1 Crônicas 5:14). Gileade significa "uma montanha
de testemunho"; a montanha chamada monte do Testemunho (Gênesis 31:21-25).
Seguindo os passos de Bemardo de Clairvaux, o abade de Lincolnshire, Gilberto
da Holanda comparava o Galahad arturiano diretamente com a família de Jesus nos
Sermões dos Cânticos cistercienses. Os escritores cristãos não teriam exaltado
nomes de herança judaica a altas posições em um ambiente de heróis cavaleiros,
a menos que seus nomes já fossem conhecidos e bem estabelecidos. Evidentemente,
porém, os personagens tinham algum fundamento histórico, embora sua origem
temporal tivesse sido forçosamente alinhada, por causa dos romances.
Desde 700 a.C., aproximadamente, as tribos celtas (keltoi, significando
"estranhos") da Europa Central foram se estabelecendo na Grã-Bretanha
e, durante a Idade do Ferro, sua cultura se desenvolveu a um estágio avançado
até eles controlarem toda a baixa Grã-Bretanha. Na sucessão dos séculos, a eles
se juntaram outras ondas de celtas europeus. Os últimos colonizadores foram os
das tribos belgas, que penetraram a região sudeste. Os antigos habitantes se
espalharam para o norte e o oeste, estabelecendo lugares como Glastonbury, em
Somerset, e Maiden Castle, em Dorset. Quando os romanos chegaram nos últimos
anos antes de Cristo, os celtas foram deslocados ainda mais para o oeste,
apesar de sua longa resistência, com líderes formidáveis como Caractaco e Boudicca
(Vitória). Os romanos chamavam os antigos bretões de pretani, um nome derivado
da língua cymric, do antigo País de Gales, na qual toda a ilha dos celtas era
chamada de B'rith-ain, significando Terra da Aliança.
Os romanos tiveram um sucesso considerável em sua conquista da
Grã-Bretanha, mas nunca conseguiram derrotar os pictos da Caledônia, no extremo
norte e, por causa disso, o imperador Adriano (117-138 d.C.) construiu uma
grande muralha atravessando o país para separar as culturas. Uma maioria celta
ao sul da muralha se adaptou ao modo romano de vida, mas seus inflamados primos
do norte continuaram lutando, bem como os escoceses gaélicos da Irlanda do
Norte.
No País de Gales, os antigos govemantes de Powys e Gwynedd descendiam da
Avallach na linhagem de Beli Mawr (Billi, o Grande), um soberano dos bretões no
primeiro século a.C. Esse é um bom exemplo de personagem cuja origem temporal é
freqüentem ente confusa por causa das fábulas que cresceram em tomo dele. Seu
neto era o arquidruida Brân, o Abençoado (genro de José de Arimatéia). Em
virtude de sua associação histórica, Beli e Brân costumam ser confundidos com
os irmãos de período anterior, Belino e Breno (filhos de Porrex), que
disputaram o poder no norte da Grã-Bretanha por volta de 390 a.C. e eram
considerados deuses, na velha tradição céltica.
Mais confusão em potencial advém do fato de Brân, o Abençoado, ser
freqüentemente citado como pai de Caractaco. Eles eram de fato contemporâneos
no primeiro século d.C., mas o pai de Caractaco era Cymbeline de Camulod. A
persistente anomalia tem gerado infinitas complicações em livros a respeito das
linhagens na Idade das Trevas, mas a causa é facilmente explicada.
O pai de Brân, descendente de Beli Mawr, era o rei Llyr (Lear). Algumas
gerações depois, porém, em uma sucessão vinda do rei Lúcio, os nomes se
repetiram nos séculos III e IV, quando o chefe galês, Llyr Llediath, era o pai
de outro Brân, pai de Caradawc (uma variante do nome Caractaco). Outra causa de
confusão está no fato de que Brân, como arquidruida, era o Pai patriarcal
designado. Em termos simbólicos, portanto, Brân teria de fato sido o
"pai" de Caractaco, assim como Eliezer Anás e Simão Zelote eram os
pais espirituais de Jesus na Judéia.
Do nome Beli (ou Billi) é que deriva parcialmente o Billingsgate de
Londres. Seu descendente, Avallach, era neto da filha de José de Arimatéia,
Ana, esposa do arquidruida Brân, o Abençoado. A própria esposa de José também
se chamava Ana (que significa "graça"). Como já discutimos
anteriormente, Avallach era um título descritivo e, do mesmo modo, o nome Reli
também era titular, denotando um "senhor soberano". Como tal, era
repetido na dinastia, e equivalente ao termo bíblico Reli (avô paterno de
Jesus).
Outro descendente de Beli Mawr era o rei Llud (de onde o Ludgate de
Londres recebeu o nome). Ele foi o progenitor das casas reais de Colchester,
Silúria e Strathclyde, e sua família contava com importantes casamentos com a
linhagem de Tiago/José de Arimatéia. Dentre os príncipes galeses na sucessão de
Arimatéia, surgiram os fundadores e governantes locais da Bretanha, uma região
dos francos que antes se chamava Armórica ([terra] de frente para o mar). Outra
muita antiga linhagem de Davi, progredindo por Ugaine Mar (século IV a.C.),
mantinha o domínio da Irlanda, como os Grandes Reis (Ard Rí) de Tara.
O neto do rei Lud, o poderoso Cymbeline (pai de Caractaco), era o
Pendragon da Grã-Bretanha continental durante a época em que Jesus ainda vivia.
O Pendragon, ou Dragão Chefe da Ilha (Pen Draco Insularis), era o rei dos reis
e guardião da ilha celta. O título não era dinástico; os Pendragons eram
nomeados dentre a casta real celta por um conselho druida de anciãos. Cymbeline
governava as tribos belgas dos Catuvellauni e Trinovantes, de sua sede em
Colchester, o mais impressionante forte da região na Idade Média. Naquela
ocasião, Colchester era chamado de Camulod (romanizado como Camulodunum) - do
termo celta camuloi, que significa "luz curvada". Esse povoamento
fortificado se tomou mais tarde o modelo para a corte de nome semelhante, e de
natureza também transiente, de Camelot, no romance arturiano.
A obra francesa do século XIII Sone de Nansai identifica a esposa de José
como uma princesa nórdica.
O antiquário de Henrique VIII, John Leland, em 1542 identificou o forte da
Idade Média nas montanhas em South Cadbury, Somerset, como Camelot,
principalmente porque algumas vilas das proximidades incluíam o nome do rio
Camelo Escavações em Cadbury na década de 1960 revelaram os vestigios de uma
sala de banquetes da Idade das Trevas, mas embora ela fosse bastante atraente
para a indústria do turismo, nada havia nela que pudesse ser associado a Artm:
Na verdade, mais de 40 construções de idade e tipo semelhantes foram
encontradas só no sudoeste da Inglaterra, e há mais em outros lugares do país. Ver Michael Wood, In Search of the Dark Ages,
BBC Books, Londres, 1981, capo 2, p. 50.
Ao norte dos domínios de Cymbeline, em Norfolk, o povo conhecido como
iceno era governado pelo rei Prasutago, cuja esposa era a famosa Boudicca
(Boadicea). Ela conduziu a grande, porém malsucedida, revolta tribal contra o
domínio romano a partir de 60 d.C., usando seu famoso grito de batalha Y gwir
erbyn y Byd (A Verdade contra o Mundo). Foi imediatamente em seguida que José
de Arimatéia veio da Gália para construir sua igreja em Glastonbury, a despeito
do imperialismo romano.
O conceito do dragão - como no Pendragon - em termos de realeza emerge
diretamente do crocodilo sagrado (o Messeh) dos egípcios e do Mus-hus da velha
Mesopotâmia. Os faraós e os reis babilônios eram ungidos com gordura de
crocodilo e, assim, obtinham a fortitude do Messeh, de onde vem o termo
hebraico Messias (o ungido). A imagem do intrépido Messeh evoluiu até se tornar
o dragão, que por sua vez tornou-se um emblema de realeza poderosa. Os romanos
imperiais portavam um dragão purpúreo em seu estandarte, e esse é o símbolo
descrito em Apocalipse 12:3, quando Miguel enfrenta o "dragão de sete
cabeças". Como já vimos, o dragão nesse exemplo era Roma: conhecida
historicamente como a Cidade dos Sete Reis (o número de reis governantes antes
da formação da República).
Após a retirada romana da Grã-Bretanha em 410 d.C., a liderança regional
se reverteu para os chefes tribais. Um desses foi Vortigem de Powys, no País de
Gales, cuja esposa era a filha do ex-govemador de Roma, Magno Máximo. Assumindo
pleno controle de Powys até 418 d.C., Vortigem foi eleito Pendragon da ilha em
425 d.C. e usou muito bem o emblema do dragão, que subseqüentemente se tomou o
Dragão Vermelho de Gales.
Nessa época, várias ramificações de reis tinham surgido nas linhagens de
Arimatéia, de sua filha Ana e do marido dela, Brân, o Abençoado. Entre os mais
proeminentes desses reis locais estava Cunedda, o governante nortista de Manau,
pelo Estuário de Forth. Numa ramificação familiar paralela, havia o sábio CoeI
Hen, líder dos "Homens do Norte" (os Gwyr-y-Gogledd). Lembrado com
carinho nas rimas infantis como Velho Rei Cole, ele governou as regiões de
Rheged a partir de sua sede em Carlisle (Cumbria), a fortaleza Camu-lot ao
norte. Outro notável líder foi Ceretic, descendente do rei Lúcio. De sua sede
em Dumbarton, ele governou as regiões de Clydesdale. Junto com Vortigern, esses
três reis foram os soberanos mais poderosos na GrãBretanha do século V. Foi das
famílias deles que vieram também os santos celtas mais poderosos, e essas
famílias ficaram devidamente conhecidas como as Santas Famílias da
Grã-Bretanha.
Em meados do século V d.C., Cunedda e seus filhos conduziram seus
exércitos até o norte do País de Gales para expulsar colonizadores irlandeses
indesejáveis a pedido de Vortigem. Ao fazer isso, Cunedda fundou a Casa Real de
Gwynedd na região litorânea galesa a oeste de Powys. Os pictos da Caledônia, no
extremo norte, aproveitaram-se da ausência de Cunedda e iniciaram uma série de
ataques na fronteira marcada pela muralha de Adriano. Um exército de
mercenários germânicos jutos, liderados por Hengest e Horsa, foi imeditamente
engajado para repelir os invasores, mas tendo cumprido esse encargo com
sucesso, eles voltaram a atenção para o extremo sul e se apoderaram do reino de
Kent. Outras tribos germânicas, os anglos e os saxões, subseqüentemente
invadiram a Europa. Os saxões tomaram o sul, desenvolvendo os reinos de Wessex,
Essex, Middlesex e Sussex, enquanto os anglos ocuparam o resto da região desde
o estuário Sevem até a Muralha de Adriano, incluindo Northumbria, Mercia e East
Anglia. O conjunto ficou conhecido como Inglaterra (terra dos anglos), e os
novos habitantes chamavam a península celta, a oeste, de Gales (em inglês,
Wales - derivado de weallas, que significa "estrangeiros").
Como a Irlanda era separada pelo mar da tempestuosa ilha britânica, ela
se tomou o perfeito refúgio para monges e eruditos. Alguns dizem que Eire-land
(Irlanda) significa "terra da paz", mas o antigo nome derivava mais
diretamente de Eire-amhon (pai do rei Irial de Tara), que se casou com Tamar, a
filha do rei Zedequias de Judá, por volta de 586 a.C. (Eire também era o nome
da esposa Tuatha Dé Danann do rei Ceathur, que reinou na mesma época).
Uma cultura singular e indígena se desenvolveu na forma do Cristianismo
celta. Ela surgiu basicamente do Egito, da Síria e da Mesopotâmia com preceitos
que eram distintamente nazarenos. A liturgia era em grande parte alexandrina e,
como os ensinamentos de Jesus (em vez de sua pessoa) formavam a base da Fé, o
conteúdo mosaico do Antigo Testamento foi devidamente mantido. As velhas leis
judaicas de casamento eram observadas, bem como as celebrações do Sabá e da
Páscoa, enquanto a divindade de Jesus e o dogma romano da Trindade não tinham
lugar na doutrina. A Igreja Celtanão tinha bispos diocesanos, mas ficava sob a
direção dos abades (anciãos monásticos) e era organizada em cima de uma
estrutura de clã, com suas atividades se concentrando na erudição e na aprendizagem.
Cunedda ficou no norte do País de Gales e, após a morte de Vortigem, em
464 d.C., foi o Pendragon seguinte, que também se tornou o comandante militar
dos bretões. O detentor desse último cargo tinha o título de o Guletic.
Quando Cunedda morreu, o genro de Vortigern, Brychan de Brecknock,
tornou-se o Pendragon, e o Ceretic de Strathclyde, o Guletic militar. Enquanto
isso, o neto de Vortigem, Aurélio - um homem de considerável experiência
militar - retomou da Bretanha para dar peso às forças contrárias à incursão
saxônia. Em sua condição de sacerdote druida, Aurélio era o designado Príncipe
do Santuário de Âmbrio - uma câmara sagrada, simbolicamente modelada a partir
do Tabernáculo Hebraico (Êxodo 25:8 - "E me farão um santuário para que eu
possa habitar no meio deles"). Os Guardiães de Âmbrio recebiam o título
individual de Ambrósio e vestiam mantos escarlates. De seu forte em Snowdonia,
Aurélio, o Ambrósio, mantinha a defesa militar do Ocidente e foi o próximo
Guletic quando Brychan morreu.
No início do século VI, o filho de Brychan (também chamado Brychan) se
mudou para o Estuário de Forth como príncipe de Manau. Lá ele fundou outra
região de Brecknock em Forfashire, à qual o povo galês se referia como
Breichniog no norte. A base de seu pai fora em Brecon, País de Gales - por
isso, a fortaleza norte era chamada de Brechin. A filha de Brychan II se casou
com o príncipe Gabràn dos escoceses de Dalriada (as terras altas do oeste), o
que resultou em Gabràn se tornando senhor do Forth, herdando um castelo em
Aberfoyle.
Naquela época, os irlandeses gaélicos estavam em disputa com a casa de
Brychan e, sob o comando do rei Cairill de Antrim, lançaram um ataque contra os
escoceses de Manau em 514. A invasão foi bem-sucedida e a área do Forth ficou
sob controle irlandês. Brychan requisitou a assistência de seu genro, o
príncipe Gabràn, e do comandente Guletic, Aurélio. Em vez de tentarem remover
os irlandeses de Manau, os líderes decidiram lançar uma ofensiva direta por mar
contra Antrim. Em 516, a frota escocesa de Gabràn partiu do Estreito de Jura
com as tropas de Aurélio. Seu objetivo era o castelo do rei Cairill, o
formidável forte na montanha em Dun Baedàn (Badon Hill). As forças do Guletic
foram vitoriosas, e Dun Baedàn foi dominada. Em 560, o cronista Gildas
(516-570) escreveu a respeito dessa batalha em sua obra De Excidio COllquestu
Britanlliae (A Queda e a Conquista da Grã-Bretanha), e a grande batalha é
citada tanto nas crônicas escocesas como nas irlandesas.233 Alguns anos depois
da Batalha de Dun Baedàn, Gabràn se tomou rei dos escoceses em 537, montando
sua corte das terras altas do oeste em Dunabb, perto de Loch Crinan.
Naquela época, o Pendragon era o bisneto de Cunedda, o rei galês Maelgwyn
de Gwynedd. Este foi sucedido nessa nomeação pelo filho do rei Gabràn, Aedàn de
Dalriada, que se tomou rei dos escoceses em 574 e foi o primeiro rei britânico
a ser instituído com ordenação sacerdotal, quando foi ungido por São Columba.
Nascido na realeza, em 521, Columba tinha o direito de ser rei na Irlanda
- mas abandonou seu legado para se tomar monge, freqüentando uma escola
eclesiástica em Moville, County Down. Ele fundou mosteiros em Derry e nos
arredores, mas sua maior obra estava destinada a ser nas terras altas do oeste
e nas ilhas Dalriada dos escoceses, depois que ele foi expulso da Irlanda em
563. Columba formara um exército contra o injusto rei de Sligo, o que culminou
em sua prisão em Tara e posterior exílio quando ele tinha 42 anos de idade. Com
12 discípulos, ele partiu para lona e estabeleceu o famoso mosteiro de Columba.
Posteriormente, mais ao norte, na Caledônia, a herança real de Columba foi bem
recebida pelo rei Bruide dos pictos e ele se destacou como estadista político
na corte druida. Com uma frota de navios à sua disposição, Columba visitou a
ilha de Man e a Islândia, montando escolas e igrejas em todo lugar por onde
passava - não só na Caledônia e nas ilhas, mas também na Northumbria inglesa
(Saxônia).
Na época, as terras baixas escocesas (abaixo do Forth) consistiam em 13
reinos separados. Faziam fronteira com o reino de Northumbria ao sul e com o
domínio dos pictos ao norte. Embora estivessem geograficamente fora do País de
Gales, as regiões de Galloway, Lothian, Tweeddale e Ayrshire eram governadas
por príncipes galeses. Uma dessas regiões dinásticas acima da muralha de
Adriano era a de Gwyr-y-Gogledd (Homens do norte), cujo chefe era o rei
Gwenddolau.
Pouco antes da ordenação real de Aedàn por Columba, o rei Rhydderch de
Strathc1yde tinha matado o rei Gwenddolau numa batalha perto de Carlisle. O
campo de batalha ficava entre o rio Esk e Liddel Water, acima da muralha de
Adriano (aí, no Fosso de Liddel, foi baseado o conto arturiano de Fergus and
the Black Knight, ou Fergus e o Cavaleiro Negro). O conselheiro chefe de
Gwenddolau (o Merlin da Grã-Bretanha) era Emrys de Powys, filho de Aurélio.
Após a morte de Gwenddolau, porém, o Merlin fugiu para Hart Fell Spa, na
floresta caledônia, para buscar em seguida refúgio na corte do rei Aedàn, em
Dunadd.
O título de Merlin (aplicado ao vidente do rei) já era muito usado na
tradição druida. Antes de Emrys, o Merlim nomeado era Taliesin, o Bardo, marido
de Viviane I del Acqs. Quando ele morreu, em 540, o título passou para Emrys de
Powys, o famoso Merlin da tradição arturiana. Merlin Emrys era um primo mais
velho do rei Aedàn, o que lhe dava o direito de requisitar que o novo rei
partisse para a ação contra o matador de Gwenddolau. Aedàn, portanto, aqui~sêeu
e demoliu a corte de Aleut, de Rhydderch, em Dumbarton.
Naqueles dias, o centro urbano mais importante no norte da Grã-Bretanha
era Carlisle. Tinha sido uma proeminente cidade-guarnição romana e, em 369
d.C., era uma das cinco capitais provinciais. Em Life of St. Cuthbert, Bede se
refere a uma comunidade cristã em Carlisle, muito anterior à penetração
anglo-saxônica da área. Um pouco ao sul de Carlisle, perto de Kirkby Stephen,
em Cumbria, encontra-se a ruína do Castelo Pendragon. Carlisle também era
chamada de Cardeol ou Caruele nos tempos arturianos, e foi aí que alguns
escritores do Graal, como Chrétien de Troyes, identificavam a segunda corte
real do rei Artur. A obra The High History 01 the Holy Grail se refere
especificamente à corte de Artur em Carlisle, que também apatece na obra
francesa Suit de Merlin e nos contos britânicos Sir Gawain and the Carl of
Carlisle e The Avowing of King Arthur.
O supremo posto de Pendragon durou 650 anos, mas em todo esse tempo o
único Pendragon que nunca existiu foi Uther Pendragon, o lendário pai do rei
Artur. Pelo menos, não existiu com esse nome, embora o pai de Artur fosse
realmente um renomado Pendragon, como veremos.
O HISTÓRICO SENHOR DA GUERRA
Afirma-se com freqüência que a primeira referência feita a Artur vem de
um monge galês do século IX, Nênio, cuja Historia Brittonum cita Artur em
numerosas batalhas identificáveis. Mas Artur já era registrado muito antes de
Nênio, na obra Life of St. Columba, do século VII. Ele também é mencionado no
poema celta Gododdin, escrito por volta de 600.
Quando o rei Aedàn de Dalriada foi ordenado por São Columba, em 574, seu
filho mais velho e herdeiro (nascido em 559) era Artur. Em Life of St. Columba,
o abade Adamnan de lona (627-704) contava como o santo tinha profetizado que
Artur morreria antes de suceder a seu pai. Adamnan confinnou que a profecia
estava correta, pois Artur foi morto em batalha alguns anos depois da morte do
próprio Columba, em 597.
Acredita-se, de um modo geral, que o nome Artur (ou, em inglês, Arthur)
derive do latim Artorius, mas isso é um erro. O nome arturiano era puramente
celta, emergindo do irlandês, também originalmente Artur. No século m, os
filhos do rei Art eram Connac e Artur. Os nomes irlandeses não eram
influenciados pelos romanos e a raiz do nome inglês Arthur pode ser encontrada
no século V a.C., quando Artur mes Delmann era rei dos Lagain.
Em 858, Nênio fez uma lista de várias batalhas nas quais Artur foi
vitorioso. Os locais incluem a Floresta da Caledônia, ao norte de Carlisle (Cat
Coit Celidon), e o monte Agned - o forte de Bremênio nos Cheviots, de onde os
anglo-saxões foram expulsos. Também é mencionada a batalha de Artur às margens
do rio Glein (Glen) em Northumbria, onde a c1ausura fortificada era o centro de
operações desde meados do século VI. Outros campos de batalha arturianos citados
são a Cidade da Legião (Carlisle) e o distrito de Linnuis - a velha região da
tribo Novantae, ao norte de Dumbarton, onde Ben Arthur se projeta acima de
Arrochar, às margens de Loch Long.
Para colocannos Artur em seu contexto correto, temos de compreender que
os aparentes nomes de Pendragon e Merlin eram, na verdade, títulos.
Aplicavam-se a mais de um indivíduo com o passar dos anos. O pai de
Artur, rei Aedàn mac Gabràn dos escoceses, tornou-se o Pendragon porque era
neto do príncipe Brychan. Nessa linhagem, a mãe de Aedàn, Lluan de Brecknock,
descendia de José de Arimatéia. Nunca existiu um Uther Pendragon, embora
apareça nas árvores genealógicas da era Tudor, século XVI. O nome Uther
Pendragon foi inventado no século XII pelo romancista Geoffiey de Monrnouth
(futuro bispo de St. Asaph) e a palavra gaélica uther (ou uthir) era
simplesmente um adjetivo que significava "terrível". Historicamente,
só houve um Artur filho de um Pendragon: Artur mac Aedàn de Dalriada.
No seu 16o. aniversário, em 575, Artur se tornou o Guletic
(comandante) soberano das forças britânicas e a Igreja Celta aceitou sua mãe,
Ygema del Acqs, como Grande Rainha dos reinos celtas. A mãe dela (na linhagem
hereditária de Jesus e Maria Madalena) era Viviane I, rainha dinástica de
Avalon de Borgonha. Os sacerdotes, portanto, ungiram Artur como Grande Rei dos
bretões, seguindo a ordenação de seu pai como rei dos escoceses. Entretanto, na
época em que concebia Artur por Aedàn, Y gema (Igraine) estava casada com
Gwyr-Llew, Dux de Carlisle. A Scots Chronicle, crônica dos escoceses, registra
o evento nos seguintes termos:
"Becaus at ye heire of Brytan was maryit
wy tane Scottis man quen ye Kinrik wakit, and Arthure was XV yere ald, ye
Brytannis maid him king be ye devilrie of Merlynge, and yis Arthure was gottyn
onn ane oyir mannis wiffe, ye Dux of Caruele".
Na Historia Regum Britanniae (História dos Reis da Grã-Bretanha), de
Geoffiey de Monmouth (c.1147), Gwyr-Llew, o Dux de Caruele (Senhor da guerra de
Carlisle), foi literalmente impelido para a porção mais ao sul do oeste do país
e se tornou Gorlois, duque da Cornuália. Esse ajuste de nomes foi considerado
necessário porque o padroeiro nonnando de Geoffrey era Robert, conde de
Gloucester. A Historia foi financiada por dinheiro normando, sob a exigência
expressa de incutir o rei Artur na tradição inglesa, embora ele não aparecesse
na Anglo-Saxon Chronicle.
Embora fosse apresentada como um relato factual, a obra de Geoffrey é
reconhecidamente incorreta em muitos aspectos. O historiador William de
Malmesbury a chamava de "material duvidoso" e William de Newburgh foi
mais longe ainda, dizendo: "Tudo o que o homem se deu ao trabalho de
escrever acerca de Artur e seus predecessores é inventado".
Muitos foram os que se surpreenderam com o duque Gorlois da Comuália, de
Geoffrey, porque não havia duques na Inglaterra no século VI. O antigo título
de Dux era muito diferente da posterior nobreza ducal; era uma distinção
estritamente militar, não implicando nenhum direito de posse feudal. Outra anomalia
era a afirmação de Geoffrey de que o Artur do século VI nascera no castelo de
Tintagel; pois não existia nenhum castelo em Tintagel até o primeiro conde da
Cornuália construir um no início do século XII. Antes, havia somente um
mosteiro celta em ruínas no local.
Outra confusão quanto ao filho do Pendragon se manifestou no País de
Gales, e a tradição persiste ainda hoje. Havia de fato um Artur em Gales no
século VI; ele foi o único outro Artur da realeza da época, mas não era filho
de um Pendragon nem o Artur das histórias do Graal. Esse outro Artur foi
ordenado príncipe de Dyfed por São Dubrício em 506, embora ele e seus
antepassados fossem inimigos dos galeses nativos. Ele era descendente da
deserdada realeza Déisi, expulso da Irlanda no fim do século IV. Quando as
tropas romanas deixaram o sul de Gales em 383 d.C., os líderes Déisi partiram
de Leinster para se assentar em Dyfed (Demetia). Artur, príncipe de Dyfed,
aparece como um notório tirano em The Lives of the Saints (nos contos de
Carannog e outros), e costuma ser retratado como um intruso regional
encrenqueiro.
No romance arturiano, a confusão entre o Artur escocês e o galês surgiu
principalmente por causa da ligação com Merlin. Como já vimos, Merlin Emrys era
filho de Aurélio. Mas a esposa de Aurélio era irmã de Artur de Dyfed, Niniane.
Aurélio a desposara num esforço para reprimir as invasões dos Déisis em Powys,
mas sua estratégia não durou muito. Isso significava, claro, que Merlin Emrys
era sobrinho de Artur de Dyfed e, ao mesmo tempo, primo do Pendragon Aedàn mac
Gabràn, além de ser o guardião escolhido do filho Aedàn, Artur de Dalriada.
De acordo com os Annales Cambriae (Anais de Gales) do século X, Artur
pereceu na batalha de Camlann - mas a qual Artur os anais se referem?
certamente não ao Artur de Dalriada, pois há registro dele na Escócia depois
desse evento. O Red Book of Hergest (uma coletânea de contos populares
galeses), do século XV, diz que a batalha de Camlann foi travada em 537, e o
provável local era Maes Camlan, ao sul de Dinas Mawddwy. Nesse caso, é
perfeitamente possível que Artur de Dyfed tenha lutado lá. Ele era conhecido
por liderar incursões tanto em Gwynedd como em Powys. Definitivo, porém, é que
Artur de Dalriada participou de uma batalha posterior em Camelon, a oeste de Falkrik.
As crônicas dos pictos e dos escoceses (Chronicles of the Picts and Scots) se
referem a esse conflito no norte como a Batalha de Camelyn. Ele também lutou
posterionnente em Camlana (ou Camboglanna), próximo à Muralha de Adrianoa
batalha que trouxe sua destruição.
Geoffrey de Monmouth resolveu ignorar todos os locais geográficos,
situando sua batalha fantasiosa às margens do rio Camel, na Cornuália. Geoffrey
também associou a batalha irlandesa de Badon Hill (Dun Baedàn) com a batalha em
Bath, porque esse segundo lugar fora conhecido como Badanceaster.
Em Life of Saint Columba, o abade Adamnan diz que, no fim do século VI, o
rei Aedàn dos escoceses tinha consultado São Columba a respeito de seu sucessor
por direito em Dalriada, perguntando: "Qual dos [meus] três filhos deverá
reinar: Artur, Eochaid Find ou Domingart?" Ao que Columba respondeu:
"Nenhum dos três será governante, pois morrerão todos em batalha,
destruí dos pelos inimigos; mas se tu tens outros filhos mais novos, faze-os
vir a mim."
Um quarto filho, Eochaid Buide, foi chamado e o santo o abençoou, dizendo
a Aedàn: "Este é teu sucessor". O relato de Adamnan continua:
"E foi assim que, tempos mais tarde, na época devida, tudo se
realizou confonne previsto; pois Artur e Eochaid Find foram mortos após um
intervalo de tempo não muito grande na batalha de Miathi. Domingart foi morto
na Saxônia e Eochaid Buide sucedeu ao pai no trono."
Os Miathi (confonne menciona Adarnnan) eram uma tribo de bretões que se
dividiram em dois grupos e se estabeleceram ao norte das muralhas de Antonino e
Adriano, respectivamente. A Muralha de Antonino se estendia entre o Estuário de
Forth e o de Clyde. A Muralha de Adriano cortava a região mais baixa entre o
Estuário Solway e Tynemoth. Em 559, os anglos tinham ocupado Deira (Yorkshire),
expulsando os Miathi para o norte. Até 574, os anglos também tinham se
espalhado até Bernícia, Northumbria. Alguns dos Miathi resolveram ficar
próximos da muralha mais baixa e viver lá da melhor maneira possível, enquanto
outros migraram para o norte mais distante, assentando-se além da muralha mais
alta.
O principal posto dos Miathi do norte ficava em Dunmyat, na fronteira da
moderna Clackmannanshire, no distrito de Manau, região do Forth. Lá, eles
tiravam a sorte com os colonizadores irlandeses, o que os tomou muito
impopulares com os escoceses e galeses. Apesar da derrota do rei Cairill em
516, em Badon Hill, Antrim, os irlandeses continuavam problematicamente
obstrutivos em Manau. Conseqüentemente, as forças do Guletic fIzeram nova
incursão em Ulster, em 575.
O segundo ataque em Dun Baedàn é mencionado por Nênio, que descreveu
corretamente a presença de Artur, enquanto o relato de Gildas se refere à
batalha anterior de 516, citando também corretamente Ambrósio Aurélio como
comandante. Nênio, porém, dá mais crédito a Artur do que este merecia, pois,
nessa segunda ocasião, os escoceses foram derrotados e o pai de Artur, o rei
Aedàn, foi obrigado a se submeter ao príncipe Baedàn mac Cairill, em
Ros-na-Rig, Belfast.
Após a morte do rei Baedàn mac Cairill, em 581, Aedàn dos escoceses
finalmente conseguiu expulsar os irlandeses de Manau e do Forth. Mais tarde, em
596, a cavalaria de Artur expulsou os irlandeses de Brecknock, dos escoceses. O
rei Aedàn esteve presente às batalhas, mas os irmãos mais novos de Artur, Brân
e Domingart, foram mortos em Brechin, na planície de Circinn.
No confronto com os irlandeses em Manau, as tropas do Guletic também
tinham de lidar com os bretões Miathi. Conseguiram explusar muitos, forçando-os
a voltar ao seu território no sul; mas os que ficaram após a partida das tropas
enfrentaram os pictos, que invadiam seu domínio. No fim daquele século, os
pictos e os Miathi se uniram contra os escoceses, enfrentando-os na batalha de
Camelyn, ao norte da muralha de Antonino. Mais uma vez os escoceses foram
vitoriosos e os pictos expulsos para o norte. Posteriormente, uma fundição de
ferro das proximidades foi chamada de Furnus Arthuri (fogo de Artur) para
celebrar o evento. Ela foi uma atração que durou muito, sendo somente demolida
no século XVIII, com o advento da Revolução Industrial.
Três anos depois de Camelyn, os escoceses enfrentaram os Miathi do sul e
os anglos de Northumbria. Esse confronto foi um evento prolongado, ocupando
dois campos de batalha - sendo o segundo conflito o resultado de uma retirada
escocesa do primeiro. Inicialmente, as forças se encontraram em Camlanna, um
velho forte romano nas montanhas, próximo à Muralha de Adriano. Diferentemente
do primeiro confronto, porém, a batalha de Camlanna foi um completo fiasco para
os escoceses. Aceitando uma tática divisionária dos Miathi, eles permitiram que
os anglos os atacassem por trás, numa investi da em direção a Galloway e
Strathclyde. A infeliz definição de Cath Cam/anna passou a ser aplicada a
muitas batalhas perdidas a partir daí.
Poucos meses antes, o rei anglo, Aethelfrith de Bemícia, tinha derrotado
o rei Rhydderch em Carlisle, adquirindo assim novo território ao longo do
Solway. As forças de Dalriada, sob o comando de Aedàn e Artur, sofreram certa
pressão para interceptar e deter o avanço dos anglos para o norte.
Aparentemente, eles teriam formado forças imensas, oriundas dos escalões dos
príncipes galeses, e obtiveram o apoio de Maeluma mac Baedàn de Antrim, o filho
de seu antigo inimigo. Naquela época, os irlandeses viviam ameaçados pela
possibilidade de uma invasão anglo-saxônica.
É importante observarmos que o rei Aedàn era um cristão da igreja celta
da Sagrada Família de São Columba. De fato, os escoceses de Dalriada costumavam
ser associados com a Sagrada Família, que era baseada na tradição nazarena, mas
incorporava alguns costumeiros rituais druidas e pagãos.
Artur, porém, tornara-se obcecado pelo Cristianismo romano, a ponto de
começar a ignorar sua cavalaria de Guletic como exército sagrado. Essa
disposição gerou um considerável distúrbio dentro da Igreja Celta, pois, afinal
de contas, Artur estava destinado a ser o próximo rei dos escoceses. Os anciãos
estavam particularmente preocupados, temendo que ele tentasse implementar um
reino romanizado em Dalriada, e foi por isso que Artur se tornou um inimigo de
seu próprio filho, Modred, arcebispo da Sagrada Família. Modred tinha ligações
com o rei saxão Cerdic de Elmet (a parte oeste de Yorkshire), e Cerdic era
aliado de Aethelfrith, de Bernícia. Não foi dificil, portanto, persuadir Modred
a se voltar contra seu pai no campo de batalha e aliar-se aos anglos em sua
tarefa de impedir que o reino escocês perdesse sua antiga herança druida.
E foi assim que, quando os escoceses enfrentaram os anglos e Miathi em
Camlana, em 603, Aedàn e Artur se viram não só contra o rei Aethelfrith, mas
também contra seu próprio príncipe Modred. O confronto inicial em Camlanna foi
curto e as tropas celtas se viram obrigadas a correr atrás dos anglos, que já
tinham passado por elas. Eles se encontraram novamente em Dawston-on-Solway (na
época chamada Degsastan, em Liddesdale) e as crônicas de Holyrood e de Melrose
(Chronicles of Holyrood e Chronicles of Melrose) se referem ao local da batalha
como Dexa Stone. A chegada do arcebispo Modred com os invasores desencorajou
seriamente o espírito celta, e foi aí que Artur (com 44 anos) caiu junto a
Maeluma mac Baedàn.
A batalha, que começou em Camlanna e terminou em Dawston, foi uma das
mais violentas na história dos celtas. Os anais de Tigernach (Tigernach Annals)
a chamam de "o dia em que metade dos homens da Escócia caiu". Embora
Aethelfrith fosse vitorioso, sofreu perdas pesadas. Seus irmãos Teobaldo e
Eanfrith foram mortos, junto a todos os seus homens, e o rei Aedàn abandonou o
campo após perder dois filhos, Artur e Eochaid Find, e seu neto, o arcebispo
Modred.
Aethelfrith nunca chegou a Strathclyde, mas seu sucesso em Dawston
permitu que o território de Norhumbria se estendesse para o norte, até o
Estuário de Forth, incorporando Lothian. Dez anos depois, em 613, Aethelfrith
sitiou Chester e colocou Cumbria inteiramente sob controle anglo. Isso criou um
abismo geográfico permanente entre os bretões galeses e os de Strathc1yde. Os
anglos mércios se espalharam para o oeste, empurrando os galeses para trás do
que se tornou a linha demarcatória do dique de Offa, enquanto os saxões de
Wessex invadiram a região além de Exeter, anexando a península sudoeste.
Com o passar do tempo, as regiões celtas antes conjuntas de Gales,
Strathc1yde e Dumnonia (Devon e Cornuália), ficaram totalmente isoladas uma das
outras, e a Família de São Columba atribuiu a culpa a Artur. Ele tinha falhado
em seu dever como Guletic e Grande Rei. Seu pai, o rei Aedàn de Dalriada,
morreu cinco anos após a tragédia de Camlanna, o que, segundo dizem, abriu a
porta para a conquista final da Grã-Bretanha pelos anglo-saxões. Os dias do
domínio celta tinham acabado e, depois de mais de seis séculos de tradição,
Cadwaladr de Gales (vigésimo sexto na linhagem de José de Arimatéia) foi o
último Pendragon.
Na onda das derrotas de Artur em Camlanna e Dawston Guntas chamadas de di
Bellum Miathorum: a batalha dos Miathi), os velhos reinos do Norte não mais
existiam. Os escoceses, fisicamente separados de seus antigos aliados em Gales,
percebemm que seu único meio de salvar a terra de Alba (Escócia) em uma aliança
com os pictos da Caledônia. Isso foi feito em 844, quando o afamado descendente
de Aedàn, o rei Kenneth MacAlpin, uniu os pictos e escoceses como uma nação. Os
registros da ordenação de Kenneth sustentam sua posição verdadeimmente
importante na linhagem familiar, referindo-se a ele como descendente das minhas
de Avalon.
Se Modred tivesse sobrevivido, ele certamente teria se tomado Pendmgon,
pois em um grande favorito dos druidas e da Igreja Celta. A mãe de Artur,
Ygema, em a irmã mais velha de Morgause, que se casou com Lot de Lothian, o
governador de Orkney. Lot e Morgause eram os pais dos irmãos Gawain, Gaheries e
Gareth, de Orkney. Morgause também era (assim como Ygerna) irmã mais nova de
Viviane II, a consorte do rei Ban le Benoic, um descendente desposyni de
Faramund e dos Reis Pescadores. Viviane e Ban eram os pais de Lancelot del
Acqs.
Após a morte de seu primeiro marido, o Dux de Carlisle, Ygema se casou
com Aedàn de Dalriada, legitimando Artur antes que a este fossem conferidos
seus títulos. Por meio dessa união, as linhagens de Jesus e Tiago/José de
Arimatéia se combinaram em Artur pela primeira vez em quase 350 anos. Apesar de
suas falhas, foi por isso que Artur se tomou tão importante para a tradição do
Gmal.
A avó materna de Artur, Viviane I, foi a minha dinástica de Avalon, uma
parenta dos reis merovíngios. Sua tia, Viviane II, em a Mantenedora oficial do
Misticismo Celta e essa herança passou, no momento certo, para a filha de
Ygema, Morgana. Artur em casado com Guinevere, da Bretanha, mas ela não pôde
ter filhos. Por outro lado, gerou Modred, com Morgana. Registros antigos, como
o Promptuary of Cromarty, sugerem que Artur também teve uma filha chamada
Tortolina, mas na verdade ela em sua neta (filha de Modred). A meia-irmã de
Artur, Morgana (também conhecida como Morgaine ou Morgan le Faye), em casada
com o rei Urien de Rheged e Gowrie (Goure), que nos romances arturianos é
chamado de Urien de Gore. O filho deles era Ywain, fundador da Casa Bretã de
Léon d' Acqs, que tinha o título de Comte (conde). Por direito, Morgana era uma
Sagrada Irmã de Avalon e alta sacerdotisa celta. Os textos da Real Academia
Irlandesa se referem a ela como "Muirgein, filha de Aedàn em Belach
Gabráin".
Alguns autores consideram a relação sexual de Artur com sua meia-irmã,
Morgana, incestuosa, mas a Grã-Bretanha celta não considerava a situação por
esse ângulo. Naquela época, prevalecia o conceito da natureza dual de Deus, bem
como o antigo conceito da sagrada irmã-noiva. Nesse sentido, a oração dos
celtas começava: "Nosso Pai-Mãe nos céus" e, acompanhando-a, havia
ritos especificamente definidos que denotavam a encarnação mortal da entidade
dupla "macho/fêmea". Com a manifestação terrestre da deusa Ceridwin,
Morgana representava o aspecto feminino, enquanto Artur, como seu meio-irmão
por parte de mãe, era seu verdadeiro parceiro na tradição estabelecida desde os
tempos dos faraós.
No festival de Beltane, em maio, Artur foi pego como um deus em forma
humana e obrigado a participar de um ritual de relação sagrada entre os
aspectos gêmeos do Pai-Mãe encarnado. Considerando-se a presumida divindade de
Artur e Morgana durante esse rito, qualquer criança do sexo masculino que
nascesse dessa união seria considerada o Cristo celta, e ungido como tal. Por
isso, embora Artur estivesse destinado a se tornar o tema proeminente da
história romântica, seu filho Modred era quem teria a mais alta posição espiritual;
ele era o designado Cristo da Grã-Bretanha, o arcebispo ordenado da Sagrada
Família e um rei pescador ungido.
Em sua maturidade, Artur manteve a tradição romana, mas foi o arcebispo
Modred quem se esforçou para amalgamar os velhos ensinamentos celtas com os da
Igreja Cristã, tratando os sacerdotes druidas e cristãos com igualdade. Foi
essa diferença essencial entre pai e filho que os dispôs um contra o outro.
Artur se tornara essencialmente romanizado, enquanto Modred mantinha a
tolerância religiosa na verdadeira natureza da tradição do Graal. Apesar do
extraordinário sucesso da carreira inicial de Artur, sua eventual tendência
católica o fez trair seu juramento celta de aliança. Como Grande Rei dos
bretões, ele deveria ser o defensor da Fé, mas em vez disso impunha ao povo
rituais específicos. Quando ele e Modred pereceram em 603, a morte de Artur não
foi lamentada pela Igreja Celta, mas ele nunca será esquecido. Seu reino caiu
porque ele ignornou os códigos de lealdade e serviço. Sua extrema negligência
facilitou a conclusão da conquista saxônica, e seus cavaleiros vagarão pela
terra devastada até que o Graal seja devolvido. Ao contrário do que se vê em
todos os mitos e lendas, foi o arcebispo Modred (não Artur), prestes a morrer,
quem foi tirado do campo pelas Santas Irmãs de sua mãe, Morgana.
Na Historia de Geoffrey de Monmouth, as nove santas irmãs de Morgan le
Faye são citadas como guardiãs da ilha de Avalon. Já no primeiro século d.C., o
geógrafo Pompõnio Mela escrevia acerca das nove misteriosas sacerdotisas que
viviam sob voto de castidade na ilha de Sein, fora da costa da Bretanha, perto
de Carnac. Mela falou a respeito dos poderes que elas tinham de curar os
doentes e prever o futuro, semelhante à história de Morgana del Acqs, alta
sacerdotisa celta com poderes proféticos e terapêuticos. A Igreja Romana,
porém, não tolerava tais atributos em uma mulher e, por isso mesmo, os monges
cistercienses foram obrigados a transformar a imagem de Morgan le Faye na
Vulgata do Ciclo Arturiano.
Os cistercienses eram precisamente identificados com os Cavaleiros
Templários de Jerusalém, e a cultura do Graal nasceu diretamente do ambiente
dos templários. Os condes de Alsace, Champagne e Léon (aos quais eram
associados escritores como Chrétien de Troyes) eram filiados à Ordem, mas a
Igreja Católica ainda influenciava o domínio público. Conseqüentemente, as
mulheres não tinham direito algum de exercer funções eclesiásticas ou sagradas
e, para reforçar isso, desde meados do século XIII, Morgana (herdeira dinástica
e santa irmã celta de Avalon) passou a ser retratada como malévola feiticeira.
No poema inglês Gawain and the Green Knight (escrito por volta de 1380), é a
ciumenta Morgana que transforma Sir Bercilak no Gigante Verde, para assustar Guinevere.
De maneira semelhante à prática matriarcal dos pictos, a dinastia de
Avalom de Morgana se perpetuava na linha feminina. A diferença era que as
filhas da rainha ocupavam as posições superiores - e não os filhos; assim, a
honraria era eternamente feminina, em conceito. Originando-se da mesma linhagem
de Jesus, as rainhas nominais de Avalon, em Borgonha, surgiam paralelamente aos
reis merovíngios, enquanto outras importantes ramificações eram as linhagens
masculinas das sucessões reais de Septimania e Borgonha.
O filho de Morgana, Ywain (Eógain), fundou a nobre casa de Léon d' Acqs,
na Bretanha, e posteriormente as armas de Léon portavam o Leão negro de Davi em
um escudo de ouro (em termos heráldicos: "Ou, um leão à solta,
sable"). A província também tinha o mesmo nome porque léon era o termo
espanhol de Septimania para "leão". A grafia inglesa apareceu no
século XII, como uma variante do anglo-mmcês liun. Até o século XIV, o lorde
escocês Lyon, rei de Arms, ainda era chamado de Léon Héraud.
Alguns livros sugerem que o filho de Ywain, conde Withur de León d' Acqs
(geralmente abreviado como d' Ak), seja o mesmo que Uther Pendragon, por causa
da semelhança de seus primeiros nomes. Mas, na verdade, Withur era um nome
basco, derivado do irlandês Witur, cujo equivalente na língua da Cornuália era
Gwythyr. Não tinha relação com Uther que, como mencionado anterionnente,
derivava de um adjetivo gaélico com o significado de "terrível"
O Comité (condado) de León foi estabelecido por volta de 530, na época do
rei bretão Hoel I. Ele descendia de Arimatéia, pela linhagem galesa, e sua
innã. Alienor, era a esposa de Ywain.
Naquela época, havia dois níveis de autoridade na Bretanha. No decorrer
de uma imigração prolongada da Grã-Bretanha, Dumnonia fora fundada, em 520, mas
ainda não era um reino. Então surgiu uma linhagem de reis como Hoel, mas não
eram reis da Bretanha, e sim dos bretões imigrantes. Durante todo esse período,
a região pennaneceu como província merovíngia e os reis locais eram subordinados
à autoridade franca pelos condes nomeados com o título de Comites non regis. O
supremo senhor franco da Bretanha (540-544) era Chonomore, um nativo do estado
franco. Como autoridade merovíngia para supervisionar o desenvolvimento da
Bretanha por parte dos colonizadores. Os antepassados de Chonomore eram
prefeitos do palácio de Neustria, e ele era o herdeiro Comte de Pohor. Com o
tempo, os descendentes da tia de Ywain, Viviane II, tomaram-se condes gerais da
Bretanha.
A Bretanha tem grande destaque no romance arturiano. Em Paimpont, cerca
de 48 quilômetros de Rennes, na floresta encantada de Broceliande, de onde se
estende o Vale Sem Retomo, era que Morgana confinava seus amantes. Também se
encontram a Tenna mágica de Barenton e o Jardim da Alegria de Merlin, embora a
maioria das histórias de Broceliande fossem, na verdade, transpostas de relatos
muito mais antigos do histórico Merlin Ernrys, na floresta caledônia da
Escócia.
Como indicado no romance de Geoffrey de Monrnouth, Avalon era
tradicionalmente associada ao Outro Mundo mágico. Foi lá que o lendário Artur
se deixou seduzir pelas donzelas em sua eterna morada. Morgan le Faye prometeu
curar as feridas de Artur se ele ficasse na ilha, e nada sequer foi dito a
respeito de sua morte. A implicação, portanto, é que ele voltaria um dia.
Quando Geoffrey escreveu sua história, certamente não tinha idéia do
furor que ela causaria. Não só o relato estava errado em vários aspectos como
ele ainda sugeriu uma possível Segunda Vinda do rei. Isso e mais o poder
secreto que ele atribuía às mulheres eram inaceitáveis para a Igreja Romana, e
o escritor de uma época posterior, Sir Thomas Malory, tomou uma rota de
conciliação. Ele simplesmente narrou Bedevere colocando Artur, ferido, em uma
barca cheia de mulheres que o levariam a Avalon. Depois, Bedevere caminhou por
uma floresta até encontrar uma capela onde o corpo de Artur fora enterrado.
Embora a Avalon de Geoffrey se localizasse no Outro Mundo da tradição
celta (A-vaiou Avilion), sua interpretação era mais relacionada a escritos
clássicos acerca das Ilhas Afortunadas, onde as frutas cuidavam de si próprias
e as pessoas eram imortais. Em termos mitológicos, lugares assim sempre ficavam
"além do mar ocidental". Em nenhum momento os antigos escritores
identificavam um local para a ilha mística; ela não precisava estar em nenhum
lugar específico - certamente não dentro do domínio mortal, pois seu encanto
era o de um eterno paraíso. Em termos literais, porém, a ilha era associada à
história da Avalon borgonhesa e às senhoras do Lago: as rainhas Viviane, da
Casa del Acqs.
Tudo isso mudou em 1191, quando a ilha de Avalon foi subitamente
identificada com Glastonbury, em Somerset. A definição dessa localização em
terra se justificava pelo fato de Glastonbury estar em uma baixada aquosa, e
das vilas de Godney e Meare, próximas a lagos, remontarem ao ano 200 a.C.,
aproximadamente. Entretanto, por causa da anomalia geográfica, o nome Vale de
Avalon se tomou uma alternativa popular. Antes dessa data, não havia uma
ligação reconhecida entre Artur e Glastonbury, exceto por uma breve menção
feita por Cardoc de Llancarfan. Em 1140, ele escreveu que o abade de
Glastonbury fora instrumental na libertação de Guinevere do rei Melwas de
Somerset, mas ele não sugeriu que Glastonbury fosse Avalon. Aliás, ninguém
sugeriu.
O que aconteceu em 1191 foi que os monges de Glastonbury fizeram uso da
tradição arturiana de maneira que impressionaria os especialistas de marketing
da atualidade. Desde então, alguns escritores rotulam as ações deles como
fraude, enquanto outros tentam explicar que os próprios monges foram iludidos
pelas circunstâncias. Qualquer que seja a verdade nesse caso, eles não só
salvaram sua abadia de extinção, mas também fizeram nascer toda uma nova
tradição de Glastonbury. A abadia tinha sido muito danificada pelo incêndio de
1184 e o rei Henry II começou a financiar a reconstrução. Quando ele morreu, em
1189, seu filho Richard I assumiu o trono, mas ele tinha mais interesse em
aplicar os recursos do Tesouro na Cruzada a Terra Santa. Como resultado, o
financiamento para Glastonbury parou, deixando o abade e seus monges sem
dinheiro algum. Assim, o que eles fizeram foi cavar um buraco entre alguns
monumentos saxões ao sul da Capela Senhora, onde, para espanto de todos,
encontraram os supostos restos mortais do rei Artur e da rainha Guinevere!
Aproximadamente 4,8 metros abaixo do solo, em uma canoa de carvalho, eles
desenterraram os ossos de um homem alto, junto com alguns ossos menores e uma
mecha de cabelos dourados. Essa descoberta em si não seria de grandes
conseqüências, mas os monges tiveram sorte, pois pouco acima do ataúde de
madeira parecia ter existido uma cruz de chumbo, incrustada em pedra. A cruz
trazia a inscrição: Hic Iacet Sepultus Inclytus Rex Arthurius In Insula
Avalonia Cum Uxore Sua Secunda
Wenneveria (Aqui jaz O renomado rei Artur na ilha de Avalon, com sua
segunda esposa Guinevere). Não só eles tinham encontrado a sepultura de Artur,
mas também convenientemente uma prova escrita de que Glastonbury era a ilha de
Avalon.
As autoridades da Igreja Romana, porém, não ficaram nem um pouco felizes
por Guinevere ser descrita como a segunda esposa do rei, e afirmaram que a
inscrição obviamente estava incorreta. Isso criava um problema imediato, mas
logo depois a lenda ressurgia, milagrosamente alterada em ortografia e formato.
Dessa vez, ignorava totalmente Guinevere, cumprindo melhor as exigências: Hic
lacet Sepultus lnclitus Rex Arturius ln Insula Avalonia (Aqui jaz o renomado
rei Artur na ilha de Avalon).
Não se sabe ao certo por que os monges escavaram naquele lugar específico
- e mesmo que tenham encontrado os ossos como afirmaram, nada havia neles que
os associasse ao rei Artur. A identificação só vinha pela inscrição na cruz de
chumbo; o latim, porém, era claramente da Idade Média, diferente do latim
arturiano, assim como o inglês de hoje é diverso do da era Tudor.
Quaisquer que fossem os fatos, o propósito dos monges foi alcançado e,
após uma bem-sucedida campanha publicitária, milhares de peregrinos vinham a
Glastonbury. A abadia enriqueceu substancialmente com as doações e o complexo
foi reconstruído como planejado. Quanto aos alegados ossos de Artur e
Guinevere, foram depositados em duas urnas pintadas e guardados numa tumba de
mármore preto diante do grande altar.
Os restos mortais se transformaram numa atração tão popular que os monges
resolveram se beneficiar ainda mais de sua armadilha para turistas. Era
evidente que se os ossos de Artur criavam tanta agitação, então as relíquias de
um ou dois santos teriam um impacto semelhante. Assim, eles começaram a escavar
novamente e, logo, outras descobertas foram anunciadas: os ossos de St. Patrick
e St. Gildas, além dos restos mortais do arcebispo Dunstan, que, como sabiam
muitas pessoas, encontravam-se na catedral de Canterbury havia 200 anos!
Quando Henry VIII dissolveu os mosteiros, a abadia de Glastonbury contava
com dezenas de relíquias, incluindo um fio do vestido de Maria, uma lasca da
vara de Aarão e uma pedra que Jesus se recusara a transformar em pão. Com a
dissolução, porém, os dias de atividade monástica da abadia cessaram e as
supostas relíquias desapareceram sem traços. Desde aquela época, ninguém jamais
viu os alegados ossos de Artur e Guinevere; só o que resta é um aviso indicando
o local da tumba. Para muita gente, porém, Glastonbury sempre será associada a
Avalon. Alguns preferem a idéia de Tintagel, de Geoffrey, enquanto outros
apostam em Bardsey ou na Ilha Sagrada. Entretanto, a despeito da real Avalon em
Borgonha, é óbvio que o Outro Mundo celta era um reino mítico, com uma tradição
remontando a tempos imemorais.
Se a ilha mística existia no plano mortal, então devia ser parecida com
aquele paraíso eterno que a tribo pré-goidélica Fir Bolg chamava de Arunmore.
De Connacht, Irlanda, os Fir Bolg ordenaram seu rei Oengus mac Umóir, no
santuário insulano atemporal, nos antigos dias a.C. Era para esse lugar que os
guerreiros fugiam após serem derrotados pelos Tuatha Dé Danann, na lendária
batalha de Magh Tuireadh. A Ilha Encantada ficaria no mar entre Antrim e Lethet
(o trecho de terra entre o Clyde e o Forth). Arunmore era a ilha de Arran, o
tradicional lar de Manannan, o deus do mar. Arran também era chamada de Emain
Ablach (o lugar das maçãs) e essa relação foi perpetuada em Life of Merlin, que
se referia especificamente à Insula Pomoru - a ilha das Maçãs.
INTRIGA CONTRA A LINHAGEM
A IGREJA EM EVOLUÇÃO
Separada da Igreja Bizantina, a Igreja de Roma desenvolveu o tema do
Credo dos Apóstolos algum tempo depois do ano 600. Foram incorporadas passagens
que ainda hoje são familiares: Deus se tornou o "criador de céu e da
terra" e, em uma representação que nada tem a ver com a Bíblia, Jesus (que
"padeceu sob Pôncio Pilatos") "desceu à mansão dos mortos".
antes de ressuscitar ao terceiro dia. O Credo, nessa época, também introduziu o
conceito da Santa Igreja Católica e da Comunhão dos Santos.
Durante os séculos VI e VII, a suposta crença herética nestoriana se
espalhou até a Pérsia, o Iraque e o sul da Índia - alcançando até a China, onde
os missionários chegaram à corte imperial do imperador T'ang T'ai-tsung, em
635. Ele se sentiu tão inspirado pela nova doutrina que mandou traduzir o credo
nestoriano para o chinês e sancionou a construção de uma igreja e um mosteiro
comemorativos. Quase um século e meio mais tarde, em 781, um monumento em
homenagem a Nestório foi erguido em Sian-fu.
Enquanto isso, os arianos (que também negavam a divindade de Jesus)
tinham desenvolvido uma forte influência na sociedade européia. A história
cristã usa o termo "bárbaro" para descrever arianos como os godos,
visigodos (godos do oeste), ostrogodos (godos do leste), vândalos (Wends),
lombardos e borgonheses, mas a descrição se refere a nada mais que diferenças
culturais; ela não implica que esses povos fossem rufiões pagãos. A hostilidade
declarada dos tais bárbaros para com Roma e Bizâncio não era mais bárbara do
que o imperialismo romano selvagem, e na maior parte do tempo eles eram mais
defensivos do que agressivos. Embora tivessem sido outrora totalmente pagãs
(como os próprios romanos), essas tribos, na maioria, já tinham se tornado
seguidoras de Ário no século IV. Da Espanha e do sul da França, através da
Ucrânia, a maior parte da Europa germânica era cristã ariana no século VII.
Outra doutrina que, até certo ponto, tornara-se associada aos nestorianos
e arianos era remanescente do culto de Prisciliano d' Á vila, do século IV. Seu
movimento cristão alternativo tinha começado no noroeste da Espanha, fazendo
significativas incursões em Aquitânia. Fundamental para a crença prisciliana -
que veio do Egito, da Síria e da Mesopotâmia - era a mortalidade da
Bem-Aventurada Maria, idéia contrária à sua imagem semidivina na Igreja Romana.
Prisciliano fora executado em 386 d.C. em Trier (norte de Metz), e seu corpo
foi transferido posteriormente para sepultamento na Espanha.
Diante dessas alternativas ao Cristianismo ortodoxo que se alastravam, a
Igreja Católica ia perdendo sua proeminência no Ocidente. O Catolicismo estava
cercado e infundido de várias outras formas de Fé. Entretanto, elas geralmente
se baseavam em tradições judaicas, em vez do conceito paulino que fora adotado
e adaptado por Roma. Com exceção de algumas facções com base espiritual dentro
do movimento gnóstico, elas retinham crenças próximas à tradição dos desposyni,
promovendo a doutrina nazarena da humanidade de Jesus e pregando sua mensagem,
em vez de venerar sua pessoa.
Paralelamente à estrutura cerimonial da Igreja Romana, uma seita erudita
evoluiu às margens do Catolicismo. Era um movimento dinástico (encabeçado por
Martinho de Tours) que negava o episcopado e se baseava em antigos conceitos
egípcios e orientais, de um modo geral. A sociedade essênia em Qumrã tinha uma
existência solene e regulada – um estilo de disciplina religiosa que fora
perpetuado nas regiões dos desertos. Essa mesma exclusão, essencial para a
existência monástica, fosse ela aplicada a comunidades pequenas ou aos eremitas
ascéticos (eremoi), era perfeitamente apropriada para uma vida de estudo e
contemplação.
Provavelmente, o pioneiro monástico São Martinho (316-397 d.C.) seja mais
bem lembrado por ter partido seu manto em dois, para dividi-lo com um mendigo
nu. Natural de Panônia, Martinho foi um bom soldado no exército imperial antes
de fixar residência em Poitiers, e estabeleceu o primeiro grande mosteiro da
Gália, em Marmoutier. Por volta de 371 d.C., ele foi nomeado bispo de Tours,
mas continuou sua existência monástica. Futuramente, Martinho se tornaria o
santo padroeiro da França.
Um dos primeiros missionários da Europa nas ilhas britânicas foi São
Germano d' Auxerre, que visitou a Grã-Bretanha no século V, e foi o professor
de S1. Patrick, da Irlanda. Filho de um diácono da igreja celta, Patrick fora
capturado por piratas, quando ainda era menino. Depois de algum tempo como
escravo, ele fugiu para a Gália, onde foi treinado para ser missionário, nos
mosteiros de Lérins e Auxerre. Em 431 d.C., ele retomou à Grã-Bretanha, e
começou sua missão em Northumbria.
Os ensinamentos de Patrick eram diferentes em muitos aspectos dos
ensinamentos de Roma, e seus escritos indicam uma distinta tendência para as
tradições dos arianos e nestorianos. Ele não era apreciado pela Igreja
Católica, cujos governadores afirmavam categoricamente que Patrick não servia
para o sacerdócio. Patrick baseava seus ensinamentos somente nas escrituras.
Ele não tinha tempo para a autoridade estrita dos bispos romanos, pois se
interessava muito mais pela fraternidade da Igreja Celta adversária.
Uma das figuras de maior destaque no estabelecimento de mosteiros
europeus foi São Benedito (c.480-544 d.C.). Natural de Spoleto, Itália,
Benedito fixou residência numa remota caverna nas florestas, perto de Roma.
Mais tarde, ele encontrou um retiro mais agradável no belo monte Cassino (uma
colina proeminente entre Roma e Nápoles), que era, na verdade, o local de um
velho templo de Apolo. O lugar pagão não agradava aos bispos católicos, mas a
Benedito logo se juntou um grande grupo de discípulos, dentre os quais
Gregório, o Grande, bispo de Roma entre 590-604. Em relativamente pouco tempo,
o grupo beneditino ganhou considerável influência nas questões políticas -
especialmente em seus esforços para conciliar os godos com os belicosos
lombardos da Itália.
A Ordem de São Benedito promovia a devota reverência, a observância
estrita das horas de oração e a prática das posses comuns no ambiente monástico
de aprendizado, sob a supervisão de um abade residente. Com o tempo, Benedito
fundou 12 mosteiros, cada um com 12 monges, e ele geralmente é considerado o
Pai das ordens monásticas no Cristianismo ocidental. Desde aqueles tempos
remotos, os beneditinos eram grandemente responsáveis por manter altos padrões
de educação, arte sacra e música na Europa. Essa era da evolução da Ordem
Beneditina assinala o começo do que às vezes se chama de Era dos Santos - um
período que, na tradição romana católica, podemos dizer que ainda se estende
até hoje.
Enquanto a Igreja Romana se ocupava obsessivamente com dogmas e estrutura
eclesiástica, a Igreja Celta mostrava um interesse pelos corações e mentes das
pessoas. Em 597, o Cristianismo celtajá estava tão difundido que o bispo
Gregório de Roma enviou o monge beneditino, Agostinho, * à Inglaterra,
especificamente para estabelecer a Igreja Romana mais firmemente no país. Sua
chegada foi deliberadamente marcada para logo depois da morte do proeminente
Pai da Sagrada Família, o gentil São Columba. Agostinho começou seu trabalho no
sudeste da Inglaterra (mais precisamente em Kent), onde a esposa do rei local,
Aethelbert, já era católica convicta. Em 601, Agostinho foi proclamado o
primeiro arcebispo de Canterbury e, dois anos depois, ele tentou se tomar
Primado da Igreja Celta também. Entretanto, tal investida só poderia dar
errado, num sistema que permanecia mais nazareno do que romano. Na verdade, o
plano de Agostinho não era a unificação das igrejas, e sim a subjugação
estratégica de uma igreja tradicional que Roma tinha declarado mais ou menos
herege.
Somente em 664, no Sínodo de Whitby, em North Yorkshire, Roma conseguiu a
primeira vitória doutrinal sobre a Igreja Celta. O principal debate era acerca
da data da Páscoa, pois o sumo pontífice tinha resolvido que a Páscoa cristã
não devia mais ser formalmente associada à Passagem, ou à Páscoa dos judeus.
Contra todos os costumes prevalecentes e contra toda a tradição celta, os
bispos católicos conseguiram o que queriam - eliminando para sempre os
históricos vínculos judaicos e celtas. Tradicionalmente, porém, o festival da
Páscoa na Grã-Bretanha não era uma celebração de Passagem no estilo judaico,
nem coisa alguma ligada a Jesus. A Páscoa, ou, em inglês, Easter, representava
tanto em nome como em época, Eostre, a deusa da primavera, cujo feriado era
observado muito antes de qualquer associação com o Cristianismo.
Depois do Sinodo, a Igreja Católica aumentou sua força na Grã-Bretanha,
mas a Igreja Celta não podia ser suprimida sem uma declaração expressa de
guerra contra a Irlanda. No entanto, os dias do imperialismo romano estavam
contados e nenhum exército que a Igreja Romana pudesse montar derrotaria as
ferozes tropas dos reis irlandeses. A Igreja Celta, conseqüentemente,
permaneceu muito ativa na Grã-Bretanha e a Sagrada Família de São Columba
acabou se tomando a sede eclesiástica dos reis dos escoceses.
Em meio a tudo isso, o maior problema do bispo de Roma era sua
incapacidade de ganhar supremacia sobre as casas reais da Grã-Bretanha celta.
Roma tinha experimentado uma dose de sucesso potencial com a conversão do rei
Artur, mas Artur morrera e a herança nazarena do título druida permanecia firme
por causa dos sucessores de seu meio-irmão Eochaid Buide. Pouco depois da
ascensão de Eochaid, em 610, o bispo Bonifácio IV adotou o novo título romano
de Papa, uma alternativa a ser chamado de "construtor de pontes"
(pontífice). Foi uma tentativa clara e positiva de competir com a antiga
distinção celta de Pai, herdada da tradição essênia. Mas quando a nova
supremacia papal foi testada em Dianoto, abade de Bangor, ele respondeu que nem
ele nem seus colegas reconheciam tal autoridade. Eles estavam preparados,
disse, para reconhecer a Igreja da Deus, "mas quanto à obediência, nós
sabemos que nenhum dos quais vocês chamam de Papa (ou Bispo dos bispos) pode
exigir". Uma carta local escrita ao abade de lona, em 634, referia-se
inegavelmente a St. Patrick (o Pai prevalecente) como "Nosso Papa".
No decorrer dos séculos, várias tentativas foram feitas para negar a
herança sacerdotal e patriarcal da Igreja Celta (que era suficientemente
autoritária para causar preocupação no Vaticano). As ordens sagradas católicas
romanas deveriam depender da Sucessão Apostólica, mas nenhuma sucessão dessa
espécie podia ser comprovada, pois o apóstolo Pedro (em que a sucessão
supostamente se apoiava) nunca tivera um cargo formal. O primeiro bispo nomeado
de Roma foi o príncipe Lino, da Grã-Bretanha, filho de Caractaco, o Pendragon,
e, conforme registrado nas Constituições Apostólicas da Igreja, Lino iniciou a
verdadeira sucessão, tendo sido ordenado por São Paulo enquanto Pedro ainda
vivia, no ano 58 d.C.
Posteriormente, em 180 d.C., Irineu, bispo de Lyon, escreveu: "Após
fundar e construir a Igreja de Roma, os Apóstolos deixaram seu ministério sob a
supervisão de Lino". Em tentativas de velar a herança real de Lino,
costumava-se descrevê-Io como um escravo inferior, mas isso não tirou o espinho
do flanco da Igreja e, por causa disso, a doutrina papal tem de ser considerada
"infalível" quando emana do trono. Sem essa doutrina, todo o conceito
de uma progressão estruturada de bispos superiores na sucessão apostólica,
desde Pedro, cairia por terra, pois Pedro nunca foi bispo de Roma ou de
qualquer outro lugar.
O bispo Teodósio tentou forjar um vínculo apostólico em 820, ao anunciar
que os restos mortais de Tiago Boanerges (São Tiago, o maior) tinham sido
desenterrados em Compostela, na Espanha. Em 899, o resultante santuário em
Santiago (São Tiago) se tomou uma grande catedral, destruída pelos mouros em
997, e reconstruída em 1078. Mas era conhecimento comum do Novo Testamento que
Tiago Boanerges (irmão de João) fora executado em Jerusalém por Herodes de Cálcis,
em 44 d.C. (Atos 12:2). Portanto, era mais provável que os ossos descobertos
(se é que pertenciam a alguém chamado Tiago) fossem do discípulo Tiago Cleofas,
que veio para o Ocidente com sua esposa Maria Jacó, na jornada de Madalena.
Mesmo essa é uma possibilidade remota, porém, e já foi sugerido - de modo nada
convincente - que as relíquias e a posterior herança de Santiago de Compostela
pertencessem a Prisciliano d' Ávila.
A cisão final de Roma com a Igreja Oriental ocorreu em 867, quando a
segunda anunciou que mantinha a verdadeira Sucessão Apostólica. O primeiro
Concílio do Vaticano discordou, e então Fótio, o patriarca de Constantinopla,
excomungou o papa Nicolas I de Roma!
Isso provocou novas brigas quanto à definição da Trindade. Os católicos
da cristandade ocidental decidiram ratificar o que era chamado de Artigo
Filioque, introduzido no Concílio de Toledo em 598. Ele declarava que o
Espírito Santo procedia "do Pai e do Filho" (latim: filioque). A
Igreja Oriental afirmava o contrário, dizendo que o Espírito procedia "do
Pai pelo Filho" (grego: dia tou huiou). Era um ponto de discussão
teológica intangível e até extraordinário, mas aparentemente bom a ponto de
dividir no meio o Cristianismo formal. Na realidade, claro, tratava-se apenas
de uma desculpa trivial para perpetuar o debate acerca de quem deveria
controlar politicamente a Igreja, Roma ou Constantinopla. O resultado final foi
à formação de duas igrejas distintas a partir da original.
Com o passar do tempo, a Igreja Oriental mudou relativamente pouco. De
sua primazia em Constantinopla, ela continuou seguindo rigidamente os
ensinamentos das escrituras e seu foco de culto se tornou o ritual da
Eucaristia (dar graças) com pão e vinho.
O Catolicismo, por outro lado, passou por numerosas mudanças: novas
doutrinas foram acrescentadas e velhos conceitos adaptados ou mais bem
substanciados. A partir do século XII, sete sacramentos passaram a ser
considerados capazes de personificar a graça de Deus na vida física de uma pessoa
(embora nem todos fossem necessários para a salvação individual). Eram
classificados como: batismo, primeira comunhão, crisma, confíssão e penitência,
ordenação em ordens sagradas, a solenização do matrimônio e a unção dos
enfermos e dos moribundos (a extremaunção ou os ritos finais). Foi declarado
também que o pão e o vinho da Comunhão eram realmente transformados, na
consagração, no corpo físico e no sangue de Jesus (a doutrina da
Transubstanciação).
Assim como a Igreja Romana de Constantino começara como um híbrido,
também a sua estrutura permaneceria composta. Novos métodos e ideologias foram
introduzidos para manter um eficiente controle das congregações a distância,
numa sociedade católica que se expandia. Dessa forma, o Catolicismo romano
evoluiu de maneira estritamente regulada, e algumas doutrinas que hoje parecem
ser tradicionais são, na verdade, implementos recentes. Foi só na era vitoriana
que certos aspectos do credo católico (até então apenas implícitos) foram
determinados como itens explícitos de fé. A doutrina da Imaculada Conceição,
por exemplo, só foi expressada formalmente em 1854, quando o papa Pio IX
decretou que Maria, a mãe de Jesus, também fora concebida livre do pecado
original. A Assunção de Maria ao Céu só foi definida na década de 1950 pelo
papa Pio XII, enquanto o papa Paulo VI proclamou Maria como Mãe da Igreja em
1964.
Tais decretos foram possíveis graças à afirmação de autoridade da
"infalibilidade do papa". O dogma referente a isso foi proclamado no
primeiro Concílio do Vaticano em 1870, quando se afirmou, sem tolerância a
contestações, que "o papa é incapaz de errar ao definir questões
pertinentes ao ensinamento da Igreja e à moralidade!"
A Igreja Católica Romana não pretendia apenas manter o controle dos
registros históricos e da literatura romântica. Na verdade, os bispos tinham em
mira qualquer coisa que parecesse contrária às suas noções dogmáticas e, com
isso em mente, implementaram uma correção ortodoxa que passou a regulamentar
toda a esfera criativa. Que a Madona sófosse representada em branco e azul já
foi comentado, mas havia outras regras que governavam a arte sacra em geral.
Alguns artistas, como Botticelli e Poussin, conseguiram introduzir elementos
simbólicos em suas obras - algo que os não iniciados não compreenderiam; mas em
termos gerais, a arte de boa parte da Europa era limitada por rígidas
orientações do Vaticano.
Desde os primeiros dias da Igreja Romana, os parentes masculinos de Jesus
representavam um problema que, no entanto, foi facilmente contornado quando a
Igreja os empurrou para trás na tradição, enquanto Maria, a mãe de Jesus, foi
trazida para a frente. O desafortunado José (pai de Jesus e Tiago e o
verdadeiro elo na sucessão real) foi deliberadamente deixado de lado, enquanto
o culto à Virgem Maria cresceu fora de proporção. Por meio dessa estratégia
considerada, o conhecimento público da contínua linhagem de Judá foi
convenientemente suprimido.
A Igreja estipulou regras quanto a quem podia ser retratado em arte e
como Ana, mãe de Maria, raramente aparecia em quadros com sua filha, porque sua
presença detrataria Maria de seu estado divino. Se a presença visível de Ana
fosse essencial, ela era colocada numa posição subordinada. Santa Ana e a
Madona, de Francesco da San Gallo, é um bom exemplo de como a mãe se senta
atrás da filha. A visão de Santa Ana de Cesi mostra Ana ajoelhada diante de uma
visão de Maria. A Virgem e o Menino com Santa Ana, de Leonardo da Vinci, é
astutamente feito de maneira que mostra Maria sobre o joelho da mãe, ficando na
frente dela. De modo semelhante, Ana aparece atrás da filha em A Família da
Virgem, de Pietro Perugino.
O marido de Maria, José, e o pai dela, Joaquim, geralmente eram
confinados a posições inferiores ou ao fundo, nos trabalhos artísticos. Os dois
personagens criavam problemas porque suas funções paternais eram contrárias à
alegada Imaculada Conceição. Os afrescos de Taddeo Gaddi (morto em 1366)
preferiam reduzir Joaquim, mostrando-o em seu momento menos dignificado. Ele
foi freqüentemente reproduzido no momento em que o sumo sacerdote Issacar o
expulsava do Templo, achando que poderia ter oferecido um cordeiro para um
banquete quando ainda não era pai. Na Sagrada Família de Michelangelo, Maria é
elevada a um trono central, enquanto seu marido José recosta sobre uma
balaustrada ao fundo, aparentemente contemplando alguma outra coisa não
relacionada ao tema principal.
A Igreja adoraria negar que a Bem-aventurada Maria sequer se casou, mas
os artistas não podiam fugir da clareza dos Evangelhos. Entretanto, não havia
espaço para sugestões de contato fisico entre José e Maria. Por esse motivo,
José costumava ser representado como alguém consideravelmente mais velho que
sua esposa - perdendo cabelo e não se interessando muito por sua família, como
em A Adoração dos Pastores, de Ghirlandajo (c.1485). O famoso quadro Doni
Tondo, de Michelangelo (1504), também apresenta um José bem calvo e de barba
branca, assim como O Descanso da Família na Fuga para o Egito, de Caravaggio.
Na verdade, José costumava ser mostrado praticamente como um enfermo,
sentindo-se desconfortável e apoiado em uma muleta, enquanto Maria estava
sempre bela e serena, como em A Sagrada Família de Paolo Veronese.
Quando José foi canonizado na Espanha, no século XVI, a situação mudou um
pouco para o beneficio dele. Entretanto, por meio de um simbolismo sutil, ele
era retratado apenas como pai adotivo de Jesus, carregando sempre um lírio para
expressar a pureza de seu relacionamento com Maria. O renomado quadro
Sposalizio, de Rafael, mostrando o casamento de Maria e José, encaixa-se nessa
categoria - mostrando um lírio no topo do cajado de José, embora o mostre um
pouco mais jovem do que se costumava.
Assim como o lírio era o símbolo aceito da virgindade de Maria, a rosa
era o símbolo de sua beleza. Freqüentemente, ela era representada segurando uma
rosa, ou num jardim de rosas, como na Madona de Cesare di Seso, e A Madona e a
Roseira, de Martin Schoen. Os dois conceitos derivam do Cântico dos Cânticos 2:
1 - "Eu sou a rosa de Sharom, o lírio dos vales". Desde tempos muito
remotos, o lírio era chamado dejleur de Marie, e foi por esse motivo que o
gladíolo (em sua forma judaica dejlorde-lis) era adotado pelos reis merovíngios
para significar sua descendência messiânica na França.
A presença necessária de José era causa de certa dificuldade para os
artistas reproduzindo a Natividade. Mas a dificuldade foi superada em pinturas
do século XVI, como A Natividade, de Alessando Moretto, que o mostrava idoso e
usando um cajado para se firmar. Às vezes, José parece até senil, ou
adormecido, como no quadro de Lorenzo di Credi. De uma forma ou de outra, esse
descendente real da Casa de Davi foi constantemente reduzido à função de
observador supérfluo (como em A Adoração dos Magos, de Hans Memling) e
raramente lhe deram a chance de fazer parte de alguma ação relevante. Além
disso, em quadros como Repouso no Egito, de Van Dyck, José mal parece capaz de
exercer qualquer ação - parecendo prestes a cair aos pés de Maria e se juntar
ao pai dela, Joaquim, no caminho oficial ao esquecimento.
Em meados do século VII, Roma estava em posição de começar a desmantelar
a sucessão merovíngia na Gália - um plano que, como vimos anteriormente, foi
elaborado no batismo do rei Clóvis. Em 665, o prefeito do palácio em Austrásia
(posto equivalente ao de primeiro-ministro) se encontrava firmemente sob
controle papal. Quando o rei Sigeberto II morreu, seu filho Dagoberto tinha
apenas cinco anos de idade, e o prefeito Grimoaldo resolveu agir. Para começar,
ele seqüestrou Dagoberto e o levou à Irlanda, para viver exilado entre os
escoceses gaélicos. Depois, não esperando rever o jovem herdeiro, Grimoaldo
disse à rainha Immachilde que seu filho tinha morrido.
O príncipe Dagoberto foi educado no mosteiro Slane, perto de Dublin, e se
casou com a princesa Matilde quando tinha 15 anos. Subseqüentemente, ele foi a
York sob a tutela de St. Wilfred. Mas Matilde morreu e Dagoberto resolveu
retomar para a França, para enorme surpresa de sua mãe. Nesse meio tempo, Grimoaldo
tinha colocado seu filho no trono de Austrásia, mas Wilfred de York e outros
espalharam a notícia da traição do prefeito e a Casa de Grimoaldo foi
devidamente desacreditada. Tendo casado pela segunda vez, e agora com Gizelle
de Razes, uma sobrinha do rei visigodo, Dagoberto foi reinstituído em 674
(depois de uma ausência de quase 20 anos) e a intriga romana sofreu um revés -
mas não por muito tempo.
O reinado de Dagoberto II foi curto, mas eficaz; seu principal sucesso
foi centralizar a soberania merovíngia, mas o movimento católico estava
firmemente decidido a negar sua herança messiânica, porque ela obscurecia a
supremacia do Papa. Entre os inimigos invejosos de Dagoberto estava seu
poderoso prefeito, Pepino de Heristal, o Gordo. Dois dias antes do Natal de
679, Dagoberto estava caçando perto de Stenay, nas Ardenas, quando foi
confrontado pelos homens de Pepino e morto com lanças empalado a uma árvore. A
Igreja de Roma aprovou rapidamente o assassinato e logo entregou a
administração merovíngia de Austrásia ao ambicioso prefeito.
Pepino, o Gordo, foi sucedido por seu filho ilegítimo, o bem conhecido
Carlos Martel (o “Martelo”), que ganhou reconhecimento por rechaçar a invasão
moura perto de Poitiers, em 732. Em seguida ele apoiou a empreitada romana,
obtendo controle de outros territórios merovíngios. Quando Martel morreu, em
741, o único merovíngio com alguma notável autoridade era o sobrinho de
Dagoberto II, Childerico III. O filho de Martel, Pepino, o Breve, era o
prefeito de Neustria. Até aquele ponto (exceto pela questão com Grimoaldo), a
monarquia merovíngia tinha sido estritamente dinástica; a sucessão hereditária
era um direito automático e sagrado – uma questão na qual a Igreja não podia se
meter. Mas essa tradição estava destinada à superação, tão logo Roma agarrasse
a oportunidade de “criar” reis por meio da autoridade papal. Em 751, Pepino, o
Breve, aliado ao papa Zacarias, garantiu a aprovação da Igreja para a sua
coroação como rei dos francos, no lugar de Childerico. Para facilitar esse
processo, um documento fraudulento foi produzido, que decretava que o papa era
o representante escolhido pelo próprio Cristo na Terra, e só ele tinha o
direito de nomear reis. O documento se chamava Doação de Constantino. E diziam
que ele tinha sido escrito e assinado por Constantino havia 400 anos. Como já
foi comprovado muitas vezes, a partir da Renascença, a Doação (assunto
discutido em detalhes em Realm of the Ring Lords) era uma farsa gritante. No
entanto, permitia que o tão esperado ideal da Igreja fosse realizado e, a
partir daquele momento, os reis só eram endossados e coroados por prerrogativa
romana, auto-investida de autoridade.
--
Assim, Pepino se tomou rei com
a bênção do Papa, e Childerico foi deposto. O voto de aliança feito pela Igreja
Romana, em 496 d.C., ao rei Clóvis e seus descendentes, foi quebrado. Depois de
quase dois séculos e meio, a Igreja estava em posição de usurpar o antigo
legado da linhagem merovíngia e assumir controle do reino franco, ordenando
seus próprios reis. Childerico foi publicamente humilhado pelos bispos. Seu
cabelo (longo, segundo a tradição nazarena) foi cortado brutalmente curto e ele
ficou aprisionado num mosteiro, onde morreu quatro anos depois.
Assim começava uma nova dinastia de reis franceses, os carolíngios cujo
nome vinha do pai de Pepino, Carlos (Carolus) Martel.
Como não podia ser de outra forma, as histórias da
época eram compiladas pelos escrivães do Vaticano, ou por outros que seguiam a
autoridade do mesmo. O resultado inevitável foi que os relatos da vida de
Dagoberto foram suprimidos a ponto de ele não existir nas crônicas. Só dali a
mil anos os verdadeiros fatos de sua existência viriam a público novamente. E
só então ficou evidente que Dagoberto tinha um filho chamado Sigeberto, que foi
salvo das armadilhas dos prefeitos em 679. Após o assassinato de seu pai, ele
foi levado à casa de sua mãe em Rennes-Ie-Chateau, em Languedoc. Na época da
deposição de Childerico, Sigeberto (efetivamente Sigeberto III) tinha se tomado
o Conde de Razes, sucedendo seu avô materno, o visigodo Bera II. Com o tempo, a
linhagem merovíngia deposta desde Sigeberto incluía o primeiro famoso cruzado,
Gofredo de Bouillon, defensor do Santo Sepulcro.
Após serem derrotados por Carlos Martel na década de 730, os mouros
islâmicos se retiraram para a cidade de Narbonne, no sul da França, que se
tomou sua base para maior resistência militar. Isso representava um problema
difícil e prolongado para Pepino, o Breve, que foi buscar a assistência dos
judeus de Narbonne. Ele finalmente conseguiu o apoio deles, mas por um preço.
Os judeus concordaram em lidar com o problema se Pepino garantisse o
estabelecimento de um reino judaico
dentro do território de Borgonha - um reino que teria como líder um
descendente reconhecido da Casa Real de Davi.
Pepino concordou e os judeus derrotaram os mouros dentro da cidade. O
reino judaico de Septimania (os Midi) foi, então, estabelecido em 768, de Nimes
até a fronteira espanhola, com Narbonne como capital. O antigo governador da
região era o merovíngio Teodorico IV (Thierry), que foi tirado do poder em
Neustria e Borgonha por Carlos Martel, em 737. Teodorico (conhecido pelos
mouros como Makir Theodoric) era casado com a irmã de Pepino, o Breve, Alda.
Foi o filho deles, conde Guilherme de Toulouse, quem ascendeu ao novo trono
como rei de Septimania, em 768. Guilherme era não só da linhagem merovíngia,
mas também um Potentado reconhecido de Judá, detentor da distinção de Isaac no patriarcado.
O filho de Pepino, Carlos, era o governante que ficou conhecido como
Carlos Magno, o Grande. Como rei dos trancos a partir de 771 e imperador do
Ocidente desde 800, Carlos Magno se alegrava em confirmar o direito de
Guilherme à soberania dinástica em Septimania. A nomeação também foi
reconhecida pelo califa de Bagdá e, com relutância, pelo papa Estevão em Roma.
Todos reconheciam o rei Guilherme da Casa de Judá como verdadeiro sucessor na
linhagem do rei Davi. Guilherme foi grandemente influenciado pelo ascetismo de
São Benedito e fundou seu próprio mosteiro em Gellone. Em 791, ele instituiu
sua famosa Academia Judaica de São Guilherme, sendo posteriormente mencionado
pelo cronista do Santo Graal, Wolfram von Eschenbach.
O herdeiro e filho mais velho de Guilherme e sua esposa Guibourg foi o
príncipe Bernardo de Septimania; seus outros filhos eram Heriberto, Bera e
Teodorico. Bernardo se tornou camarista imperial e era o segundc em autoridade,
a serviço do imperador carolíngio. Ele foi o estadista franco líder, a partir
de 829, e se casou com a filha de Carlos Magno, Dhuada no palácio imperial de
Aix-La-Chapelle, em junho de 824. Os dois tiveram dois filhos: William
(novembro de 826) e Bernardo (março de 841). William se tornou um proeminente
líder militar e Bernardo II segurava as rédeas de Aquitânia, rivalizando com o
rei Luís II em poder e influência na região.
Mais de 300 anos depois, a sucessão de Davi ainda existia nos Midi
espanhóis, embora o reino já não funcionasse mais como um Estado separado
dentro de outro Estado. Em 1144, o monge inglês Theobald de Cambridge afirmaria
(ao iniciar uma acusação de assassinato ritual contra os judeus de Norwich):
"Os chefes e rabinos entre os judeus que vivem na Espanha se reúnem
em Narbonne, onde a Semente Real reside, e onde eles são tidos no mais alto
apreço".
Em 1166, o cronista Benjamin de Tudela relatou que ainda existiam
propriedades significativas mantidas pelos herdeiros de Davi:
"Narbonne é uma cidade antiga da Tora... Lá habitam sábios, magnatas
e príncipes, liderados por Kalonymos, filho do grande príncipe Todros, de
abençoada memória, um descendente da Casa de Davi, como mostra sua árvore
genealógica. Ele possui legados e outras propriedades em terra herdadas dos
governantes do país, e ninguém pode privá-lo de tais coisas".
O rei Carlos Magno expandiu grandemente os territórios francos, e por
lidar com os saxões também se tornou rei dos lombardos. Em 800, ele foi coroado
imperador do Ocidente pelo papa Leão III. Com essa estratégia, a Igreja de Roma
inaugurava um novo domínio imperial - um domínio em controle de território que
compreendia boa parte da Europa Ocidental e Central. O sucessor de Carlos Magno
foi Luís I (o Piedoso), e após sua morte, em 840, a unidade do império ficou
comprometida por seus filhos rebeldes. Finalmente, após três anos de contendas,
o reino se dividiu em três, com o Tratado de Verdu de 843. O reino do Meio
incluía Itália, Lorraine e Provença. No Oeste estava a França, e no Leste a
Germânia.
Com exceção de Carlos Magno, que definiu a França como um domínio
imperial e cultural, os carolíngios foram monarcas incompetentes ao extremo.
Seus nobres se tomaram semi-independentes, enquanto os escandinavos (normandos)
puderam invadir o norte da França e criar a Normandia. O último rei carolíngio
foi Luís V (o Indigno). Ele foi sucedido por Hugo Capeto, o duque da França, em
987, e assim começava a dinastia dos capetíngeos, que reinaria até 1328.
Quando os capetíngeos sucederam ao trono da França, o título imperial
eletivo passou para os reis germânicos da linhagem saxônia e, a partir do
século XI, os imperadores eram principalmente da sucessão de Hohenstaufen. Com
o devido tempo, eles se tomaram tão poderosos que disputavam com o papado a
supremacia na Europa. A principal disputa começou em 1075, com uma contenda -
chamada de Controvérsia da Investidura - acerca de quem exatamente tinha o
direito primário de investir bispos em troca por seus votos de lealdade.
No contexto dessa luta contínua contra o domínio do Vaticano, os
partidários dos Hohenstaufen anti-romanos ficaram conhecidos como gibelinos
(nome derivado de seu castelo, em Waiblingen). Seus rivais pró-romanos eram
chamados de guelfos (ou Guelphs, de Welf, duque da Bavária). Os gibelinos mantiveram
sua posição proeminente até os Hohenstaufens serem militarmente derrotados por
uma aliança papal em 1268. A partir daquele momento, o império se tomou o Santo
Império Romano, e os imperadores emergentes eram invariavelmente os Habsburgos
- uma família originária da Suíça, no século X. Desde 1278, os Habsburgos eram
os governantes da Áustria, e em 1516 também herdaram a coroa espanhola. Durante
cinco séculos, eles foram a mais proeminente de todas as casas européias, e
governaram o Santo Império Romano, quase continuamente, até sua abolição em
1806.
De todos os temas arturianos, o mais romântico é o do Santo Graal, e, no
entanto, por causa de sua longa tradição, ainda não se sabe ao certo sua
localização no tempo. As três teorias mais importantes o atribuíram ao primeiro
século da era cristã, ao período arturiano ou à Idade Média. Essencialmente, o
Graal é atemporal.
O Graal tem sido simbolizado por muitas coisas: um cálice, uma bandeja,
uma pedra, uma urna, uma aura, uma jóia ou uma videira. Às vezes ele é
tangível, com guardiões vigiando-o ou donzelas que zelam por ele, mas
geralmente é etéreo, aparecendo de diversas formas, incluindo a do próprio
Jesus. Alguns de seus poderes são os de rejuvenescimento. conhecimento e
provisão. Assim como Jesus curava, ensinava e provia, o mesmo faz o Graal. Seu
nome varia entre Graal, Saint Graal, Seyn; Grayle, Sangréal, Sankgreal,
Sangrail, Sank Ryal e, claro, em inglês. Holy Graal; mas,
independentemente da definição, seu espírito permanece bem no centro da
realização.
Apesar de uma origem ao mesmo tempo romântica e sagrada, as histórias do
Graal permanecem uma heresia não-proclamada, sendo associadas a tradições
pagãs, a blasfêmia e a mistérios profanos. Além disso, a Igreja Romana condenou
veementemente o Graal por causa de suas fortes associações femininas,
particularmente com o ethos do Amor Romântico (Amour Courtois) na
Idade Média. As noções românticas do cavalheirismo e as canções dos trovadores
eram desprezadas por Roma porque colocavam a mulher num pedestal de veneração,
contrário à doutrina católica. Um motivo muito mais forte, porém, para a
relutância da Igreja em aceitar a tradição do Sangréal deriva da
linhagem especificamente messiânica da Família do Graal.
Em sua função mais popular, o Santo Graal é
identificado como o cálice usado por Jesus na Santa Ceia. Após a crucificação,
ele supostamente foi enchi do com o sangue de Jesus por José de Arimatéia.
Esse conceito surgiu pela primeira vez no século XII, mas sua perpetuação se
deveu em grande parte graças à publicação de Holy Graal, de Alfred, lorde
Tennyson, em 1859.
Foi Sir Thomas Malory quem primeiro usou as palavras Holy Grayle em sua
adaptação da obra Francesa Le Saint Graal, no século XV. Malory se referia ao
"cálice sagrado", mas também escreveu do Sankgreal como sendo o
"abençoado sangue de Cristo", com as duas definições aparecendo na
mesma história. Além dessas menções, Malory não descreveu o Graal dizendo apenas que ele apareceu em Camelot
"coberto de uma seda branca finíssima". Foi visto por Lancelot numa
visão e depois por Galahad. No relato de Malory, os campeões do Graal são Bors,
Percival, Lancelot e seu filho Galahad, o último descrito como "umjovem
cavaleiro da linhagem dos reis e da família de José de Arimatéia, sendo neto do
rei Pelles".
A tradição medieval conta que José de Arimatéia levou o Santo Graal à
Grã-Bretanha, enquanto lendas ainda mais antigas diziam que foi Maria Madalena
a primeira a levar o Sangréal a Provença. É um fato significativo que, antes do
século XV, a maioria dos romances a respeito do Graal vinha da Europa
continental. Mesmo os contos como Peredur, do País de Gales, derivavam de
textos europeus. As lendas celtas da Irlanda e do País de Gales falavam de
caldeirões, e foi em parte por causa disso que o Graal começou a ser
interpretado como um cálice ou uma taça.
Entretanto, a noção não era inapropriada, pois o sangue real só poderia
ter sido transportado dentro de alguma espécie de receptáculo.
O mais antigo relato escrito de le Seynt Graal vem do ano de 717, quando
um eremita britânico chamado Waleran teve uma visão de Jesus e do Graal. O
manuscrito de Waleran foi mencionado por Heliand, um monge francês da abadia de
Fromund, por volta de 1200; também por John de Glastonbury em Cronica sive
Antiquitates Glastoniensis Ecclesie, e mais tarde por Vincent de Beauvais, em
sua Speculum Historiale, de 1604. Cada um desses textos conta que Jesus deixou
um livro nas mãos de Waleran, que começava assim:
"Eis o Livro de Tua Descendência;
Aqui começa o Livro do Sangréal”.
No domínio público, o Graal literário só apareceu na década de 1180,
quando foi descrito simplesmente como um "graal"; não era explicado
como uma relíquia sagrada nem associado ao sangue de Jesus. Em seu le Conte de
Graal - Roman de Perceval, Chrétien de Troyes diz:
"Uma donzela chegou com os escudeiros, segurando entre as mãos um
graal... E quando entrou... acompanhou-a uma luz tão brilhante que as velas
perderam seu fulgor. Depois dela, veio uma donzela segurando uma bandeja de
prata. O graal que a precedera era de ouro refinado, e estava cravejado de
pedras preciosas de muitos tipos... O jovem [percival] as viu passar, mas não
ousou perguntar acerca do graal e quem seria servido dele".
Nessa primeira ocasião, no castelo do Rei Pescador ferido, o graal não é
descrito como um cálice, nem associado a sangue. Mais adiante na história,
porém, Chrétien explica:
"Não penseis que ele [o Rei Pescador] do graal tira um lúcio, uma
lampréia ou um salmão; o santo homem se sustenta e revitaliza sua vida com uma
única hóstia. Tão sagrado é o graal, e o homem tão espiritual, que de nada mais
ele precisa para sua subsistência do que a hóstia de uma Missa, que vem com o
graal".
Se o graal de Chrétien era suficientemente grande para acomodar um peixe
grande, obviamente não era um cálice nesse contexto, mas uma terrina de bom
tamanho. Seu mistério, porém, está no fato de servir uma única hóstia da Missa.
Em outras partes da obra de Chrétien, há menção de cem cabeças de javali
servidas em graais, enquanto, por volta de 1215, o abade de Froidmont,
centrando-se nessa explicação, descreveu o graal como um prato fundo usado
pelos ricos.
Até aí, não havia elo algum entre o graal do Rei Pescador e o tradicional
Sangréal. Mas na década de 1190 o escritor borgonhês, Sire Robert de Boron,
mudou essa situação como seu poema Joseph d'Arimathie - Roman de l'Estoire dou
Saint Graal. Ele redefiniu o Rei Pescador de Chrétien (antes contemporâneo do
rei Artur) como Bron (um parente por casamento de José de Arimatéia) e
rec1assificou a relíquia como le Saint Graal: um "cálice de sangue
sagrado".
Segundo De Boton, José obteve o cálice da Passagem de Pilatos e recolheu
o sangue de Jesus quando o tirou da cruz. Ele foi aprisionado pelos judeus, mas
conseguiu passar o cálice ao seu cunhado, Hebrom, que viajou até os Vales de
Avalon. Lá, ele se tornou Bron, o Rei Pescador. Bron e sua esposa Enygeus (irmã
de José) tiveram 12 filhos homens, 11 dos quais se casaram, enquanto o décimo segundo,
Alain, permaneceu celibatário. Enquanto isso, José se juntou à família no
exterior e construiu uma távola em honra ao Graal. Ao redor dessa távola, havia
um assento especial chamado de Siege Perilous. Ele representava o assento de
Judas Iscariotes e era reservado para Alain. Em histórias posteriores, o Siege
Perilous . seria reservado para o cavaleiro virgem Galahad, em volta da Távola
Redonda de Camelot.
Aproximadamente na mesma época de Joseph d 'Arimathie, de Boron, surgia
outra obra relacionada, de um escritor conhecido como Wauchier. Era uma
continuação da história de Chrétien, mas nesse relato o Graal adquiria um
aspecto diferente, uma função física:
"Então, Gawain viu entrando pela porta o rico Graal, que servia aos
cavaleiros e rapidamente colocava um pão diante de cada um. Também cumpria o
oficio do mordono: servia vinho e enchia grandes taças de fino ouro, e cobria
as mesas com elas. Tão logo terminava essa tarefa, servia sem demora, em cada
mesa, comida numa grande bandeja de prata. Sir Gawain observou tudo isso, e se
maravilhou pelo modo como o Graal os servia. Intrigou-se por não ver nenhum
outro serviçal, e mal se atrevia a comer".
Em alguns aspectos, a versão de Wauchier uniu as histórias de Chrétien e
Boron. Os cavaleiros do rei Artur aparecem, mas o autor também falou acerca da
tradição de José de Arimatéia. Explicou que o descendente lineal de José era
Guellans Guenelaus, o falecido pai de Percival, e que, de acordo com textos
anteriores, a mãe de Percival era uma viúva.
A história conhecida como Perlesvaus, ou a Grande História do Santo
Graal, é uma obra franco-belga, escrita por volta de 1200. Ela é muito
específica a respeito da importância da linhagem do Graal, afirmando que o
Sangréal é o repositório da herança real, reiterando assim o importante
princípio dinástico do manuscrito de Waleran, do século VIII. Em Perlesvaus, o
Graal não é definido como um objeto material, mas sim como uma aura mística que
contém várias imagens <k significado messiânico. Nessa obra, o Corpus Christi
da hóstia de Chrétier emerge como a contínua presença do Cristo.
Quanto ao simbolismo da taça, ou do cálice, vemos em Perlesvau...
"Sir Gawain vislumbra o Graal, e lhe parece que haja um cálice
dentro, embora ao mesmo tempo não haja".
Gawain, Lancelot e Percival aparecem na obra Perlesvaus e a pergunta
premente é: "a quem o Graal serve?" Só com essa pergunta, Perciva
consegue curar a ferida do Rei Pescador e trazer de volta fertilidade as Terras
Devastadas e estéreis. Em Perlesvaus, o rei pescador (rei sacerdote) se chama
Messios, denotando sua posição messiânica. Outros relatos se referem ao rei
pescador Anfortas (efetivamente o mesmo nome do bisneto do rei Davi, Boaz,
ambos com o significado de "Em força" - daí a identificação da
linhagem de Davi). Alternativamente, o rei pescador às vezes é chamado de
Pelles (de Palas, o antigo Bistea Neptunis dos registros ancestrais
merovíngios).
A não menos importante característica de Perlesvaus é sua evidente
referência aos Cavaleiros Templários. Na ilha dos Imortais, Percival chega a um
salão de vidro e é recebido por dois Mestres. Um reconhece sua familiaridade
com a descendência real de Percival. Então, batenda palmas, os Mestres chamam
outros 33 homens em "vestes brancas", cada um portando "uma cruz
vermelha no meió do peito". Percival também leva uma cruz vermelha dos
Templários em seu escudo. O conto e basicamente arturiano, mas se desenrola em
um período posterior, em uma época em que a Terra Santa está nas mãos dos
sarracenos.
Também do início do século XIII é o importantíssimo romance da Graal,
Parzival, escrito pelo cavaleiro da Bavária, Wolfram von Eschenbach. Mais uma
vez a associação com os Templários é evidente, pois os Cavaleiros do Templeise
são descritos como guardiôes do Templo do Graal, localizado no monte da
Salvação (Munsalvaesche). Aqui. o Rei Pescador preside a Missa do Graal e é
especificamente descritc como um Rei Sacerdote ao estilo de Jesus, dos
merovíngios e dos reis dos escoceses. Munsalvaesche há muito é associada à
fortaleza nas montanhas de Montségur na região de Languedoc, sul da França.
Wolfram afirmou que a história do Graal de Chrétien estava errada,
citando como sua fonte Kyôt le Provenzale, um adido templário que havia escrito
a respeito de um antigo manuscrito do Graal provindo da Arábia. Era de autoria
do estudioso Flegetanis, que ele dizia ser:
"Um erudito por natureza, descendente de Salomão, e nascido de uma
família que sempre fora israelita até o batismo se tomar nosso escudo contra o
fogo do inferno".
Assim como Perlesvaus, a obra Parzival de Wolfram dá grande ênfase à
importância da linhagem do Graal. Wolfram também introduziu o filho de
Percival, Lohengrin, o Cavaleiro do Cisne. Na tradição de Lorraine, Lohengrin
era marido da duquesa de Brabant (Baixa Lorraine). Parzival explica que o pai
de Percival era Gahmuret (e não Guellans, como no relato de Wauchier) e que o
rei pescador na época de Percival era Anfortas, filho de Frimutel, filho de
Titurel. A irmã do rei pescador, Herzeylde, era mãe de Percival: a
"senhora viúva" da tradição. Expondo extensivamente os vários
atributos místicos do Graal, o texto cita como sua portadora a rainha da
Família do Graal, Repanse de Schoye, declarando:
"Ela vestia seda da Arábia, e carregava, num pano de seda verde, a
perfeição do paraíso terrestre, tanto as raízes como os galhos. Era uma coisa
que os homens chamam de Graal, que transcendia qualquer ideal terreno".
Apesar da referência a raízes e galhos, dizia-se que o Graal era uma
"pedra de juventude e rejuvenescimento". E chamado de Lapsit Exillis
(às vezes Lapis Elixis), uma variante de Lapis Elixir, a pedra filosofal dos
alquimistas. Wolfram explica:
"Pelo poder dessa pedra, a Fênix queima até as cinzas, mas as cinzas
rapidamente a trazem de volta à vida. Assim, a Fênix troca de plumagem, após o
que retoma brilhante e fulgente como antes".
No sacramento da Eucaristia do rei pescador, a Pedra do Graal registra os
nomes daqueles chamados a seu serviço, mas não é possível para todos ler essesl
nomes:
"Ao redor da extremidade da pedra, uma inscrição em letras diz o
nome e a linhagem daqueles que, donzelas ou meninos, são chamados para fazer a
jornada até o Graal. Ninguém precisa apagar a inscrição, pois logo que ela é
lida, desaparece" .
Em termos muito semelhantes (cuja relevância é totalmente explicada em
Gênesis of the Grail Kings), o Novo
Testamento (Apocalipse 2: 17) diz:
"Ao vencedor, dar-lhe-ei o maná escondido [alimento divino, como na
Eucaristia], bem como lhe darei uma pedra branca, e sobre essa pedra escrito
um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe".
Wolfram (que também escreveu acerca de Guilherme de Gellone, rei de
Septimania) dizia que o manuscrito Flegetanis original era guardado pela
Casa de Anjou, uma casa nobre que era intimamente aliada aos Templários. Ele
também afirmava que Percival também tinha o sangue de Angevin. Em Parzival, a
corte do rei Artur fica na Bretanha, enquanto em outra obra Wolfram localiza o
castelo do Graal nos Pireneus. Ele também menciona a duquesa de Edimburgo
(Tenabroc) como fazendo parte da comitiva da rainha do Graal.
A obra cisterciense Vulgata do Ciclo, de aproximadamente 1220, contém
a Estoire dei Graal, a Queste dei Saint Graal e os Livres de
Lancelot, bem como outros contos de Artur e Medin. Nessas histórias, as descrições
do Graal são fortemente influenciadas por Chrétien e De Boron, enquanto a
antiga grafia "Graal" é reinstituída. Na Estoire, a história
de José de Arimatéia é prolongada para incluir seus dias na Grã-Bretanha,
enquanto seu herdeiro, o bispo Josefe de Saraz, é identificado como o chefe da
fratemidade do Graal. Bron (o rico pescador de Boron) reaparece como o Rei
Pescador na Estoire. O Graal, por sua vez, tomou-se o miraculoso escuele
(prato) do Cordeiro Pascal. Tanto na Estoire como em Queste, o
castelo Graal é simbolicamente chamado de "le Corbenic" (o Abençoado
em Corpo).
Os Livres de Lancelot (que apresentam Gawain na primeira instância)
expandem a história de Galahad, detalhando-o como o filho de Lancelot pela
filha de Pelles. Ela é a princesa do Graal, Elaine le Corbenic, e Pelles é o
filho do rei pescador ferido, enquanto no relato posterior de Malory o próprio
Pelles é o rei.
O rei Artur certamente recebeu menções no início da literatura a respeito
do Graal, mas foi só no século XIII, com a Vulgata do Ciclo, que ele se
tomou firmemente associado ao tema. Entretanto, depois da queda da Terra Santa,
em 1291, as lendas do Graal desapareceram da arena pública. Somente no século
XV, Sir Thomas Malory reviveu o tema com seu conto The Sankgreal: The
Blessed Blood of Our Jesus Christ.
Já vimos que o filho mais novo de Jesus e Maria Madalena, Josefes,
freqüentou escola druida. As instituições educacionais daquele tipo eram internacionalmente
renomadas; havia nada menos que 60 escolas e universidades assim na Europa,
contando com uma freqüência total de mais de 60.000 estudantes. Os sacerdotes
druidas não faziam parte da Igreja Celta, mas eram um elemento definido, coeso
na estrutura da sociedade gaélica : na Gália, na Grã-Bretanha e na Irlanda.
Foram descritos pelo escritor Strabo, no primeiro século a.C., como
"estudantes da natureza e filosofia moral". E ele continuou, dizendo:
"Acredita-se que eles sejam os mais justos dos homens, e por isso se
confiam a eles julgamentos em decisões que afetam tanto indivíduos como o
público geral. Em termos remotos, eles também arbitravam nas guerras, sendo
capazes de apaziguar adversários no momento em que a batalha ia ser travada;
casos de assassinato são freqüentemente levados a eles para julgamento".
O siciliano Diodoro, outro escritor da época, descrevia os druidas como
grandes "filósofos e teólogos, que são tratados com uma honraria
especial". Dizia-se que os druidas também eram excepcionais estadistas e
adivinhadores. Um antigo texto afirma que:
"Os druidas são homens de ciência, mas também são homens de Deus,
desfrutando um relacionamento direto com as divindades e capazes de falar em
nome delas. Eles também podem influenciar o destino, fazendo seus consulentes
observarem regras positivas ou tabus ritualísticos, ou determinando os dias que
devem ser escolhidos ou evitados para qualquer ação que seja contemplada".
Em épocas posteriores, a Igreja Romana procurava qualquer desculpa para
denunciar os sacerdotes druidas e os monges da Igreja Celta, encontrando a
marca do pecado em seus penteados. Tanto os sacerdotes como os monges deixavam
os cabelos longos e esvoaçantes a partir da parte de trás da cabeça, com a
parte da frente raspada de uma têmpora à outra. O emergente clero romano,
porém, adotava um penteado alternativo: um círculo de cabelos curtos em tomo do
restante da cabeça totalmente raspada, representando uma coroa sagrada. De
acordo com Roma, o estilo celta de cor"": o cabelo era um símbolo
herege dos Magos, e a Igreja o condena como "o penteado de Simão, o
Mago".
Quando Diodoro escreveu a respeito dos bretões no primeiro século a.C.,
referiu-se às obras do escritor grego Hecateus, de três séculos antes,
chamando-os de hiperbóreos (povo originário do outro lado do Vento Norte). Ele
conta que o deus Apolo visitava um templo hiperbóreo "a cada 19 anos: o
período no qual as estrelas retomam ao mesmo lugar no céu". Esse ciclo
astronômico de 19 anos era usado pelos druidas para cálculos de calendário,
como confirma o velho Calendário de Coligny, encontrado no Departamento Francês
de Ain, norte de Lyon, em 1897.
O Calendário (uma tábua de bronze fragmentada) remonta ao primeiro século
da era cristã e é o mais longo documento desenterrado na Gália. Ele dá uma
tabela com 62 meses consecutivos (cerca de cinco anos solares), tendo cada mês
29 ou 30 dias. Os dias de cada mês se relacionam entre si, com períodos
inerentes de escuridão e luz, e mencionando também dias auspiciosos ou não auspiciosos.
No geral, o Calendário de Coligny indica uma significativa competência em
ciência astronômica, parecida com a dos antigos babilônios.
A Astronomia era de suma importância para os druidas, que, segundo se
dizia, "tinham muito conhecimento das estrelas e seus movimentos, do
tamanho do mundo e da terra, e de filosofia natural". Eles também
acreditavam em reencarnação (a transmigração de almas) - um aspecto do antigo
pitagorismo. Muito tempo atrás, precisamente no século VI a.C., Pitágoras
fundou uma das primeiras escolas de mistérios. Nesse ambiente, foi desenvolvido
um modelo do Universo que se baseava corretamente no fato de que a Terra gira
em torno do Sol (o princípio heliocêntrico). Mas ainda muito tempo depois, no
século XVI, o astrônomo polonês Nicolau Copérnico foi ameaçado de excomunhão, e
pior, por sua crença nesse conceito. Ao apresentar sua teoria, Copérnico sofreu
um verdadeiro massacre por parte da Igreja Católica, que insistia que a Terra
era o centro do Universo. Para os antigos druidas, com seu avançado
conhecimento dos corpos celestes, a idéia de um Universo com a Terra em seu
centro era impensável.
Em comum com os Magos samaritanos da era de Qumrã, os druidas eram
praticantes de avançada numerologia e cura. Durante o período dos Evangelhos,
os essênios de Qumrã tinharn um especial interesse pela matemática que
governava a ordem do Cosmos. Sua cultura era, em grande parte, dominada pelo
pensamento pitagórico, herdado por meio dos Magos de Manassés do Oeste - uma
seita fundada por Menahem em 44 a.C.
Um sucessor de Menahem como Líder dos Magos foi o colega de Maria
Madalena, Simão (o Mago) Zelote, cujos gnósticos supostamente possuíam uma
sabedoria única e esotérica (chamada Sapientia) que transcendia o Cristianismo.
Um documento gnóstico encontrado em Chenoboskion, Egito, e conhecido como
Tratado de Hermes Trismegisto, diz:
"É, portanto, por graus que os adeptos entram no caminho da
imortalidade, e obtêm um conceito do
Ogdoad, que por sua vez revela o Ennead".
O Ogdoad ("óctuplo") corresponde ao céu das estrelas, fora dos
céus individuais dos planetas, e o Ennead ("nônuplo") se refere ao
grande céu exterior do Universo. O céu separado da Terra era chamado de
Hebdômada ("sétuplo"). Para os gnósticos, os céus eram áreas
estritamente estratificadas de espaço em volta da Terra, dos planetas e das
estrelas. Embora os céus estivessem sujeitos à sua mitologia, a compreensão
lógica dos gnósticos tinha pouca relação com o princípio cosmológico da
posterior Igreja Romana, que por séculos insistia que a Terra era chata, e que
o Céu era simplesmente "acima" (algumas escolas sugeriam que o Céu -
também chato - era sustentado acima da Terra por pilares invisíveis).
Hermes Trismegisto era o nome dos neoplatonistas gregos para Tot, o deus
egípcio reverenciado como fundador da alquimia e da geometria. Seguindo os
ensinamentos de Platão (c.429-347 a.C.), os neoplatonistas afirmavam que o
intelecto humano não tinha relação com o mundo material, e que a
espiritualidade individual aumentaria em relação ao desprezo do indivíduo pelos
valores terrenos. A relevância de Hermes era que seu conhecimento especial
supostamente representaria a Sabedoria Perdida de Lameque (sétimo na sucessão
de Caim, filho de Eva - Gênesis 4: 18-22). Assim como Noé salvou várias formas
de vida do grande Dilúvio, também os três filhos de Lameque, Jabal, Jubal e
Tubalcaim, preservaram as antigas sabedorias da ciência criativa, gravadas em
dois monumentos de pedra: os Pilares Antediluvianos. Um dos filhos era
matemático, o segundo pedreiro, e o terceiro artífice. Hermes descobriu um dos
pilares, transcrevendo sua geometria sagrada numa tábua de esmeralda que fora
herdada por Pitágoras, o qual também descobriu o segundo pilar.
A associação entre o conhecimento sagrado do Cosmos e uma tábua de
esmeralda lembra Parzival, de Wolfram, em que o Graal é identificado como uma
pedra e comparado a uma jóia de esmeralda. Além disso, uma inscrição da tábua
de esmeralda de Hermes aparece em algumas cartas de tarô:
"Visita as partes interiores da terra; por retificação tu
encontrarás a pedra escondida".
Pela associação com a Pedra enigmática, o Graal tem sido identificado com
a alquimia - a ciência da concentração de correntes vitais e forças vitais. Na
época da Inquisição Católica, os alquimistas tomavam cuidado para velar sua
arte por trás dos símbolos de metalurgia - dizendo que estavam tentando apenas
converter metais básicos em ouro. Na verdade, os alquimistas eram metalurgistas
da mais alta ordem, mas, em termos filosóficos e metafisicos, eles estavam mais
interessados na transformação da pessoa mundana (chumbo) em uma espiritualmente
iluminada (ouro). Assim como o ouro era experimentado e testado no fogo, também
o espírito humano era tentado no crisol da vida - e o agente para essa
iluminação era percebido como o Espírito Santo.
Como não seria de surpreender, essa doutrina de perfeição humana pela
iluminação era considerada herética pela Igreja, cujos ensinamentos ela
transcendia. Embora fundada sobre uma base judaico-cristã, a tradição do Graal
era comparada à alquimia, e portanto considerada heresia. A pedra escondida foi
descrita na obra de alquimia Rosarium Philosophorum, em termos de geometria:
"Faze um círculo do homem e da mulher, e disso desenha um quadrado,
e do quadrado um triângulo. Faze um círculo, e terás a pedra filosofal".
Assim como a pedra filosofal, o Graal é identificado como a chave do
conhecimento e a soma de todas as coisas. Em sua forma nominal como o Graal, a
raiz etimológica vem do velho termo mesopotâmico Gra-al, que seria o
"néctar da suprema excelência". Também deriva da palavra grega gar,
que significa "pedra", portanto gar-al é a taça de pedra. Como já
vimos, o sacerdócio de Jesus era o de Melquisedeque (Hebreus 5:6-7), que está
reproduzido na porta norte da Catedral de Chartres. Lá, na Porta dos Iniciados,
Melquideseque é o anfitrião de Abraão (de acordo com Gênesis 14:18-20), e
carrega uma taça que contém o maná escondido (alimento espiritual, ou pão de
cada dia) da pedra sagrada.
A Liga dos Pedreiros, que construiu Chartres e outras catedrais
francesas, era chamada de "os Filhos de Salomão". Hiram Abiff, o
arquiteto do Templo do rei Salomão, era um alquimista hermético - descrito como
"um artífice dos metais". Seu antigo precursor foi Tuba1cain (Gênesis
4:22), o filho de Lameque e professor de todos os que se seguiram. Na Franco
Maçonaria, Hiram Abiff é identificado como o Filho da Viúva, e nas histórias do
Graal o constante epíteto de Percival é exatamente o mesmo. A viúva original da
linhagem do Graal era Rute, a moabita (heroína do livro de Rute, no Antigo
Testamento), que se casou com Boaz para se tornar a bisavó de Davi. Seus
descendentes eram chamados de Filhos da Viúva.
O princípio subjacente de Hermes Trismegisto era "Como é em cima,
assim é embaixo", o que denota que a harmonia da proporção terrestre é
representativa de seu equivalente universal - em outras palavras, essa
proporção terrestre é a imagem mortal da estrutura cosmológica. Da menor célula
à mais vasta das galáxias, a repetitiva lei geométrica prevalece, e isso já era
compreendido nos tempos mais remotos.
OS SÍMBOLOS SAGRADOS DO GRAAL
Em sua representação como uma pedra ou jóia, o Santo Graal é o
repositório da sabedoria espiritual e do conhecimento cosmológico. significando
"realização". Como um prato ou bandeja, ele carrega a hóstia da
Eucaristia ou o Cordeiro Pascal e simboliza o ideal de "serviço". A
representação mais popular como um cálice contendo o sangue de Jesus é, porém,
uma imagem puramente feminina. Para a Igreja, os cálices sagrados tinham
associações pagãs e a imagem do Graal foi relegada às convenientes asas da
mitologia.
Na tradição pagã, o Graal era comparado aos caldeirões místicos do
folclore celta: as cornucópias da plenitude, que reservavam os segredos da
provisão e do renascimento. O pai dos reis-deuses irlandeses, Dagda da Tuatha
Dé Danaan, tinha um caldeirão que só cozinhava para heróis. Do mesmo modo, a
cornucópia de Caradoc não fervia carne para os covardes. O pote da deusa Ceridwen
continha uma poção de grande conhecimento e os deuses galeses Matholwch e Brân
possuíam receptáculos semelhantes. A semelhança do nome Brân ao de Bron o Rico
Pescador já foi citada com freqüência, com a sugestão de que talvez um tenha
derivado do outro.
O recipiente do mistério para os antigos gregos era o Krater. (Em
contextos mundanos, um krater era uma tigela de pedra para misturar vinho.) Em
termos filosóficos, o Krater continha os elementos da vida e Platão fazia
referência a um krater que continha a luz do sol. Os alquimistas também tinham
seu recipiente do qual nasceu Mercúrio, o filius philosophorum (filho dos
filósofos) - uma criança divina que simbolizava a sabedoria do vas-uterus,
enquanto o recipiente hermético era chamado de "ventre do conhecimento".
É esse aspecto uterino da enigmática taça que é tão importante na ciência do
Graal.
A medieval Litania de Loretto chegou a descrever Maria, a mãe de Jesus,
como vas espirituale (recipiente espiritual). Na cultura esotérica, o ventre
era identificado como o "recipiente de luz" e era representado por
uma taça ou um cálice. Os santuários pré-históricos de 3500 a.C. associam a
figura com o ventre da Deusa Mãe. O símbolo reverso masculino era uma lâmina ou
um chifre, ordinariamente simbolizado como uma espada, embora sua representação
mais poderosa fosse na fabulosa mitologia do Unicórnio. No Salmo 92:10, lemos:
"Tu exaltas o meu poder como o do boi selvagem". Assim como o Leão de Judá, o lendário Unicórnio
era emblema da linhagem real ungida de Judá, emergindo como as armas heráldicas
da Escócia. O Santo Graal passou a ser comparado com um recipiente ou uma taça,
porque se dizia que ele transportava o perpétuo sangue de Jesus, e, assim como
os kraters e caldeirões continham seus vários segredos, também O sangue de
Jesus (o Sangréai) deveria estar contido numa taça.
Em Parzival, lemos que a rainha do Graal "carregava... a perfeição
do paraíso terrestre, tanto as raízes como os galhos". De acordo com o
Evangelho de João (15:5), Jesus disse: "Eu sou a videira, vós os
ramos". No Salmo 80:8, lê-se: "Trouxeste uma videira do Egito,
expulsaste as nações e a plantaste".
A linhagem dos reis merovíngios era chamada de A Videira, e a Bíblia
classifica os descendentes de Israel como uma Videira - a linhagem de Judá
sendo descrita extensivamente como a "planta dileta" do Senhor
(Isaías 5:7). Na verdade, algumas representações artísticas de Jesus o mostram
num lagar, acompanhado pela frase "Eu sou a videira verdadeira" (João
15:1). Alguns emblemas do Graal e marcas d'água mostram um cálice contendo
cachos de uvas: a fruta e as sementes da videira. Da uva é feito o vinho - e o
vinho da Eucaristia é o símbolo eterno da linhagem messiânica.
Nas lendas originais do Graal havia constantes referências à Família do
Graal, à dinastia do Graal e aos guardiões do Graal. Lendas à parte, os
Cavaleiros Templários de Jerusalém eram de fato os Guardiões do Sangréal. A
relacionada Prieuré Notre Dame, de Sião, tornou-se aliada à linhagem merovíngia
em particular, e o descendente merovíngio Gofredo de Bouillon. duque da Baixa
Lorraine, foi ordenado como Defensor do Santo Sepulcro e rei de Jerusalém em
1099.
Independentemente das taças e das pedras, a importância do Graa: existe
em sua definição como o Sangréal. Daí vem San Greal = Saro Graal = Saint Grayle
= Santo Graal. Mais corretamente é o Sang Real - o sangue real, carregado no
cálice uterino de Maria Madalena. Foi ela quem inspirou a Dompna (Grande
Senhora) dos trovadores, que eram tão maltratados pela Inquisição, e eles a
chamavam de Graal do Mundo.
Conforme detalhado na literatura medieval, o Graal era identificado com
uma família e uma dinastia. Era a Videira desposyni de Judá, perpetuada no
Ocidente pelo sangue de Jesus. Essa linguagem incluía os reis pescadores e
Lancelot del Acqs. Descendía até os reis merovíngios dos francos e os reis
Stewart dos escoceses, incorporando reputadas figuras como Guilherme de Gellone
e Gofredo de Bouillon.
Descendente do irmão de Jesus, Tiago/José de Arimatéia, a família do
Graal fundou a Casa de Camulod (Colchester) e a Casa Nobre de Gales. Notáveis
nessas linhagens foram o rei Lúcio, Coel Hen, a imperatriz Helena, Ceredig
Gwledig e o rei Artur. O legado divino do Sangréal foi perpetuado nas casas
soberanas e mais nobres da Grã Bretanha e Europa, ainda existentes hoje.
Uma vez estabelecido o fato de que a Videira representa a linhagem
messiânica, concluímos que o vinhedo é o lugar onde as vinhas florescerão.
Aproximadamente dois séculos depois do Concílio de Constance, em 1417, o
arcebispo Ussher deArmagh (o compilador da cronologia da Bíblia) comentou
acerca dos registros do Concílio. Desses, ele repetiu textualmente: "Logo
após a paixão de Cristo, José de Arimatéia pôs-se a cultivar o Vinhedo do
Senhor, isto é, a Inglaterra".
Pelos anais da genealogia dos santos e do pedigrée bárdico, fica evidente
que a linhagem messiânica do Sangréal chegou à Grã-Bretanha da Gália, no
primeiro século da era cristã. No Vinhedo do Senhor, a linhagem floresceu até
se tomar a Casa Nobre de Gales e dessa antiga raiz surgiram os chefes
Gwyr-y-Gogledd das regiões ao norte.
Em paralelo, outra ramificação da Videira se juntou aos grandes reis de
Camulod e Silúria. Não foi por acaso que o príncipe Lino, filho de Caractaco,
tomou-se o primeiro Bispo de Roma. Tampouco foi um jogo das circunstâncias que
Helena (princesa Elaine de Camulod), filha de CoeI II da Grã-Bretanha, casou-se
com o imperador Constâncio. Por meio dessa aliança, Roma se atrelou à sucessão
real Judéia, que ela tanto tentou suprimir de outras maneiras. O filho de Santa
Helena era Constantino, o Grande, e, tendo uma mãe cristã celta de linhagem
desposyni, ele não tardou a se autoproclamar o verdadeiro Messias, embora os
predecessores de seu pai fossem selvagens perseguidores do movimento cristão.
Apesar de afirmarem ter descoberto os ossos de Artur e Guinevere, mesmo
os inventivos monges da Glastonbury não produziram coisa alguma que pudesse ser
o Santo Graal - mesmo porque o Graal ainda não tinha sido definido como uma
relíquia cristã antes das escavações dos monges. Embora De Boron não perdesse
tempo em identificar o Santo Graal como o cálice da Santa Ceia, os monges nunca
tinham ouvido falar disso; não havia menção de Cálice Sagrado na Bíblia ou em
qualquer outra escritura ortodoxa. Além disso, como quase todas as lendas do
Graal provinham de fora da Inglaterra, nada havia de substancial que associasse
o Graal a Glastonbury, exceto pela ligação com José de Arimatéia.
Assim, para não ficarem esquecidos, os monges anunciaram a descoberta de
um par de galhetas que teriam sido enterradas com José. Elas já tinham sido
mencionadas (por volta de 540) pelo rei Maelgwyn de Gwynedd, tio de São Davi,
que escreveu:
"José tinha consigo, em seu sarcófago, duas galhetas brancas e
prateadas com o sangue e o suor do profeta Jesus".
As galhetas são reproduzidas em vitrais na Igreja de São João,
Glastonbury, na Igreja de Langport, em Somerset, e num crucifixo retratado em
Plymtree, Devon - mas nunca foram exibidas em público, se é que de fato
existiram. Assim, essa falta de comprovação visível gerou, séculos mais tarde,
uma nova tradição em Glastonbury - mais aprazível aos olhos: o Espinheiro
encantado. Em 1520, a literatura local descrevia um espinheiro em Wearyall Hill
que dava folhas e brotava na época do Natal e também em maio. O espinheiro foi
destruído durante a guerra civil de Cromwell (1642-1651), mas alguns brotos
foram replantados na área, e cada planta floresceu novamente do mesmo modo.
Botânicos especializados detectaram que o espinheiro não era nativo da
Inglaterra, e parecia ter uma origem levantina - o que acabou despertando uma
nova mitologia em Somerset.
Em 1716, um estalajadeiro local afirmou que a planta
incomum tinha brotado do cajado de José de Arimatéia, que ele plantara para
desabrocho no Natal (não que as festas de dezembro fossem relevantes na época
dele. Só 300 anos mais tarde Constantino ajustaria a data do aniversário de Jesus
para coincidir com o solstício de inverno). A noção de que o cajado de José se
abriria em flor provinha de um verso profético em Isaías 11:1: "Do tronco
de Jessé [que era pai de Davi] sairá um rebento, e das suas raízes, um
renovo". Em algumas obras de arte da Igreja e em escritos apócrifos, o
cajado em flor da linhagem real é representado na mão do pai de Jesus, José.
Foi só no século XIX, com a obra ldylls ofthe King, ou idílios do
rei, de Alfred, lorde Tennyson, que Glastonbury foi especificamente associado
ao Santo Graal. A água avermelhada incomum do Poço de Giz de Glastonbury (na
verdade, tingida de vermelho pelo óxido de ferro) foi prontamente relacionada
ao sangue de Jesus. O poço foi rebatizado com o nome de Poço do Cálice (Chalice
Well), e diziam que a cor da água se devia ao conteúdo do Graal, que José
teria enterrado nas proximidades. A famosa tampa do poço, decorada em ferro ao
estilo da arte celta, foi elaborada pelo arquiteto Frederick Bligh Bond, depois
da Primeira Guerra Mundial. A despeito da variedade de relíquias santas e
arturianas em Glastonbury (algumas verdadeiras e outras inventadas), a relação
de José de Arimatéia com a Grã-Bretanha é muito mais bem comprovada
historicamente. Foi tema de debate em vários Concílios da Igreja na Europa,
dando aos ingleses possibilidade de alegar uma origem cristã muito anterior à
de Roma. No Concílio de Pisa, em 1409, houve até uma controvérsia a respeito de
quem teria vindo primeiro ao Ocidente, José ou Maria Madalena. Hoje em dia seria
surpreendente se a Igreja admitisse que sequer eles vieram.
A misteriosa lança branca com sangue na ponta, que geralmente acompanhava
o Graal nas lendas, seria a arma que espetou a virilha do Rei Pescador. Ela era
identificada com a lança bíblica de Longino, que derramou sangue de Jesus na
crucificação. A lança e mais uma taça, uma espada e um prato (ou bandeja)
constituíam os Símbolos Sagrados do Castelo do Graal.
Muitos leitores perguntam a respeito da origem de Longino, pois embora
seu nome seja bem conhecido como o do centurião com a lança, não é mencionado nos Evangelhos. Na verdade, o nome
aparece no apócrifo Atos de Pilatos 15:7 (às vezes chamado de Atos de
Nicodemos), que foi omitido do Novo Testamento. Na prática, porém, Longino
não era um nome próprio; era a forma latinizada da palavra grega Longynx, que
significava "lanceiro".
Depois da primeira Inquisição Católica do papa Gregório IX, em 1231, as
histórias do Graal foram condenadas pela Igreja. Não chegaram a ser denunciadas
como heresia, mas todo material relacionado ao Graal foi suprimido. Como resultado,
a tradição mudou para um simbolismo disfarçado
particularmente o das cartas de tarô. Estas surgiram no norte da Itália,
em Marselhas e em Lyon, no século XIV. Parte do trabalho mais interessante
surgido recentemente acerca do tarô, e também acerca do simbolismo gráfico em
geral, vem da autora americana Margaret Starbird. Seus textos, nesse sentido,
têm total concordância com os preceitos da tradição do Graal.
Os quatro naipes dos Arcanos Maiores do tarô eram as Espadas, as Copas,
os Pentáculos e os Bastões (Varinhas). Eles correspondiam aos Símbolos Sagrados
do Graal: Espada, Cálice, Bandeja e Lança. Com o tempo, os naipes foram
redefinidos como Paus, Espadas, Ouros e Copas, usados no baralho de cartas para
jogos, hoje em dia. As espadas eram originalmente uma lâmina (o símbolo
masculino); o naipe de copas era um cálice da igreja alternativa (o símbolo
feminino); o de ouros era um valioso disco em um pentáculo (também
representando um prato ou bandeja de servir); e o naipe de paus (denotando a
contínua linhagem de Davi) era representado como o Rebento em flor de Jessé.
Desde os tempos mais remotos, os símbolos eram usados para identificar a
unidade sagrada da câmara nupcial. O símbolo em forma de V do cálice feminino e
o V invertido da lâmina masculina (sexos opostos) se juntavam (um acima do
outro) no familiar sinal do X. Esse era o Sinal sagrado original da Cruz, e era
usado como a marca de batismo e iniciação muito antes de Jesus. Como confirmam
os Pergaminhos do Mar Morto, ele era colocado na testa daqueles que gemiam por
Jerusalém (Ezequiel 9:4), e era concedido no mais alto grau de iniciação
comunitária ao Santuário.
Sob influência romana posterior, uma nova cruz foi elaborada: a cruz
latina ereta da Igreja de São Pedro, com sua alta sanefa. Os cristãos
mantiveram seu antigo X, porém, percebendo que a cruz latina representava a
tortura romana. Assim, a original se tomou um sinal de heresia aos olhos de
Roma. Essa imagem herética é perpetuada até hoje como uma ligação à carne e ao
diabo, como em filmes pornográficos classificados com um "X". Na
verdade, seu significado anti-sistema foi incorporado para uso em escolas, no
processo de marcar com um X as respostas erradas.
Embora a cruz de São Pedro tenha sido latinizada, a tradição de seu irmão
foi mantida pelo glifo X original: a cruz de Santo André. André foi crucificado
em Patras, perto do mar Negro, onde tinha trabalhado com os Cítios antes que
estes começassem seu movimento para o oeste, até a Irlanda e a Caledônia. Como
resultado, ele se tomou o santo padroeiro da Escócia, e sua cruz se tomou o
famoso símbolo nacional do país. Roma não gostou do ressurgimento desse antigo
artefato esotérico, e foi bolada uma história para explicar que André morrera
numa cruz em forma de X.
Posteriormente, criou-se uma cruz conciliatória - a familiar cruz centrada
ereta, não-cruciforme, não esotérica. Ela se tomou a cruz de São Jorge, cujo
culto foi trazido ao Ocidente pelos Cruzados. Depois da Convenção de Genebra,
em 1864, ela se tomou o símbolo da agência internacional Cruz Vermelha - uma
inversão de cores da bandeira suíça.
Os poderes dos inquisidores do papa aumentaram em 1252, quando foram
autorizados julgamentos secretos, tortura e morte na fogueira. Na Espanha, a
perseguição dos hereges visava particularmente aos judeus apóstatas e
muçulmanos, a partir de 1478. A Inquisição Romana do papa Paulo III contra os
protestantes começou em 1542. O "rio subterrâneo" do Graal reteve sua
identidade por meio de marcas d'água secretas e símbolos estilizados. Por causa
de sua simplicidade, o símbolo do X era amplamente usado - às vezes
abertamente, porém, com astúcia. Na Madona da Romã, de Botticelli, um
anjo usa uma fita vermelha em X no peito. Em sua Madona do Livro (1483),
Maria usa um X vermelho no justilho, enquanto o menino Jesus segura três flechas
douradas em miniatura. Eram os símbolos misteriosos das Três Flechas da
Iluminação - uma imagem dos alquimistas misteriosos.
Os segredos do tarô eram guardados em 22 cartas de trunfo: os Arcanos
Maiores. A palavra "trunfo" nesse contexto deriva do velho termo
francês trompe, correspondende à trombeta que figurativamente dividiu a
Igreja de Pedro. Os trunfos do tarô são chamados de O Livro de Thoth, *
uma expressão da sabedoria secreta.
A Igreja de Roma condenava os naipes menores, mas proibia expressamente
os trunfos porque eram considerados blasfemos. Na verdade, nada havia de
anticristão nas cartas, embora fossem decididamente anti-sistema. O
Cristianismo do tarô era o da antiga cultura do Graal, não do Catolicismo. O fato
de ciganos e outros grupos usarem as cartas de tarô para adivinhação nada tinha
a ver com seu propósito original, mas foi por esse uso secundário que a
propaganda da Igreja conseguiu impregnar uma imagem sinistra às cartas.
As cartas modernas de jogar ainda retêm o Curinga do tarô. Ele é um
bobo-da-corte, ou um louco; mas, mesmo assim, sempre vence. Seu legado vem de 1
Corintos:
"O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são pensamentos
vãos. Portanto, ninguém se glorie nos homens (3:20-21). Nós somos loucos por
causa de Cristo (4:10)" .
Uma representação literária do Curinga aparece em Perzival, o homem
simples que obtém sucesso naquilo em que os mais sofisticados falharam. Outras
figuras de tarô deixaram sua marca no mundo. Uma destas, e muito importante, é
o símbolo feminino da Justiça. Ela é a Virgem, a donzela das estrelas, com sua
espada de duas pontas e a balança de Libra. A representação, na verdade, tem
mais a ver com discriminação do que com justiça - mostrando o equilíbrio e a
harmonia da natureza de um lado, enquanto o outro exerce a autoridade judicial.
A carta original mostrava a tênue posição da Igreja do Graal contra a
severidade da Inquisição Romana, e era conhecida como a carta de Madalena.
Outras cartas associadas a Maria Madalena eram A Torre, O Mundo e A
Força. Na tradição do Graal, A Torre (ou Casa de Deus) representava o
Magdal-eder (ou Torre do rebanho, como em Miquéias 4:8), e não era diferente de
uma torre do jogo de xadrez. Atingida por um raio, ou atacada misteriosamente
de outra forma, A Torre simbolizava a má sorte da Igreja esotérica nas mãos do
cruel sistema romano.
O espírito de Maria Madalena também se manifestava em O Mundo. De pé ou
dançando dentro de uma guirlanda oval, nua ou vestida, a mulher segurava um
cetro ou outra marca de soberania. A figura era semelhante à imagem de Madalena
subindo ao céu, em Livro das Horas, 1490.
A carta A Força normalmente mostrava uma mulher dominando um leão ou
sustentando um pilar quebrado. Algumas cartas tinham as duas imagens. A
primeira era o Leão de Judá, e a segunda o Pilar de Boaz ("em força")
do Templo de Salomão. De qualquer forma, a mulher era a responsável pela
sucessão real:
“Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti;
teu trono será estabelecido para sempre (2 Samuel 7:16)”.
Em alguns baralhos antigos, o desenho de um Graal era incorporado na
imagem dessa carta, e a mulher era identificada como Maria Madalena. A imagem
representava a continuação da linhagem de Davi, como se vê no Salmo 89:4: “Para
sempre estabelecerei a tua posteridade e firmarei o teu trono de geração em
geração”.
GUARDIÕES DA RELÍQUIA SAGRADA
OS CAVALEIROS CRUZADOS
Desde o início da dinastia carolíngia na França, no século VIII, a Igreja
começou a implementar um novo domínio territorial, com seus reis marionetes na
linha de frente, por toda a Europa Ocidental e Central. Esse domínio se tomaria
o Santo Império Romano, que persistiu até 1806. Durante esse período, a história
imperial era compilada pelos escrivães do Vaticano, ou por outros que seguiam a
autoridade do Vaticano. O resultado inevitável foi que os relatos da vida do
rei merovíngio assassinado, Dagoberto, foram suprimidos a ponto de ele não
existir nas crônicas. Só dali a mil anos os verdadeiros fatos de sua vida
viriam a público, e só no século XVII se tomou evidente que Dagoberto tinha um
filho chamado Sigeberto, cujos descendentes incluíam o famoso cavaleiro cruzado
Gofredo de Bouillon, Defensor do Santo Sepulcro.
Na época da conquista normanda da Grã-Bretanha, em 1066, os merovíngios
da Gália vinham sendo ignorados havia uns 300 anos. Durante seu reinado, porém,
eles tinham estabelecido um número de costumes governamentais que ainda
prevaleceram. Uma das inovações merovíngias era um sistema de supervisão
regional pelos oficiais chefes chamados Comtes (condes). Como assistentes dos
reis, os condes agiam nas funções de chanceleres, de juízes e de líderes
militares. Não eram diferentes dos condes celtas da Grã-Bretanha, embora a
natureza dos dois grupos titulares mudasse para incorporar posse de terra nos
tempos feudais.
No século XI, os condes de Flandres e Boulogne ganharam proeminência na
sociedade flamenga. Levando em conta a herança de Davi por parte de Gofredo de
Bouillon, seria apropriado que ele (irmão do conde Eustácio III de Boulogne) se
tomasse o designado rei de Jerusalém depois da Primeira Cruzada. Essa ventura
militar foi incitada em 1095 pela tomada muçulmana de Jerusalém, após o que o
papa Urbano I criou um espetacular exército, liderado pelos melhores cavaleiros
na Europa. A idéia foi particularmente inspirada por Pedro, o eremita que
conduziu uma malfadada cruzada dos camponeses, levando homens, mulheres e crianças
através da Europa para reconquistar a Terra Santa. A maioria não chegou ao
destino, e milhares foram massacrados en route por malfeitores e
soldados transviados do império bizantino. Nas cartas do tarô esotérico, o
eremita (uma alusão a Pedro) é representado com uma lanterna iluminando o
caminho.
Na onda do infortúnio do eremita, o exército do papa Urbano foi
coordenado por Ademar, bispo de Le Puy, e na vanguarda estava Robert, duque da
Nonnandia, junto com Estevão, conde de Blois, e Hugo, conde de Vernandois. O
contingente flamengo foi liderado por Robert, conde de Flandres, e incluía
Eustácio, conde de Boulogne, com seus irmãos Gofredo de Bouillon e Baldwin. O
sul da França estava representado por Raymond de St. Giles, conde de Toulouse.
Naquela ocasião, Gofredo de Bouillon era duque da Baixa Lorraine. Ele
tinha sucedido ao título por meio de sua mãe famosa, Santa Ida, de quem ganhou
o castelo e as terras de Bouillon - propriedades que ele hipotecara com o bispo
de Liege, para que este financiasse sua campanha na Terra Santa. No decorrer da
Primeira Cruzada, Gofredo tinha se tornado seu comandante-geral e, com o
sucesso final, em 1099, ele foi proclamado rei de Jerusalém. No evento, ele
preferiu não usar a dignação de rei, assumindo, isto sim, a distinção
alternativa de Defensor do Santo Sepulcro.
Das oito Cruzadas, que duraram até 1291 no Egito, na Síria e na Palestina,
só a Primeira Cruzada de Gofredo foi bem-sucedida, mas mesmo ela foi marcada
por excessos de tropas irresponsáveis, que usavam sua vitória como desculpa
para massacrar muçulmanos nas ruas de Jerusalém. Não só Jerusalém era
importante para os judeus e cristãos, mas também se tornara a terceira Cidade
Santa do Islã, depois de Meca e Medina. Como tal, a cidade é o centro de
acirradas disputas até hoje.
A Segunda Cruzada, a Edessa, liderada por Luís VII da França e pelo
imperador germânico Conrado III, fracassou miseravelmente. Mais ou menos cem
anos depois do sucesso inicial de Gofredo, Jerusalém caiu novamente, desta vez
nas mãos do poderoso Saladin, em 1187. Isso acarretou a Terceira Cruzada, sob a
liderança de Filipe Augusto da França e Richard da Inglaterra (Ricardo Coração
de Leão), mas os dois não conseguiram recuperar a Cidade Santa. As Quarta e
Quinta Cruzadas se centraram em Constantinopla e Damietta. Jerusalém foi
reivindicada brevemente após a Sexta Cruzada do imperador Frederico II, mas
acabou finalmente sendo concedida ao sultão do Egito em 1244. Luís IX, então,
liderou as Sétima e Oitava Cruzadas, mas não conseguiu reverter a situação. Em
1291, a Palestina e a Síria se encontravam sob firme controle muçulmano, e as
Cruzadas acabaram.
Durante essa era das cruzadas, várias Ordens de cavaleiros surgiram,
incluindo a Ordre de Sion (Ordem de Sião),
fundada por Gofredo de Bouillon em 1099. Havia também a Ordem dos
Cavaleiros Protetores do Santo Sepulcro e os Cavaleiros Templários. Gofredo de
Bouillon morreu em 1100, pouco depois de seu triunfo em Jerusalém, e foi
sucedido como rei por seu irmão mais novo, Baldwin de Boulogne. Dezoito anos depois,
Baldwin foi sucedido, em 1118, por seu primo Baldwin II du Bourg. De acordo com
as versões ortodoxas, os Cavaleiros Templários se formaram naquele ano como os
Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão. Eles teriam sido reunidos por
um grupo de nove franceses, que fizeram votos de pobreza, castidade e
obediência, e juraram proteger a Terra Santa.
O historiador franco Guilherme de Tiro escreveu, no auge das Cruzadas
(por volta de 1180), que a função dos Templários era salvaguardar as estradas
para os peregrinos. No entanto, devido à enormidade de tal obrigação, é
inconcebível que nove homens pobres conseguissem cumpri-Ia sem alistar novos
recrutas até voltarem para a Europa em 1128. Na verdade, havia muito mais na
Ordem do que o relato de Guilherme nos passa.
Os Cavaleiros já existiam fazia alguns anos quando se começou a dizer que
sua Ordem fora fundada por Hugues de Payens, um primo e vassalo do conde de
Champagne. A função deles certamente não era patrulhar as estradas, e o
cronista do rei, Fulk de Chames, não os descreveu assim. Eles eram os
diplomatas de linha de frente do rei em um ambiente muçulmano e, nessa
condição, esforçavam-se para corrigir as ações indevidas dos Cruzados contra os
indefesos súditos do sultão. O bispo de Chames escreveu a respeito dos
Templários em 1114, chamando-os de Milice du Christi (Soldados de Cristo).
Naquela época, os Cavaleiros já estavam ordenados no palácio de Baldwin,
localizado numa mesquita que ficava no lugar do Templo de Salomão. Quando
Baldwin se mudou para a fortaleza coberta na Torre de Davi, o espaço do Templo
foi deixado inteiramente para a Ordem dos Templários.
Hugues de Payens foi ao mesmo tempo o fundador e o primeiro Grão Mestre
da Ordem. Seu segundo-em-comando era o cavaleiro flamengo Gofredo Saint Omer,
enquanto outro recruta era André de Montbard, parente do conde de Borgonha. Em
1120, Fulk, conde d' Anjou (pai de Geoffrey Plantagenet), também se juntou à
Ordem, e foi seguido em 1124 pelo senhor feudal de De Payens, Hugues, conde de
Champagne. Evidentemente, os Cavaleiros não eram pobres, e não existe nenhum
registro desses ilustres nobres patrulhando as estradas infestadas de beduínos,
para proteção dos peregrinos.
A tarefa de ministrar para os peregrinos era, na verdade, realizada pelos
Hospitalários de São João de Jerusalém. Já os Cavaleiros Templários eram um
grupo muito seleto e uma unidade especial. Eles tinham feito um juramento
especial de obediência - não ao rei ou ao seu líder, mas ao abade cisterciense,
São Bernardo de Clairvaux (morto em 1153, que tinha ligações com o conde de
Champagne. Na verdade, foi em uma terra doada pelo conde que Bernardo
construiu o mosteiro cisterciense de Clairvaux em 1115. Foi São Bernardo quem
revitalizou a Igreja Celta da Escócia e reconstruiu o mosteiro de Columba em
Iona. Foi também São Bernardo quem, a partir de 1128, traduziu pela primeira
vez a geometria sagrada dos Pedreiros do rei Salomão, e pregou a Segunda
Cruzada em Vézelay para o rei Luís VII e uma congregação de 100.000. Em
Vézelay ficava a grande Basílica de Santa Maria Madalena, e o juramento dos
Cavaleiros Templários a São Bernardo exigia a "Obediência de Betânia - o
castelo de Maria e Marta".
Não há coincidência no fato de a obra de Chrétien de Troyes, le Conte
dli Graal (século XII), ser dedicada a Filipe d' Alsace, conde de Flandres.
Tampouco foi por acaso que Chrétien foi patrocinado e incentivado em sua
tarefa pela condessa Maria e a Corte de Champagne. A cultura do Graal nasceu
diretamente desse antigo ambiente Templário e a obra Periesvaus retratava
os Cavaleiros como guardas de um grande e sagrado segredo. Parzivai, de
Wolfram, os definia como os Guardiões da Família do Graal.
Embaixo e à grande profundidade do Templo de Jerusalém se encontrava o
grande complexo do estábulo do rei Salomão, que permanecera selado e intacto
desde os tempos bíblicos. O enorme abrigo subterrâneo foi descrito por um
Cruzado como um "estábulo de magnífica capacidade, tão grande que podia
abrigar mais de 2.000 cavalos". Abrir esse gigantesco repositório era a
missão secreta original dos Cavaleiros Templários, pois São Bernardo sabia que
ele continha a riqueza de Jerusalém do Antigo Testamento, incluindo a Arca da
Aliança, que, por sua vez, continha o maior de todos os tesouros: as Tábuas do
Testemunho.
Podemos nos perguntar por que essas relíquias da época de Moisés se
tomaram objeto de uma missão tão bem guardada, chefiada por um abade
cisterciense e pela flor da nobreza flamenga. Os escritos de hoje, aprovados
pela Igreja, dizem que as tábuas de Moisés continham os Dez Mandamentos
gravados em pedra pelo próprio Deus; entretanto, a substância desses bem
conhecidos decretos de disciplina moral dificilmente constituíra um segredo. Na
verdade, as tábuas procuradas pelos Cavaleiros eram particularmente
importantes, pois traziam muito mais do que os conhecidos Mandamentos.
Inscritas nelas vinham também as Tábuas do Testemunho; a equação cósmica: a
divina lei de número, medida e peso.
A arte mística de ler as inscrições foi obtida pelo sistema críptico da
Qabala (cabala).
Os Dez Mandamentos eram outra coisa. Eram os preceitos que Deus entregou
primeiramente a Moisés e ao povo no monte Sinai (Êxodo 20 a 23), acompanhados
por uma série de instruções verbais. E Deus disse a Moisés (Êxodo 24: 12):
"Sobe a mim, ao monte, e fica lá; dar-te-ei tábuas de pedra, e a
lei, e os mandamentos que escrevi, para os ensinares".
Há três itens separados aqui: tábuas de pedra; uma lei; mandamentos. Deus
disse ainda: "E porás na arco o Testemunho, que eu te darei" (Êxodo
25:16). Mais adiante, em Êxodo 31:18: "... deu a Moisés as duas tábuas do
Testemunho, tábuas de pedra".
As tábuas originais foram quebradas por Moisés quando ele as jogou ao
chão (Êxodo 32:19). Depois, Deus disse a Moisés (Êxodo 34:1):
"Lavra duas tábuas de pedra, como as primeiras; e eu escreverei
nelas as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas, que quebraste".
Subseqüentemente, Deus reiterou verbalmente os Mandamentos, e disse a
Moisés: "Escreve estas palavras", e Moisés "escreveu nas tábuas
as palavras da aliança, as dez palavras" (Êxodo 34:27-28).
Havia uma clara definição entre as Tábuas do Testemunho (escritas por
Deus) e os Dez Mandamentos (separadamente escritos por Moisés). Durante
séculos, a Igreja deu a entender que a Aliança dos Dez Mandamentos era a parte
importante do conjunto, em conseqüência do que as verdadeiramente importantes
Tábuas do Testemunho foram estrategicamente ignoradas.
Seguindo de Êxodo 25, instruções precisas para a construção da Arca são
dadas em grandes detalhes. De modo semelhante, os métodos para o seu transporte
também são especificados, além de especificações para roupas e calçados a serem
usados pelos portadores e observadores. O desenho e os materiais para o
Tabernáculo, local onde a Arca seria guardada, também são minuciosamente
descritos, como na composição do altar interior. Como se tudo isso não
bastasse, Êxodo 37-40 continua narrando como essas instruções foram seguidas à
risca, repetindo tudo, detalhe por detalhe. Não havia espaço para erros, nem
qualquer desvio das instruções passadas. Todo o trabalho de construção foi
confiado a Bezalel, o filho de Uri Ben Hur de Judá.
Construída exatamente de acordo com as descrições no Antigo Testamento, a
Arca se mostra não só como um cofre muito bem elaborado, mas também como um
condensador elétrico, construído de madeira resinosa e forrado duplamente por
dentro e por fora com ouro. Os fatos já foram afirmados muitas vezes tanto por
cientistas como por teólogos. As placas individuais, carregadas positiva e
negativamente, podem produzir várias centenas de volts suficientes para matar
um homem. Uzá sentiu isso na própria pele quando tocou a Arca (2 Samuel e 6:6-7
e I Crônicas 13:9-10). Além disso, a Arca também parece ser um eficiente
transmissor de sons, por meio do qual Moisés teria se comunicado com Deus
(Êxodo 25:22).
Os Dez Mandamentos foram e são escritos, mencionados, discutidos e
ensinados. Nunca foram segredo para ninguém, diferentemente das Tábuas do
Testemunho. Essas preciosas tabulações foram colocadas na Arca auto-protetora
para serem guardadas pelos levitas. Após o dramático transporte através da
Jordânia e da Palestina (Josué e I Samuel), ela foi levada para Sião
(Jerusalém) por Davi. Seu filho, o rei Salomão, mandou o mestre-pedreiro Hiram
Abiff construir o Templo, e a Arca foi posta no Santo dos Santos. O acesso era
proibido, exceto para inspeção ritual pelo sumo sacerdote, uma vez por ano.
Exceto por algumas breves referências, essa é a última informação que a
Bíblia dá a respeito da Arca da Aliança. Alguns boatos sugerem que ela foi
levada para a Etiópia (Abissínia), mas, em Apocalipse 11:19, há uma indicação
de que ela permaneceu no Templo do Céu. Sem dúvida, a Arca e as Tábuas eram as
posses mais valiosas de Jerusalém, mas, quando Nabucodonosor da Babilônia
destruiu o Templo (por volta de 586 a.C.), nenhuma delas apareceu na lista de
itens pilhados.
Naquela época, o sumo sacerdote de Jerusalém era Hilquias, cujo filho era
Jeremias, o profeta (Jeremias 1:1), também o capitão da Guarda do Templo. Antes
da invasão de Nabucodonosor, Hilquias instruiu Jeremias a ordenar a seus homens
que escondessem os tesouros do templo nos estábulos subterrâneos - incluindo a
Arca da Aliança. A ordem foi cumprida, e a Guarda formou uma Ordem de elite do
Templo, para reter o registro dos guardados sagrados. Assim, quando São Bemardo
e De Payens estabeleceram sua Ordem, mais de 1.500 anos depois, seus Cavaleiros
nomeados sabiam precisamente o que estavam procurando, e onde.
Os leitores de A Linhagem do Santo Graal freqüentemente perguntam quando
exatamente a Ordem do Templo de Jerusalém foi fundada, já que existe muita
controvérsia quanto ao ano geralmente atribuído de 1118. Na realidade, porém,
pode-se dizer que a fundação no século XII foi uma reconstituição da Ordem,
pois ela foi originalmente fundada por Hilquias e Jeremias muito tempo antes,
em 586 a.C.
Em 1127, a busca dos Templários já tinha terminado. Eles conseguiram
pegar não só a Arca e seus conteúdos, mas uma riqueza inimaginável de ouro em
barras e tesouros escondidos, todos seguramente empilhados sob o solo, muito
tempo antes da demolição romana e da pilhagem no ano 70 d.C. Foi só em 1956 que
uma evidência confirmatória do tesouro de Jerusalém veio à luz, na Universidade
de Manchester. A decifração do Pergaminho de Cobre de Qurnrã se completou
naquele ano e revelou que um "tesouro indeterminável", além de uma
vasta pilha de ouro em barras e os outros valores, tinha sido enterrado sob o
Templo.
À luz do tremendo sucesso dos Templários, Hugues de Payens foi chamado
por São Bemardo para comparecer a um Concílio em Troyes. O concílio seria
presidido por um embaixador do papa, o Cardeal Legate da França. Hugues e uma
companhia de cavaleiros deixaram, então, a Terra Santa, levando a auspiciosa
descoberta, e São Bemardo anunciou que a missão de Jerusalém estava cumprida.
Ele escreveu:
"O trabalho foi realizado com a nossa ajuda, e os Cavaleiros foram
enviados numa missão pela França e Borgonha, sob a proteção do Conde de
Champagne, na qual todas as precauções estão sendo tomadas contra qualquer
interferência por parte de autoridades públicas ou eclesiásticas”.
A corte de Champagne em Troyes estava bem preparada
para o trabalho da tradução críptica e, em prontidão, já vinha patrocinando por
muito tempo uma escola influente de estudos cabalísticos. O Concílio de Troyes
aconteceu em 1128, quando São Bernardo se tomou o padroeiro e protetor oficial
dos Cavaleiros Templários. Naquele ano, eles ganharam o status de Ordem
Soberana, e sua sede em Jerusalém se tomou o centro governante da cidade
capital. A Igreja estabeleceu os Cavaleiros como uma ordem religiosa e Hugues
de Payens foi formalmente ordenado Grão-Mestre.
Diferente da Cruz dos Templários (vermelha com fundo branco), os
Hospitalários de São João usavam um padrão de cores distinto (prata com fundo
preto), no mesmo desenho. Seu hospital de peregrinos em Jerusalém foi fundado
antes das Cruzadas, por volta de 1050. Depois da queda de Acre, que encerrou as
Cruzadas em 1291, os Hospitalários foram forçados a abandonar a Palestina.
Foram para Rodes e Chipre, acrescentando venturas seculares e militares às
suas atividades, e a partir de 1530 ficaram estabelecidos como os Cavaleiros de
Malta. Uma dissidência, regulamentada em 1888, criou a Associação de
Ambulância da Grã-Bretanha, que ainda usa o mesmo distintivo.
Depois do Concílio de Troyes, a ascensão dos Templários à proeminência
internacional foi incrivelmente rápida. Eles começaram a se engajar na alta
política e em diplomacia em todo o mundo ocidental e se tomaram conselheiros de
monarcas e parlamentares. Apenas onze anos mais tarde, em 1139, o papa
Inocêncio II (outro cisterciense) concedeu aos Cavaleiros independência
internacional de obrigação a qualquer autoridade, exceto a ele próprio. Independentemente
de reis, cardeais ou governos, o único superior da Ordem era o papa. Mesmo
antes disso, porém, eles tinham recebido vastos territórios e substanciais
propriedades, da Grã-Bretanha à Palestina. A Anglo-Saxon Chronicle, crônica
anglo-saxônica, afirma que quando Hugues de Payens visitou Henry I da
Inglaterra, "o rei o recebeu com muita honra, e lhe deu ricos
presentes". O rei espanhol, Alfonso de Aragão, passou um terço de seu
reino para a Ordem e toda a cristandade estava aos pés deles.
Quando a notícia da incrível descoberta dos Templários se espalhou, os
Cavaleiros passaram a ser reverenciados por todos e, apesar da riqueza de
Jerusalém, grandes doações eram feitas a eles, vindas de todos os lados. Nenhum
preço era alto demais para garantir afiliação e, uma década depois de seu
retorno, os Templários eram provavelmente o órgão mais influente que o mundo já
conheceu até hoje. Entretanto, apesar das prodigiosas posses da Ordem,
individualmente os Cavaleiros eram comprometidos por um voto de pobreza.
Qualquer que fosse sua condição social, todo Templário era obrigado a assinar
um termo abrindo mão de suas posses - e, mesmo assim, os filhos dos nobres se
perfilavam para entrar na Ordem. Sendo tão bem custeados, os Templários estabeleceram
a primeira rede de bancos internacional, tornando-se os financiadores do
Levante e de praticamente todo trono na Europa.
À medida que a Ordem crescia em posição, a fortuna dos cistercienses
também aumentava e, 25 anos depois do Concílio de Troyes, eles já tinham mais
de 300 abadias. Mas não parou nisso, pois o povo da França testemunhou, então,
o mais espantoso resultado do conhecimento dos Templários acerca da equação
universal. A silhueta da cidade começava a mudar, enquanto as catedrais a Notre
Dame, com seus majestosos arcos, erguiam-se da terra. A arquitetura era
fenomenal - impossível, alguns diziam. As ogivas pontudas atingiam alturas
incríveis, cobrindo espaços inimagináveis, com seus arcobotantes e abóbadas
trabalhadas. Tudo se estendia para cima e, apesar das milhares de toneladas de pedra ricamente
decoradas, a impressão geral era de uma falta de peso mágica.
Seguindo as referências das Tábuas do Testemunho, a lei cósmica e sua
geometria sagrada eram aplicadas pelos pedreiros templários para construir os
mais belos monumentos sagrados a agraciar o mundo cristão. Na porta norte da
Notre Dame de Chartres (o Portão dos Iniciados), uma escultura em relevo em uma
pequena coluna mostra a Arca da Aliança sendo transportada. A inscrição pode
ser traduzi da como: "Aqui, as coisas seguem o seu curso; devereis
trabalhar pela Arca".
As catedrais foram construí das na mesma época, embora algumas tivessem
levado mais de um século para se completar em todos os estágios. Notre Dame em
Paris foi iniciada em 1163, em Chartres em 1194, em Reims em 1211 e em Amiens
em 1221. Outras da mesma era foram construídas em Bayeux, Abbeville, Rouen,
Laon, Evreux e Etampes. Em concordância com o princípio hermético, "acima,
como abaixo", as plantas combinadas das catedrais de Notre Dame replicam
a constelação de Virgem. De todas elas, dizem que Notre Dame de Chartres é
a que está no solo mais sagrado.
Notável entre as autoridades na história de Chartres é Louis Charpentier,
cuja pesquisa e textos têm contribuído muito para a nossa compreensão da
arquitetura gótica em geral. Ele diz que em Chartres as correntes telúricas
estão em seu ponto mais alto e o local era conhecido por sua atmosfera divina
mesmo nos tempos dos druidas. Tão venerado é o lugar de Chartres que ela é a única
catedral onde não foi enterrado nenhum rei, bispo, cardeal, cônego ou qualquer
outro em seu subsolo. O altar original foi construído acima da "Grotte des
Druides", que abrigava um dólmen sagrado e era identificado com o Ventre
da Terra.
Um dos maiores mistérios da arquitetura gótica é o vidro usado nos
vitrais das catedrais. Eles apareceram pela primeira vez no início do século
XII, mas desapareceram subitamente cem anos depois. Nada do tipo fora visto até
então, e nada igual foi criado desde aquela época. Não só a luminosidade dos
vitrais góticos é maior do que qualquer outra, mas também as qualidades que o
vidro tem de aumentar a luz são muito mais eficazes. Diferentemente dos vitrais
de qualquer outra escola arquitetônica, o efeito interior produzido pelos
vitrais góticos é o mesmo, esteja a luz do lado de fora forte ou fraca. Mesmo
no crepúsculo, o vidro retém sem fulgor mais do que qualquer outro.
O vidro gótico também tem o poder singular de transformar raios
ultravioletas nocivos em luz benéfica, mas o segredo de sua fabricação nunca
foi revelado, embora fosse sabido que ele continha um produto da alquimia
hermética. Os indivíduos empregados para aperfeiçoar o vidro eram matemáticos
filosóficos persas, como por exemplo Ornar Khayyam, cujos adeptos diziam que
seu método incorporava o Spiritus Mundi - o fôlego cósmico do Universo.
Só muito recentemente, como é explicado em Genesis ofthe Grail Kings, o
processo secreto de manufaturação ficou conhecido - um processo que possui
implicações estonteantes que vão muito além dos vitrais em si.
Por toda a parte nas catedrais góticas, as obras de arte arquitetônicas
proliferam, mostrando a história bíblica e passagens dos Evangelhos, nas quais
muita atenção é dada à vida de Jesus. Algumas das outras ainda visíveis hoje
foram feitas depois do século XN, mas, durante a verdadeira era gótica,
não houve uma única reprodução da crucificação. Com base nos escritos
anteriores aos Evangelhos, que foram encontrados em Jerusalém, os Templários
negavam a seqüência da crucificação como está descrita no Novo Testamento e,
por esse motivo, nunca reproduziram a cena. O vitral do século XII na frente
oeste de Chartres inclui um medalhão da crucificação, mas ele foi transferido
de outro local numa data posterior - provavelmente da St. Denis, bem ao norte
de Paris. Há vitrais herdados por meios semelhantes em outras catedrais de
Notre Dame.
Além do ouro em barras de Jerusalém, os Templários também encontraram uma
riqueza de manuscritos antigos em hebraico e siríaco, proporcionando relatos em
primeira mão que não tinham sido censurados pelas autoridades eclesiásticas.
Diante disso, tomou-se claro o fato de que os Cavaleiros possuíam uma visão e
um discernimento que eclipsavam o Cristianismo ortodoxo uma visão que lhes dava
a certeza de que a Igreja tinha interpretado erroneamente tanto a Concepção
Imaculada como a Ressurreição. Eles eram, no entanto, considerados altamente
pios, e eram firmemente apegados aos papas cistercienses da época.
Em tempos posteriores, porém, o conhecimento antes reverenciado dos
Templários causou sua perseguição por parte dos papas de outras Ordens, e pelos
selvagens frades dominicanos da Inquisição. Foi nesse ponto da história do
Cristianismo que o último vestígio do pensamento livre desapareceu. Nem o conhecimento
especial nem o acesso a certas verdades serviam contra a nova linha dura de
Roma. Foi assim que também sumiram todos os traços do aspecto feminino, só
restando a Virgem Maria para representar todas as mulheres. Na prática, seu status
semidivino de Madona Virgem a distanciava tanto das outras que nenhuma era
representada. Mas, apesar disso um raio de esperança prevaleceu, pois outra luz
feminina brilha das catedrais de Notre Dame, onde a veneração a Maria
Madalena continua sendo crucial ao tema. O lindo vitral de Madalena em Chartres
tem uma inscrição que diz "Doado pelos carregadores de água" - os
Aquarianos. Maria era a portadora de. Santo Graal, e sem dúvida ela se tornará
muito mais proeminente com a grande nova inspiração da Era de Aquário: a era de
renovado intelecto, sabedoria e a Lei Universal da Arca.
As catedrais de Notre Dame e as mais importantes construções góticas
foram basicamente o trabalho dos Filhos de Salomão - uma sociedade de pedreiros
(maçons) instruídos pela Ordem Cisterciense de São Bernardo.
São Bernardo tinha traduzido a geometria sagrada dos pedreiros do rei
Salomão, os quais, sob ordens de seu mestre, Hiram Abiff, eram classificados
por graus de conhecimento e proficiência. Salomão tinha procurado
especificamente c rei Hiram de Tiro, em busca da assistência de Hiram Abiff, um
arquiteto e artífice, qualificado em geometria sagrada. Embora Tiro fosse um
renomado centro de adoração à deusa, Hiram Abiff se tornou o desenhista-chefe e
Mestre Pedreiro para o templo de Javé. Em virtude disso, ele estava destinado
a ser uma figura simbólica chave, na futura Franco-Maçonaria.
Outras
irmandades maçônicas da França medieval eram os Filhos do Pai Soubise e os
Filhos de Mestre Jacques. Quando a Inquisição contra os Templários, liderada
pelos dominicanos no século XIV, estava em seu ápice, essas sociedades também
corriam perigo. Sendo praticantes da Arte Maçônica, eles tinham informações
privilegiadas a respeito do funcionamento da geometria sagrada e da Lei
Universal, de acordo com o nível do progresso de cada um. Havia três graus:
Companheiro Aprendiz, Companheiro Realizado e Companheiro Mestre - assim como
hoje há três graus principais na moderna Franco-Maçonaria especulativa. Por
isso, depois da Inquisição dos Templários, um severo interrogatório para
extrair as informações mais vitais ou secretas é freqüentemente chamado de
Terceiro Grau.
Embora se diga que a moderna Maçonaria derivou das sociedades medievais
da Europa, a Arte tem origens muito mais remotas. Inscrições gravadas no
obelisco egípcio no Central Park, Nova York, foram identificadas como símbolos
maçônicos da época do faraó Tutmósis III (c.1468-1436 a.C.). Ele foi o trisavô
de Moisés. Tutmósis (herdeiro de Tuth/ Tot) foi o fundador de uma influente
sociedade secreta de estudiosos e filósofos, cujo propósito era preservar os
mistérios sagrados. Em épocas posteriores, os magos samaritanos eram membros da
Ordem, sendo ligados ao Terapeutato egípcio, uma comunidade ascética em Qumrã.
Foi do Egito que Moisés (Akhenaton) introduziu o conceito de adoração em templo
aos israelitas, quando criou o Tabernáculo em Sinai. De modo semelhante, a
própria noção do sacerdócio era egípcia - herdada originalmente da antiga Suméria.
Antes do Tabernáculo de Moisés, os patriarcas judeus usavam altares simples de
pedra do lado de fora como locais de reverência e sacrifício, como aqueles
erguidos por Noé (Gênesis 8:20) e Abraão
(Gênesis 22:9). .
Um segundo obelisco egípcio do Templo do Sol (conhecido, por algum motivo
obscuro, como a Agulha de Cleópatra - tendo relação com a rainha Cleópatra VII,
embora seja anterior a ela mais de mil anos) se encontra no dique do Thames, em
Londres. Ele tem 20,88 m de altura e pesa 186 toneladas. Os dois obeliscos de
granito eram originalmente pilares da entrada do Templo em Heliópolis, mas
foram levados para Alexandria em 12 a.C., depois para Londres e Nova York em
1878 e 1881, respectivamente.
Em sintonia com a prática egípcia de colocar pilares eretos nas entradas
dos templos, Hiram Abiff introduziu o mesmo tema na varanda do Templo do rei
Salomão em Jerusalém. Os pilares, com seus capitéis arredondados, eram
semelhantes aos desenhos próprios da adoração à deusa, em Tiro, e aos símbolos
de fertilidade dedicados a Astarte em Canaã. Os pilares de Jerusalém se
chamavam Jaquim e Boaz (1 Reis 7:21 e 2 Crônicas 3:17). Foram construídos ocos
para servir como repositórios para arquivos e rolos constitucionais da arte dos
pedreiros. Além disso, embora o Templo fosse dedicado a Javé e projetado
principalmente para abrigar a Arca da Aliança, sua construção não era limitada
ao princípio hebraico masculino de Deus: o templo fora construído basicamente
obedecendo ao costume tradicional e incorporava energias geométricas masculinas
e femininas.
O Templo foi completado em sete anos, quando Hiram foi assassinado e
colocado numa cova rasa. Sua morte teria sido o resultado de sua recusa em
divulgar os segredos do Pedreiro Mestre aos trabalhadores não esclarecidos.
Hoje, a morte simbólica de Hiram representa significativamente a cerimônia de
Terceiro Grau da Franco-Maçonaria; o candidato é derrubado e erguido novamente
da escuridão de sua cova com o uso do aperto secreto do Mestre Maçom
("pedreiro-mestre").
A moderna Franco-Maçonaria é mais especulativa do que operativa, mas
mesmo na época de Hiram a sociedade dos artífices ao qual ele pertencia tinha
lojas próprias, bem como símbolos e senhas. Um símbolo evidente era a espátula
(do pedreiro), um emblema usado pelos pitagóricos e essênios, também encontrado
nas catacumbas de Roma, onde há representações de iniciação maçônica pintadas
nas tumbas dos perseguidos Innocenti.
A oeste e noroeste de Marselha, no Golfo de Lion, estende-se a velha
província de Languedoc, onde, em 1208, o povo foi repreendido pelo papa
Inocêncio III por comportamento anticristão. No ano seguinte, um exército papal
de 30.000 soldados entrou na região, sob o comando de Simão de Montfort. De
maneira deliberadamente enganosa, eles usavam a cruz vermelha das Cruzadas a
Terra Santa, mas seu propósito era muito diferente. Na verdade, os soldados
tinham sido enviados para exterminar a seita ascética dos cátaros (os Puros),
os quais, segundo o papa e o rei Filipe II da França, eram hereges. O massacre
durou 35 anos, levando dezenas de milhares de vidas e culminando com a horrenda
matança no seminário de Montségur, onde mais de 200 reféns foram amarrados em
estacas e queimados vivos em 1244.
Em termos religiosos, a doutrina dos cátaros era essencialmente gnóstica;
eles eram indivíduos notavelmente espiritualizados, que acreditavam que o
espírito era puro, mas a matéria física os conspurcava. Embora suas convicções
não fossem ortodoxas em comparação com as pérfidas perseguições de Roma, o medo
que o papa tinha dos cátaros vinha, na verdade, de algo muito mais ameaçador.
Dizia-se que eles eram os guardiões de um grande e sagrado tesouro, ligado a um
conhecimento fantástico e antigo. A região de Languedoc era aquela que formava
substancialmente o reino judeu de Septimania, no século VIII, e estava
mergulhada nas tradições de Lázaro (Simão Zelote), enquanto os habitantes
consideravam Maria Madalena a Mãe-Graal da cristandade.
Como os Templários, os cátaros eram expressamente tolerantes com a cultura
judaica e a muçulmana. Eles também defendiam a igualdade dos sexos mas, por
tudo isso, foram condenados e violentamente suprimidos pela Inquisição Católica
(instituída formalmente em 1233) e acusados de todos os tipos de blasfêmia e
desvio sexual. Contrariando as acusações, as testemunhas convocadas só
trouxeram evidências da Igreja do amor dos cátaros e de sua devoção inabalável
ao ministério de Jesus. Eles acreditavam em Deus e no Espírito Santo, recitavam
o Pai Nosso e tinham uma sociedade exemplar, com um sistema próprio de
assistência social, incluindo hospitais e escolas de caridade. Chegaram até a
traduzir a Bíblia para a sua língua, a langue d'oc (daí o nome da região), e a
população de não-cátaros também se beneficiou de seus esforços altruísticos.
Em termos práticos, os cátaros eram simplesmente não-conformistas,
pregando sem licença e não necessitando de padres nomeados nem das igrejas
suntuosas de seus vizinhos católicos. São Bernardo tinha dito que "Nenhum
sermão é mais cristão que o deles, e sua moral é pura" - mas, mesmo assim,
os exércitos papais vieram, disfarçados como santos missionários, para
erradicar a comunidade dos cátaros.
O edito de aniquilação se referia não só aos cátaros místicos, mas a
todos os que os seguiam - o que incluía a maior parte do povo de Languedoc.
Naquela época, embora fosse geograficamente uma parte da França, a região era
na verdade um Estado independente. Politicamente, ela era mais ligada à
fronteira norte da Espanha, tendo o conde de Toulouse como seu soberano. Eram
ensinadas as Línguas Clássicas, além de Literatura, Filosofia e Matemática. De
um modo geral, a área era rica e comercialmente estável, mas tudo isso mudaria
em 1209, quando as tropas do papa chegaram ao sopé dos Pireneus. Em alusão ao
centro de Languedoc em Albi, a selvagem campanha foi chamada de Cruzada
Albigense - pelo menos é o que se diz. Entretanto, o nome tem uma implicação
muito mais importante. Albi era, na verdade, uma variante do velho termo
europeu ylbi (um elfo do sexo feminino) e os cátaros se referiam ao Sangréal
messiânico como o Albi gens: a linhagem dos elfos.
De todos os cultos que floresceram nos tempos medievais, o dos cátaros
era o menos ameaçador, e o fato de eles terem alguma ligação com um
conhecimento antigo em particular não era novidade; Guilherme de Toulouse de
Gellone, rei da Septimania, tinha estabelecido sua academia judaica mais de
quatro séculos antes. Entretanto, esse fato (somado à noção de que os cátaros
guardavam um tesouro insuperável, de maior significado histórico do que a raiz
do Cristianismo) levava Roma a uma única conclusão: a Arca, as Tábuas do
Testemunho e os manuscritos de Jerusalém deviam estar escondidos em Languedoc.
Isso seria suficiente para abalar o conceito fundamental da Igreja Romana
ortodoxa. Só havia uma solução para um regime desesperado e fanático - e
assim, a ordem se espalhou: "Mate-os todos!"
O REINO DOS ESCOCESES
A PERSEGUIÇÃO DOS TEMPLÁRIOS
A pseudocruzada terminou em 1244, mas se passariam mais 62 anos até que o
papa Clemente V e o rei Filipe IV estivessem em posição de molestar os
Cavaleiros Templários em sua busca pelo tesouro arcano. Em 1306, a Ordem de
Jerusalém já era tão poderosa, que Filipe IV da França os via com certa
preocupação; ele devia muito dinheiro aos Cavaleiros e estava praticamente
falido. Além disso, ele temia o poder político e esotérico dos Templários, que
certamente era muito maior do que o dele. Com o apoio do papa, o rei Filipe
perseguiu os Templários na França e se empenhou em eliminar a Ordem em outros
países. Os Cavaleiros estavam sendo presos na Inglaterra, mas ao norte da
fronteira, na Escócia, as bulas papais não surtiam efeito, pois o rei Robert, o
Bruce, e toda a nação escocesa foram excomungados por levantar armas contra o
genro de Filipe, o rei Edward II da Inglaterra.
Até 1306, os Cavaleiros sempre tinham agido sem interferência papal, mas
Filipe conseguiu mudar essa situação. Após um edito do Vaticano proibindo-o de
cobrar impostos do clero, o rei francês providenciou a captura e o assassinato
do papa Bonifácio VIII. Seu sucessor, Benedito XI, também morreu em
circunstâncias muito misteriosas, sendo substituído em 1305 pelo candidato de
Filipe, Bertrand de Goth, arcebispo de Bordeaux, que se tomou o papa Clemente
V. Com um novo papa sob seu controle, Filipe apresentou sua lista de acusações
contra os Cavaleiros Templários. A acusação mais fácil era a de heresia, pois
todos sabiam que os Cavaleiros não aceitavam a visão da crucificação e não
usavam a cruz latina ereta. Também era sabido que as questões diplomáticas e
comerciais dos Templários os faziam se envolver com judeus, gnósticos e
muçulmanos.
Em 13 de outubro de 1307, uma sexta-feira, os partidários de Filipe
atacaram, e os Templários foram capturados por toda a França, sendo levados à
prisão, interrogados, torturados e queimados. Testemunhas compradas eram
chamadas para testemunhar contra a Ordem, e algumas declarações verdadeiramente
absurdas foram feitas. Os Templários eram acusados de numerosas práticas
consideradas profanas, incluindo necromancia, homossexualismo, aborto,
blasfêmia e magia negra. Uma vez tendo dado seu depoimento, sob circunstâncias
que envolviam suborno ou coerção, as testemunhas desapareciam sem deixar
traços. Mas, apesar de tudo isso, o rei não alcançou seu objetivo primário,
pois o tesouro continuou inacessível para ele. Seus vassalos tinham vasculhado
toda a área de Champagne e Languedoc, mas o tempo todo a maior parte do tesouro
estava escondida nos cofres do Tesouro de Paris.
Naquela época, o Grão-Mestre da Ordem era Jacques de Molay. Sabendo que o
papa Clemente V era um peão do rei Filipe, Molay providenciou para que o
tesouro de Parias fosse removido numa frota de 18 galeras de La Rochelle. A
maioria desses navios singrou para a Escócia (alguns foram para Portugal), mas
Filipe não sabia disso e negociou com vários monarcas para que os Templários
também fossem perseguidos fora da França. Subseqüentemente, ele obrigou o papa
Clemente a proibir a Ordem em 1312 e, dois anos depois, Jacques de Molay foi
queimado na estaca.
Edward II, da Inglaterra, relutava em se voltar contra os Cavaleiros, mas
sendo genro de Filipe, viu-se numa posição difícil. Assim, ao receber uma
instrução clara do papa, ele concordou com a ordem da Inquisição. Muitos
Templários foram presos na Inglaterra, suas terras e preceptorias confiscadas e
depois passadas para os Hospitalários de São João.
Na Escócia, porém, a história foi bem diferente: a bula papal foi
totalmente ignorada. Muito tempo antes, em 1128, Hugues de Payens conhecera o
rei David I dos escoceses logo depois do Concílio de Troyes, e São Bernardo de
Clairvaux integrava a Igreja Celta, com sua abastada Ordem Cisterciense. O rei
David concedeu a Hugues e seus Cavaleiros as terras de Ballantradoch, próximas
ao Estuário de Forth (hoje a vila do Templo), e eles estabeleceram sua sede
principal em South Esk. A Ordem, então, foi promovida e encorajada por
sucessivos reis, particularmente William, o Leão. Tratos consideráveis de terra
eram passados para os Cavaleiros (especialmente nas cercanias de Lothian e
Aberdeen) e os Templários também tomaram posse de propriedades em Ayr e no
oeste da Escócia. Um grande contingente lutou em Bannockburn, em 1314, ganhando
grande proeminência em Lorne e Argyll. Desde o período de Robert, o Bruce, cada
sucessivo herdeiro Bruce e Stewart era um Cavaleiro Templário por nascimento e,
em viturde disso, a linhagem real escocesa compreendia não só reis sacerdotes,
mas também reis sacerdotes cavaleiros.
Desde a época dos merovíngios depostos, a mais importante dinastia
reinante na sucessão dos desposyni foi a Casa Real de Stewart, da Escócia, cuja
herança era parte escocesa e parte bretã. Quanto à ancestralidade escocesa, um
dos personagens mais importantes era Banquo, o Thane de Lochaber, do século XI.
Depois de Kenneth MacAlpin ter unificado os pictos e escoceses, em 844,
cada rei destes últimos herdava a coroa por meio da descendência tanista, de
acordo com o costume dos pictos. Embora os escoceses seguissem sua realeza por
sucessão pela linha masculina, a tradição dos pictos sempre fora matrilinear.
Foi, portanto, elaborado um arranjo no qual as princesas dos pictos se casavam
com reis escoceses, mantendo assim o status quo, enquanto a descendência não
era estabelecida em uma linhagem familiar. Os reis eram escolhidos
antecipadamente dentre os filhos, sobrinhos e primos em linhas paralelas de
descendência de uma fonte comum. Nesse caso específico, a fonte comum era o rei
Kenneth. A grande vantagem desse arranjo seletivo era que os mais novos nunca
chegavam à coroa como aconteceu para o prejuízo da Escócia em épocas
posteriores, quando o sistema foi abolido.
Após quase 200 anos de sucessão tanista alternada na descendência
escocesa, ocorreu uma feroz disputa quando a tradição foi abolida pelo rei
Malcolm II. Em vez de passar o trono devidamente a seu primo mais novo, Boede
de Duff (Dubh), ele decidiu que alguém de sua prole herdaria a coroa. O
problema era que Malcolm não tinha filho, mas sim três filhas, dentre as quais
Bethoc, a mais velha, era casada com Crinan, arcebispo da Sagrada Família de
São Columba. Como o próprio Columba, Crinan descendia da realeza Tir Conaill da
Irlanda. A segunda filha de Ma1colm, Donada era esposa de Findlaech MacRory,
Mormaer de Moray, enquanto Olith (a mais jovem) era casada com Sigurd II,
príncipe nórdico e Jarl (conde) de Orkneys. Havia uma complicação adicional,
porque a irmã do rei Ma1com, Dunclina, era casada com Kenneth de Lochaber que,
pela estrutura do tanistrado, tinha um direito secundário à coroa como primo de
Boede, descendente de Kenneth MacAlpin.
Os filhos desses vários casamentos estavam todos na corrida para o trono
quando Ma1colm II morreu em 1034 e, entre esses filhos, o herdeiro mais próximo
à sucessão era o filho de Dunclina, Banquo (Banchu), Thane de Lochaber.
Entretanto, de acordo com os desejos de Ma1colm, o filho de sua filha mais
velha, Bethoc, sucedeu ao trono como rei Duncan I. Sendo também o filho e
herdeiro do arcebispo Crinan (morto pelos vikings em 1045), Duncan se tornou o
primeiro rei sacerdote da Escócia, no estilo dos antigos merovíngios da Gália.
Esse conceito do monarca como representante soberano e patriarca religioso
permaneceu no cerne da cultura escocesa dali em diante.
Antes da morte de Malcolm, uma revolta contra a sucessão planejada fora
instigada por Gruoch, filha mais velha do tanista lógico Boede de Duff, que não
tinha filhos vivos. Conseqüentemente, o rei Malcolm matou Boede, deixando
Gruoch com uma significativa reivindicação soberana segundo as regras do
tanistrado. Com isso, ela impôs uma oposição ferrenha contra o rei, que
respondeu matando seu marido, Gillacomgen de Moray. Gruoch (que estava grávida,
na época) fugiu, buscando a proteção de seu primo, Macbeth, o filho de Donada e
Findlaech por casamento. Pouco depois, em 1032, ela se casou com seu protetor e
se tomou lady Macbeth.
Quando Malcolm III morreu, Gruoch convenceu Macbeth a desafiar a sucessão
de seu primo Duncan. Ela não era a única a se ressentir de Duncan, e violentas
revoltas se sucederam, lideradas por vários chefes de clãs. Nem o influente
Banquo de Lochaber, um capitão do exército de Duncan, podia conter os tumultos.
Um conselho militar foi convocado, no qual Macbeth ganhou controle das tropas
do rei, conseguindo aplacar a revolta. Com isso, ele acabou se tomando mais
popular que o próprio rei, elevando ainda mais as ambições de lady Macbeth, que
sabia que a coroa estava ao alcance de seu marido. Mas e quanto ao rei Duncan?
A verdade a respeito da morte dele, em 1040, ainda é incerta. A história diz
que ele foi morto numa briga em Bothnagowan (Ptigaveny, perto de Elgin),
enquanto a literatura romântica conta que ele foi assassinado no castelo de
Macbeth. Seja qual for a verdade, Macbeth se tomou rei ao sul e a oeste do Tay,
enquanto seu primo Thorfinn de Caithness (filho de Olith e Sigurd) governava o
resto da Escócia.
Por dezessete anos, Macbeth governou um reino ordeiro, enquanto sua
esposa era a anfitriã de uma corte sempre popular. No começo, porém, Thane
Banquo tentou reconquistar a coroa para o filho de Duncan, Malcolm Canrnore,
príncipe de Cumbria. No decorrer da disputa, Macbeth matou dois filhos de
Banquo e preparou uma emboscada para Banquo e seu filho mais velho, Fleance.
Banquo foi morto na luta, mas Fleance escapou para o castelo do príncipe
Gruffyd ap Llewelyn de Gwynedd (noroeste do País de Gales). Lá ele se tomou o
primeiro marido da filha de Gruffyd, Nesta, com quem ficou algum tempo. Depois
da morte de Fleance, Nesta se casou com Osbern Fitz Richard de León.
Durante todo o reinado de Macbeth, Malcolm persistiu com sua
reivindicação, ganhando o apoio de Thorfinn e, em 1057, seus exércitos
conjuntos forçaram a retirada de Macbeth em Lumphanan. Reconhecendo a derrota
absoluta, lady Gruoch Macbeth cometeu suicídio e, pouco depois, Macbeth foi
morto. Thorfinn também morreu em batalha e sua esposa, Ingibjorg, foi obrigada
a desposar Malcolm Canrnore. Apesar da vitória, Malcolm não ascendeu à coroa
imediatamente, pois o grupo de Macbeth ainda tinha o controle e colocou o filho
de lady Grouch, Lulach (de seu primeiro marido, Gillacomgen) no trono. Poucos
meses depois, porém, Lulach foi morto em Strathbogie e, em 1058, Ma1colm III
Canmore foi proclamado rei dos escoceses.
As histórias de Macbeth, lady Macbeth e Banquo têm sido tratadas com
muita parcimônia pelos historiadores, mas seu status lendários vive na popular
peça de Shakespeare baseado em Chronicles of Englande. Scotlande and Irelande
de Raphael Holinshed (morto em 1580). Macbeth de Shakespeare foi escrito quase
seis séculos depois do evento histórico. Portanto, ao construir as profecias
das três irmãs estranhas, o dramaturgo já sabia exatamente o que acontecera na
história. Quando consultam seus augúrios no começo da história, as bruxas
informam a Macbeth que ele será rei. Elas também dizem a Banquo que, embora ele
nunca chegue a reinar, gerará uma linhagem de futuros reis - o que de fato ele
fez.
O nome Stewart deriva da distinção de "Steward" - senescal,
mordomo-mor - usada na Idade Média, na Escócia. Os primeiros Stewarts se
tornaram reis dos escoceses em 1371 e a ramificação real posterior adotou a
forma adaptada para o francês, Stuart (como o fizeram outras ramificações).
Desde seus primeiros dias, sabia-se que os Stewarts eram descendentes de Banquo
de Lochaber, e essa descendência, através desse nobre Thane (pelo rei Alpin,
pai de Kenneth I), aparecia na lista de todas as genealogias relevantes. Também
era um fato, porém, que os Stewarts surgiram dos Senescais do século XI de Dol,
na Bretanha. Em termos soberanos, seus legados conjuntos foram de enorme
importância, pois sua linhagem escocesa era da sucessão de Arimatéia, enquanto
sua herança bretã era a do próprio Jesus, através dos reis pescadores.
O precursor pré-escocês da linhagem bretã foi Alan, Senescal de Dol e
Dinan, um contemporâneo de Banquo e Macbeth no segundo quarto do século XI. Os
filhos de Alan eram Alan e Flaald (Stewards hereditários de Dol) e RhiwalIon
(Senhor de Dol). O filho mais velho, Alan (Alanus Siniscallus), foi comandante
na Primeira Cruzada e aparece no Cartulário de St. Florent como um benfeitor da
abadia. Seu irmão Flaald (Fledaldo) era o barão de S1. Florent e se casou com
Aveline, filha de Amulf, Seigneur de Hesdin de Flandres. O terceiro irmão,
lorde Rhiwallon, tomou-se abade de St. Florent de Saumur em 1082.
Os registros de fidalguia citam Aveline como a esposa do filho de Flaald,
Alan, mas esse dado está incorreto. Alan
Fitz Flaald nasceu com o título de "de Hesdin" herdado de sua mãe,
Aveline (Ava). Ela é descrita no Cartulário de São Jorge (Cartulary of St.
George), Hesdin, como sendo de uma idade que podia consentir que seu pai desse
de presente propriedades inglesas para os priores em 1094. Quando Seigneur
Amulf (irmão do conde Enguerrand de Hesdin) entrou para a Cruzada em 1090,
Aveline se tomou sua assistente e herdeira na Inglaterra. Ela recebeu o título
de Domina de Norton (Senhora de Norton) e seu filho era Alan Fitz Flaald de
Hesdin, barão de Oswestry no reinado do rei Henry I. Alan casou-se com Adeliza,
filha do Sheriff Warine de Shrophsire, herdando, portanto, o mesmo posto. Ele
também fundou o convento de Sporle, em Norfolk, como uma célula de St. Saumur.
Os filhos de Alan, o Steward, eram William e Jordan FitzAlan. William
sucedeu aos títulos de Oswestry e Shropshire depois da morte de seu primo Alan,
e os condes Fitz Alan de Arundel descendiam dele. Jordan herdou a senescalia de
Dol e também as terras de Tuxford, Burton e Warsop na Inglaterra. Alan também
teve uma filha, Emma, que se casou com Walter, Thane de Lochaber- o filho de
Fleance (filho de Banquo) e da princesa Nesta de Gwynedd. O filho deles, Alan
de Lochaber, casou-se com sua prima, Adelina de Oswestry (filha de Alan Fitz
Flaald) e eles foram os pais de Walter Fitz Alan (morto em 1177), que se tornou
o primeiro High Steward da Escócia.
Alguns mapas publicados da genealogia Stewart identificam erroneamente
Walter, o High Stewart, com seu avô Walter, Thane de Lochaber. Esse erro surgiu
porque uma forma alternativa do nome Alan era Flan, o que se confundiu com
Fleance, o nome do filho de Banquo.
Na verdade, o segundo Walter Fitz Alan é que foi nomeado como Grande
Senescal Escocês do rei David I (1124-1153). Walter chegou à Escócia por volta
de 1138 e recebeu do rei David I terras em Renfrewshire e East Lothian. Ao se
tornar o High Stewart da Escócia, Walter obteve a mais alta das posições
concedidas e também se tornou Chanceler das Rendas do Tesouro. Esse último
posto trouxe a Fesse Chequey ao armorial dos Stewarts: o chequey representa a
tabela xadrez que era usada para cálculos monetários, e daí deriva o termo
inglês moderno Exchequer, aplicado ao Departamento do Tesouro Nacional.
Durante o reinado do neto de David, Malcolm IV, Walter fundou o convento
de C1uniac Paisley e foi nomeado Comandante do exército do rei. Em 1164, a
costa de Renfrew foi invadida por 160 navios de guerra nórdicos do poderoso
Somerled, Thane das ilhas. Os navios continham mais de 6 mil guerreiros
determinados a conquistar, mas, chegando à terra firme, foram derrotados por um
contingente muito menor sob o comando dos Cavaleiros Pessoais de Walter. Na
biblioteca do Corpus Christi College, Cambridge, há um manuscrito do monge
Willliam de Glasgow que dá um testemunho pessoal da batalha de Renfrew, em
1164. O monge afirma que Somerled foi morto no início da luta, após o que os
invasores foram massacrados. A batalha também está descrita em Chronicles of Man, of Holyrood and of
Melrose.
De todos os reis escoceses, o jovem Malcolm IV (conhecido como o Donzelo)
foi o mais fraco, o que ele provou quando cedeu os valiosos territórios de
Cumbria a Henry II da Inglaterra. Em seguida, ele foi a Toulouse, quando tinha
14 anos, e passou o resto de seus outros dez anos no exterior. Foi bom para a
Escócia que Walter, o Steward, estivesse lá para administrar as questões
políticas, militares e financeiras no lugar do rei.
Malcolm IV foi sucedido por seu irmão William, em 1165; ele era um
personagem muito mais forte, recebendo o apelido de "O Leão". Um
pouco depois de sua ascensão, William tentou recuperar Northumberiand e
Cumberland de Henry II em Alnwick, em 1174. Nessa época, o rei Henry da
Inglaterra era casado com Eleanor de Aquitânia (a ex-esposa de Luís VII da
França), mas seus filhos (com a aprovação de Eleanor) ficaram do lado de
William dos escoceses na disputa de Cumbria, voltando-se contra o pai no campo
de batalha. No evento, William foi derrotado e capturado, sendo posteriormente
obrigado a assinar o Tratado de Falaise, reconhecendo o rei inglês como Senhor
Supremo da Escócia. William ficou sob custódia e, mais uma vez, Walter, o High
Steward, assumiu as rédeas.
Walter Fitz Alan morreu em 1177 e foi sucedido por seu filho Alan como o
2o. High Steward. Em 1189, Alan entrou para a Terceira Cruzada com o
filho e sucessor de Henry II, Richard I Coeur de Lion (Ricardo Coração de
Leão). Antes de partir para a Terra Santa com Alan, o rei Richard declarou nulo
o Tratado de Falaise, reafirmando o direito da Escócia à independência. Alan, o
Steward, morreu em 1204 e seu filho Walter se tomou o 3°. High Steward do filho
e herdeiro de William, Alexander II. Esse Walter foi o primeiro a usar o nome
Stewart, e também foi ele quem elevou o convento Paisley ao status de abadia em
1219. Em 1230, ele já era Justiciar, no norte de Forth, além de chanceler.
O rei seguinte, Alexander III, tomou-se um dos monarcas mais
impressionantes da Escócia, embora, no começo, seu reinado estivesse sujeito à
regência papal do 4o. High Steward, o filho de Walter, Alexander.
Naquela época, os invasores nórdicos estavam causando problemas e, em 1263, a
frota do rei norueguês Haakon chegou a Clydeside. Eles foram derrotados na
batalha de Largs pelas forças escocesas sob o comando de Alexander Stewart, que
foi recompensado ganhando o domínio de Galloway.
O rei Alexander III se casou com Margaret, filha de Henry lU Plantageneta
da Inglaterra, e, para manter a paz com o rei da Noruega, sua filha, a princesa
Margaret da Escócia, casou-se com o futuro rei Eric II. Infelizmente, ela
morreu de parto pouco tempo depois - dois anos antes da morte de seu pai, que
não deixou herdeiros do sexo masculino. Isso significava que a única herdeira
ao reino dos escoceses era a neta de Alexander, a Donzela da Noruega, que tinha
apenas três anos de idade. E assim o 5o. High Steward, Sir James
(filho de Alexander Stewart) se tomou Regente na Escócia.
Os escoceses começaram a se preocupar com o fato de sua nação ficar sob o
governo da Noruega. O bispo de Glasgow foi procurar o tio da Donzela, rei Edward
I da Inglaterra, para conselhos, mas por causa das aspirações dos Plantagenetas
quanto ao controle da Escócia, a resposta de Edward foi previsível. Ele sugeriu
que Margaret, Donzela da Noruega, se casasse com seu filho Edward Caernarvon e
foi trazida para a corte Plantageneta inglesa. Edward I considerava sua
sugestão um positivo noivado, mas os escoceses não viam a proposta como um
compromisso.
Quatro anos depois, porém, foi decidido que a jovem herdeira seria
trazida para a Escócia, a qualquer custo.
Em setembro de 1290, Margaret, a rainha dos escoceses, que se tinha sete
anos de idade, singrou para a sua terra soberana, mas morreu de maneira súbita
e misteriosa quando seu navio chegou a Orkney. Na seqüência dessa tragédia, Sir
James Stewart se empenhou em manter a paz, mas as emergentes guerras de
sucessão e independência estavam destinadas a infestar a Escócia por muitos
anos.
Os três principais contendores à herança de Margaret eram Jolm Comyn
(descendente do rei Donald Ban), John Balliol (descendente do rei David, conde
de Huntingdon) e Robert Bruce, Senhor de Annandale (outro descendente do rei
David). Bruce era o favorito inicial, mas Edward I da Inglaterra se
autoproclamou Senhor Supremo da Escócia, considerando o suposto noivado de seu
filho. Ele ganhou permissão de alguns nobres escoceses de abjudicar e, por meio
de manobras políticas, assumiu o controle das fortalezas-chave da nação. Em
seguida, com um comitê especialmente formado, o qual ele chamava de "os
mais sábios da Inglaterra", Edward fez sua seleção. O conselho
Plantageneta insistia que o novo rei dos escoceses estivesse preparado para
governar abaixo do rei da Inglaterra. Robert Bruce era a escolha dos escoceses,
mas ele se recusava a se submeter a Edward, afirmando:
"Se eu puder obter o mencionado reino por meus direitos e com um
tribunal fiel, muito bem. Do contrário, ao ganhar o reino, eu jamais o
reduzirei à servidão."
John Balliol, por outro lado, concordou com a exigência e, por
isso,tomou-se o rei nomeado, fazendo o juramento necessário:
"Eu, John, rei da Escócia, serei honesto e fiel a vós, lorde Edward,
pela graça de Deus, rei da Inglaterra, o nobre e superior Senhor do reino da
Escócia, pela qual zelarei por vós."
Balliol ganhou o trono em 1292, quando o High Steward ainda era Sir James
Stewart. Sir James era partidário de Robert Bruce e um feroz oponente do rei
Edward e de Ballio!. Edward obrigou Balliol a fornecer dinheiro e tropas para o
exército inglês - um gesto que levou muitos a formar um movimento de
resistência marcial, sob a liderança do cavaleiro nascido em Paisley, Sir
William Wallace. Com o apoio de James Stewart, Wallace teve sucesso
inicialmente, levando Edward a depor Balliol em 1296 e a começar a governar a
Escócia sozinho. Wallace teve uma boa vitória em Stirling em 1297, sendo
subseqüentemente proclamado Governador da Escócia, mas no ano seguinte ele foi
derrotado pelos arqueiros de Edward em Falkirk. Em 1305, ele foi capturado e
executado pelos ingleses, que empalaram sua cabeça na ponte de Londres e
mandaram o resto do corpo em pedaços a cidades na Escócia e no Norte.
Daquele momento em diante, um novo líder assumiu a causa dos escoceses.
Era Robert, o Bruce, o herdeiro e sucessor de Robert Bruce, o contendor.
Ignorando o pretensioso interesse dos Plantageneta, os escoceses coroaram
Robert I Bruce em 1306. Edward II invadiu a Escócia em 1314, e Bruce o derrotou
em Bannockburn e declarou a independência de sua nação.
Sir James Stewart morreu três anos após a coroação de Bruce e foi
sucedido por seu filho Walter Stewart, o 6°. High Steward. Walter tinha
comandado a ala esquerda do exército escocês em Bannockburn, auxiliado pelo
cavaleiro Bruce no campo de batalha. No ano seguinte, Walter se casou com a
filha do rei Robert, Marjorie. Alguns meses depois, Robert foi para a Irlanda,
deixando Walter Stewart como seu regente na Escócia, mas Marjorie morreu ao
cair de seu cavalo, menos de um ano após se casar. Quando morreu, ela estava
grávida, mas o bebê, Robert, foi salvo pelo parto cesariano e, no devido tempo,
tornou-se o 7°. High Steward. Com 19 anos, Robert era o regente do filho de
Bruce, o rei David II, ocupando o cargo até David chegar à idade de assumir, em
1341.
Pouco depois, Edward III Plantageneta começou a Guerra dos Cem Anos com a
França. David decidiu ficar do lado da causa francesa, mas foi derrotado e
capturado pelos ingleses em Nevill's Cross, em 1346. Ficou em custódia por onze
anos, tempo em que Robert, o High Steward, assumiu o controle na Escócia. O rei
David foi libertado em 1357, mas não sem antes entrar num acordo com Edward
III. Dirigindo-se ao Parlamento escocês, David anunciou que, se morresse sem
herdeiros, a coroa da Escócia passaria para o rei da Inglaterra, mas a resposta
ecoou em alto e bom tom: "Enquanto um de nós puder usar armas, jamais
permitiremos que um inglês seja nosso rei". A partir daquele momento,
David foi ignorado pelos escoceses e, quando morreu sem herdeiro em 1371, o
povo resolveu fazer a própria escolha para o seu sucessor.
Havia somente um homem para essa posição - aquele que vinha governando a
Escócia havia anos e cujos ancestrais tinham sido reis inferiores por seis
gerações. Era Robert Stewart, o 7o. High
Steward.
Em 26 de março de 1371, a Casa Real de Stewart foi fundada pelo rei
Robert II. Pela primeira vez, desde Artur mac Aedàn de Dalriada do século VI,
as principais sucessões do Graal da Grã-Bretanha e da Europa tinham se juntado
na realeza dos escoceses, e o antigo legado real dos Stewarts se realizava.
A ERA DO CAVALHEIRISMO.
GUERRA E PESTE NEGRA
O século XIV foi um período de grande tumulto e desordem geral na
Grã-Bretanha e na Europa continental. Foi um século não só de contínuas guerras
mas também de pestes, uma das quais tirou a vida de quase um terço da população
da Inglaterra. No fim do século XIII, os escoceses viviam continuamente
perturbados pela Casa de Plantageneta, mas, em 1314, Robert, o Bruce, derrotou
os invasores ingleses em Bannockbum Subseqüentemente, em 1328, a independência
da Escócia foi formalmente reconhecida por Edward II no Tratado de Northampton.
Pouco depois, a Inglaterra entrou em guerra com a França. A luta fa:
instigada por uma disputa entre Edward II e o rei francês, de que Edward (que
também era duque de Aquitânia) era tecnicamente um vassalo quanto a
determinadas propriedades na França. Edward se recusava a reconhecer a
autoridade primária da coroa ftancesa nesse aspecto, o que levou a rei Carlos
IV da França a tomar alguns dos territórios de Edward na Gasconha (1324). Como
retaliação, Edward ameaçou cessar o comércio com Flandres e formou uma aliança
com o duque de Borgonha. A ironia era que Edward II era casado com a irmã do
rei, Isabela, que se tornou tão impopular na Inglaterra por causa da disputa
que, em 1325, ela voltou para a França. Lá, ela e seu amante inglês, Roger
Mortimer, conde de March, planejaram depor e assassinar Edward II em 1327.
No ano seguine, Carlos IV (o último capetíngeo) morreu, e uma nova
dinastia começou com seu primo, o duque de Valois, que se tornou Filipe VI. Mas
a herança de Filipe foi desafiada pelo novo rei da Inglaterra, Edward III. Em
conseqüência do assassinato de seu pai (instigado por sua mãe), Edward declarou
que ele próprio era o verdadeiro rei da França, sendo o neto do pai de Isabela,
Filipe V. Em 1330, Edward III mandou executar Mortimer e confinou Isabela em um
convento. Em 1346, ele levou seus arqueiros a Crecy e estraçalhou as fileiras
de cavaleiros franceses com uma saraivada de flechas.
Naquele mesmo ano - em meio ao tumulto geral de batalha e peste - nascia
a Era do Cavalheirismo. Segundo a tradição, em 1348, o rei Edward notou alguns
dos membros da corte rindo quando a condessa de Salisbury deixou cair a liga,
na presença deles. Aparentemente, Edward pegou o objeto e o colocou na própria
perna, dizendo: "Honi soit qui mal y pense" (Vergonha daqueles que
vêem nisso um mal). Foi assim que teve início a Ordem da Liga, usando o
comentário do rei como lema (traduzido alternativamente, e de modo errado, como
"Que venha o mal para aquele que pensa o mal"). Edward, cujos
torneios se tornaram muito conhecidos, escolheu 24 cavaleiros (além de seu
filho) com os quais inaugurou a Ordem. A tradição romântica da Távola Redonda
do rei Artur era seu modelo para a igualdade cavaleirosa, e um Código de
Cavalheirismo foi estipulado, segundo o qual os cavaleiros deveriam servir a
Deus e ao rei, travar batalha pelos seus bons nomes e respeitar e defender a
honra das senhoras (esse tema é abordado com mais detalhes no livro Realm of
the Ring Lords).
O filho mais velho de Edward m era Edward, príncipe de Gales (designado
por futuros historiadores como o Príncipe Negro por causa da cor de sua
armadura). Em Crecy, ele ganhou três plumas (penas), além do lema Ich dien (eu
sirvo), e desde então estes têm sido os emblemas dos príncipes de Gales.
Durante oito anos, o Príncipe Negro governou Aquitânia, cruel e grandemente
temido. Na Inglaterra, porém, ele era um notável expoente do cavalheirismo, e
sua reputação introduziu um elemento de grande romance num período tétrico de
guerras contínuas e doenças.
As lendas românticas do rei Artur, que serviram de modelo para a Era do
Cavalheirismo, pouco tinham a ver com o Artur histórico - um Ard Ri (Grande
Rei) e senhor da guerra celta, cujos guerreiros guletic eram de uma reputação
temível no século VI. Entretanto, as histórias do Graal trouxeram Artur ao
domínio público e, quando a Nobre Ordem da Liga, da Inglaterra, foi fundada por
Edward III em 1348, os cavaleiros de Artur viraram cavalheiros, homens
galantes, porém guerreiros campeões, usando armadura. A grande Távola Redonda
(c. 5,5 metros) de carvalho, usada na era Plantageneta, está pendurada hoje em
Castle Hall, Winchester. Testes de carbono revelam qUõ: ela remonta ao reinado
de Henry III (1216-1272), mas a pintura arturiana simbólica foi acrescentada
depois, provavelmente durante o reinado Tudor de Henry VIII.
Já abordamos o Artur histórico num capítulo anterior, mas agora é apropriado
examinarmos o Artur lendário, que tanto inspirou a Era do Cavalheirismo - o
Artur cuja história nasceu quando Geoflfrey de Monrnouth produziu sua
exuberante Ristoria Regum Britanniae, por volta de 1147. Comissionado pelo
conde normando de Gloucester, Geoffrey transpôs Artur mac Aedàn dos escoceses
de Dalriada para um ambiente a oeste da Inglaterra. Ele também transformou
Gwyr-Llew, Dux de Caruele, em Gorlois, duque da Comuália, além de inventar
Uther Pendragon e introduzir vários outros temas que se adequassem às
exigências feudais. Em meio a tude isso, uma das introduções mais românticas de
Geoffrey foi a espada mágica de Artur, Caliburn, que teria sido confeccionada
na ilha de Avalon.
Em 1155, o poeta de Jersey, Robert Wace, compôs o Roman de Broc (História
de Brutus). Era uma versão poética da Ristoria de Geoffrey baseada numa
tradição de que a civilização na Grã-Bretanha fora fundada por volta de 1130
a.C. pelo príncipe Brutus de Tróia. Uma cópia do poema de Wace, que incluía a
primeiríssima referência aos Cavaleiros da Távola Redonda, foi apresentada a
Eleanor de Aquitânia. Nessa notável obra, a rainha Guanhumara de Geoffreios
aparecia mais corretamente com e nome de Gwynefer (do gaélico Gwen-hwyfar:
"bom espírito") e a espada Calibum de Artur recebeu o nome de
Excalibur.
Por volta de 1190, o padre Layamon, de Worcestershire, compilou uma
versão inglesa do poema de Wace, mas antes disso um romance mais excitante
surgira na França. Seu autor era Chrétien (que significa "cristão")
de Troyes, cujo mentor era Marie, condessa de Champagne. Chrétien transformou a
tradição já aventurosa de Artur na lenda totalmente inspirada e deu a Gwynefer
o nome mais poético de Guinevere. Seus seis contos relacionados aparecem por
volta de 1175, e foi no conto de Lancelot, intitulado Le Chevalier de La
Charrette, que Camelot apareceu pela primeira vez como a corte real. Chrétien
freqüentava os círculos aristocráticos, e histórias como Yvain - le Chevalier
au Lion baseavam-se em vários personagens nobres de Léon do século VI ao XI. As
distintas armas heráldicas dos condes de León d' Acqs incorporavam um leão
preto sobre um escudo dourado, e os condes eram conhecidos como os Cavaleiros
do Leão.
Foi nessa ocasião que os escritores europeus continentais começaram a
amalgamar a literatura arturiana com as histórias do Santo GraaI. A pedido do
conde Filipe d'Alsace, Chrétien abriu seu famoso conto de Percival em Le Conte
dei Graal (A História do Graal). Mas Chrétien morreu enquanto escrevia a
história, e o trabalho foi concluído por outros escritores.
O próximo a trabalhar com a cena arturiana foi o poeta borgonhês Robert
de Boron. Seus versos escritos na década de 1190 incluem Joseph d'Arimathie -
Roman l'Estoire dou Saint Graal. Entretanto, diferentemente da história de
Chrétien do Sangréal, a de Boron não era contemporânea ao rei Artur. Em
essência, ela se concentrava mais na estrutura temporal de José de Arimatéia.
Mais ou menos da mesma época, surgiu um manuscrito anônimo intitu1ado
Perlesvaus. Essa obra tinha origens entre os Templários e declarava que José
deArimatéia era o tio-avô de PercivaI. Depois, por volta de 1200, aparecia o
conto Parzival, uma história detalhada e mais profunda da Família do Graal,
escrita pelo cavaleiro da Bavária, Wolftam von Eschenbach.
O rei Artur ganhou maior destaque por uma série de cinco histórias do
período de 1215-1235, as quais ficaram conhecidas como o Vulgate Cycle, ou o
cicIo da Vulgata. Escritas pelos monges cistercienses, essas obras apresentavam
o filho de Lancelot, Galahad, cuja mãe era a filha do rei pescador, Elaine le
Corbenic. O maior cavaleiro de Artur, Percival, também continuou sendo um dos
personagens centrais. O Cycle reteve a Excalibur de Wace como a espada de Artur
e estabeleceu o tema de sua aquisição da espada pelas mãos da Senhora do Lago.
Nesse ponto, a história de Artur tirar uma espada de uma pedra nada tinha a ver
com Excalibur. A origem dessa lenda é um incidente totalmente separado na
história de Robert de Boron, Merlin, e foi só no século XIX que Excalibur e a
pedra se encontraram.
Durante todo esse período de cultura franco-européia, o rei Artur teve
pouca proeminência na Grã-Bretanha, exceto por breves aparições em obras como o
Black Book of Carmarthen, do século XIII. Geoffrey de Monmouth afirmara que a
cidade galesa de Carmarthen tinha esse nome por causa de Merlin (como Caer
Myrddin: Sede de Merlin), mas, na verdade, o nome nada tinha a ver com Merlin;
derivava do nome romano do povoamento, Castra Maridunum.
O poema inglês Arthour and Merlin apareceu no fim da década de 1200 e, de
Gales, cerca de 1300, veio o Book of Taliesin, que mostrava Artur no Outro
Mundo sobrenatural. Ele
também apareceu no White Book of Rhydderch (c. 1325) e no Red Book of Rergest
(c. 1400). A obra galesa Triads incluia algumas referências arturianas,
assim como a Four Branches of the Mabinogi, que foi traduzida no século XIX do
galês para o inglês por lady Charlotte Guest e publicada com o título revisado
de The Mabinogion.
Foi só no século XV (cerca de 800 anos depois da época do Artur histórico)
que todas as lendas se consolidaram no formato geral que conhecemos hoje. Isso
ocorreu nos escritos compilados de Sir Thomas Malory de Warwickshire. Eles
foram impressos em 1485 com o título de Morre d'Arthur (Morte de Artur). Sendo
um dos primeiros livros publicados em imprensa por William Caxton, o ciclo
arturiano de Malory foi considerado a obra padrão a respeito do tema, embora
devamos admitir que ela não é um relato original de coisa alguma. A obra foi
encomendada por Margarer Beaufort de Somerset, mãe do homem que, por força de
armas naquele mesmo ano, tomou-se o rei Henry VII, o primeiro da Casa de Tudor.
Foi também nesse mesmo período que Uther Pendragon e Artur começaram a
aparecer em genealogias recém-compiladas, mas havia um motivo claro para isso.
Quando Henry VII (filho de Edmund Tudor de Richmond) usurpou o trono
Plantageneta de Richard III, seu único direito à sucessão era através de sua
mãe, a trineta de Edward III. Para apresentar sua herança Tudor de maneira
favorável, Henry encomendou novas genealogias para mostrar uma descendência
impressionante da Casa nobre de Gales. Entretanto, ao preparar esses mapas, os
genealogistas tentaram acrescentar uma centelha de intriga e, para atiçar as
coisas, os nomes de Uther eArtur foram introduzidos numa linhagem relacionada
da Cornuá1ia.
Os famosos contos de Malory eram uma compilação das tradições mais
populares de várias fontes. Todos os nomes familiares foram usados e, para
agradar a Henry Tudor, Camelot foi situado em Winchester, Hampshire. Além
disso, os velhos contos foram fortemente incrementados e muitas novas histórias
foram criadas. Uma das mais proeminentes foi o romance entre Lancelot e
Guinevere. Os princípios cavalheirescos eram cruciais na narrativa de Malory,
embora ele próprio tivesse um passado criminoso, tendo sido preso por furto,
estupro, roubo de gado, dívidas, extorsão e tentativa de assassinato do duque
de Buckingham. Em várias ocasiões entre 1451 e 1470, ele foi trancafiado nas
celas de Coleshill, no castelo de Co1chester, em Ludgate, Newgate e na Torre de
Londres.
Malory colocou Artur firmemente na Idade Média e seus personagens
trocaram as vestimentas celtas pela armadura reluzente. Ele intitulou seu livro
inspirado de The Whole Book of King Arthur and His Noble Knights of the Round
Table, ou o Livro Completo do Rei Artur e seus Nobres Cavaleiros da Távola
Redonda. Ao todo, havia oito histórias interligadas, cujos títulos traduzidos
seriam: A História da Távola Redonda, A Nobre História do Rei Artur e do
Imperador Lúcio, A Nobre História de Sir Lancelot do Lago, A História de Sir
Gareth, O Livro de Sir Tristào de Lyonesse, A História do Sangréal, O Livro de
Sir Lancelot e da Rainha Guinevere e A Triste História da Morte de Artur.
Desde a época de Sir Thomas Malory, as lendas arturianas se tornaram
parte integrante da herança britânica. Elas ganharam uma vida nova com o
advento do romantismo no século XIX: um movimento fortemente nacionalista que
recorria à nostalgia vitoriana pelos Anos Dourados perdidos. Durante essa era,
o poeta premiado Alfrede, lorde Tennyson, escreveu seu famoso Idylls of the
King, e os temas arturianos eram muito evidentes nos quadros marcantes da
Irmandade Pré-Rafaelita.
Os turbulentos tempos medievais costumam ser considerados a era que viu
florescer a Merrie Englande - a feliz Inglaterra - um rótulo que persiste
apesar das severas pestes e dificuldades da época. Na verdade, a descrição
pouco tinha a ver com o fato de a Inglaterra ser "feliz" (em inglês,
merry). A descrição deriva mais exatamente de Maria Jacó (Santa Maria, a
Cigana), ou como ficou conhecida na língua inglesa, Mary Jacob, que viera para
a Europa Ocidental com Maria Madalena em 44 d.C. Além da veneração da Madalena,
o culto de Maria, a Cigana, foi difundido na Inglaterra durante a Idade Média.
O nome Mary é uma forma inglesa (baseada numa variante grega) do nome egípcio
Mery, que significa "amada" (hebraico: Miriam). Como já vimos, o nome
era associado ao mar (latim: maré; francês: mer) e à água em geral, como numa
poça ou lagoa. Conseqüentemente, Maria, a Cigana, era identificada com a deusa
Afrodite, que diziam ter nascido da espuma do mar.
Maria Jacó (esposa de Cléopas, segundo João 19:25) era uma sacerdotisa do
primeiro século d.C. e às vezes é chamada de Maria, a Egípcia. Seu voto de
matrimônio era chamado de Merrie (novamente de "amada") - de onde
provavelmente deriva o verbo inglês "to marry" (casar). Fora da
doutrina católica, o Espírito Santo era considerado feminino e já era associado
à água. Freqüentemente representada com uma cauda de peixe, Santa Maria, a
Cigana, era uma tradicional merri-maid (no inglês moderno, mermaid, sereia) e
tinha o nome atributivo de Marina. Ela é representada junto a Maria Madalena
(la Dompna del Aquae) num vitral na Igreja de St. Marie em Paris. Como Donzela
Mariana (em inglês moderno, maid ou maiden = donzela), seu culto aparece nas
lendas de Robin Hood, enquanto a encarnação de Maria Madalena aparece na
tradição celta como Morrigan, a grande rainha do Destino. A identificação individual
das duas Marias geralmente é confusa porque elas são associadas a Provença e ao
mar.
Nos primeiros dias do Cristianismo, o imperador Constantino proibiu a
veneração à Maria, a Cigana, mas seu culto continuou e foi introduzido na
Inglaterra, vindo da Espanha. Maria Jacó-Cléopas tinha chegado a Ratis (Saintes
Maries de La Mer) com Maria Madalena e Maria Helena-Salomé, como está detalhado
em Os Atos de Madalena e na antiga História da Inglaterra, na biblioteca do
Vaticano. Seu emblema mais significativo era a concha, representada de maneira
tão vívida junto ao seu status de Aftodite, no famoso quadro de Botticelli, O
Nascimento de Vênus. Ainda hoje, os peregrinos em Compostela carregam as
conchas do peixe afiodisíaco até a suposta tumba de São Tiago, em Santiago.
Maria, a Cigana - meretriz sagrada e cultora do amor - era ritualisticamente
retratada pelos anglo-saxões como a Rainha de Maio; e seus dançarinos, os
Homens de Maria, realizam seus ritos sob o nome adaptado de Morris (Mary S. ou
"de Maria") nas festividades rurais inglesas. Outra referência aos
Homens de Maria é encontrada nos rebeldes Merrie Men das lendas de Greenwood.
Muitas das famílias escocesas que se gabam de descendência normanda são,
na verdade, de origem flamenga.308 Seus ancestrais foram ativamente
incentivados a emigrar para a Escócia durante os reinados de David I, Malcolm
IV e William, o Leão, nos séculos XII e XIII. Uma política de povoamento
deliberado foi implementada porque os flamengos tinham muita experiência em
comércio, agricultura e desenvolvimento urbano, sendo a sua chegada estratégica
na Escócia, algo bem diferente da indesejável invasão normanda da Inglaterra.
Famílias como Balliol, Bruce. Comyn, Douglas, Fleming, Graham, Hay, Lindsay e
muitas outras têm suas origens heráldicas em Flandres. Recentemente, uma
pesquisa excelente vem sendo conduzida nessa área pelo historiador Beryl
Platts.
Houve poucos normandos de destaque na Escócia medieval, mas uma família
que teve grande proeminência desde o século XI foi a de St. Clair. Henrique de
St. Clair foi um Cruzado, junto com Gofredo de Bouillon. Mais de dois séculos
depois, seu descendente (também Henrique de St. Clair) foi um comandante dos
Cavaleiros Templários na batalha de Bannockbum. Os St. Clairs (que se tomariam
os condes Sinclair de Caithness) eram a herança viking por meio dos duques da
Nonnandia e dos Jarls (condes) de Orkney. Após a Inquisição dos Templários e
seu assentamento na Escócia, os St. Clairs se tomaram os embaixadores escoceses
tanto na Inglaterra como na França. Henry de St. Clair (filho de Henrique, o
Cruzado) era um Conselheiro Particular e sua irmã, Richilde, casou-se com um
membro da família Chaumont, parentes de Hugues de Payens, o Grão-Mestre
original dos Templários.
O legado dos Templários dos St. Clairs é particularmente evideme ao sul
de Edimburgo, perto do centro original dos Templários em Ballantradoch. Lá, na
vila de Roslin, encontra-se a capela Rosslyn, do século XV, que à primeira
vista parece uma miniatura de uma catedral gótica com suas janelas arqueadas e
pontudas e arcobotantes encimados por elaborados pináculos. Uma inspeção mais
apurada, porém, revela que ela é uma estranha combinação de estilos nórdicos, celtas
e góticos.
Os St. Clairs receberam o baronato de Roslin de Malcolm III Canmore em
1057 e, no século seguinte, construíram seu castelo nas vizinhanças. Nas
profundezas abaixo dessa fortaleza, dizem que há cofres selados que ainda
contêm parte do tesouro dos Templários trazido da França durante a Inquisição
Católica. Quando a Frota dos Templários escapou da costa da Bretanha, em 1307,
a maioria dos navios, com sua valiosa carga, foi para a Escócia passando pela
Irlanda e pelas ilhas ocidentais.309 Alguns, no entanto, foram para Portugal,
onde os Templários se tomaram reincorporados como Cavaleiros de Cristo. O
famoso navegador português Vasco da Gama, pioneiro da rota do Cabo até a Índia
em 1497, era um Cavaleiro de Cristo, enquanto anteriormente o príncipe Henry, o
Navegador (1394-1460), fora o Grão-Mestre da Ordem.
Além dos fugitivos franceses, a Escócia também recebeu os Templários que
fugiam da Inglaterra, onde sua sede, desde 1185, era em Temple, ao sul de Fleet
Street, Londres. Desde sua proscrição no século XIV, o lugar tinha sido ocupado
por dois Colégios de Advogados: o Inner Temple e o Middle Temple. Nas
proximidades se encontra a igreja redonda dos Templários, do século XII,
enquanto Temple Bar, o portão de Westminster para a Cidade, ficava entre Fleet
Street e Strand.
Desde a época em que Roslin passou para os St. Clair, proeminentes
membros da família foram enterrados lá, com exceção de Rosabelle, esposa do
barão Henrique, o Cruzado. Ela se afogou perto da praia, deixando uma lúgubre
lembrança, como lembrou Sir Walter Scott no século XIX. Em sua obra The lady of
the Last Minstrel, ele escreveu:
"E cada Sinclair foi lá enterrado, Com vela, livro e repique; Mas as
cavernas marinhas repicavam, E os ventos selvagens entoavam O canto da doce
Rosabelle."
Em seus primeiros anos, os barões St. Clair de Roslin pertenciam a mais
alta nobreza escocesa e faziam parte dos confederados mais próximos dos reis.
No século XIII, Sir William de St. Clair foi xerife de Edimburgo, Lothian,
Linlithgow e Dumfries, além de ser o Judiciar nomeado para Galloway. O rei
Alexander III também o escolheu como pai adotivo do principe da coroa da
Escócia.
Após a morte de Robert, o Bruce, em 1329, um posterior Sir William de St.
Clair partiu levando o coração de Bruce numa uma de prata. Com Sir James
Douglas e outros dois cavaleiros, ele queria enterrar a uma em Jerusalém, mas
ao chegar à Andaluzia, no sul da Espanha, o grupo foi confrontado pela
cavalaria dos mouros. Não vendo saída, os quatro homens atacaram o inimigo
invencível e foram mortos. Os mouros ficaram tão impressionados com a coragem
dos cavaleiros e devolveram a uma para a Escócia, onde o coração de Bruce foi
enterrado na abadia de Melrose.
Foi um descendente chamado William Sinclair, conde de Caithness, Grande
Almirante e Chanceler da Escócia, que fundou a capela Rosslyn em 1446. A
família de St. Clair (tendo adaptado o nome para Sinclair no fim do século XIV)
era a eminente guardiã dos reis (o Sangréal - sangue real) na Escócia. Cinco
anos antes, o rei James II Stewart também tinha nomeado William para o posto de
Patrono Hereditário e Protetor dos Maçons escoceses. Não eram maçons-livres
especulativos, mas operativos, pedreiros ativos e proficientes na aplicação de
matemática e geometria arquitetõnica. Nesse posto, William podia chamar os
melhores artesãos e construtores no país. Quando a fundação de Rosslyn estava
pronta, o trabalho de construção começou (1450) e a capela foi completada em
1486 pelo filho de William, Oliver. Ela deveria ser parte de uma igreja colegiada
maior, mas o restante nunca foi construído, embora as fundações ainda sejam
visíveis.
Apesar de sua idade, a capela está em ótimas condições (passando por
reformas atualmente) e ainda é usada regularmente. O prédio tem 10,7 m x 21 m,
a altura do telhado sendo de 13,4 m. Centenas de entalhes em pedra enfeitam as
paredes e tetos. Todas contam histórias da Bíblia e mostram numerosos símbolos
maçõnicos e exemplos de iconografia dos Templários. Há espadas, bússolas,
espátulas, esquadros e marretas em abundância, além de várias imagens do Templo
do rei Salomão. A capela Rosslyn tem um visual extraordinariamente estimulante
e proporciona uma experiência espiritual que os visitantes não podem perder. O
historiador e biógrafo Andrew Sinclair escreveu extensivamente a respeito da
história de Rosslyn e dos Sinclairs, incluindo um relato detalhado da viagem
transatlântica da frota de Sinclair em 1398, muito antes da suposta descoberta
da América por Cristóvão Colombo. Realmente, há vários entalhes originais
mostrando espigas de milho americanas em Rosslyn, o que confirma o fato.
Além das imagens judaicas e esotéricas, a mensagem cristã também e
evidente, com uma variedade de imagens em pedra. Há também constantes traços do
Islã, e o conjunto geral é estranham ente unido numa estrutura pagã de
serpentes e dragões ondulantes e árvores dos bosques. Em todo lugar, c rosto
feroz do Homem Verde espia do meio da folhagem em pedra dos pilare; e arcos,
simbolizando as contantes forças da terra e o ciclo de vida. E tudo isso é envolto
num vasto conjunto de trutas, ervas, folhas, especiarias, flores, videiras e as
emblemáticas plantas do paraíso do jardim. A cada centímetro, Rosslyn
provavelmente é a igreja decorada de forma mais extravagante no país, embora
não haja uma obra que possa ser considerada arte por arte. Cada gravura e
entalhe esculpido tem um propósito e cada propósito se relaciona ao seguinte,
enquanto, apesar da ambigüidade da cena, uma harmonia quase mágica reina em
toda a parte.
O nome St. Clair deriva do latim Sanctus Clarus, que significa Luz Santa,
e, acima de tudo, Rosslyn é a capela mais representativa do Santo Graal, tendo
a suprema busca mística em suas imagens. Os Cavaleiros Templários eram os
Guardiões da Família do Graal e o escudo da família de St. Clair trazia uma
cruz preta caliciforme sobre um fundo prateado, denotando seu portador como
Cavaleiro do Graal. Em Rosslyn e em outras partes da Escócia, esculturas em
paredes e tumbas dos Cavaleiros do Graal contêm o emblema de um Cálice com pé
alto, e o receptáculo voltado para a frente. Nele, a Cruz Rósea (com seu
desenho da flor-de-lis) significa que o vasuterus contém o Sangue Real.
Não só eram os Cavaleiros do Graal e Templários os Guardiões do Sangréal
Stewart na Escócia, mas também se tomaram os protetores da Pedra do Destino (a
Pedra de Scone). Esse mais sagrado de todos os tesouros escoceses fora levado à
Escócia da Irlanda por Fergus Mór mac Erc (o primeiro rei de Dalriada), no
século V, vindo originariamente de Judá para a Irlanda por volta de 586 a.C. A
venerada relíquia sagrada seria a Pedra da Aliança, conhecida como o
travesseiro de Jacó (Gênesis 28:18-22), sobre a qual Jacó deitou a cabeça e viu
a escada que subia ao Céu em Betel. Num sonho, Deus prometeu a Jacó que sua
semente geraria a linhagem da realeza a ser seguida - a linha que se tomaria,
no devido tempo, a sucessão de Davi.
Quando os judeus foram perseguidos por Nabucodonosor da Babilônia,
Matanias, filho do rei Josias (e descendente direto de Davi), foi ordenado em
Judá. Conhecido como rei Zedequias, ele ascendeu ao trono de Jerusalém em 598
a.C. Doze anos depois, Jerusalém caiu sob o poder de Nabucodonosor, quando
Zedequias foi levado para a Babilônia e cegado (Jeremias 39:6-7,52:10-11). Seus
filhos foram assassinados, mas sua filha Tamar foi levada para a Irlanda
(através do Egito e da Espanha) pelo profeta Jeremias, filho do sumo sacerdote
de Jerusalém, Hilquias. Ele levou a Pedra da Aliança, que ficou conhecida como
Lia Fáil (Pedro do Destino). Em latim, ela era a Saxum Fatale.
A princesa Tamar (Teamhair/Tea) deu o nome a Tara, a sede dos Grandes
Reis da Irlanda, e se casou com Eire-arnhon, príncipe da Cítia - pai do Ard Rí
(Grande Rei) Irial, ancestral de Ugaine Már (Ugaine, o Grande). Subseqüentemente,
no decorrer de um milênio, os sucessores de Irial foram ordenados na presença
da Pedra Sagrada. A herança irlandesa, então, prosseguiu para a Escócia, onde a
relíquia de Judá se tornou sinônimo dos reis de Dalriada. O rei Kenneth I MacAlpin
(844-859) acabou transferindo a Pedra para a abadia de Scone, quando unificou
os escoceses e os pictos. Na época de William, o Leão (morto em 1214), a Pedra
do Destino testemunhou quase cem coroações em descendência soberana do rei
Zedequias.
Ao se autoproclamar Senhor da Escócia, em 1296, Edward I da Inglaterra
roubou o que julgava ser a Pedra do Destino. Mas o que ele de fato pegou foi um
pedaço de arenito da porta de um mosteiro, que desde então repousa sob o trono
da coroação na abadia de Westminster em Londres. Esse pedaço de entulho mede 66
cm x 28 cm e pesa quase 152 quilos. Os selos reais dos primeiros reis escoceses
mostram uma rocha de ordenação muito maior, mas não era a Pedra Sagrada do
Destino - como tampouco o era o entulho medieval do rei Edward. A verdadeira
Pedra do Destino seria menor, mais naturalmente arredondada, como de basalto
preto gravado, não arenito cortado à mão. Ela foi escondida pelo abade
cisterciense de Scone em 1296, e continua escondida desde então. A tradição
columbana diz que, ao ocultar a Pedra, o abade profetizou que um dia Miguel
retomaria para a sua herança. É importante notarmos que o desenho do X, que se
tornou tão detestado pela Igreja Romana, era identificado com o arcanjo Miguel
(Melquisedeque) desde os tempos do Antigo Testamento. A herança de São Miguel
foi a dinastia dos sumos sacerdotes Zadoques - um legado que prevaleceu na
contínua linhagem messiânica. A relação de Santo André com a Cruz em X foi um
adendo posterior.
Não é surpreendente que as autoridades escocesas jamais tentassem
recuperar a pedra falsa da Inglaterra. Até Robert, o Bruce, recusouse a
aceitá-la em 1328 no Tratado de Northampton. Depois que alguns jovens escoceses
removeram a pedra de Westminster, atravessando com ela a fronteira no Natal de 1950,
ela acabou retomando a Londres sem a menor agitação. Quanto à Pedra verdadeira,
o reverendo J. MacKay Nimmo da Igreja de São Columba, Dundee, declarou:
"Quando a Escócia conseguir se autogovemar, a Pedra reaparecerá... Até lá,
continuaremos a guardar esse antigo símbolo de nossa identidade nacional".
O recente retomo parlamentar do artefato da simulação não é da menor
conseqüência para a Escócia. Além disso, mesmo que aceitemos :: simbolismo da
pedra de Westminster como sendo emblemática da nacionalidade escocesa, ela não
voltou para a posse dos escoceses. Significa simplesmente que os oficiais da
Coroa a mantêm na Escócia em vez de em Londres, sob a condição de que será
levada de volta para futuras coroações em Westminster. Em suma, a pedra em exibição
no castelo de Edimburgo constitui um gesto absolutamente vazio, que perpetua
abertamente o ideal coercivo do rei Edward I, confrontando os escoceses como um
lembrete diário de sua posição histórica subjugada.
Durante o século XV, enquanto a capela Rosslyn estava sendo construída, o
Grande Timoneiro da Prieuré Notre Dame de Sião era René d'Anjou. Ele foi o
conde de Bar, Provença, Piedmont e Guise; também o duque da Calábria, Anjou e
Lorraine. Adicionalmente, era um rei titular de Jerusalém,já que pertencia à
Casa de Lorraine de Godefroi de Bouillon. Em sua condição como Timoneiro, René
foi sucedido por sua filha Yolanda, cujos sucessores incluíam Botticelli e
Leonardo da Vinci. A filha de René, Margaret, casou-se com o rei Henry VI da Inglaterra.
Foi René d' Anjou quem deu a Cristóvão Colombo sua primeira comissão
naval, e é de René que deriva a familiar Cruz de Lorraine. A cruz, com suas
duas barras horizontais, tomou-se o símbolo duradouro da França Livre e foi o
emblema da Resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Entre as mais
valiosas posses de René havia uma taça egípcia de cristal vermelho, que ele
obteve em Marselha. Ela teria sido usada no casamento de Jesus e Maria
Madalena, contendo a inscrição (traduzida):
"Aquele que beber bem, verá Deus. Aquele que beber tudo de um só
gole verá Deus e a Madalena."
O trabalho literário de René d' Anjou, intitulado Batalhas e a Ordem da
Cavalaria e o Governo dos Príncipes, existe hoje na tradução do Manuscrito
Rosslyn-Hay na biblioteca do Senhor William Sinclair. É a mais antiga obra
existente de prosa escocesa e sua capa de carvalho encadernada de couro traz o
nome "Jhesus : Maria: Johannes" (Jesus: Maria : João). Similarmente,
uma inscrição de pedreiro na abadia de Melrose diz: "Jhesus: Mari : Sweet
Sanct John".
São João (o "discípulo bem-amado" de Jesus) era grandemente
venerado pelos Cavaleiros do Graal e os Templários. Ele foi a inspiração dos
Hospitalários de São João de Jerusalém e da futura Associação de Ambulância da
Grã-Bretanha. É significativo que o Evangelho de João não mencione a Concepção
Imaculada, mas só a descendência de Davi de Jesus. E mais importante, ele traz
o único relato do Novo Testamento das bodas de Caná, historicamente
significativo (João 2:1-11). Interessante que o manuscrito Rosslyn simbolize
São João como uma serpente gnóstica e um emblema do Graal.
Entre os colegas de René d' Anjou estava a famosa Donzela de Orléans,
Jeanne d'Arc (Joana d'Arc). Nascida em 1412, Joana era filha de um fazendeiro
de Domrémy no ducado de Bar. No ano seguinte, Henry V (provavelmente o mais
sedento de poder de todos os monarcas ingleses) se tornou rei da Inglaterra.
Ele era descrito por seus nobres como um guerreiro frio e sem coração, embora a
propaganda histórica lhe tenha conferido o manto de um herói patriota. Na época
de sua ascensão, a guerra Plantageneta contra a França tinha cessado, mas Henry
resolveu reviver a reivindicação que Edward III fizera do reino da França. Ele
fez isso com base no fato de que a mãe de Edward, um século atrás, era filha do
rei Filipe IV.
Henry V, com 2 mil soldados e 6 mil arqueiros, varreu a Normandia e
Rouen, derrotando os franceses em Agincourt, em 1415. Subseqüentemente, ele foi
proclamado regente da França no Tratado de Troyes. Com o auxílio da infiel
rainha ftancesa, Isabau, Henry se casou com a filha do rei ftancês, Catarina de
Valois, e planejou derrubar o irmão dela, o Delfim, que era casado com a irmã
de René d' Anjou, Maria. Entretanto, Henry V morreu dois anos depois, assim
como o rei Carlos VI da França. Na Inglaterra, o herdeiro ao trono era o filho
de Henry, ainda um bebê, cujos tios - os duques de Bedford e Gloucester – se
tornaram Senhores da França. O povo ftancês se preocupava com suas perspectivas
para o futuro, mas nem tudo estava perdido, pois logo surgiu a inspirada Joana
d'Arc. Em 1429, ela apareceu na fortaleza de Vaucouleurs, perto de Dornrémy,
anunciando que tinha recebido ordens dos santos para sitiar os ingleses em
Orléans.
Com 17 anos de idade, Joana partiu para a Corte Real em Chinon, junto com
o cunhado do Delfim, René d'Anjou. Chegando lá, no Loire, ela proclamou sua
missão divina de salvar a França dos invasores. A princípio, a Corte resistiu
às ambições militares de Joana, mas ela conseguiu o apoio de Yolanda de Aragão,
que era sogra do Delfim e mãe de René d' Anjou. À Joana foi confiado o comando
de mais de 7 mil homens, incluindo a prestigiosa Guarda Real Escocesa dos
Gendannes Ecossais e os mais proeminentes capitães da época. Com René d' Anjou
ao seu lado, Joana e suas tropas destruíram o bloqueio em Orléans e derrotaram
a guarnição inglesa. Em poucas semanas, o vale Loire estava de volta em mãos
fumcesas e, em 17 de julho de 1429, Carlos, o Delfim, foi coroado na catedral
de Reims pelo arcebispo Regnault de Chartres.
Menos de um ano após seu sucesso, a Donzela de Orléans foi capturada
enquanto sitiava Paris, e o duque de Bedbord providenciou para que ela fosse
julgada por Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, que a condenou à prisão
perpétua, vivendo de pão e água. Quando Joana se recusou a se submeter ao
estupro por parte de seus captores, o bispo a pronunciou uma feiticeira ingrata
e, sem outro julgamento, ela foi queimada viva na velha Praça do Mercado em
Rouen, em 30 de maio de 1431.
Quando o delfim foi coroado em Reims, a corajosa pastora de Lorraine
tinha ficado ao lado do novo rei, com sua bandeira já famosa. que trazia os
nomes: "Jhesus : Maria", os mesmos que aparecem na pedra sagrada na
capela de Glastonbury ("Jesus: Maria"); que se repetem (ao lado do de
São João) no manuscrito Rosslyn-Hay ("Jhesus : Maria") e que estavam
gravados na abadia de Melrose ("Jhesus : Mari"). Todos os nomes se
relacionam ao casamento de Jesus e Maria Madalena e à perpétua linhagem do
Santo Graal.
Mencionamos acima que Cristóvão Colombo foi mantido por René d' Anjou,
enquanto outro de seus patrocinadores foi Leonardo da Vinci, que tinha bons
contatos com famílias proeminentes, como os Médicis. Entretanto, a origem da
família de Colombo é muito mais significativa do que dizem os livros de
história. Certamente, ele é mais bem conhecido como o descobridor oficial da
América, mas não foi o primeiro a fazer a viagem, como fica evidente na capela
Rosslyn.
Colombo (filho de Domenico Colombo e Suzanna Fontanarossa) nasceu em
Gênova, Itália, em 1451. Entrando para o serviço com o capitão de Porto Santo
de Madeira, ele se casou com a filha do capitão, Felipa Perestrello, em 1478.
Subseqüentemente, dirigiu-se à corte portuguesa com a idéia de chegar à Ásia
singrando para o oeste. Seu pedido de fundos foi rejeitado pelo rei João II,
que contratou Ferman Dulmo para explorar o Atlântico, de acordo com a sugestão
de Colombo.
Colombo fez uma segunda tentativa com os monarcas espanhóis, o rei
Femando II de Aragão e sua esposa, rainha Isabela de Castela. No entanto, como
o plano português já estava em andamento, Colombo foi rejeitado novamente. Em
1492, Dulmo retomou, mas sem informações a respeito de novas terras. Colombo,
então, confrontou mais uma vez Fernando e Isabela, e dessa vez conseguiu o
apoio deles. Em 3 de agosto de 1492, ele zarpou de Palos com três caravelas:
Nina, Pinta e Santa Maria.
Oito meses depois, Colombo retomava a Barcelona, mas não com as sedas e
especiarias previstas do Oriente. Em vez disso, ele estava acompanhado por seis
nativos de pele marrom, carregando pérolas, estranhas frutas, ouro e pássaros
exóticos. Ele tinha descoberto um excitante Novo Mundo do outro lado do mar, e
o papa declarou que essas ricas terras pertenceriam à Espanha. O nome América
só surgiria dali a cinco anos. Era derivado do navegador florentino, Américo
Vespúcio (Amerigo Vespucci), que partiu para as terras continentais do sul em
1497.
Quando voltou, Colombo relatou que tinha aportado na ilha Watling (hoje
San Salvador, Bahamas). Tinha visitado Hispaniola (Haiti e República
Dominicana) e Cuba. Fernando e Isabela ficaram maravilhados e ofereceram ao seu
herói um assento na corte espanhola. Sua segunda viagem (1493-96) o levou a
Guadalupe, Antígua, Porto Rico e Jamaica. A terceira viagem (1498) levou
Colombo a Trindade, no continente sul-americano. E então, em 1499, os colonos
do Haiti se revoltaram contra o comando dele. Conseqüentemente, um novo
governador espanhol foi nomeado, e Colombo voltou à Europa acorrentado. Sua última
viagem, em 1502-04, foi para a exploração costeira de Honduras e Nicarágua, mas
apesar de sua hora de glória, ele morreu na pobreza, dois anos mais tarde, em
Valladolid. Colombo foi enterrado em Sevilha, e em 1542 seus restos mortais
foram removidos para Hispaniola.
Essa excitante história marítima é bem conhecida. O que não é conhecido é
o fato de que a descoberta do Novo Mundo não foi por acaso. Colombo estava
plenamente equipado com mapas de navegação detalhados antes de zarpar. Eles
tinham sido feitos em travessias atlânticas anteriores e certificados na corte
espanhola por John Drummond, cujo avô tinha estado na América em 1398. Drummond
era parente dos condes Drummond de Perth, onde os registros confirmam que ele
estivera com Fernando e Isabela em 1492. Tanto Colombo como Drummond tinham
vivido na ilha da Madeira. O pai de Drummond, John (o Escocês) Drummond,
chegara lá em 1419, junto com o sogro de Colombo, Bartolomeu Perestrello.
O pai de John, o Escocês, era Sir John Drummond de Stobhall, Justiciar da
Escócia. A irmã de Sir John, Anabella, era a esposa do rei Robert III Stewart
dos escoceses. A esposa de Sir John era Elizabeth Sinclair, cujo sobrinho,
William Sinclair, foi o fundador da capela Rosslyn. O pai de Elizabeth,
Henrique Sinclair, barão de Roslin, conde de Orkney, conduziu uma bem-sucedida
expedição transatlântica, quase um século antes de Colombo - e mesmo ele não
foi o primeiro.
Os ancestrais nórdicos de Henry Sinclair tinham explorado o Atlântico já
no século X. No Book of Icelandic Saga (exemplar existente datando de 1320), de
Hauk, Leif Ericsson é descrito como tendo atravessado o Atlântico até o
encontro com Wineland, o Bom, em 999. De fato, os navegantes de Orkney tinham
chegado à terra firme no Ocidente enquanto Henry ainda era vivo. Seus relatos
afirmavam que os nativos de um lugar distante chamado Estotilalands plantavam
milho e exportavam peles e enxofre para a Groenlândia.
Estotilands era o lugar que acabou sendo chamado de Nova Scotia (Nova
Escócia), no Canadá. Os navegantes de Orkney também falavam de uma região ao
sul chamada Drogio. Os nativos de Drogio
corriam nus sob os ventos quentes, mas, do outro lado do mar, as pessoas
eram refinadas. Sua terra era rica em ouro, e elas tinham cidades e grandes
templos dedicados a seus deuses. Esses vários relatos foram confirmados quando
os viajantes chegaram às ilhas do Caribe, e mais adiante, Flórida e México - o
lar dos índios astecas. Ignorando completamente essas antigas descobertas, a
tradição diz que o império asteca não foi explorado até a chegada do
conquistador espanhol Hernán Cortez, em 1519.
A partir de 1391, o mestre da frota de Sinclair foi o capitão do mar
veneziano, Antonio Zeno. Os Zenos eram uma das mais antigas famílias de Veneza
e eram notáveis almirantes e embaixadores do século VIII. Antes de Sinclair e
Zeno atravessarem o oceano, Henry assinou um contrato com sua filha, Elizabeth,
e o marido dela, Sir John Drummond. O acordo foi selado em Roslin em 13 de maio
de 1396. Ele dava a Sir John e à Elizabeth o direito às terras norueguesas de
Henry, caso este perecesse na expedição.
Em maio de 1398, a frota de Sinclair zarpou. Eram 12 navios de guerra e
cem homens, alguns dos quais já tinham feito aquela viagem. Seu primeiro porto
foi Nova Scotia, onde eles pararam no cabo Blomidon, na baía de Fundy. Ainda
hoje, os índios miquemaque falam da chegada dos navios do grande deus Goolscap,
que lhes ensinou a respeito das estrelas e como pescar com redes. Quando voltou
a Veneza, Antonio Zeno escreveu que, naquele lugar, ele tinha visto rios de
betume correndo para o mar e uma montanha que cuspia fumaça de sua base. Nova
Scotia certamente é um lugar muito rico em carvão, e há veios costeiros
expostos de. betume, onde correm ribeiros de carvão, em Asphalt. Nas
proximidades, resíduos pastosos no subsolo freqüentemente ardem sob as colinas
do cabo Smokey. Em Louisburg, no cabo Breton, há um primitivo cânon, encontrado
em 1849. É do tipo veneziano usado por Zeno e de um estilo que já era obsoleto
na época de Colombo.
De Nova Scotia, Sinclair continuou rumo ao sul, na direção da terra de
Drogio. Evidências da jornada podem ser vistas em Massachusetts e Rhode Island.
Em Westford, Massachusetts, onde morreu um dos cavaleiros de Henry, a cova
ainda é discernível. Incrustada na borda de uma rocha, há uma efigie de 2,10m
de um cavaleiro do século XIV usando cota de malha e um manto do tipo que
cobria a armadura. A figura porta uma espada do século XIV e um esculdo com a
heráldica de Pentland. A espada do cavaleiro está quebrada abaixo do cabo (indicando
o costume de quebrar a espada para que ela fosse enterrada com o cavaleiro) -
igual à que se encontra aos pés de Percival, nas histórias do Graal.
Em Newport, Rhode Island, há uma torre medieval de dois andares, bem
preservada. Sua construção (um octógono dentro de um círculo e oito arcos ao
redor) é baseada no modelo circular das igrejas dos Templários. Vestígios
semelhantes são encontrados na capela Orphir, do século XII, em Orkney. A
arquitetura de Newport é escocesa e seu desenho está reproduzido na Igreja de
St. Clair, Corstorphine, onde a filha de Henry Sinclair tem seu memorial. Rhode
Island só foi fundada oficialmente em 1636, mas sua fundação não foi um evento
casual. No escritório de registros públicos em Londres, um texto datado de quatro
anos antes descreve a "torre redonda de pedra" em Newport. Propunha
que a torre fosse usada como guarnição para os soldados de Sir Edmund Plouden,
que colonizou a área.
Mais de 50 anos após a expedição de Sinclair, Cristóvão Colombo nascia em
meio à Era dos Descobrimentos, na Europa. Em Portugal, ele se tornou Cavaleiro
de Cristo na renovada Ordem dos Templários, assim como seus contemporâneos
Vasco da Gama, Bartolomeu Dias e Fernão de Magalhães. Ele também pertencia à
Ordem dos Crescentes (fundada por René d' Anjou) - também conhecida como Ordem
do Navio. Os cavaleiros Crescentes eram particularmente interessados em
questões de navegação, mas tinham sido condenados pela Igreja por insistir que
o mundo era redondo!
Graças a John Drummond e outros, Colombo sabia precisamente para onde
estava indo - e não era à Ásia. Mapas do Novo Mundo transatlântico já existiam
em seus círculos dos Templários. Especificamente, ele teve acesso ao novo Globo
do Mundo, que foi completado em 1492, precisamente o ano em que ele partiu em
sua expedição. Ele era sócio de negócios em navegação de um certo João Afonso
Escórcio - apelido do homem mais conhecido como John Drummond.
HERESIA E INQUlSIÇÃO
O MARTELO DAS BRUXAS
Depois da perseguição dos Cavaleiros Templários e seus aliados, o Santo
Oficio da Inquisição Católica continuou com seu trabalho, principalmente na
França e na Itália. Os inquisidores nomeados pelo papa eram essencialmente
frades dominicanos de hábito preto e frades franciscanos de hábito cinza. Seu
poder era considerável e eles criaram uma reputação terrivel por causa de sua
crueldade. A tortura adquiriu sanção papal em 1252 e os julgamentos eram
secretos. As vítimas que confessavam heresia eram aprisionadas e queimadas,
enquanto aquelas que recusavam a confissão recebiam o mesmo tratamento por
desobediência.
No século XV, a Inquisição já tinha perdido parte de seu impacto, mas um
novo ímpeto surgiu na Espanha a partir de 1480, quando a ira da Inquisição
espanhola foi dirigida principalmente contra os judeus e os muçulmanos. O
Grande Inquisidor era o brutal dominicano Tomás de Torquemada, confessor
oficial de Fernando II e da rainha Isabela. Alguns anos após sua implementação,
porém, a Inquisição espanhola começou a visar a outro culto apóstata. A
opressão resultante duraria mais de dois séculos - não só na Espanha, mas por
toda a Europa cristã. As presas inocentes eram descritas como "os mais
diabólicos hereges a conspirar para a destruição da Igreja Romana".
Em 1484, dois dominicanos, Heinrich Kramer e James Sprenger, publicaram
um livro chamado Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas). Essa obra
malévola, porém imaginativa, fornecia detalhes de como identificar uma nova e
hedionda ameaça dos praticantes da magia satânica. O livro era tão convincente
que, dois anos mais tarde, o papa Inocêncio VIII emitiu uma bula para autorizar
a supressão dessa seita blasfema. Até aquele ponto, o culto conhecido como
bruxaria não consistia uma ameaça a ninguém, contando apenas com a continuidade
de rituais pagãos e ritos de fertilidade feitos pelas classes dos camponeses.
Em termos reais, era pouco mais que o vestígio de uma crença primitiva no poder
divino das forças naturais, centrado principalmente em Pã, o maroto deus
arcadiano dos pastores. Pã era tradicionalmente descrito com pernas, orelhas e
chifres de um bode, mas os criativos dominicanos tinham outras idéias do
Chifrudo que tocava flauta. Eles enegreceram sua imagem a ponto de faze-lo
parecer o próprio diabo, e os frades invocavam uma passagem das ordenações do
Exodo (22: 18-19), que dizia:
"A feiticeira não deixarás viver. Quem tiver coito com animal será
morto."
Assim, por meio de uma evidente aplicação errônea do texto bíblico, eles
condenavam os cultistas de Pã primeiro como bruxos e, depois, como pessoas que
praticavam orgias hediondas com um animal. Como todos os inquisidores eram
homens, foi determinado que a bruxaria devia ser uma forma de depravação
associada à insaciável lascívia das mulheres!
A palavra inglesa witch (bruxa) deriva de uma antiga variante de willow -
inglês para salgueiro - a árvore da Deusa Tripla da Lua (donzela, mulher e
anciã). Dizia-se que os adoradores do salgueiro possuíam poderes sobrenaturais
de adivinhação (como vemos nas três bruxas em Macbeth, de Shakespeare), e isso
possibilitava à Igreja incluir toda espécie de Mago, cigano e cartomante em sua
classificação aleatória de bruxaria. Na verdade, a definição revisada era tão
abrangente que quase todo mundo que não observasse estritamente o dogma
ortodoxo vivia sob suspeita de ser praticante das artes negras (esse tema é
abordado com mais profundidade em Realm of the Ring Lords).
Embora alguns indivíduos não-conformistas fossem pegos na rede, como
método de evitar julgamentos justos, as caças às bruxas eram, de um modo geral,
dirigidas contra as indefesas classes rurais. As desafortunadas vítimas eram
estranguladas, afogadas ou queimadas vivas, após serem acusadas de venerar o
diabo em orgias noturnas e se chafurdar com espíritos malignos. Enquanto isso,
as pessoas das classes privilegiadas que possuíam verdadeiras habilidades
esotéricas e conhecimento hermético eram obrigadas a realizar suas atividades
em segredo, escondidas em suas lojas e clubes subterrâneos.
Durante os primeiros anos dessa perseguição, o monge dominicano Johann
Tetzel implementou um esquema lucrativo para abastecer os cofres do Vaticano. O
plano envolvia o perdão dos pecados, que até então eram expiados por meio de
penitência e jejum, recitação do rosário e outros atos de contrição. O conceito
de Tetzel substituía essas penalidades tradicionais por indulgências -
declarações formais de absolvição garantida, disponivel mediante pagamento em
dinheiro. Aprovada por decreto papal, a venda de indulgências logo se tornou
uma fonte de considerável renda para a Igreja.
Durante séculos, o clero ortodoxo e suas Ordens monásticas associadas
tinham sofrido uma série de medidas ultrajantes impostas por uma hierarquia que
se tornava cada vez mais corrupta. Passando por tudo isso, eles tinham
obedecido a sucessivas imposições do Vaticano da maneira mais leal possível;
mas a troca da salvação cristã por dinheiro era demais para ser tolerada. A
prática foi, por isso mesmo, abertamente contestada. Em outubro de 1517, um
monge agostiniano e professor de Teologia na Universidade de Wittenberg,
Alemanha, pregou um protesto escrito na porta de sua igreja local - um ato de
objeção formal, destinado a dividir a igreja ocidental permanentemente em duas.
Ao receber a repreensão papal, ele publicamente ateou fogo nela e foi
excomungado. Seu nome era Martinho Lutero e seus seguidores ficaram conhecidos
como protestantes.
A tentativa de Lutero de reformar uma prática específica da Igreja acabou
gerando uma Reforma em escala muito maior, estabelecendo uma sociedade cristã
alternativa, fora do controle do Vaticano. Na Inglaterra, a conseqüência mais
significativa da resultante reforma foi a rejeição formal da autoridade do papa
e sua substituição como chefe da Igreja inglesa pelo rei dos Tudor, Henry VIII.
No devido tempo, isso culminou no estabelecimento da Igreja independente da
Inglaterra, sob a rainha Elizabeth I, que foi excomungada por Roma em 1570. A
dissidência formal da Escócia do limitado vestígio de controle papal ocorreu em
1560, sob a influência do reformista protestante John Knox.
Não foi por acaso que o protesto de Martinho Lutero encontrou apoio em
alguns círculos muito influentes, pois Roma tinha muitos inimigos em altos
lugares. Entre esses ferrenhos inimigos estavam os Cavaleiros Templários e as
sociedades secretas herméticas, cujas artes misteriosas tinham sido condenadas
pela Inquisição Católica. A verdade não era que Lutero tivesse conseguido o
apoio de outros, mas que fora de bom grado o instrumento de um movimento já
ativo que se empenhava em desmantelar a rígida dominação internacional do papa.
A rompimento protestante com Roma facilitava um ambiente de liberdade de
pensamento, que culminaria nas conquistas da Sociedade Real da Grã-Bretanha e
fomentaria os ideais culturais e intelectuais da Renascença. Na verdade, o
movimento da Alta Renascença de 1500-1520 proporcionava o cenário perfeito para
a posição de Lutero contra os bispos politicamente motivados. Começava a era do
indivíduo e da dignidade humana; a era em que Leonardo da Vinci, Rafael e
Michelangelo desenvolveriam a harmonia da arte clássica à sua mais perfeita
forma; a era em que a empolgação pelo aprendizado do conhecimento pagão
reemergia numa explosão de cores, atravessando novas fronteiras da ciência, da
arquitetura e dos projetos. Acima de tudo, a Reforma ia contra todas as
aspirações para a recriação do supremo domínio de Roma Imperial.
Desde que a Igreja Católica tinha deposto os reis merovíngios no século
VIII, havia um movimento calculado para refletir prévias glórias por meio do
Santo Império Romano, convenientemente inventado. Mas a Reforma comprometia
tudo isso, pois as nações da Europa se polarizavam e dividiam. A Alemanha, por
exemplo, separou-se no norte predominantemente protestante e no sul católico
romano. Como resultado, a Inquisição espanhola contra os judeus e muçulmanos se
estendeu também aos protestantes. Inicialmente, eles foram caçados
principalmente nos Países Baixos, mas, em 1542, uma Inquisição romana oficial
contra todos os protestantes foi estabeleci da pelo papa Paulo III. Como não
podia ser de outra forma, os protestantes levantaram as armas.
Os poderosos Habsburgos católicos, que governaram a Espanha e o império,
sofreram o maior impacto da retaliação protestante, levando um golpe devastador
quando a armada espanhola do rei Filipe II se espalhou aos quatro ventos em
1588. Além disso, eles sofreram também com a extensa revolta protestante na
Holanda, iniciada em 1568, e a guerra de 30 anos na Alemanha, um conflito
iniciado em 1618, quando os protestantes boêmios se rebelaram contra o governo
Habsburgo da Áustria. Eles ofereceram sua coroa para o príncipe alemão
Frederico V, palatino eleitor do Rena. Ele era sobrinho do líder francês
huguenote, Henri de la Tour d' Auvergne, Duc de Bouillon. Quando ele aceitou a
honra da Boêmia, porém, despertou a fúria do papa e do Santo Império Romano e a
longa guerra começou. Durante a luta, a causa da Boêmia ganhou o apoio da
Suécia, junto com a França protestante e a Alemanha. Com o passar do tempo, os
territórios imperiais foram severamente devastados, a ponto de o imperador
ficar com um controle meramente nominal dos estados germânicos.
Em 1562, os protestantes franceses (huguenotes) se levantaram contra sua
própria monarquia católica, fazendo surgir guerras civis (que duraram até 1598)
que ficaram conhecidas como as Guerras de Religião. A Casa de Valois estava no
poder, mas o regente da França era a florentina Catarina de Médici. Ela era
neta do papa Clemente VII e grandemente responsável pelo notório Dia do
Massacre de 24 de agosto de 1572, de São Bartolomeu. Nesse fatídico dia, mais
de 3mil huguenotes foram mortos em Paris, enquanto outros 12 mil eram mortos em
toda a França. Tal fato agradou visivelmente o papa Gregório XIII, que enviou uma
mensagem pessoal de congratulações à corte francesa!
Proeminente nas Guerras de Religião foi a nobre família francesa de
Guise. Embora fossem líderes da Santa Liga Católica, os membros dessa família
não eram amigos da dinastia Valois governante. Na verdade, eles disputavam a
legitimidade da sucessão dos Valois e reivindicavam seu direito ao trono por
descenderem do imperador Carlos Magno pela Casa de Lorraine. Isso era um
problema para as tropas escocesas na França porque, após sua participação ativa
na vitória de Joana d' Arc em Orléans, eles tinham fornecido por algum tempo
uma guarda de elite para a Casa de Vale A Guarda Escocesa dos Compagnie
Gendarmes Ecossais não tinha otrgação religiosa com os católicos nem com os
protestantes, mas tinha, is, sim. uma aliança de compromisso com os reis Valois
por meio de sua incorporação formal.
O dilema era porque o rei James V Stewart tinha se casado com Maria de
Guise, e a atual rainha Mary dos escoceses era a filha do casal. Em 1558, ela
se casou com o filho mais velho de Catarina de Médice, o delfim dos Valois,
François. Assim, os desafortunados soldados escocese, foram pegos no meio do
conflito francês e obrigados, em nome da honra. a apoiar a Casa de Valois.
contra a de Guise, embora tivessem anteriormente liderado o exército do irmão
de Maria de Guise, François, para resgatar Calais dos ingleses em 1558. Na
verdade, além de serem uma guarda dos Valois, eles eram partidários
tradicionais da Casa de Lorraine, a mais alta de Guise. Levando em conta toda
essa situação, a Guarda estava numa posição realmente difícil.
O problema dos escoceses para equilibrar esse conflito de interesse foi
finalmente resolvido quando a dinastia Valois se extinguiu. A partir de 1589, a
França começou um período de dois séculos de governo por parte da Casa de
Bourbon, com a qual a Guarda Escocesa não tinha compromisso formal.
Desde os primeiros dias dos reis francos, os administradores papais
tinham conseguido afastar qualquer instituição poderosa que ameaçasse o Santo
Império Romano em evolução. Mas, subitamente, ela se viu confrontada por um
oponente imprevisto - uma imagem renovada e de modo geral mais aceitável de si
própria - uma paralela e independente Igreja Cristã. Além disso, o movimento de
oposição era mantido pelas mesmas vítimas da perseguição e da alegada heresia
que o Vaticano julgava ter reprimido. Na nova e iluminada Era da Razão, os
protestantes emergiam sob a bandeira unificada da Cruz Vermelha (Rósea) - um
emblema incorporado no selo pessoal de Martinho Lutero.
Os rosa-cruzes (como se intitulam) pregavam a liberdade, a fraternidade e
a igualdade. Viviam desafiando constantemente a opressão tirânica e acabariam
se tornando instrumentais na revolução americana e na francesa. Após a Reforma,
a Ordem Rosa-cruz foi grandemente responsável pelo estabelecimento de um novo
ambiente de consciência espiritual. As pessoas descobriram que a história
apostólica dos bispos romanos era uma ultrajante fraude e que a Igreja tinha
deliberadamente sabotado a história de Jesus. Também ficou evidente que os
Rosa-cruzes (como os cátaros e Templários antes deles) tinham acesso a um
conhecimento antigo com mais substância do que qualquer coisa promulgada por
Roma.
Contra o peso desse impacto, a única defesa de Roma era continuar com
suas bem testadas declarações de heresia. Ameaças de violência foram mandadas
contra todos os que se opusessem à doutrina católica. Na verdade, era preciso
encontrar uma nova acusação - que não fosse tão leve quanto a de heresia,
suficiente no passado. Os opositores do Catolicismo, fossem eles quem fossem,
eram definidos como adoradores do diabo e a Inquisição do Martelo das Bruxas
foi implementada contra uma imaginária conspiração satânica promulgada pelos
feiticeiros. O problema era que ninguém sabia realmente quem eram esses
supostos feiticeiros - e assim, uma série de julgamentos e testes ridiculamente
trágicos foi elaborada para extermina-los. No meio de tudo isso, a rigida seita
puritana se tomou politicamente aliada à estratégia romana, implementando suas
próprias caças às bruxas na Inglaterra e na América. Por um periodo de 250
anos, mais de um milhão de homens, mulheres e crianças inocentes foram
assassinados pela autoridade delegada dos caçadores de bruxos.
Em 1614 e 1615, dois tratados conhecidos como os Manifestos Rosa-cruz
surgiram na Alemanha. Eram eles o Fama Fraternitatis e o Confessio
Fraternitatis. A eles se seguiu, em 1616, um romance do mesmo tema, chamado O
Casamento Químico, escrito pelo pastor luterano Johann Valentin Andreae. Os
primeiros Manifestos eram de autores a ele relacionados, se não do próprio
Andreae, que era um alto funcionário da Prieuré Notre Dame de Sião. As
publicações anunciavam uma nova era de Iluminismo e liberação hermética, na
qual determinados segredos universais seriam desvendados e conhecidos. Diante
do advento da Sociedade Real científica dos Stuarts, algumas décadas mais tarde
na Grã-Bretanha, pode-se dizer que as profecias estavam suficientemente
corretas, mas na época vinham veladas em alegoria. Os escritos se centravam nas
viagens e nos aprendizados de um misterioso personagem chamado Christian
Rosenkreuz, um Irmão da Cruz Rósea. Seu nome foi claramente criado para ter um
significado rosa-cruz, e ele era descrito usando a equipagem dos Templários.
O enredo de O Casamento Químico se passa no castelo mágico da Noiva e do
Noivo: um palácio cheio de efigies de leões, onde os cortesãos são estudantes
de Platão. Num ambiente digno de qualquer romance do Graal, a Virgem Acendedora
de Lampiões faz com que todos os presentes sejam pesados na balança, enquanto
um relógio indica os movimentos dos céus e o Velo de Ouro é apresentado aos
convidados. O tempo todo toca uma música de corda e trombeta, e reina um clima
de romântico cavalheirismo, com cavaleiros de Ordens Sagradas presidindo.
Embaixo do castelo há um rnisterioso sepulcro que contém estranhas inscrições,
enquanto do lado de fora, no porto, encontram-se 12 navios da Pedra Dourada,
cada um com sua bandeira individual do zodíaco. Em meio a essa curiosa
recepção, uma peça de fantasia é conduzida para contar a intrigante história de
uma princesa sem nome que lançada ao mar numa arca de madeira, casa-se com um
príncipe de origens igualmente obscuras, fazendo com que uma herança real
usurpada seja restaurada.
Combinada com as duas publicações anteriores, O Casamento Químico tem um
significado ligado ao Graal óbvio. A Igreja, por isso mesmo, não perdeu tempo
em lançar todo o peso de sua condenação contra os Manifestos. O ambiente era mítico,
mas, para ilustrar a cena, os rosa-cruzes só usavam um único castelo em suas
representações: o castelo de Heidelberg, a abadia do Leão Palatino - o lar do
príncipe Frederico do Reno e sua esposa,
princesa Elizabeth Stuart, filha do rei James VI dos escoceses (James I
da Inglaterra).
Apesar do despertar rosa-cruz da Reforma, a Irmandade da Ordem da
Rosa-cruz tinha uma história muito antiga, remontando à Escola Egípcia de
Mistério do Faraó Tutmósis III (c.1468-1436 a.C.). Os velhos ensinamentos foram
disseminados por Pitágoras e Platão, chegando mais tarde à Judéia por meio do
Terapeutato egípcio ascético, que presidia em Qurnrã, na época anterior a
Jesus. Aliados ao Terapeutato estavam os magos samaritanos de Manassés do
Oeste, cujo chefe era o líder gnóstico Simão (o Mago) Zelote, um confederado
convicto de Maria Madalena, um essênio da diáspora e o avô de Maria Madalena. A
descendência de Menahem era dos sacerdotes da família de Judas Macabeu, tão
reverenciado na história do Graal arturiana de Gawain.
O "discípulo amado", João Marcos (promulgador do Evangelho de
João e também conhecido como Bartolomeu), era um especialista em medicina
preventiva e curativa e ligado ao Terapeutato egípcio (gerando o cognato
"terapêutico"). Foi por causa disso que João se tomou o santo
reverenciado dos Cavaleiros Hospitalários de Jerusalém. João Marcos era o
discípulo que Jesus encarregou de cuidar de sua mãe na crucificação
"Dessa hora em diante, o discípulo a tomou" (João 19:27).
Algumas Bíblias - incluindo a Versão Autorizada do rei James - erroneamente
acrescentam uma ou mais palavras (geralmente em itálico): "... a tomou
para casa". Mas a palavra "casa" não era aplicável ao texto
original do Evangelho. Na verdade, João foi encarregado de ser paraninfo
(assistente pessoal) de Maria. e em vez de levá-la "para casa", ele
teria levado Maria para as amas do Terapeutato (um paranymphos era, em termos
exatos, aquele que na cerimônia conduzia a noiva até o noivo).
O símbolo dos curandeiros do Terapeutato era uma serpente – a mesma que é
mostrada (junto ao emblema do Graal da Cruz Rósea) para indicar São João no
manuscrito Rosslyn-Hay do rei René d'Anjou. A serpente gnóstica da sabedoria é
usada como parte da insígnia do caduceu de muitas associações médicas
internacionais da atualidade. Foi por causa da particular proximidade de João
com a família de Jesus que ele reconheceu o verdadeiro significado das bodas
sagradas em Caná. A dinastia real de Jesus tinha grande mérito, mas a de Maria
Madalena também. Ela era a original Notre Dame des Croix, a portadora do vaso
messiânico, a Senhora da Luz - e é no cálice dela que a Cruz Rósea do Sangréal
é sempre encontrada.
Entre os notáveis Grão-Mestres rosa-cruzes havia o poeta e filósofo
italiano Dante Alighieri, autor de A Divina Comédia, por volta de 1307. Um dos
mais ávidos estudantes de Dante foi Cristóvâo Colombo, que, além de seu
patrocínio pela corte espanhola, era bancado também por Leonardo da Vinci,
membro da Ordem dos Crescentes de René d' Anjou (uma retomada de uma antiga Ordem
das Cruzadas, estabelecida por Luis IX). Outro proeminente Grão-Mestre era o
Dr. John Dee, astrólogo, matemático, agente do serviço secreto e conselheiro
pessoal da rainha Elizabeth I. Também o advogado e escritor de filosofia Sir
Francis Bacon, Visconde St. Albans, foi Grão-Mestre no início do século XVII.
Sob o rei James VI Stuart, Bacon se tomou o Procurador-Geral da Grã-Bretanha e
lorde Chanceler. Por causa da contínua Inquisição, ele se preocupava muito com
a perspectiva do assentamento católico em grande escala na América, o que o fez
se envolver de modo particular com a colonização transatlântica britânica,
incluindo a famosa viagem do Mayjlower em 1620. Entre os colegas rosa-cruzes de
Bacon estava o notável médico e filósofo teólogo de Oxford, Robert Fludd, que
auxiliou na tradução para o inglês da Versão Autorizada da Bíblia do rei James.
Em 1307, os rosa-cruzes tinham sido formalmente inaugurados na Escócia
pelo rei Robert, o Bruce, que escolheu certos Templários e Hospitalários para
serem fundadores dos Irmãos Mais Velhos da Rosacruz. A Ordem foi herdada por
seus descendentes da Casa Real de Steward e, na era Stuart da Grã-Bretanha,
século XVII, os rosa-cruzes eram inseparavelmente ligados à Sociedade Real
científica. Essa academia incluía mestres e acadêmicos como Robert Boyle e Sir
Christopher Wren, . que tinham destaque na Ordem da Rosa-cruz. Os objetivos e
as ambições da Ordem, com eminentes estudiosos como Sir Isaac Newton, Robert
Hooke, Edmond Halley e Samuel Pepys, eram claros: avançar o estudo e a
aplicação da antiga ciência, da numerologia e da lei cósmica. Os rosa-cruzes
também se empenhavam em encorajar os ideais do Terapeutato egípcio promovendo
assistência médica para os pobres. Não é coincidência que a agência de maior
influência no campo da emergência médica em todo mundo (conforme estabelecido
na Convenção de Genebra de 1864) seja identificada por sua familiar Cruz
Vermelha.
Na época do rei Charles I, a Ordem Rosa-cruz estava bem estabelecida em
vários países, incluindo Grã-Bretanha, França, Alemanha e Holandz. O trabalho
da Ordem progrediu muito por algum tempo, independentemet'te da condenação
papal emitida por meio de decretos do Vaticano. Contra esse progresso, porém,
um novo inimigo visava à fraternidade erudita um inimigo cujos esforços
perniciosos se concentravam para atrasar o avanço espiritual e tecnológico por
tempo indeterminado. Os puritanos estavam chegando.
É um fato triste que, sempre que as ações pérfidas de um regime são
suprimidas, outro regime de igual iniqüidade é criado no lugar. Foi isso que
aconteceu com a separação da igreja inglesa de Henry VIII de Roma. Não tardou
para que Henry fechasse mosteiros e vendesse as terras deles para classes
mercantes; mas não era como se os cultos monges da Inglaterra tivessem a menor
afinidade com a Igreja Católica episcopal. De modo semelhante, ao estabelecer a
Igreja Anglicana Protestante (a Igreja da Inglaterra), a filha de Henry, a
rainha Elizabeth I, apressou-se em impor seu controle absoluto aos católicos de
Irlanda. Ela vendeu Ulster para as Associações da Londres, cujos mercadores
forçaram os irlandeses a se tornarem seus servos ou a abandonar sua terra
natal.
Henry VIII não se tornou protestante, como é freqüentemente sugerido; na
verdade, ele tinha denunciado Martinho Lutero em seus escritos. O que ele fez
foi cortar a parte inglesa da Igreja do controle papal. Isso facilitou seu
divórcio de Catarina de Aragão (a filha de Fernando e Isabela, da Espanha).
Também permitiu que ele tivesse acesso à riqueza da Igreja e às propriedades na
Inglaterra. Quando o conselho dos reformistas protestantes assumiu as rédeas
depois da morte do rei, o povo não ficou feliz, mas sua felicidade diminuiu
ainda mais quando Mary Tudor se casou com Filipe da Espanha e começou a queimar
protestantes na Inglaterra. Bloody Mary (ou Maria, a Sanguinária) morreu antes
que ocorresse uma grande revolta pública, e sua meia-irmã Elizabeth acalmou o
furor, criando a Igreja Anglicana Protestante. Foi o medo de que a Irlanda
fosse usada para incitar uma invasão espanhola da Inglaterra que motivou suas
ações, mas um fim a curto prazo raramente justifica um meio a longo prazo, e as
tristes repercussões dos atos de Elizabeth ainda podem ser sentidas.
Quaisquer que fossem os motivos de Henry e Elizabeth, seus esforços
aumentaram grandemente o poder das classes mercantes, que se aliaram aos
protestantes holandeses para suprimir as pretensões comerciais internacionais.
A resposta de Filipe II foi a grande Armada, mas esta foi repelida com a
considerável ajuda das condições climáticas. A Inglaterra emergia como uma
nação religiosamente independente, com a Igreja Anglicana firmemente
estabelecida, mas muita coisa havia mudado desde que Martinho Lutero se
pronunciou quase um século antes.
A Igreja Anglicana, com sua estrutura episcopal, tomou-se tão pouco
tolerante com outras denominações quanto a Igreja de Roma. Na época do rei
Charles I Stuart (1625-1649), ela já era decididamente antagonista em relação a
qualquer um que ousasse questionar seu dogma. Como uma irônica repetição da
história dos Templários, cientistas, astrônomos, matemáticos, navegadores e
arquitetos rosa-cruzes se tomaram as vítimas do pernicioso sistema protestante.
Os clérigos anglicanos os chamavam de pagãos, ocultistas e hereges, assim como
a Igreja de Roma fazia. Na verdade, a queda do rei Charles I teve muito mais a
ver com sua tolerância religiosa e sua ligação com aqueles grandes homens de
conhecimento e erudição avançada do que os livros ortodoxos nos ensinam.
Se os cientistas ocultos da alta sociedade eram perseguidos pela sua
própria Igreja nacional, havia pouca esperança para os praticantes dos velhos
costumes nos estratos mais baixos da sociedade - aqueles que tinham sido
tachados de bruxos pela Inquisição. Eles viviam com medo dos extremistas protestantes,
-assim como tinham temido os católicos, e a seita protestante que mais se
assemelhava ao fanatismo da Inquisição era a própria seita que se dividiu do
episcopado anglicano para se tomar mais religiosamente "pura". O que
esses puritanos conseguiram, porém, foi se transformar em idólatras
intolerantes, desprovidos de qualquer intelecto espiritual. Na verdade, eram
tão antidemocráticos em suas crenças que seu chefe preliminar era um déspota
brutal que fazia até Tomás de Torquemada parecer um cordeirinho. Foi durante os
anos do selvagem protetorado de Oliver Cromwell, a partir de 1649, que os
astrônomos e matemáticos foram forçados a se esconder debaixo do solo, como o
Colégio Invisível. Foi só em 1660, após a Restauração de Stuart, que os
rosa-cruzes apareceram abertamente em público mais uma vez, com o rei Charles
II como seu novo patrono e promulgador da Sociedade Real.
CASA DOS UNICÓRNIOS
A UNIÃO DAS COROAS
A Casa Real de Stewart da Escócia surgiu de uma união conjugal das
linhagens hereditárias de Jesus e de seu irmão Tiago - originando-se na fonte
dos merovíngios de um lado e dos reis celtas da Bretanha de outro.
Os Stewarts emergiram, portanto, como uma dinastia verdadeiramente
singular e são conhecidos há muito tempo como a Casa dos Unicómios. Já vimos
que o chifre do unicómio era simbolicamente equivalente à lâmina nas histórias
do Graal, e ambas representavam o cálice "masculino" em contraste ao
"feminino".
Junto ao Leão de Davi de Judá e à flor-de-lis franco-judaica, o unicórnio
desposyni foi incorporado às Armas Reais. O unicórnio correspondia ao Jesus
viril e era relacionado à imagem messiânica ungida do Salmo (canção sagrada)
92:10. De fato, o animal místico era um dos mais importantes símbolos dos
cátaros albigenses, que foram tão cruelmente perseguidos pela Inquisição
inicial. Nas lendas medievais, o Unicórnio sempre foi associado à fertilidade e
à cura, e as tapeçarias da Renascença o mostram com a cabeça no colo da noiva
real. Isso é uma alusão ao antigo texto ritual do Casamento Sagrado (o Hieros
Gamos): "O rei vai com a cabeça erguida ao colo sagrado'', como é
expressado no rito poético da antiga Mesopotâmia: a terra de Noé e Abraão.
Os cátaros acreditavam que somente o chifre sacro do unicómio podia
purificar as falsas doutrinas que fluíam da Igreja Romana, e nesse sentido a
reverenciada criatura costumava ser reproduzida com o chifre mergulhado num rio
ou fonte. Outras descrições mostram o unicómio preso num jardim enclausurado -
confinado, mas bem vivo. Os sete painéis de tapeçaria de La Dame à la Licorne,
no Museu Cluny, em Paris, vieram originalmente de Lyon medieval. Os sete
painéis flamengos intitulados Caçada dos Unicórnios, na c1ausura do Museu
Metropolitano, Nova Iorque, são do século XVI, de Languedoc, e mostram o unicórnio
sendo caçado e perseguido. Depois de capturado, ele é sacrificado, mas depois
aparece vivo novamente no jardim da noiva. Essa é uma reprodução direta da
história de Jesus.
O simbolismo mitológico do unicórnio era central às assim chamadas
heresias de Provença, que foram tão brutalmente condenadas pela Igreja. Não foi
por acaso que a fabuloso animal da linhagem do Graal encontrou seu lugar como
guardião do Leão nas Armas da Escócia, junto ao sinal de X da unidade entre
masculino e feminino - a bem conhecida Cruz Nacional, popularmente identificada
como a cruz de Santo André.
Quando Robert II Stewart (neto de Robert, o Bruce) fundou a Casa Real
Escocesa em 1371, a sucessão ficou com seus herdeiros no Parlamento escocês. As
Casas Plantagenetas de York e Lancaster acabaram lutando pela dominação na
Inglaterra, mas perderam para os Tudors. Na França, a dinastia Valois travou
constantes guerras contra pretendentes rivais, e os Valois foram sucedidos
pelos Bourbons. Mas durante todo esse tempo, os Stewarts mantiveram sua posição
dinástica ininterrupta (a história completa da Casa Real de Stewart é relatada
na obra do HRH Príncipe Michael de Albany, The Forgotten Monarchy of Scotiand).
Antes que os High Stewards se tomassem reis escoceses, suas ramificações
familiares estavam bem posicionadas em termos de status nobre e, com o passar
do tempo, eles adquiriram títulos em Lorne, Innermeath.. Atholl, Lennox, Doune,
Moray e outros lugares. No fim do século XVI, o nome Stewart tinha se tomado
Stuart na linhagem real - uma mudança ocorrida por meio da ligação francesa
através dos Stewarts Seigneurs d' Aubignie e do primeiro casamento de Mary,
rainha dos escoceses, como o Delfim, pois não existia a letra "w" no
alfabeto francês.
Depois da morte de Elizabeth Tudor da Inglaterra, que não teve filhos, as
coroas da Escócia e da Inglaterra se uniram em 1603. James VI dos escoceses era
bisneto de James IV e da irmã de Henry VIII, Margaret. Era considerado,
portanto, o parente vivo mais próximo de Elizabeth, e por isso mesmo foi
convidado como sucessor. Na verdade, a Inglaterra tinha um herdeiro apropriado
ao trono, Edward Seymour, lorde Beauchamp. por descendência da filha de Henry
VII, Mary. Entretanto, embora muitos gostassem de reconhecer uma legítima
sucessão paralela de Henry VII, outros se sentiam indignados com o fato de o
rei dos escoceses ser rei da Inglaterra. Não tinham objeção à união das coroas,
mas prefeririam que a situação fosse reversa, ou seja, um monarca inglês
governando a Escócia. Como resultado, uma das maiores conspirações políticas da
história foi montada contra James e os reis Stuart. Quando James VI dos
escoceses chegou a Londres para se tomar também James I da Inglaterra, ele se
viu confrontado por dois problemas imediatos. O primeiro relacionava-se à religião.
Tanto a Escócia como a Inglaterra se haviam definido como nações protestantes,
mas James tivera uma formação presbiteriana enquanto a Inglaterra era
anglicana. A segunda dificuldade era que a administração de Westminster era
totalmente inglesa, e os escoceses nascidos antes da ascensão de James, em
1603, não podiam exercer funções no governo. Isso significava que ele teria de
esperar pelo menos 16 anos até que um escocês aparecesse em Westminster!
Depois de muitas tentativas frustradas de obter o controle da Escócia, o
Parlamento inglês tinha descoberto um caminho estratégico para a possessão
escocesa - que talvez já tivesse sido elaborado antes do convite à sucessão
feito a James. Com James assentado nos tronos unidos. uma solução para a
ambição de longa data foi elaborada: (a) os futuros reis da Grã-Bretanha
permaneceriam sediados em Londres, o que restringia a influência escocesa mesmo
nas questões da Escócia; (b) Westminster poderia, se julgasse necessário,
dissolver o tradicional Parlamento triplo escocês; (c) no momento apropriado,
os Stuarts seriam desacreditados e depostos; e (d) um monarca marionete
escolhido em Westminster substituiria a sucessão escocesa. O resultado dessa
estratégia seria a submissão total da Escócia ao governo inglês, uma ambição
que tinha prevalecido desde a era Plantageneta de Edward I. E foi exatamente
isso Q que aconteceu em 1688, quando o rei James VII (11) teve seu trono
usurpado e foi mandado para o exílio pela Igreja e os conspiradores
parlamentares.
Antes disso, em 1560, a Igreja Presbiteriana da Escócia (Presbyterian
Kirk - regulamentada por anciãos em vez de bispos) tinha se tomado a Igreja
Nacional do país. Ao sul da fronteira, a Igreja Anglicana existia desde a
autorização por parte de Elizabeth I dos Trinta e Nove Artigos da doutrina
inglesa em 1563. Assim, quando os Stuarts sucederam como monarcas gerais da
Grã-Bretanha, eles supostamente deveriam manter duas importantes igrejas, sem
que uma ofendesse a outra. Era uma tarefa impossível, principalmente porque o
rei seria o Chefe da Igreja da Inglaterra. Para atingir um equilíbrio, os
Stuarts fundaram a Igreja Episcopal Escocesa, que introduzia uma estrutura
parecida com a dos bispos protestantes, paralela à equivalente anglicana. Mas
os reis tinham, então, uma terceira Igreja para manter, o que complicava as
coisas ainda mais. Acima de tudo isso, havia outra complicação. Além de serem
reis da Grã-Bretanha, os Stuarts eram também reis da Irlanda (o Estado Livre
irlandês só seria estabelecido em 1921), tendo, portanto, responsabilidades com
o povo irlandês, que era tradicionalmente católico.
Elizabeth I tinha governado sem consultar o Parlamento com freqüência, e
deixara a Coroa com dívidas consideráveis. Conseqüentemente, o rei James foi
obrigado a implementar uma taxação mais alta. No entanto, ao aprovar essa
medida, o Parlamento insistiu que ele não governasse no estilo autocrático de
Elizabeth. Na verdade, estipulou uma série de restrições que praticamente
deixavam o rei sem poderes individuais. James respondeu declarando que, segundo
a tradição escocesa, ele não prestava contas a nenhum Parlamento, mas somente a
Deus e à nação. Era seu dever, afirmou, manter a Constituição Escrita da
Escócia em nome do povo e assumir posições contrárias ao Parlamento e à Igreja,
se elas se fizessem necessárias. Diferentemente da Escócia, porém, a Inglaterra
não tinha uma Constituição Escrita (como ainda não tem), e nada protegia os
direitos e as liberdades do povo. Existia apenas uma tradição feudal que
investia as classes altas feudais de poder de terras.
Durante toda a era Stuart, as diferenças religiosas entre as facções
rivais da Igreja Cristã se faziam muito evidentes. Ao instituir os Atos de
Uniformidade com respeito ao Book of Common Prayer (Livro da Oração Comum),
James VI (I) irritou os católicos e incitou no Parlamento o Golpe da Pólvora
contra ele. Por outro lado, ao introduzir a sua Versão Autorizada da Bíblia,
fez com que os protestantes afirmassem que ele estava do lado de Roma. Não
havia modo de um rei Stuart satisfazer os anglicanos, presbiterianos,
episcopais e católicos sem ser plenamente tolerante com todos. O Problema era
que o Parlamento anglicano não reagia bem a essa tolerância, principalmente
quando ela se estendia inclusive aos judeus.
Quando o filho de James, Charles I, ascendeu ao trono, sua preocupação
imediata era a natureza discriminatória do Parlamento de Westminster. Os
ministros estavam tão envolvidos em disputas religiosas e territoriais que
tinham esquecido a administração do país. Charles, então, dissolveu o
problemático Parlamento em 1629 e instituiu uma administração nova. Com isso,
ganhou uma considerável popularidade; também conseguiu equilibrar o orçamento
nacional pela primeira vez em séculos. Em seis anos, ele era mais
favoravelmente aceito do que qualquer monarca desde Henry VII (1485-1509) - mas
quando os dogmáticos puritanos ascenderam ao poder. o reinado de Charles ruiu.
As estritas doutrinas dos bispos anglicanos desagradavam a grandes
setores da comunidade. Assim, não era de se surpreender que o povo estivesse
prontamente disposto a seguir seus pregadores puritanos locais, que denunciavam
o episcopado em geral. O rei Charles fez o que pôde para resguardar a reputação
anglicana, mas só conseguiu alienar muitos partidários potenciais. Durante a
disputa com a Espanha, Charles se aliou à França, casando-se com a filha de
Henry IV, Henrieta Maria, e isso irritou tanto a Igreja Anglicana como os
puritanos, pois Henrieta era católica.
Depois de onze anos de auto-suficiência, Charles foi obrigado a
reconvocar seu Parlamento em 1640. Isso gerou vários problemas com a Igreja da
Escócia, cujos anciãos não-episcopais tinham se sentido ofendidos pela
tentativa do arcebispo de Canterbury de impor o Livro Anglicano de Orações na
Escócia presbiteriana. Em Westminster, os ministros puritanos imediatamente
impugnaram o arcebispo Laud por traição, e ele foi decapitado junto com o
assistente de Charles, o visconde Strafford. Os puritanos, então, resolveram
abolir o conselho da Câmara da Estrela do rei e organizaram o Grande Protesto:
uma lista de queixas contra o próprio rei.
Tendo amainado o problema escocês, Charles se viu confrontado por mais
problemas no ano seguinte, desta vez na Irlanda. Lá, os católicos estavam
reagindo violentamente contra a presença de protestantes britânicos que, aos
milhares, estavam sendo encorajados a migrar para Ulster. O rei Charles tentou
criar um exército para aplacar a insurgência, mas o Parlamento se recusou a
financiá-lo, achando que Charles poderia voltar o exército contra eles. Então,
em 1642, quando Charles tentou prender cinco membros do Parlamento por
comportamento obstrutivo, os portões de Londres se fecharam firmemente contra
ele, e o resultado foi a guerra civil.
Em Nottingham, o rei levantou um contingente de Cavaliers Reais. enquanto
Oliver Cromwell - um ambicioso MP - assumiu o comando das forças parlamentares.
Sua cavalaria se encontrou com as forças do rei em Edgehill, mas a batalha
terminou de maneira indefinida. Diferentemente dos exuberantes Cavaliers, o
grupo de Westminster era de fato puritano. principalmente com seus cabelos bem
curtos, o que lhes rendia o apelido de Roundheads ("cabeças
redondas"). Simultaneamente, os soldados com peitoral do Cromwell eram
chamados de Ironsides ("flancos de ferro").
Após Edgehill, os Roundheads estabeleceram a Solene Liga e Aliança com a
Igreja da Escócia, prometendo introduzir o prebiterianismo na Inglaterra, se a
Kirk (Igreja da Escócia) fornecesse mais soldados. Isso e mais uma taxa de
30,000 por mês (equivalente a cerca de 2,000,000 por mês, convertido para o
valor atual) era suficiente para ganhar o apoio da Kirk e, como resultado
direto, Cromwell derrotou as tropas reais em Marston Moor, em 1644.
No ano seguinte, o novo exército modelo do Parlamento derrotou Charles
novamente em Naseby. Só nessa ocasião, porém, os soldados da Igreja da Escócia
descobriram a verdadeira natureza de seus colegas puritanos. Antes, eles os
viam simplesmente como outros protestantes não-episcopais, semelhantes à sua
sociedade presbiteriana - mas agora estavam abrindo os olhos. Chegavam relatos
de que os Roundheads tinham massacrado todas as mulheres irlandesas encontradas
no campo das forças reais depois da batalha de Naseby, e eles mutilavam as
mulheres inglesas com facas. Quanto aos homens escoceses, eles os prendiam,
arrancavam-Ihes os olhos, cortavam-Ihes as orelhas e pregavam suas línguas. No
sul, o povo tinha apoiado a causa puritana em grande número, mas agora aquela
seita aparentemente moderada era vista sob uma nova luz - como um exército de
perseguidores fanáticos comparáveis aos selvagens inquisidores católicos do
Santo Oficio na Europa. Esses mesmos puritanos fanáticos logo estariam
perseguindo seus próprios seguidores com um espírito de vingança no esforço de
exterminar bruxos e feiticeiros!
Foi apenas uma questão de tempo até o rei Charles ser forçado a se
render, e em 1646 ele ficou sob custódia parlamentar em Newark. Mais tarde,
naquele mesmo ano, ele começou negociações com a Igreja Presbiteriana da
Escócia, totalmente constrangida. Os anciãos reconheciam que, ao apoiar os
puritanos, eles tinham colaborado com a queda de sua própria dinastia real
(diferentemente dos episcopais escoceses, que tinham permanecido fiéis à
Coroa). Mas era tarde demais para remediar a situação, e embora constituíssem
um exército escocês contra Cromwell, ele o derrotou em Preston, em agosto de
1648. No início do ano seguinte, em 30 de janeiro de 1649, o rei Charles I foi
julgado em Westwinter Hall e decaptado em Whitehall. Em seguida, o exército
puritano varreu a Irlanda, matando milhares de cidadãos inocentes - uma
atrocidade pela qual todo o infeliz povo inglês fora culpado.
Sem rei, o Parlamento inglês estabeleceu um período interino conhecido
como Commonwealth (literalmente, Comunidade ou República), e em 1650 Cromwell
derrotou o filho do rei falecido, Charles, príncipe de Gales, em Dunbar.
Independentemente desse incidente, os escoceses coroaram Charles II em Scone,
em 1o. de janeiro de 1651, e ele enfrentou mais uma vez as tropas de
Cromwell em Worcester. Perdeu novamente, mas conseguiu escapar para a França.
Dois anos depois, em 1653, Oliver Cromwell dissolveu tanto o Parlamento
como o próprio Commonwealth. Nomeando a si próprio lorde Protetor, ele
governava somente com força militar, e seu protetorado era muito mais severo do
que qualquer regime já experimentado até então. Ele ordenou que o Livro
Anglicano de Orações fosse proibido, bem como qualquer forma de celebração no
Natal e na Páscoa. As propriedades eram confiscadas, a educação restringida e a
liberdade de expressão suprimida. O adultério passou a ser punido com a morte,
e as mães solteiras eram aprisionadas. Esportes e diversões foram declarados
blasfemos, as estalagens foram fechadas e lli encontros e reuniões, proibidos.
Multas punitivas eram impostas à vontade pelos soldados. Aqueles que ainda
ousavam rezar pediam uma "rápida volta à proteção da Lei Comum".
Quando Oliver Cromwell morreu, em 1658, seu legado despótico caiu nas
mãos de seu filho Richard. Felizmente, ele não tinha a ambição de seu pai, não
tardando em convidar Charles II a voltar aos seus reinos. A Restauração de
Charles Stuart ao trono ocorreu em 1660, onze anos depois da execução de seu
pai.
Charles se revelou um rei habilidoso e popular. Ele reformou a Igreja
Anglicana e manteve uma sociedade em que todas as denominações religiosas eram
igualmente aceitas. Entretanto, apesar desses avanços, os políticosanglicanos e
o clero ainda perseguiam sua meta imperiosa. Não lhes importava o que o rei pensasse,
eles não tinham a menor intenção de mostrar tolerância com as outras convicções
religiosas, particularmente com os judeus ou católicos. Além disso, como
Charles era casado com a portuguesa Catarina de Bragança, eles insistiam em
afirmar que ele devia ter uma inclinação para a Igreja Romana. Assim, o
Parlamento outorgou a Lei Padrão restritiva em 1673 e 1678, impedindo quem não
fosse anglicano de ocupar cargos governamentais ou públicos.
Não é nenhum segredo - embora talvez não seja do conhecimento geral - que
as primeiras Lojas maçônicas na Grã-Bretanha tinham uma associação direta com a
Casa de Stuart. Oriundo da graduação arquétipa dos pedreiros (maçons) medievais
de acordo com níveis de profeciência, um conceito simbólico de Maçonaria
ritualizada evoluiu durante o reinado de Charles I. As primeiras induções às
Lojas maçônicas livres (ou especulativas) foram registradas por volta de 1640.
O movimento era fortemente centrado na aquisição estruturada de conhecimento de
ciências inexploradas, boa parte do qual fora preservada na Escócia desde a
época dos Templários originais e dos monges cistercienses.
Na Inglaterra dos Stuarts, os primeiros maçons livres de Charles I e
Charles II eram homens de filosofia, astronomia, arquitetura, química e
aprendizado avançado em geral. Muitos eram membros da academia científica mais
importante do país, a Sociedade Real, que tinha recebido o título de Colégio
Invisível quando seus fundadores eram forçados a se reunir em locais
subterrâneos durante o protetorado de Cromwell. A natemidade foi estabelecida
no reinado de Charles I em 1645 e incorporada sob decreto real de Charles II em
1662, depois da Restauração. Entre os primeiros membros da Sociedade, estavam
Robert Boyle, Isaac Newton, Robert Hooke, Christopher Wren e Samuel Pepys.
Basta considerarmos os feitos da Sociedade Real para percebermos que,
como os antigos Templários, eles eram agraciados com um conhecimento especial.
O filósofo naturalista Robert Boyle (1627-1691) era um renomado alquimista,
estudante de Nostradamus e uma autoridade em cultura do Graal. Boyle apoiava o
astrônomo e matemático Galileu Galilei em sua defesa do princípio heliocêntrico
de Copémico do sistema solar. Ele fez muitas descobertas a respeito das
propriedades do ar e formulou a notável Lei de Boyle. Seu colega, o fisico
Robert Hooke (1635-1703), inventou o cabelo de relógio, a bomba de ar dupla, o
medidor de ácido muriático e o barômetro marinho. Também pertencia à
fraternidade o astrônomo e geômetra Edmond Halley, que calculou o movimento de
corpos celestes e previu corretamente as aparições regulares futuras do cometa
de Halley.
Isaac Newton (1642-1727) foi um dos maiores cientistas de todos os
tempos, renomado particularmente por anunciar a Lei da Gravidade e as definições
da força orbital. Foi um notável alquimista, aperfeiçoou o cálculo, elaborou as
Leis de Movimento e inventou o telescópio refletor. Um dos mais importantes
estudos de Newton foi referente à estrutura dos reinos antigos, e ele citava a
preeminência da herança judaica como um arquivo de conhecimento divino e de
numerologia. Newton estava totalmente a par da Lei Universal, da geometria
sagrada e da arquitetura gótica. Embora fosse um homem profundamente
espiritualizado e uma autoridade em religião antiga, ele rejeitava abertamente
o dogma da Trindade e a divindade de Jesus, afirmando que o Novo Testamento
tinha sido distorcido pela Igreja antes de sua publicação. Newton não só foi um
presidente da Sociedade Real, mas também Timoneiro da Prieuré Notre Dame de
Sião.
A Ordem original de Sião tinha sido inaugurada pelos Cavaleiros
Templários para acomodar judeus e muçulmanos dentro de sua organização cristã
e, até 1188, eles tinham o mesmo Grão-Mestre. Embora os primeiros Templários
tivessem afiliação cristã, eles eram os expoentes da tolerância religiosa, o
que lhes permitia ser diplomatas influentes tanto nas comunidades judaicas como
nas islâmicas. Entretanto essa associação liberal com judeus e muçulmanos foi
denunciada como heresia pelos bispos e serviu para a excomunhão, por parte da
Igreja de Roma, dos Cavaleiros Templários, em 1306.
A partir de 1188, a Ordem vinha sendo reestruturada, e evoluiu para
seguir um caminho mais específico de lealdade à linhagem merovíngia da França.
Os Templários, por outro lado, eram particularmente interessados em apoiar a
emergente sucessão Stewart. Na prática, as duas Ordens operavam em íntima
associação, pois se interessavam essencialmente pela mesma linhagem raiz.
Outro proeminente membro da Sociedade Real era Sir Christopher Wren
(1632-1723), o arquiteto de obras como St. Paul's Cathedral, Royal Exchange,
Greenwich Hospital (o Colégio Naval Real), Royal Greenwich Observatory e
numerosas outras igrejas, salões e monumentos. Ele também foi um aclamado
matemático e professor de astronomia. Wren era Grão-Mestre da Ordem esotérica
dos Rosa-cruzes, assim como o foram Robert Boyle e o lorde Chanceler, Sir
Francis Bacon. Outros Grão-Mestres rosa-cruzes foram Benjamin Franklin
(1706-1790), que distinguiu a eletricidade positiva da negativa, e Thomas
Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos da América (1801-1809).
Os historiadores modernos têm o infeliz hábito de exaltar determinadas
virtudes de homens grandiosos e inteligentes e de ignorar totalmente as fontes
de sua sabedoria. Eles são explicitamente descritos como artistas, cientistas,
políticos ou qualquer outra coisa; mas de Leonardo a Newton, e de Newton a
Franklin, seus interesses comuns eram a alquimia hermética e a Arte Sagrada. Na
verdade, suas várias revelações não eram necessariamente descobertas em
primeira mão; eram, isso sim, produto do estudo das leis cósmicas e equações de
origens muito antigas. Como um grupo, os homens eram capazes de se auxiliar
mutuamente com traduções, experimentos e desenvolvimento. A história de Newton
e da queda da maçã pode acrescentar um toque de humor à Lei da Gravidade, mas
ele admitiu que sua verdadeira fonte de inspiração tinha sido Música das
Esferas, de Pitágoras, escrita no século VI a.C.
Na Grã-Bretanha, e seu posterior exílio, os reis Stuart estavam bem na
frente da Maçonaria escocesa, que se baseava nos mais antigos de todos os
conhecimentos arcanos e na Lei Universal. Sua herança bretã era intimamente
aliada às famílias nobres de Boulogne e Jerusalém, e sua origem era grandemente
inspirada nos Templários. Não é surpresa, portanto, que tivesse surgido durante
os reinados de Charles I e Charles II (que representavam um problema para os
ignorantes puritanos e a Igreja Anglicana) o Colégio Invisível da Sociedade
Real - um colégio que no breve período do patronato Stuart revelou algumas das
maiores descobertas científicas de todos os tempos.
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
JACOBITAS
Em termos religiosos, é impossível classificar os primeiros Stuarts em
qualquer denominação; eles eram simplesmente cristãos. Entretanto, um a um,
eles foram as vítimas dos ciúmes de diferentes igrejas, com cada facção rival
tentando impor sua ambição contra as outras. Até o irmão e sucessor do rei
Charles II, James VII (II), declarar-se católico, nenhum rei Stuart podia se
rotular pessoalmente uma coisa ou outra. Apesar dessa inclinação pessoal, é
evidente que o rei James foi o mais tolerante na história da Grã-Bretanha. Ele
não só evitava impor qualquer persuasão, mas fazia exatamente o contrário -
chegou a emitir uma Declaração escrita de Liberdade de Consciência, propondo o
ideal de liberdade religiosa para todos:
"Somos da constante opinião de que a Consciência não deve ser
restringida, nem as pessoas forçadas em matéria de mera religião. Isso sempre
foi contrário à nossa inclinação, como acreditamos ser também o interesse dos
governos destruí dos pela intolerância, tendo o comércio prejudicado, a
população esvaziada e os estrangeiros desencorajados. E finalmente, a
intolerância jamais obteve o fim para o qual foi empregada...
Também declaramos que é nossa vontade real e nosso gosto que, a partir de
agora, a execução de todas as espécies de leis penais (em questões
eclesiásticas) por não ir à Igreja, não receber um sacramento, por qualquer
não-conformidade à religião estabeleci da, ou por razão do exercício da
religião desta ou daquela maneira, seja imediatamente suspensa; e que a
posterior execução das ditas leis penais seja, a partir de agora, suspensa... E
para que, pela Liberdade assim concedida, a Paz e a Segurança de nosso Governo
nessa prática não sejam postas em risco, julgamos apropriado, e o mesmo
julgamento esperamos de nossos amáveis súditos, que todos tenham a liberdade de
buscar e servir a Deus de sua maneira e a seu modo".
Ao lançar essa Declaração em 4 de abril de 1687, James esperava pôr um
fim a toda idolatria, em favor da indulgência compassiva. O que o rei não
percebia era que nem ele nem o povo tinham liberdade de tomar decisões nesse
sentido. Naquela época, dois grupos políticos ativos (partidos) tinham se
desenvolvido em Westminster, e cada um era conhecido pelo apelido que lhe fora
dado pelo outro. Havia os Whigs (os arruaceiros) e os Tories (os ladrões) -
sendo os últimos os herdeiros da posição da realeza. Os Whigs eram essencialmente
aqueles que pertenciam ao abastado sistema dos proprietários de terra, e quando
James emitiu a Declaração, eles eram a maioria. Eles não só condenavam o rei,
mas ainda o depuseram formalmente por ousar reconhecer as crenças alternativas
dos católicos, dos presbiterianos, dos judeus, dos quakers e de outros. Eles
baseavam seu argumento na tolerância que James tinha com os católicos, embora
sua aceitação aos judeus seria realisticamente um alvo mais óbvio para os
cristãos anglicanos convictos. É evidente, portanto, que a perseguição a ele
tinha pouca relação com assuntos religiosos; o motivo mais importante era
justamente o fato de o rei ter desafiado o direito do Parlamento de impor sua
vontade ao povo.
Isso nos leva de volta, claro, ao início do livro, com a noção de
Serviço. Em essência, o rei James estava agindo de pleno acordo com o Código do
Graal- um código que obriga as pessoas com autoridade, seja ele em posição
eleita ou hereditária, a se ocupar não dos poderes de seus cargos, mas sim dos
deveres desses mesmos cargos.
Tentando conceder igualdade de religião, o rei James tentou cancelar a
Lei Padrão restritiva de 1673 e 1678, que obrigava todos os que tinham cargo
público a entrar em comunhão com a Igreja da Inglaterra. Essa lei acabou sendo
revogada em 1828-9 para o beneficio dos católicos. Mais tarde, em 1858, as
cláusulas também se afrouxaram em relação aos judeus. Atualmente, na
Grã-Bretanha, todas as denominações religiosas (cristãs ou não) têm o mesmo
direito de culto, de acordo com a consciência de cada indivíduo, exatamente
como pretendia o rei James VII (II), 300 anos atrás. São poucos os que hoje
diriam que James estava errado em sua visão de tolerância; ele simplesmente
estava à frente de seu tempo.
Entretanto, nem toda a hierarquia anglicana se opunha ao rei James. Entre
outros, ele recebia o apoio do arcebispo Sancroft, de Canterbury, e dos bispos
de Bath e Wells, de Ely, de Gloucester, de Norwich, de Peterborough, de
Worcester, de Chichester e de Chester. Quando James foi deposto, todos esses
perderam sua sé e suas incumbências. Desde então, a história tem sido
manipulada para sugerir que James foi deposto porque era católico. Na verdade,
ele foi derrubado para garantir poder a um Parlamento que não tinha sido eleito
pelo voto democrático do povo.
Com a saída de James, o trono foi oferecido conjuntamente ao Magistrado
Chefe holandês, William de Orange, e à sua esposa (filha de James), Mary. Mas,
na ocasião, regras rígidas foram estipuladas. A Declaração de Direitos de 1689
afirmava que os futuros monarcas só poderiam reinar com consentimento
parlamentar, e que os MPs deveriam ser eleitos livremente. Na verdade, os MPs
da época certamente não eram eleitos. Apenas um número limitado de
proprietários de terra, todos homens, que desfrutavam altas rendas, tinha
direito a voto, e a Casa dos Comuns estava longe de ser característica da
população que supostamente ela representava.
Embora a rainha Mary fosse protestante, os ministros se preocupavam com o
relacionamento de William com Roma. A Holanda era a principal província do
norte das Terras Baixas independentes, mas já tinha sido ligada ao Santo
Império Romano, e era um fato conhecido que o exército de William se constituía
basicamente de mercenários católicos. Foi por essa razão que a Lei do Acordo
foi promulgada em 1701 com o intuito de garantir o trono da Grã-Bretanha
somente para protestantes - uma Lei que ainda vale hoje, embora tenha sido
aprovada na Casa dos Comuns por uma maioria de apenas um voto!
Depois que James foi deposto, a Casa dos Lordes determinou que, como
havia um pacto legal entre o rei e o povo, o trono "não estava vago"
(embora tampouco estivesse tecnicamente ocupado). Foi sugerido que uma regência
seria o melhor modo de preservar o reino durante o resto da vida de James
Stuart.
Mas o invasor holandês William de Orange convocou uma convenção
parlamentar em Londres, em 26 de dezembro de 1688. Com seus guardas armados
dentro e ao redor da Casa, ele declarou que não tinha intenção de se tornar
regente; tampouco consentiria em dividir o governo. Sua declaração foi tão
veemente que houve um medo imediato de guerra, e muitos pensaram que ele
tomaria a Coroa, de um jeito ou de outro. Uma conferência de pânico foi marcada
entre os Lordes e os Comuns, resultando em uma nova decisão: talvez o trono não
estivesse vago, afinal de contas!
No momento em que escrevo isto, o atual príncipe de Gales enfrenta um
dilema pessoal envolvendo a religião e a Igreja. Desde a era Tudor, os monarcas
ingleses têm sido designados como Defensores da Fé - isto é, da fé protestante
anglicana. O HRH Príncipe Charles afirmou, porém, que como futuro rei nestes
tempos cosmopolitas, ele preferiria ser classificado simplesmente como um
Defensor da Fé - em geral, de qualquer tendência. Há nisso alguns
significativos ecos do desafortunado rei James VI (II) e de sua Declaração de
Liberdade de Consciência. No entanto, muito pouco mudou nos últimos 300 anos.
Os monarcas britânicos ainda são os Chefes da Igreja, e a atual hierarquia
anglicana é tão protetora e separatista quanto seus predecessores do século
XVII. Apesar do fato de os Estados Unidos da América e outras nações ocidentais
terem Constituições Escritas formais que garantem os direitos e liberdades
individuais, os britânicos ainda não têm essa proteção. Isso significa que o
Parlamento e a Igreja retêm o domínio supremo da monarquia (e, portanto, do
povo), enquanto a Declaração dos Direitos e a Lei do Acordo prevalecerem.
Quando William III e Mary II ascenderam juntos ao trono britânico. um
ambíguo legado Stuart era inerente. Mary era filha do rei James VII (II) com
sua primeira esposa, Anne Hyde de Clarendon. William (cujo pai era William de
Nassau) era filho da filha do rei Charles I, Mary. No entanto. apesar dos
aparentes elos, os escoceses não estavam satisfeitos com a perda de seu rei
dinástico legítimo. Em 1689 (o ano seguinte ao que James foi deposto) ocorreu o
primeiro levante jacobita. O visconde Graham de Claverhouse, Grande Prior dos
Cavaleiros Templários na Escócia (e conhecido como Bonnie Dundee), liderou um
contingente de homens das Terras Altas (Highlanders) contra as tropas do
governo em Killiecrankie, em 27 de julho. Embora a investida escocesa tivesse
sucesso, o visconde Dundee foi mortalmente ferido na batalha. Em 18 de agosto,
os Highlanders tiveram menos sorte em Dunkeld. Depois, no dia 10. de julho de
1690, os homens de Orange, do rei William, derrotaram as tropas da restituição
de James VII na batalha de Boyne, na Irlanda.
Em meio a tudo isso, os Campbells e alguns outros clãs escoceses
decidiram ganhar as graças dos novos monarcas, auxiliando na supressão
governamental dos leais jacobitas (eles eram chamados de jacobitas porque o
nome James deriva do latim Jacobus/Jacomus, sendo originalmente Jacó em
hebraico - daí Jacob-itas). O rei William ordenou que todos os Chefes das
Terras Altas deveriam fazer um Juramento de Aliança a ele, mas a maioria
relutava em obedecer; seus reis sempre tinham jurado fidelidade à nação, e não
o contrário. Para forçar a questão, Sir John Dalrymple, secretário de Estado da
Escócia, teve a permissão de processar um clã relutante, para dar o exemplo aos
outros. Ele escolheu os MacDonalds de Glencoe, que não tinham cumprido o prazo
do juramento de aliança, que era 1o. de janeiro de 1692. O idoso
chefe do clã dos MacDonald, Maclain, tinha tentado fazer o juramento em Fort
Williams, em 30 de dezembro, mas não havia nenhum oficial da Coroa presente, e
como resultado ele só conseguiu obedecer em 6 de janeiro, quase uma semana
depois.
Diferentemente de alguns outros clãs, os MacDonalds não tinham força
militar e eram uma presa fácil. Seu povoado ficava incrustado entre as altas
montanhas de Glencoe, mais uma armadilha geográfica do que uma fortaleza
natural. Em 1°. de fevereiro, Dalrymple enviou duas companhias do regimento de
Argyll, sob o comando de Robert Campbell de Glenlyon, para exterminar o clã,
que nada suspeitava. Chegando no disfarce de uma missão pacífica, os soldados
se alojaram nas casas das hospitaleiras famílias por muitos dias. De repente,
na terrível manhã de 13 de fevereiro, eles eliminaram todos os MacDonalds que
encontravam, não poupando nem as mulheres, os velhos e os jovens. O horrendo
massacre, porém, teve o efeito contrário do desejado. Em vez de intimidar os
clãs a apoiar o novo regime, fê-los formar uma forte confederação jacobita
contra o cruel holandês e seu governo.
Quando a rainha Anne sucedeu a William III em 1702, a maioria dos
escoceses não mostrou entusiasmo, embora ela fosse irmã da falecida rainha
Mary. Anne tinha desertado seu pai, o rei James, para apoiar seu cunhado,
William de Orange. Ela era um anátema para os Stuarts e nunca tinha visitado a
Escócia. Em 1706, Anne anunciou a intenção de dissolver o Parlamento escocês.
Os ministros escoceses reagiram dizendo que tal ato seria ilegal de acordo com
a lei escocesa. Eles citaram sua Constituição Escrita, a Declaração de Arbroath
de 1320, que afirmava que, se um monarca decidisse:
"Tornar a nós ou a nosso reino submissos ao rei da Inglaterra ou aos
ingleses, nós nos mobilizaremos imediatamente para expulsá-lo como inimigo e
subversor de seus próprios direitos e dos nossos, e faremos de outro homem, que
saiba nos defender, nosso rei".
Estava claro que o plano de Anne submeteria o reino à dominação inglesa
de Westminster. Mas embora os escoceses não pudessem expulsar a rainha inglesa,
eles tinham o direito legal de apresentar uma Declaração de Segurança (1706),
que, de acordo com a Constituição, lhes permitia não aceitar o herdeiro
escolhido de Anne. Com isso, eles retinham a liberdade de eleger um soberano
escocês de uma linhagem real que não fosse escolhida pela Inglaterra. Enquanto
isso, ficava cada vez mais evidente que Anne teria de escolher um herdeiro, em
vez de dar à luz um. Ela chegou a conceber 18 vezes, mas só cinco nasceram, e
só um sobreviveu aos primeiros anos, e mesmo assim morreu com 11 anos de idade.
No evento, a rainha escolheu para sucedê-la a eleitora alemã, Sofia.
Apesar da Declaração de Segurança, Anne conseguiu o que queria. Ela
propôs restrições comerciais aos escoceses e ameaçou-os com uma invasão militar
em alta escala. Em março de 1705, Westminster criou a Lei do Estrangeiro, que
determinava que os escoceses deveriam aceitar" Sofia de Hanover como a
sucessora nomeada de Anne, ou o comércio entre o norte e o sul cessaria: a
importação de carvão, linho e gado para a Inglaterra estaria proibida e, por
outro lado, não haveria mais exportação de mercadorias inglesas para a Escócia.
Em 1o. de maio de 1707, o Parlamento escocês foi suspenso, e
as Coroas da Escócia e da Inglaterra se tornaram uma, com Westminster assumindo
o controle do novo Reino Unido da Grã-Bretanha segundo os termos do Tratado da
União. Independentemente disso, os membros da aliança ignoraram o regime
imposto; eles formalmente renunciaram à rainha Anne e proclamaram seu
meio-irmão, James Francis Edward Stuart, a verdadeiro rei dos escoceses. Ele
era filho e herdeiro de James VII (XII) com sua segunda esposa, Mary d'Este de
Modena. James VIII (como seu pai antes dele) era católico, mas os membros presbiterianos
da aliança pouco se importavam com a religião individual de seu rei.
Diferentemente do sistema inglês, os monarcas escoceses não eram chefes de
nenhuma igreja nacional. Tanto os presbiterianos como os episcopais estavam
muito mais interessados em preservar sua casa real tradicional fora da
supremacia inglesa.
Com o Tratado da União, os escoceses tinham permissão de manter sua
igreja própria, além de seu sistema legal separado. Entretanto, várias medidas
parlamentares foram introduzi das para a desvantagem dos escoceses em relação
aos ingleses. Mas os escoceses não eram os únicos à mercê dos poderes
regulamentares; o povo inglês tinha sofrido com a taxação atroz de William e
Mary sobre luz e ar, iniciado em 1695. O imposto sobre cada janela além de seis
em todas as casas, no valor de cinco libras por ano, durou 156 anos. Ainda hoje
podem ser vistas janelas elevadas, que evitavam imposto, principalmente em
áreas rurais.
Quando a rainha Anne morreu, em 1714, sua escolhida Sofia de Hanover já
tinha morrido também. Os ministros Whigs ordenaram, então, o filho de Sofia,
George, eleitor de Hanover, para o trono da Grã-Bretanha - a despeito dos
fortes protestos do banco dos Tóris. Para a conveniência dos oligarcas Whig, o
rei George I só falava alemão, e passava a maior parte de seu tempo no
exterior. As rédeas da administração nacional eram controladas principalmente
pelo lorde do Tesouro, Robert Walpole. Ele se tornou o primeiro efetivo
Primeiro-Ministro, e desenvolveu a idéia antidemocrática do Gabinete (um
círculo interno de ministros que se reuniam em particular fora da Casa para
controlar a política do governo). A partir daquele momento, o povo não tinha
voz ativa nas questões de seu próprio governo, nem a maioria dos MPs,
controlada pelos Whigs ("chicotes"), cujo nome provinha dos
assistentes dos Mestres Caçadores, de acordo com as exigências do Gabinete (ou
Gabinete das Sombras).
Fora da Escócia, muitos Tóris de Westminster e seus partidários tentavam
substituir Anne por James Francis Edward Stuart. Ele era o herdeiro legal à
sucessão escocesa, e tinha sido seu titular o rei James VIII desde 1707. No
entanto, os Whigs estrategicamente ignoraram James porque ele se recusava a se
vincular à Igreja Anglicana. Os partidários da realeza escoceses e ingleses tentaram
ganhar a Coroa para James Stuart em 1715, mas sua revolta limitada não foi
bem-sucedida, e assim James voltou ao continente para continuar seu exílio
francês em St. Germain-en-Laye, perto de Paris.
Em 1727, George 11 de Hanover sucedeu ao seu pai como rei da
Grã-Bretanha. O segundo importante levante jacobita ocorreu 18 anos depois, em
1745, quando Charles Edward Stuart (Bonnie Príncipe Charles) contestou a
sucessão alemã da Grã-Bretanha. O clero escocês o apoiou totalmente. Em um
domingo, 24 de setembro daquele ano, a Igreja Episcopal simbolicamente coroou o
rei Charles III na abadia de Holyrood House (Casa da Santa Cruz).
Representantes das igrejas católica e presbiteriana também estavam presentes para
testemunhar e aprovar o evento.
Apesar do fato de James VIII ainda estar vivo, ele tinha formalmente
transferido seus interesses para seu filho, na Declaração em 23 de dezembro de
1743:
"Estimamos para nosso serviço, e para o bem de nossos reinos e domínios,
nomear e indicar, como agora nomeamos, constituímos e indicamos, nosso querido
filho, Charles, Príncipe de Gales, como único regente de nossos reinos de
Inglaterra, Escócia e Irlanda, e de todos os nossos outros domínios durante a
nossa ausência".
O príncipe Charles estava ansioso para restaurar o Parlamento e a
Constituição. Ele estava igualmente determinado a que os ingleses deveriam ter
direitos idênticos de liberdade política e religiosa. Em sua primeira
proclamação, emitida em Edimburgo em 9 de outubro, de 1745, Charles Edward
afirmou:
“Com respeito à pretensa União das duas nações, o rei não pode
ratificá-la, uma vez que observou repetidos protestos contra ela, de cada um
dos reinos”
Pouco depois de sua
coroação figurativa, Charles foi investido como Grão-Mestre da Ordem do Templo
de Jerusalém e, ao fazer o juramento. ele declarou:
"Vós podeis
estar certos de que quando tiver meus plenos poderes, eu elevarei a Ordem ao
que ela era nos dias de William, o Leão".
Após o início vitorioso na batalha de Prestonpans,
os escoceses marcharam para o sul. Avançando até Derby, eles não tinham idéia
do pânico que assolara Londres e a Casa de Hanover. George II tinha até carregado
uma barca no Tâmisa com as jóias da Coroa, pronto para uma rápida fuga para a
Alemanha. Os políticos se apressaram em espalhar uma propaganda para convencer
os jacobitas ingleses e galeses de que Charles jamais chegaria à capital- e
funcionou; os reforços previstos pelo príncipe não se materializaram.
Como os escoceses ainda não tinham enfTentado o
principal contingente do rei George, sob o comando do duque de Cumberland,
lorde George Murray persuadiu os chefes dos clãs de que uma retirada
estratégica era necessária. De volta à Escócia, dizia ele, todos poderiam se
reagrupar e enfTentar Cumberland no território deles. Após algumas rusgas no
caminho, os escoceses finalmente se encontraram com o poderoso exército em
Culloden Moor, perto de Invemess, em 16 de abril de 1746. Mas, apesar de todo o
seu sucesso anterior, os escoceses estavam muito cansados e famintos para ter
um bom desempenho. Erraram nos cálculos e foram completamente derrotados.
Ironicamente, se não fosse pela propaganda ministerial no sul, os Highlanders
poderiam de fato ter marchado desde Derby e tomado a capital facilmente:
"Teu ancestral estava enganado", disse o futuro George V a Murray,
duque de Atholl. "O exército jacobita deveria ter continuado diretamente
até Londres, e um Stuart seria hoje o rei da Escócia e da Inglaterra, cada
país tendo o seu Parlamento."
Para a maioria das pessoas na Grã-Bretanha, o objetivo de James VII de
liberdade religiosa para todos era uma inovação muito bem-vinda. Agrada o
senso de liberdade individual. Era, portanto, imperativo aos olhos dos Whigs
que, para preservar seu domínio, eles denegrissem a memória do rei James e dos
Stuarts. Lançaram um ataque totalmente em nível pessoalvisando em primeiro
lugar à esposa de James, a rainha Mary d'Este. Ela era filha de Alfonso IV,
duque de Modena, mas os hanoverianos decidiram retratá-la como uma filha
ilegítima do papa!
Não havia muito a ser dito contra o irmão e predecessor imediato de
James, Charles lI, que era muito bem visto pela opinião pública. Mas James VI
(1) e Charles I eram outros bons alvos. Os anais de Cromwell foram vasculhados,
para que fosse encontrado algum conteúdo devidamente crítico. James VI era
conhecido por todos como o Salomão britânico, mas os Whigs lhe deram o novo
nome de o Mais Sábio Tolo na Cristandade. Sua infeliz doença intestinal era
usada para criar a impressão de que ele era um glutão vulgar, e a mais comum de
todas as acusações dos caçadores de bruxas puritanos foi lançada contra ele, a
de má conduta sexual.
Fora essas coisas, a grande popularidade do príncipe Charles Edward
Stuart era uma ameaça enorme a George II, por isso o príncipe se tornou o
principal objeto dos ataques hanoverianos. Enquanto o duque de Cumberland
prosseguia com sua violenta subjugação das Terras Altas escocesas depois de
Culloden, o Bonnie era retratado na Inglaterra como um traiçoeiro estimulador
de guerras, rotulado de usurpador perigoso embora na verdade a família dele é
que tinha sido usurpada. Não tardou para que toda a cena se voltasse contra o
de jure rei dos escoceses. Dizia-se que ele era um bêbado e odiava as mulheres;
sua vasta prole (exceto Charlotte de Albany) foi excluída dos livros de
história britânica, bem como suas numerosas companhias femininas, exceto por um
casamento com a princesa Luisa de Stolberg, com quem não teve filhos, e seu
relacionamento com a mãe de Charlotte, Clementina Walkinshaw. Na verdade, seus
ocasionais ataques de asma e epilepsia reforçavam a imagem de embriaguez.
A história tradicional na Inglaterra ainda descreve o príncipe como um
problemático peão de Roma, mas ele não era nada disso. Seu relacionamento com o
papa nada tinha de amistoso, e ele se converteu formalmente ao Protestantismo
anglicano quando tinha 29 anos de idade. Subseqüentemente, ele escreveu:
"Para tornar mais autêntica a minha renúncia da Igreja de Roma...
Fui a Londres no ano de 1750, e naquela capital fiz uma abjuração solene da
religião romana, e abracei a religião da Igreja da Inglaterra" .
Após a morte de Charles Edward, em 1788, vários relatos de sua vida foram
compilados de fontes hanoverianas. Existem atualmente numerosas biografias
publicadas, na maioria, adaptadas umas das outras. Intencionalmente ou não,
essas biografias geralmente se baseiam nos relatos inventados pela máquina de
propaganda de Hanover. A Escócia, porém, conserva seu legado de orgulho no
Bonnie. Os registros da Europa também transmitem uma imagem muito diferente de
Charles Edward e seus descendentes legítimos; descrevem uma linhagem real
resoluta, que foi estrategicamente velada pelo governo britânico até tempos recentes.
Os ingleses agora aguardam a perspectiva de Sua Alteza Charles. príncipe
de Gales, tomar-se seu rei Charles III da Casa de Windsor. Ao mesmo tempo,
muitos escoceses ainda insistem em uma nova independência. Um possível primeiro
passo nesse sentido foi a recente reinstituição do Parlamento escocês, mesmo
que ainda subordinado a Westminster. A Escócia já tem uma tradicional
Constituição Escrita que poderia ser reimplementada, se não melhorada, em um
ambiente independente - e essa Constituição dá à nação o direito de escolher
seu próprio monarca e ao mesmo tempo rejeitar o domínio da Inglaterra.
Se a sua alteza atual Charles, príncipe de Gales, de fato se tomar rei da
Grã-Bretanha, é improvável que os escoceses nacionalistas aceitem prontamente
um segundo Charles III. Após a coroação de sua mãe, a rainha Elizabeth II, eles
protestaram, e com razão, porque nunca tinham tido uma Elizabeth I, já que
Elizabeth Tudor tinha reinado na Inglaterra, mas não na Escócia.
A atual Casa Real, portanto, enfrenta um dilema considerável. Assim como
ele mudou seu antigo nome germânico em 1917, de Sax-Coburg-Gotha para Windsor,
com o intuito de acalmar a nação inglesa durante a Primeira Guerra Mundial, ela
talvez seja obrigada a dar mais um passo diplomático. Assim como o avô do
príncipe Charles, Albert, duque de York, tomou-se o rei George VI, é
perfeitamente possível que o próximo rei da Grã-Bretanha seja coroado não como
Charles III e sim George VII. Alternativamente, uma vez que a Igreja e o Parlamento
dão as cartas, é possível que o príncipe Charles seja simplesmente ignorado -
principalmente se ele não satisfizer a exigência anglicana com relação à defesa
da fé. Essas são obviamente noções especulativas, mas será interessante ver o
que acontece.
A CONSPIRAÇÃO DA LINHAGEM
Hoje em dia, compreende-se que a história oficial se baseia geralmente em
registros de propaganda. Ela foi originalmente compilada para satisfazer as
necessidades da época em que era escrita, em vez de oferecer um registro correto
dos eventos. Em suma, ela é, de modo geral, uma versão adaptada da verdade. Por
exemplo, a versão histórica inglesa da batalha de Agincourt, em 1415, difere
consideravelmente do ponto de vista francês. De modo semelhante, a percepção
cristã das Cruzadas não deve ser a mesma dos muçulmanos. Há pelo menos dois
lados em cada história.
Em 1763, o jornalista John Wilkes acusou o governo de George III de
distorcer os fatos nos discursos do rei. Hoje, essas acusações são mais comuns,
mas Wi1kes foi preso e trancafiado na Torre de Londres. Naqueles dias, não
havia liberdade de expressão ou opinião; porém, durante esse mesmo período de
restrições, uma enorme quantidade de história aprovada pelo governo foi
escrita.
Aos poucos, no decorrer do século XX, os registros oficiais de nobreza
foram revisados para corrigir uma multiplicidade de erros em edições passadas.
Mas muitos dos erros (alguns ainda não corrigidos totalmente) não eram
equívocos, e sim manipulações deliberadas. Como resultado direto da política
hanoveriana (de George e Vitória), por exemplo, há muito se afirma que na
Grã-Bretanha a sucessão Stuart se tomou extinta no exílio. Os livros de
história britânicos são praticamente unânimes ao afirmar que Charles Edward
Stuart não tinha esposa quando morreu, nem um herdeiro legítimo do sexo
masculino. Mas esses livros estão errados, e os registros na Europa
continental contam uma história muito diferente.
De acordo com a opinião doutrinal inglesa, o atual herdeiro à Casa Real
de Stuart é Franz, duque de Bavária, que herdaria as honras escocesas em
virtude da última vontade e do testamento do irmão mais novo e católico de
Charles Edward, o cardeal Henry, duque de jure de York. Esse testamento
supostamente nomeava Carlos Emmanuel IV de Sardenha como o sucessor Stuart. Por
meio de casamentos na linha feminina descendente do irmão de Carlos Emmanuel,
Victor Emmanuel I, o atual Franz da Bavária. sucede ao seu pai, o falecido
duque Albrecht, contando (nesse sentido) com uma ancestralidade um tanto tênue
de Henrietta, filha de Carlos I. O fato, porém, é que o testamento do cardeal
Henry Stuart não mencionava Carlos Emmanuel como seu sucessor. Isso é uma
completa fantasia que entrou nos livros de história, mas foi originalmente um
engano intencional por parte dos políticos do governo de George - um engano
perpetuado pelos posteriores ministros vitorianos.
Desde o momento em que o eleitor de Hanover começou a reinar como rei
George I da Grã-Bretanha, em 1714, tomou-se politicamente necessário suprimir
ou esconder muitas informações a respeito de determinadas famílias, e destacar
a linhagem de outras. A Casa de Stuart foi particularmente atacada para que se
justificasse a entrada da sucessão alemã. Ainda hoje, os livros de história
repetem o absurdo elaborado na época e também depois, para desacreditar a
dinastia Stuart e suas famílias associadas. As confabulações foram tão bem
feitas que sua tendência é prevalecer enquanto os autores históricos
continuarem a copiar um do outro.
Charles Edward Stuart se casou em 1772 com a princesa Luisa Maximiliana,
filha de Gustavo, príncipe de Stolberg-Guedern. Em 1784, porém, uma dispensa
papal para o divórcio foi obtida após o caso de Luisa com o poeta italiano
Vittorio, conde Alfieri. Luisa fora declarada estéril pelos médicos, e, depois
de alguns anos de casamento, ela deixou Charles, em 1780, para viver com seu
amante. O divórcio costuma ser descrito como o fim da vida de casado para
Charles Edward, mas não foi.
Os arquivos Stuart em Roma e Bruxelas revelam que; em novembro de 1785,
Charles se casou novamente - dessa vez com a condessa de Massilan, na Santi
Apostoli, em Roma. A condessa era Marguerite Marie Thérese O'Dea d'Audibert de
Lussan - uma prima por descendência do tio-avô de Charles, o rei Charles II.
Até 1769, ela vivia com seu tio-avô, Louis Jacques d' Audibert, arcebispo de
Bordeaux. A avó paterna de Marguerite, Thérese, marquesa de Aubignie, era filha
de Tiago de Rohano Stuardo, príncipe de Bovéria, marquês de Aubignie. Ele era o
filho natural (legitimado em 1667) do rei Charles IIMarguerite, duquesa de
Rohan. Por parte da mãe, Marguerite de Massillan, descendia através dos condes
de Lussan.
Em novembro de 1786, a condessa, então com 37 anos, deu à luz um filho,
Édouard Jacques Stuardo (Edward James Stuart), que ficou conhecido como conde
Stuarton. Embora não fosse novidade na Europa, a notícia do filho legítimo e
herdeiro de Charles Edward foi imediatamente suprimida pelo governo hanoveriano
em Westminster. Desde então, esse filho tem sido totalmente ignorado pelos
historiadores acadêmicos na Grã-Bretanha.
Naquele mesmo mês, a filha de Charles Edward e Clementina Walkinshaw de
Barrowfield, Charlotte de Albany (nascida em 1753), encontrou-se com o irmão do
rei George III, William, duque de Gloucester, na casa do príncipe Santa Croce,
em Roma. Preocupada com sua posição como filha legítima de Charles Edward,
Charlotte informou William de Gloucester acerca do nascimento real, e pediu
seus conselhos. O duque disse que a posição de Charlotte estava provavelmente segura,
mas a principal preocupação dele era uma carta que fora enviada ao pai de
Charlotte pelo rei George III em 1784, sugerindo que Charles Edward poderia
retomar à Grã-Bretanha do exílio como conde de Albany (Escócia). Charles não
aceitara o convite, mas a questão agora se complicava com o filho
recém-nascido, que poderia pensar diferente ao se tomar o segundo conde
Stuarton, no devido tempo.
Quando o príncipe Charles Edward morreu, uma trama envolvendo a
substituição de testamentos permitiu que as notícias do casamento e do
nascimento fossem escondidas do público britânico - um golpe que foi perpetuado
na era Hanover-Saxe-Coburg.
Em 1784, Charles fez um testamento nomeando seu irmão, o cardeal Henry,
duque de jure de York, como seu herdeiro real, enquanto Charlotte de Albany
seria a única beneficiária de suas propriedades. Isso está muito bem
documentado nas biografias históricas, mas o que esses relatos não mencionam é
que aquele não era o testamento final de Charles. Foi substituído por outro
antes de sua morte. O Parlamento georgiano não escondeu apenas esse último
testamento, mas também o motivo de sua existência.
Para estabilizar a posição do rei George III seus políticos acharam
prudente acabar com o problema da popularidade Stuart na Grã-Bretanha, declarando
extinta a linhagem escocesa, especialmente porque os jacobitas tinham sido tão
úteis na Guerra Americana da Independência (17751783). Um grande número de
escoceses destituídos tinha emigrado para a América após a brutal derrota dos
Highlanders, depois de Culloden. Não conseguiram reconquistar a independência
em casa, mas continuavam com sua causa no outro lado do Atlântico, auxiliando
os colegas americanos a garantir sua liberdade do controle hanoveriano.
Em 30 de janeiro de 1788, o de jure rei Charles III (lembrado
carinhosamente como Bonnie Príncipe Charlie) morreu no Palazzo Muti, em Roma.
Ele tinha 67 anos de idade. Pouco antes de sua morte, tinha escrito seu último
testamento. As testemunhas, em 13 de janeiro de 1788, foram o padre dominicano
O'Kelly e o abade Consalvi, ambos executantes. O testamento declarava que o
filho e a filha de Charles, Edward e Charlotte, eram co-herdeiros. Edward
sucederia às Honras Reais em seu 16o. aniversário, e o cardeal Henry
seria regente interino.
Após a morte de Charles Edward, porém, seu ambicioso irmão Henry não
perdeu tempo em se autoproclamar rei Henry I dos escoceses (IX da Inglaterra).
Para sustentar essa reivindicação, ele mostrou não o testamento de Charles de
1788, mas o anterior, de 1784, que interessava ao governo da Grã-Bretanha, já
que o cardeal Henry provavelmente não teria filhos. Tanto O'Kelly como Consalvi
participaram da intriga em troca de uma rápida promoção na Igreja. Pouco
depois, o primeiro se tornou Procurador Dominicano, enquanto o abade era
promovido a cardeal. Charlotte de Albany ganhou uma casa em Frascati, e o
Palazzo Muti ficou para Marguerite de Massilan e o príncipe Edward. Também
envolvido no esquema estava o abade James Placid Waters ("águas
plácidas"), procurador dos beneditinos em Roma.
Declarando-se de jure, Henry tentou anular a cláusula de regência
imediata no testamento de seu irmão. Mas, em janeiro de 1789, Henry fez um
testamento no qual tentou emendar sua estratégia egoísta para o futuro: todas
as suas posses e status hereditário passariam para o príncipe Edward James -
isto é, "para meu sobrinho, conde Stuarton". O cardeal Ercole
Consalvi e o cardeal Angelo Cesarini foram as testemunhas e os executantes do
testamento, como afirmam em suas memórias.
Subseqüentemente, Henry perdeu boa parte de sua riqueza na Revolução
Francesa e durante o avanço de Napoleão nos estados papais. Em 1799, ele se
tornou um pensionista da Coroa Britânica, ganhando 15,000 por ano (cerca de
150,000 anuais, hoje), mas em troca ele deveria reescrever seu testamento. Em
uma reunião com o príncipe Edward, a condessa Marguerite e o papa, os novos
termos do testamento foram concordados. Ele foi escrito em 1802, mas a herança
ainda ficava para o príncipe Edward. O documento revisado simplesmente substituía
as palavras "para meu sobrinho, conde Stuarton" por "em favor
daquele príncipe a quem por direito lhe cabe, em virtude da relação
consangüínea de jure".
Quando Henry Stuart morreu, em julho de 1807, o rei George e o Parlamento
britânico decidiram que o segundo testamento era, na verdade, menos apropriado
do que o primeiro. Assim, ignoraram o documento de 1802 e recorreram ao
testamento original de Henry, de 1789 - mas a imprensa declarou que Henry tinha
deixado o legado para o seu parente, o conde Stuarton (ou seja, Edward James,
claro). No entanto, ninguém na Inglaterra pensava em descobrir quem esse
parente, o conde Stuarton, poderia ser. Um exemplo de uma típica declaração da
imprensa é o da Gentleman’s Magazine, de setembro de 1807:
"Ele [Henry] possuía, antes de 1798, uma coleção muito valiosa de
curiosidades em sua vila, onde muitos escritos esparsos e interessantes
manuscritos a respeito da desafortunada Casa de Stuart se encontravam entre os
ornamentos de sua biblioteca. Em seu testamento, feito em janeiro de 1789, ele
tinha deixado os últimos para seu parente, o conde Stuarton, mas, em 1798,
foram todos pilhados pelos jacobinos franceses e italianos em Roma, ou
confiscados pelos comissários franceses para as bibliotecas e museus de
Paris".
Na verdade, os manuscritos da biblioteca não tinham sido levados pelas
pessoas acusadas; alguns se encontram hoje no Vaticano, alguns em bibliotecas
romanas e outros ficaram com o governo britânico. De qualquer forma, de acordo
com as memórias dos executantes de Henry, os cardeais Cesarini e Consalvi (na
Bibliotheque National, Paris), a coleção da biblioteca de Henry tinha pouca
relevância como legado individual, uma vez que ele deixara tudo o que possuía
para seu "sobrinho, Conde Stuarton".
Esse fato à parte, e tendo se livrado do primeiro obstáculo, os ministros
hanoverianos mostraram o testamento corrido de Henry, de 1802. Graças à sua
natureza dúbia, os termos do testamento ("em favor daquele príncipe a quem
por direito lhe cabe, em virtude da relação consangüínea de jure")332
tinham sido estrategicamente empregados para favorecer Carlos Emmanuel IV,
ex-rei de Sardenha. Ele tinha abdicado recentemente para entrar para a Ordem
dos Jesuítas, e assim o legado Stuart passou convenientemente para um monge
que, era óbvio, não tinha filhos! Carlos Emmanuel escreveu para o Parlamento do
rei George, denunciando a nomeação, pois sabia que os Stuarts estavam vivos e
bem de saúde. Na verdade, morando com ele em Sardenha desde 1797, Marguerite e
seu filho Edward eram residentes em sua casa, às margens do Corso, em Roma. A
carta, porém, foi ignorada em Westminster, e toda a questão foi abafada na
Inglaterra. A história hoje registra o desvio na sucessão Stuart, vindo de
Sardenha, através de Modena, até a Bavária. A realidade é que a legítima Casa
Real de Stuart (Stewart) ainda existe hoje, e há muito tempo tem um interesse
ativo na administração constitucional européia.
Em 1809, surgiu uma disputa pelas lealdades soberanas entre os dois
filhos de George III. Ela ficou conhecida como a Guerra dos Irmãos. O príncipe
Edward, duque de Kent (o pai da rainha Vitória), era um maçom livre, enquanto
seu irmão, o príncipe Augusto Frederico, duque de Sussex, era Cavaleiro
Templário. O problema de Edward era que os colegas templários de seu irmão
apoiavam os Stuarts, e ele tentou fazer com que eles mudassem sua aliança para
com a Casa reinante de Hanover. Não conseguiu, mas chegou a um acordo, criando
uma espécie de loja ao estilo dos Templários dentro da estrutura maçônica
existente. Ela ficava sob os auspícios do protetorado de Kent, e seguia o Rito
de York inglês da Maçonaria, enquanto os Templários originais seguiam o Rito
escocês, do protetorado do príncipe Edward James Stuart, 2o. conde
de Albany.
Enquanto os Stuarts exilados estavam na França e na Itália, eles se
envolveram profundamente com o crescimento geral e a disseminação da Maçonaria,
sendo os patronos do Rito escocês exportado, que tinha graus mais altos e
guardavam mistérios mais profundos que outros sistemas maçônicos. Proeminente
nesse movimento era o primo e mentor de Charles Edward, o conde de St. Germain.
O envolvimento dos Stuarts era firmemente baseado nos direitos e privilégios
estabelecidos, com um desejo de iniciar irmãos na verdadeira antiguidade e no
pedigrée da Arte.
Na Inglaterra, o inerente segredo das lojas semelhantes a clubes
forneciam a perfeita facilidade para intrigas ocultas contra os Whigs e a
sucessão alemã. Por todo o país, as sociedades jacobitas e as lojas Tóri foram
se tomando intimamente ligadas - o que as transformou em alvos prioritários
para a Inteligência Whig, cujos agentes do serviço secreto se infiltravam nas
fraternidades. Em anos mais recentes, a maçonaria inglesa ignorou a intriga
política, tomando-se mais preocupada com a representação alegórica e os códigos
de amor fraterno, fé e caridade. Na Europa, porém, muitas lojas intelectuais de
base científica no estilo tradicional ainda existem.
Em 1817, um Dr. Robert Watson comprou em Roma alguns dos documentos do
cardeal Henry a respeito da dinastia Stuart. Ele pagou 23.00 (equivalente à
cerca de 619.00 atuais), e se preparou para publicar seu conteúdo. Mas, antes
que tivesse uma chance de fazer isso, os arquivos foram confiscados pela
polícia papal e levados a Londres, de modo que seu conteúdo nunca se tomou
conhecido. Algum tempo depois, o médico recebeu pagamento de Westminster por
ter sido privado de sua propriedade. Não contente com isso, Watson insistiu em
seu direito aos documentos - e foi encontrado morto (supostamente por suicídio)
em 1838. Os documentos nunca apareceram em domínio público. O Jacobite Peerage
Register, de 1904, registra que aquilo foi feito especificamente para evitar
que o conteúdo dos documentos fosse revelado a Carlos Emmanuel de Sardenha.
Assim como o cardeal Henry, o abade Waters também perdeu suas posses e se
tornou pensionista do rei George. Waters, um executante para Charlotte de
Albany, era a custódia de vários outros documentos dos Stuarts - e essa
custódia constituía a rota para a sua futura renda hanoveriana. Em 1805, o
abade foi obrigado a entregá-los ao governo britânico. Depois de muito tempo,
alguns foram depositados no castelo Windsor, onde estão até hoje. Quanto ao
resto, o paradeiro é convenientemente desconhecido.
Em virtude dessas aquisições documentárias, parecia fácil que o príncipe
Edward James fosse totalmente excluído dos registros históricos na
Grã-Bretanha. Mas não era o caso na Europa continental, onde ele aparece em
documentos guardados pelos fiduciários Stuarts, e também nos textos de René, do
visconde Chateaubriand, do abade James Waters, da princesa Caroline Murat e de
outros. Embora os Stuarts sejam ignorados pelas autoridades britânicas desde a
morte do cardeal Henry, os descendentes do príncipe Edward James, conde Stuart,
2o. conde de Albany, têm tido participação ativa em questões
sociais, políticas, militares e soberanas nos últimos dois séculos.
Freqüentemente, aconselham os governos em assuntos constitucionais e
diplomáticos em um esforço de promover os ideais de serviço público e tolerância
religiosa, de acordo com sua casa reinante, e se interessam particularmente por
questões de comércio, guerra e educação.
Em 1888, o neto do príncipe Edward, Charles Benedict James Stuart, 4o.
conde de Albany, tinha planejado visitar a Grã-Bretanha. Ele deveria ir a uma
Exibição Stuart na Nova Galeria, em Londres, patrocinada pela Ordem da Rosa
Branca e cujos principais organizadores eram Bertram, conde de Ashburnham e
Melville Massue, marquês de Ruvigny. Mas a exibição foi totalmente prejudicada
pelos agentes hanoverianos, e o príncipe Charles Benedict foi encontrado
assassinado na Itália.
Não houve nenhuma exposição em 1888, mas no ano seguinte ocorreu uma
exibição bem diferente. Em vez de homenagear os Stuarts, como estava planejado,
a exibição foi promovida para celebrar o bicentenário da Revolução Whig, que
tinha deposto James VII (II) e os Stuarts em 1688. A nova patrocinadora da
exibição era a própria rainha Vitória, e o evento foi usado como um disfarce
para obtenção de mais documentos valiosos do legado Stuart. Expulsos de seu
patronato, lorde Ashburnham e o marquês de Ruvigny dirigiram seus futuros
interesses para as sociedades cavalheirescas da Europa: a Ordem do Reino de
Sião, os Cavaleiros Protetores do Santo Sepulcro e a Ordem do Sangréal.
Apesar dos esforços da rainha Vitória para suprimir a popularidade dos
Stuarts, houve uma significativa revitalização dos jacobitas no fim do século
XIX. Os conselheiros da rainha tentaram enfatizar a tênue reivindicação de
Vitória à descendência Stuart para a exclusão da própria herança escocesa dos
Stuarts. Como resultado, o Thane Banquo e a linhagem escocesa do rei Alpin
desapareceram dos registros Stuart revisados pelos hanoverianos. Lorde Lyon,
rei de Anns, escreveria, mais tarde: "O relato tradicional da família de
Banquo, Thane de Lochaber, e através dela da descendência dos antigos reis da
Escócia, é hoje desacreditada". Desde aquela época, a linhagem bretã dos Stuarts
é enfatizada - por que alguém deveria desacreditar uma linha de descendência
para promover outra é algo além da compreensão normal.
Os futuros membros da família real escocesa foram
proeminentes na resistência belga durante a Segunda Guerra Mundial. Hubert
Pierlot, primeiro-ministro da Bélgica, era um amigo íntimo dos Stewarts, que
tinham voltado à grafia original do nome em 1892. Naquele ano, eles se mudaram
para o Château du Moulin, nas Ardenas belgas, onde viveram até 1968. Esse
castelo fora dado originariamente à família em 1692 pelo rei Luís XIV.
Em 1982, a cidade de Bruxelas homenageou os Stuarts com uma grande
recepção. E em 14 de dezembro de 1990, os tabeliães de Bruxelas assinaram,
registraram e autenticaram uma Carta atualizada da Casa Real de Stewart,
detalhando a completa descendência da família desde os tempos de Robert, o
Bruce, até hoje.
Atualmente existem várias linhagens descendentes do príncipe Edward
James, 2o. conde de Albany. Elas incluem os condes de Derneley e os
duques de Coldingham. De maior destaque, porém, na principal linha da descendência
legítima de Charles Edward Stuart e seu filho Edward James, é o 7o. conde de Albany:
pincipe Michael James Alexander Stewart, duque de Aquitânia, conde de Blois,
chefe da Sagrada Família de São Columba, Grande Comandante Cavaleiro da Ordem
do Templo em Jerusalém, Grande Oficial Patrono da Sociedade Internacional de
Oficiais da Comissão para o Commonwealth e Presidente do Conselho Europeu de
Príncipes.
A primeira descendência Stewart vem do pai do rei Artur, rei Aedándos
escoceses, de um lado, e do príncipe Nascien do Midi de Septimania, de outro.
Sua descendência escocesa é ainda mais antiga, passando do rei Lúcio e Silúria
a Brân, o Abençoado, e Tiago/José de Arimatéia, enquanto a sucessão Midi se
origina da linha masculina ancestral dos merovíngios pelos reis pescadores até
Jesus e Maria Madalena. Juntando as linhagens a partir de seu ponto inicial no
primeiro século a.C., a descendência está na sucessão da Casa Real de Judá.
Essa é uma linhagem verdadeiramente única de sangue soberano do rei Davi em uma
das descendências-chave que compõem a A Linhagem
do Santo Graal.
Sob as ruas de Roma, as catacumbas da era pagã guardam os restos mortais
de mais de seis milhões de cristãos. Se fossem colocadas em uma fileira única,
as passagens se estenderiam por 880 quilômetros. Ironicamente, o fanatismo das
Inquisições foi responsável por mais de um milhão de vidas porque as vítimas
supostamente "não eram" cristãs!
No decorrer dos séculos, milhões de judeus foram perseguidos e mortos
como resultado do anti-semitismo iniciado pela então recente Igreja Cristã. Tal
ato foi perpetrado principalmente sob o disfarce da acusação de deicida, e se
descontrolou totalmente durante o holocausto no início da década de 1940. Além
disso, dezenas de milhões de vidas russas (soviéticas) foram perdidas durante a
brutal ditadura de Stálin - um totalitarismo autocrata que desprezava toda
forma de religião. Grandes números como esses ultrapassam os limites da
imaginação, mas essas lembranças não podem ser confinadas a regimes selvagens
do passado. Os feudos religiosos em todo o mundo continuam como eram no
distante passado, e a limpeza étnica da Inquisição ainda é evidente hoje em
dia.
Na teoria, o Comunismo foi introduzido para realizar uma ambição socialista,
mas o sonho logo morreu quando a gigantesca máquina chegou ao poder por meio da
opressão militar. O capitalismo, por outro lado, é igualmente cruel porque
venera os balancetes acima do bem-estar das pessoas. Como resultado, milhões
são condenados a morrer de fome nas regiões mais pobres, enquanto vastas
montanhas de comida são empilhadas em outros lugares. Mesmo nos Estados Unidos,
onde a Constituição promove os ideais de liberdade e igualdade, vemos um abismo
cada vez maior entre os grupos privilegiados e subordinados. Comunidades ricas
estão agora fechando-se atrás de barricadas, em ambientes encerrados atrás de
muralhas, enquanto os sistemas de assistência social do Ocidente entram em
falência.
A história tem comprovado muitas vezes que o governo absoluto dos
monarcas ou ditadores é um caminho para a disparidade social. Entretanto, a
alternativa democrática do governo eleito também se mostra freqüentemente
desigual. Mesmo os parlamentos eleitos podem se tomar egotistas e ditatoriais
em um mundo onde aqueles com o poder de servir se consideram os mestres. Além
disso, em países como a Grã-Bretanha, que têm uma estrutura política
multipartidária, o povo freqüentemente se depara com o governo de ministros que
chegaram ao poder com os votos de uma minoria. Nessas circunstâncias, quem
defende os direitos individuais? Os sindicatos, alguns dirão - mas,
independentemente de tais organizações também serem politicamente parciais,
elas ainda estão sujeitas ao controle governamental. Embora possam ter um peso
de afiliação, os sindicatos não têm autoridade final para se equipararem ao
parlamento. No que diz respeito ao sistema judicial, seu propósito é zelar pela
justiça legal, não moral.
Outros na Grã-Bretanha citam Sua Majestade, a Rainha, como a guardiã do
povo; mas o país tem uma monarquia parlamentar na qual o soberano reina somente
com o consentimento de Westminster. Na falta de uma Constituição escrita, os
monarcas britânicos não têm o poder de defender direitos e liberdade
individuais. O atual herdeiro ao trono realmente tentou superar as restrições,
ocasionalmente dizendo o que pensa, só para sofrer recriminações por parte do
sistema. Como uma criança vitoriana, ele deve ser visto "e não ouvido,
enquanto os banqueiros, industrialistas e advogados controlam o destino da
nação.
Freqüentemente ouvimos políticos citando a Constituição britânica, como
se ela realmente existisse como um privilégio documentado, mas não existe. Ela
é simplesmente um acúmulo de velhos costumes e precedentes que dizem respeito
a sanções parlamentares, somadas a um número de leis específicas definindo
determinados aspectos. Desde que a Declaração de Arbroath da Escócia, em
1320, foi anulada pelo Tratado da União da Inglaterra, em 1707, a mais
antiga Constituição escrita ainda existente é a dos Estados Unidos. Ela foi
adotada em 1787, ratificada em 1788 e efetivada em 1789. Naquele mesmo ano
começou a Revolução Francesa, que aboliu o feudalismo e a monarquia absoluta
na França, influenciando a política em boa parte da Europa. Nos dois séculos
depois da Revolução, a França e outros Estados europeus (sendo a Inglaterra uma
notável exceção) adotaram constituições escritas para proteger os direitos e as
liberdades individuais. Mas quem defende essas constituições em nome do povo?
Uma alternativa popular à monarquia absoluta ou à ditadura foi encontrada
no republicanismo. A República dos Estados Unidos foi criada basicamente para
libertar a nação emergente do despotismo da Casa de Hanover, da Inglaterra.
Seus cidadãos, porém, ainda se fascinam com o conceito da monarquia. Por mais
republicano que seja o espírito, a necessidade de um símbolo central permanece.
Nem uma bandeira nem um presidente podem cumprir esse papel unificador, pois em
virtude do sistema partidário os presidentes são sempre politicamente motivados.
O republicanismo foi criado sobre o princípio do status fraterno, mas a
sociedade ideal sem classes nunca poderá existir em um ambiente que promove
amostras de eminência e superioridade por graus de riqueza e posses.
Na maioria das vezes, aqueles responsáveis pela Constituição moralmente
inspirada dos Estados Unidos eram Rosa-cruzes e maçons - personagens notáveis
como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, John Adams e
Charles Thompson. O último, que desenhou o Grande Selo dos Estados Unidos da
América, era um membro da Sociedade Filosófica Americana de Franklin - parente
do Colégio Invisível da Inglaterra. A imagem do Selo está diretamente
relacionada à tradição alquímica, herdada da alegoria do antigo Terapeutato
egípcio. A águia, o ramo de oliveira, as flechas e os pentagramas são símbolos
ocultos dos opostos: bem e mal, masculino e feminino, guerra e paz, escuridão e
luz, etc. No verso (como se repete na nota do dólar) está a pirâmide truncada,
indicando a perda da Velha Sabedoria, cortada e forçada para os subterrâneos
pela Igreja. Mas acima disso estão os raios da luz da esperança, incorporando o
olho que tudo vê, usado como símbolo durante a Revolução Francesa.
Ao estabelecer sua república, os americanos não puderam escapar do ideal
de uma monarquia paralela - um foco central de apego patriótico, apolítico. Na
verdade, ofereceram a George Washington a realeza, mas ele não aceitou porque
não tinha uma herança qualificada imediata. Ele, então, recorreu à Casa Real de
Stuart. Em novembro de 1782, quatro americanos chegaram ao Palazzo San Clemente
em Florença, a residência de Charles III Stuart no exílio. Eram eles o Sr.
Galloway de Maryland, dois irmãos chamados Sylvester da Pensilvânia e o Sr.
Fish, um advogado de Nova York. Eles foram conduzidos a Charles Edward por seu
secretário John Stewart. Também presente estava o Honorável Charles Hervey-
Townshend (futuro embaixador britânico) e a futura esposa do príncipe,
Marguerite, condessa de Massilan. A entrevista (que girou em torno do dilema
transatlântico contemporâneo) está documentada nos arquivos do Senado americano
e nos Manorwater Papers. Escritores como Sir Compton Mackenzie e Sir Charles
Petrie também descrevem a ocasião em que Charles Edward Stuart foi convidado a
ser o rei dos americanos.
Alguns anos antes, Charles tinha sido procurado também pelos homens de
Boston, mas, quando a guerra da Independência acabou, George Washington enviou
seus próprios emissários. Teria sido uma grande ironia se a Casa de Hanover
perdesse as ex-colônias norte-americanas para os Stuarts - mas Charles declinou
a oferta por várias razões, uma das quais foi sua falta de um herdeiro legítimo
do sexo masculino na época. Ele sabia que sem um sucessor legítimo os Estados Unidos
poderiam facilmente recair para Hanover quando de morresse, o que derrotaria
todo o esforço de Independência.
Desde aqueles dias, muitos outros eventos radicais têm ocorrido: a
Revolução Francesa, a Revolução Russa, duas grandes Guerras Mundiais e mais uma
série de mudanças, enquanto os países mudam de um estilo de governo para outro.
Enquanto isso, disputas civis e internacionais continuam como na Idade Média.
Elas são motivadas por comércio, política, religião e qualquer outra bandeira
usada para justificar a constante luta por controle territorial e econômico. O
Santo Império Romano desapareceu, os Reichs alemães falharam e o império
britânico ruiu. O império russo caiu no Comunismo, que por sua vez também se
desgraçou e acabou, enquanto o Capitalismo titubeia na beira da aceitabilidade.
Com o fim da Guerra Fria. a América enfrenta uma nova ameaça ao seu superpoder,
dos países do Pacífico. Enquanto isso, as nações da Europa se unem no que
parecia uma comunidade econômica bem equilibrada, mas que já está sofrendo das
mesmas pressões do costume individual e da soberania nacional que abalaram o
Santo Império Romano.
Sejam as nações governadas por regimes militares ou parlamentos eleitos,
autocratas ou democratas, e sejam elas descritas formalmente como monarquistas,
socialistas ou republicanas, o produto final é sempre o mesmo: poucos controlam
o destino dos muitos. Em situações ditatoriais, essa é uma experiência natural,
mas não deveria ser o caso em uma instituição democrática baseada no princípio
do voto da maioria. A verdadeira democracia é o governo pelo povo para
o povo, em forma direta ou representativa, ignorando as distinções de
classe e tolerando as visões das minorias. A Constituição americana estabelece
um ideal para essa forma de democracia, mas de modo semelhante a outras nações
há sempre um grande setor da comunidade que não é representado pelo grupo que
está no poder.
Como os presidentes e primeiros-ministros são politicamente comprometidos,
e como os partidos políticos assumem respectivos turnos no poder, o resultado
inevitável é uma falta de continuidade para as nações envolvidas. Isso não é
necessariamente ruim, mas não há uma instituição contínua confiável para
defender os direitos civis e as liberdades do povo em condições de uma sempre
mutável liderança. A Grã-Bretanha pelo menos retém uma monarquia, mas é
politicamente restrita, e portanto ineficiente em seu papel de Guardiã do
Reino. Os Estados Unidos, por outro lado, têm uma Constituição Escrita, mas
ninguém tem o poder de defender os princípios dela contra os sucessivos
governos que deliberadamente visam apenas aos próprios interesses políticos.
Será que há uma resposta para essa anomalia - uma que traga não só um
raio de esperança, mas também uma luz brilhante para o futuro? Certamente há,
mas sua energia depende daqueles que estão em serviço governamental e
compreendem seu papel de representantes da sociedade, e não líderes dela. Junto
à administração política, um defensor constitucional nomeado pode ter a
autoridade de denunciar as potenciais disparidades e infrações da Constituição.
Isso pode ser feito do modo previsto por George Washington e os Pais
Americanos. Seu plano original era ter um Parlamento democrático, combinado
com uma monarquia constitucional operante, não submissa ao Parlamento nem à
Igreja, mas comprometida com o povo e sua Constituição escrita. Em um ambiente
assim, a soberania ficaria por conta do povo, enquanto o monarca (como um
Guardião operante do Reino) faria um juramento de fidelidade à nação - não o
inverso, como no caso da Grã-Bretanha, em que a nação presta homenagem à
soberania do Parlamento e da monarquia.
A ambição não realizada dos Pais Americanos era que os ministros do
governo fossem eleitos pelo voto da maioria, mas que suas ações fossem dirigi
das dentro dos limites da Constituição. Como a Constituição pertence ao povo,
seu defensor - como via George Washington - deveria ser um monarca cuja
obrigação não é para com a política ou religião e sim a nação soberana. Pelo
sistema natural de hereditariedade (nascer e ser criado para a tarefa), esse
Guardião Constitucional proporcionaria uma continuidade de representação
pública através de sucessivos governos. Nesse sentido, tanto os monarcas como
os ministros seriam servos da Constituição em nome da Comunidade do Reino. Esse
conceito de governo moral é a verdadeira essência do Código do Graal, e existe
dentro dos limites da possibilidade para toda nação civilizada.
Um primeiro-ministro britânico afirmou recentemente que não era o
trabalho dele ser popular! Isso não é verdade. Um ministro popular é um
ministro em que se pode confiar, e ter confiança eleitoral é algo que facilita
o processo democrático. Nenhum ministro pode honestamente expor um ideal de
igualdade na sociedade, se ele for considerado dono de privilégios especiais,
superior à sociedade. A estrutura de classes é sempre decidida a partir de
cima, nunca de baixo. Por isso, aqueles que se encontram em pedestais feitos
por si próprios deviam saltar deles, em nome da harmonia e da unidade. Jesus
não estava se humilhando quando lavou os pés dos Apóstolos na Santa Ceia; ele
foi elevado ao reino de um verdadeiro Rei do Graal- o reino da igualdade e
nobre serviço. Esse é o eterno preceito do Sangréal, e se expressa nas
histórias do Santo Graal.com extrema clareza: Só quando se pergunta "a
quem o Graal serve?" é que a ferida do rei pescador pode ser curada e a
terra devastada recuperar a fertilidade.