GNOSTICISMO – APÓCRIFOS O EVANGELHO DE NICODEMUS -1 O
EVANGELHO DE NICODEMUS Dois
textos apócrifos constituem o Evangelho de Nicodemus: Atos de Pilatos e
Descida de Cristo ao Inferno. Em é sequência do outro e o completa, embora
escritos em épocas diferentes. Justino, em 150, menciona em seus escritos um
texto chamado Atos de Pôncio Pilatos, narrando os acontecimentos posteriores
à Crucificação. Nicodemus
narra os episódios da Crucificação e da Ressurreição, mas nada acrescenta aos
Evangelhos canónicos. Curioso é observar que ele cita o local da Crucificação
como sendo o horto onde Cristo foi aprisionado, o Getsêmani, situado ao pé do
Monte das Oliveiras. EVANGELHO
DE NICODEMUS Eu,
Ananias, protector, de hierarquia pretoriana, perito em leis, vim através das
divinas Escrituras tomar conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e me
aproximei dele pela fé, e permiti-me receber o santo baptismo; agora
sinto-me, depois de seguir a pista das narrações relativas a Nosso Senhor
Jesus Cristo, que foram feitas naquela época, e que os judeus deixaram
guardadas com Pôncio Pilatos; encontrei-as com estavam, escritas em hebraico,
e com o beneplácito divino traduzi-as para o grego, para o conhecimento de
todos os que invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o reinado
de Flávio Teodósio, nosso senhor, no ano 17, e sexto de Flávio Valentino, na
nona indicação. Todos,
pois, quantos leiam e traduzam isto para outros livros, lembrem-se e peçam
por mim para que o Senhor seja piedoso para comigo e me perdoe os pecados que
cometi contra ele. Paz
aos leitores, aos ouvintes e aos seus servidores. Amém. No ano
décimo quinto do governo de Tibério César, imperador dos romanos; no ano
décimo nono do governo de Heródes, rei da Galiléia; no oitavo dia das
calendas de Abril, correspondente ao dia 25 de Março; durante o consulado de
Rufo e Rubelião; no quarto ano da olimpíada 202; sendo, nessa época, José
Caifás o sumo sacerdote dos judeus. Tudo o que Nicodemus narrou com base no
tormento da cruz e da paixão do Senhor, transmitiu-o aos príncipes dos
sacerdotes e aos demais judeus depois de havê-lo redigido ele mesmo em
hebraico. Depois
de se haverem reunido em conselho os príncipes dos sacerdotes e os escribas,
Anás e Caifás e Semes e Dothaim e Gamaliel, Judas, Levi e Neftali, Alexandre
e Jairo e os restantes dentre os judeus apresentaram-se diante de Pilatos
acusando Jesus de muitos feitos, dizendo: "Sabemos que ele é filho de
José o carpinteiro e que nasceu de Maria, e chama-se a si mesmo Filho de Deus
e rei; além disso profana o sábado e ainda pretende abolir a lei de nossos
pais". Disse-lhes Pilatos: "E o que ele faz e o que ele pretende
abolir?" Os judeus disseram: "Temos uma lei que proíbe a cura no
Sabat; pois bem, este, servindo-se das más artes, curou durante o Sabat
coxos, machucados, cegos, paralíticos, surdos e endemoninhados".
Disse-lhes Pilatos: "Se realiza honestamente suas curas, não faz mal
algum." Os judeus replicaram: "Se realizasse suas curas
honestamente, não seria mal maior; mas para fazê-las usa a virtude de
Belzebu, príncipe dos demónios, expulsa a estes e a todos que lhes são
submissos". Disse-lhes Pilatos: "Isto não é tirar os demónios pela
virtude de um espírito imundo, mas sim pela virtude do deus Esculápio". Os
judeus disseram a Pilatos: "Rogamos à tua autoridade que ele seja
apresentado diante do teu tribunal para que possa ser ouvido". Pilatos
então chamou-os e disse-lhes: "Dizei-me
vós como é que eu, um mero governador, posso submeter nada menos que um rei a
interrogatório?" Eles responderam: "Nós não dissemos que é um rei,
mas sim que ele mesmo se dá esse título". Então Pilatos chamou o
mensageiro para dizer-lhe: "Que me seja apresentado aqui Jesus, com toda
a deferência". O mensageiro saiu, então, e logo que identificou, o
adorou; depois tirou o manto que levava em suas mãos e estendeu-o no chão,
dizendo: "Senhor, passa por cima e entra, que o governador te
chama". Os judeus, vendo o que o mensageiro havia feito, puseram-se a
gritar contra Pilatos, dizendo: "Por que te serviste de um mensageiro
para fazê-lo entrar, e não de um simples pregoeiro? Sabes que o mensageiro,
assim que o viu, passou a adorá-lo e estendeu seu manto sobre o chão,
fazendo-o caminhar por cima como se fosse um rei?" Pilatos,
então, chamou o mensageiro e lhe disse: "Por que fizeste isso e
estendeste o manto sobre o chão, fazendo Jesus passar por cima?" O
mensageiro respondeu: "Senhor governador, quando me enviaste a Jerusalém
junto com Alexandre eu o vi montando um burro, e os filhos dos hebreus iam
aclamando-o com ramos nas mãos, enquanto outros estendiam suas vestes no chão
dizendo: "Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito o que vem em nome
do Senhor'." Os
judeus então começaram a gritar e disseram ao mensageiro: "Os jovens
hebreus clamavam em sua língua, como então informaste da sua equivalência em
grego?" O mensageiro respondeu: "Perguntei a um dos judeus e lhe
disse: "Que estão gritando em hebraico?' E ele traduziu". Pilatos
disse-lhes: "Como soa em hebraico o que eles diziam em altos
brados?" Os judeus responderam: "Hosanna
membrome; baruchamma; adonai". Então
Pilatos lhes disse: "E o que significa Hosanna e as outras
palavras?" Os judeus responderam: "Salva-nos, tu que estás nas
alturas; bendito o que vem em nome do Senhor". Pilatos
disse-lhes: "Se vós mesmos dais testemunho das vozes que saíram da boca
dos jovens, que falta cometeu o mensageiro?" Eles se calaram. Então o
governador disse ao mensageiro: "Sai e faze-o entrar da maneira que lhe
aprouver". Saiu, então, o mensageiro e procedeu da mesma maneira que
anteriormente, dizendo a Jesus: "Senhor, entra; o governador te
chama". Mas no
momento em que Jesus entrava, os que seguravam os estandartes inclinaram-se e
adoraram a Jesus. Os judeus que presenciaram esse gesto de reverência e
adoração a Jesus, começaram a gritar desaforos contra os que portavam as
bandeiras. Mas Pilatos lhes disse: "Não vos causa admiração ver como
eles se inclinaram e adoraram Jesus?" Os judeus responderam a Pilatos:
"Nós mesmos vimos como eles se inclinaram e o adoraram". O
governador chamou então os que carregavam as bandeiras e lhes disse:
"Por que agistes assim?" Eles responderam a Pilatos: "Nós
somos gregos e servidores das divindades, como então iríamos adorá-lo? Saibas
que, enquanto estávamos erectos, nossos corpos se inclinaram por eles mesmos
e o adoraram". Então
Pilatos disse aos arquissinagogos e anciãos do povo: "Escolhei vós
mesmos alguns varões fortes e robustos; que eles segurem os estandartes e
vejamos se estes inclinam-se sozinhos: "Então os anciãos escolheram de
entre os judeus doze homens fortes e robustos, aos quais obrigaram a
sustentar os estandartes em grupos de seis, e ficaram em pé diante do
tribunal do governador. Então Pilatos disse ao mensageiro: "Leva-o para
fora do pretório e introduze-o novamente da maneira que te aprouver". E
Jesus saiu do pretório acompanhado do mensageiro. Pilatos chamou então
aqueles que anteriormente estavam com os estandartes e lhes disse: "Jurei
pela saúde de César que, se os estandartes não se dobrarem à entrada de
Jesus, cortar-vos-ei as cabeças". E o governador ordenou novamente que
Jesus entrasse. O mensageiro observou a mesma conduta do início e rogou
encarecidamente a Jesus que passasse por cima de seu manto. E caminhando
sobre ele, entrou. Mas no momento de entrar, novamente os estandartes se
dobraram e adoraram Jesus. Quando
Pilatos viu a cena, encheu-se de medo e dispôs-se a deixar o tribunal. Mas
enquanto ainda pensava em levantar-se, sua mulher enviou-lhe esta carta:
"Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite sofri muito por
sua causa". Então Pilatos chamou todos os judeus e lhes disse:
"Sabeis que minha mulher é piedosa e que tende mais para o bem do que
para segui-los em vossos costumes judeus?" Eles disseram: "Sim,
sabemos". Pilatos disse-lhes: "Pois bem, minha mulher acaba de
enviar-me este recado: "Não te envolvas com esse justo, pois durante a
noite sofri muito por sua causa'." Mas os judeus responderam a Pilatos
dizendo: "Não te dissemos que é um mágico? Sem dúvida enviou um sono
fantástico a tua mulher". Pilatos
então chamou Jesus e lhe disse: "Como é que estes testemunham contra ti?
Não dizes nada?" Jesus respondeu: "Se não tivessem pode para isso,
não diriam nada, pois cada um é dono da sua boca para falar coisas boas e
más: eles verão". Mas os
anciãos dos judeus responderam, dizendo a Jesus: "Que é que nós vamos
ver? Primeiro,
que tu vieste ao mundo por fornicação; segundo, que o teu nascimento em Belém
trouxe como consequência uma matança de crianças; terceiro, que teu pai José
e tua mãe Maria fugiram para o Egito por encontrarem-se ameaçados na
cidade". Então,
alguns dos que ali estavam presentes, e que eram judeus piedosos, disseram: "Nós
não estamos de acordo que haja de fornicação, mas sim sabemos que José
desposou Maria e que não foi gerado através de fornicação". Pilatos
disse aos judeus que afirmavam a sua origem através de fornicação: "Isto
que dizeis não é verdade, posto que os esponsais foram celebrados, segundo
afirmam vossos próprios compatriotas". Então Anás e Caifás disseram a
Pilatos: "Todos juntos afirmamos e não cremos que ele tenha nascido de
fornicação; estes são prosélitos e seus discípulos". Pilatos chamou Anás
e Caifás e disse-lhes: "Que
significa a palavra prosélito?" Eles responderam: "Que nasceram de
pais gregos e fizeram-se judeus agora". Ao que contestaram os que
afirmavam que Jesus não havia nascido de fornicação (isto é: Lázaro, Astério,
Antônio, Tiago, Amnés, Zeras, Samuel, Isaac, Crispo, Agripa e Judas):
"Nós não nascemos prosélitos, mas sim somos filhos de judeus e dizemos a
verdade, pois encontravam-nos presentes nas bodas de José e de Maria". Pilatos
chamou estes doze que afirmavam não haver Jesus nascido de fornicação e
disse-lhes: "Eu os conjuro pela saúde de César, dizei-me, é verdade o
que afirmastes, que não nasceu de fornicação?" Eles responderam:
"Nós temos uma lei que proíbe jurar, porque é pecado; deixe que estes
jurem pela saúde de César que não é verdade o que acabamos de dizer, e
seremos réus de morte". Então Pilatos disse a Anás e Caifás: "Nada
respondem a isto?" Eles replicaram: "Tu dás crédito a estes doze
que afirmam o nascimento legítimo de Jesus; enquanto isso, todos, em massa,
estamos bradando que é filho de fornicação, que é feiticeiro e que se chama a
si próprio Filho de Deus". Então
Pilatos ordenou que toda a multidão saísse, à excepção dos doze que negavam a
origem da fornicação, e ordenou que Jesus fosse separado. Depois lhes disse:
"Por que razão querem dar-lhe a morte?" Eles responderam: "Têm
inveja dele por curar no Sabat". Ao que
respondeu Pilatos: "E por uma boa obra querem matá-lo?" E,
cheio de ira, saiu do pretório e disse-lhes: "Tomo por testemunha o sol
de que não encontro nenhuma culpa neste homem". Os judeus responderam e
disseram ao governador: "Se
não fosse um malfeitor, não o haveríamos entregado a ti". E Pilatos
disse: "Tomai-o vós e julgai-o segundo vossas leis". Então os
judeus disseram a Pilatos: "Não nos é permitido matar ninguém". Ao
que Pilatos contestou: "A vós sim Deus proibiu de matar mas, e a
mim?" E,
entrando de novo no pretório, chamou Jesus à parte e disse-lhe: "És o
rei dos judeus?" Jesus respondeu: "Dizes isto por conta própria ou
pelo que os outros te disseram de mim?" Pilatos replicou: "Mas será
que também sou por acaso judeus? Teu povo e os pontífices puseram-te em
minhas mãos, que fizeste?" Jesus respondeu: "Meu reino não é deste
mundo pois, caso contrário, meus servidores teriam lutado para que eu não
fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui". Então Pilatos
disse: "Logo, tu és rei?" Jesus
respondeu: "Tu dizes que eu sou rei; pois para isto nasci e vim ao
mundo, para que todo aquele que é da verdade, ouça minha voz". Pilatos
disse-lhe: "Que é a verdade?" Jesus respondeu: "A verdade
provém do céu". Pilatos disse: "Não há verdade sobre a terra?"
E Jesus respondeu a Pilatos: "Estás vendo que os que dizem a verdade são
julgados pelos que exercem o poder sobre a terra". E
deixando Jesus no interior do pretório, Pilatos foi até os judeus e lhes
disse: "Eu não encontro culpa alguma nele". Os judeus replicaram:
"Ele disse: "Eu sou capaz de destruir este templo e reedificá-lo em
três dias'." Pilatos disse: "Que templo?" Os judeus
responderam: "Aquele edificado por Salomão em quarenta e seis anos, ele
diz que vai destruí-lo e reedificá-lo ao final de três dias". Pilatos
disse: "Eu sou inocente do sangue deste justo; vós vereis". E os
judeus disseram: "Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos". Então
Pilatos chamou os anciãos, os sacerdotes e os levitas e disse-lhes em
segredo: "Não
agi assim, pois nenhuma das vossas acusações merece a morte, já que elas
referem-se às curas e à profanação do Sabat". Os anciãos, sacerdotes e
levitas responderam: "Se alguém blasfema contra César é ou não digno da
morte?" Pilatos disse-lhes: "É digno da morte". Os judeus
disseram: "Pois se alguém que blasfema contra César é digno da morte,
saiba que este blasfemou contra Deus". Depois
o governador mandou que os judeus saíssem do pretório, e chamando Jesus,
disse-lhe: "Que vou fazer contigo?" Jesus respondeu: "Faz como
te foi ordenado". Pilatos disse: "E como me foi ordenado?"
Jesus respondeu: "Moisés e os profetas falaram sobre a minha morte e
sobre a ressurreição". Os judeus e os ouvintes perguntaram então a
Pilatos dizendo: "Por que continuas ouvindo essa blasfêmia?"
Pilatos respondeu: "Se estas palavras são blasfêmias, prendei-o por
blasfêmia, levai-o à vossa sinagoga e julgai-o segundo vossa lei". Os
judeus contestaram: "Está escrito em nossa lei que se um homem peca
contra outro homem merece receber quarenta açoites menos um; mas diz que se
alguém blasfema contra Deus deve ser apedrejado". Pilatos
disse-lhes: "Tomai-o por vossa conta e castigai-o como quiserdes".
Os judeus replicaram: "Nós queremos que seja crucificado". Pilatos
contestou: "Não merece a crucificação". Então
o governador lançou um olhar ao seu redor sobre a turba de judeus que estava
presente e, ao ver que muitos deles choravam, exclamou: "Nem toda a
multidão quer que morra". Os anciãos dos judeus disseram: "Por isso
viemos todos em massa, para que morra". Pilatos perguntou-lhes: "E
por que deverá morrer?" Os judeus responderam: "Porque
chamou-se a si próprio filho de Deus e rei". Um
certo judeu de nome Nicodemus pôs-se diante do governador e disse:
"Rogo-te, bondoso como és, permiti-me dizer umas palavras: "Pilatos
espondeu: "Fala". E Nicodemus disse: "Tenho falado nestes
termos aos anciãos, aos levitas, à multidão inteira de Israel reunida na
sinagoga: "Que pretendeis fazer com este homem? Ele opera muitos
milagres e prodígios como nenhum outro foi nem será capaz de fazer. Deixai-o
em paz e não trameis nada contra ele; se os seus prodígios têm origem divina,
permanecerão firmes; porém, se têm origem humana, dissipar-se-ão. Pois também
Moisés, quando foi enviado da parte de Deus ao Egito, fez muitos prodígios,
previamente assinalados por Deus, na presença do Faraó, rei do Egito. E
estavam ali alguns homens a serviço do Faraó, Jamnes e Jambres, os quais
operaram, por sua vez, não poucos prodígios como os de Moisés, e os
habitantes do Egito tinham Jamnes e Jambres por deuses. Mas como os seus
prodígios não provinham de Deus, eles pereceram, bem como os que lhes davam
crédito. E agora, deixai livre este homem, pois não é digno de morrer'."
Os
judeus disseram então a Nicodemus: "Tu te fizeste discípulo dele e por
isso falas em seu favor". Nicodemus disse-lhes: "Mas então também o
governador fez-se discípulo dele porque fala em sua defesa? Não o colocou
César neste cargo? Os judeus estavam com muita raiva e rangiam os dentes
contra Nicodemus. Pilatos disse-lhes: "Por que rangeis os dentes contra
ele ao ouvir a verdade?" Os judeus disseram a Nicodemus: "A ti sua
verdade e sua parte". Nicodemus disse: "Amém, amém, que assim seja
como haveis dito". Mas um
dos judeus adiantou-se e pediu a palavra ao governador. Este lhe disse:
"Se queres dizer algo, diz". E o judeus assim falou: "Eu
estive durante trinta e oito anos deitado numa liteira, cheio de dores.
Quando Jesus veio, muitos dos que estavam endemoninhados e sujeitos a
diversas doenças foram curados por ele. Então alguns jovens compadeceram-se
de mim e, pegando-me com liteira e tudo, levaram-me até ele. Jesus, ao
ver-me, compadeceu-se de mim e disse-me: "Pega tua maca e anda'. Eu
peguei minha maca e comecei a andar". Então os judeus disseram a
Pilatos: "Pergunta-lhe que dia era quando foi curado". E o
interessado disse: "Era Sabat". Os judeus disseram: "Já não te
havíamos informado de que curava no Sabat e tirava demónios?" Outro
judeu adiantou-se e disse: "Eu era cego de nascença, ouvia vozes, mas
não via ninguém, e, ao ver passar Jesus, gritei bem alto: "Filho de
Davi, apiedai-te de mim'. E compadeceu-se de mim, impôs suas mãos sobre os
meus olhos e imediatamente recuperei a visão". E outro judeu adiantou-se
e disse: "Estava arqueado e endireitou-me com uma palavra". E outro
disse: "Havia contraído lepra e ele curou-me com uma palavra". E
certa mulher chamada Berenice (Verónica) começou a gritar de longe, dizendo: "Encontrando-me
doente com hemorragia, toquei a extremidade de seu manto e a hemorragia que
eu vinha tendo por doze anos consecutivos, parou". Os judeus disseram: "Existe
um preceito que proíbe apresentar uma mulher como testemunha". E
alguns outros, muitos homens e mulheres gritavam, dizendo: "Este homem é
profeta e os demónios submetem-se a ele". Pilatos disse aos que
afirmavam isto: "Por que também vossos mestres não se submeteram a
ele?" Eles responderam: "Não sabemos". Outros afirmaram que
havia ressuscitado Lázaro do sepulcro, defunto já de quarenta dias. Então,
cheio de medo, o governador disse à multidão de judeus: "Por que vos
empenhais em derramar sangue inocente?" E
depois de chamar Nicodemus e aqueles doze homens que afirmavam a origem limpa
de Jesus, disse-lhes: "Que devo fazer, pois está forjando um alvoroço
entre o povo?" Disseram-lhe:
"Nós não sabemos; eles verão". Convocou de novo Pilatos a multidão
de judeus e disse-lhes: "Sabeis que tenho por costume soltar um
prisioneiro durante a festa dos ázimos. Pois bem, está preso e condenado um
assassino chamado Barrabás, e tenho também este Jesus que está agora na vossa
presença, e em quem não encontro culpa alguma. A quem quereis que
solte?" Eles gritaram: "A Barrabás". Pilatos disse-lhes:
"Que farei, pois, de Jesus, o chamado Cristo?" Os judeus
responderam: "Que seja crucificado!" E
alguns dentre eles disseram: "Não és amigo de César se soltas a este,
porque chamou-se a si próprio Filho de Deus e rei; se assim procedes, queres
a este por rei e não a César". Pilatos
então, encolerizado, disse aos judeus: "Vossa raça é revoltada por
natureza e enfrentais vossos benfeitores". Os judeus disseram: "A
quais benfeitores?" Pilatos respondeu: "Vosso Deus tirou-vos do
Egipto, livrando-vos de uma cruel escravidão; vos manteve sãos e salvos
através do mar bem como através da terra, alimentou-vos com maná no deserto e
deu-vos codornas, deu-vos de beber água tirada de uma rocha e deu-vos uma
lei, e, depois de tudo isso, encolerizastes vosso Deus, fostes atrás de um bezerro
fundido, exasperastes vosso Deus e Ele dispôs-se a exterminar-vos; porém,
Moisés intercedeu por vós e não fostes entregues à morte. E agora acusais a
mim de odiar o imperador". E,
levantando-se do tribunal, dispôs-se a sair. Mas os judeus começaram a gritar
dizendo: "Nós reconhecemos como rei a César e não a Jesus. E ainda mais,
os Magos vieram oferecer-lhe dons trazidos do Oriente como para o seu rei; e
quando Heródes tomou conhecimento através dessas personagens de que um rei
havia nascido, tentou acabar com ele. Mas seu pai José tomou ciência do fato
e levou-o juntamente com a mãe, e fugiram todos para o Egipto. E quando
Heródes soube disso, exterminou os filhos dos hebreus que haviam nascido em
Belém". Quando
Pilatos ouviu estas palavras, temeu, e depois de impor silêncio às turbas, já
que estavam gritando, disse-lhes: "Então é este aquele a quem Heródes
buscava?" Os judeus responderam: "Sim, é este". Então Pilatos
pegou água e lavou suas mãos, de frente para o sol, dizendo: "Sou
inocente do sangue deste justo; vós vereis". E novamente os judeus
começaram a gritar: "Seus sangue sobre nós e sobre nossos filhos".
Então Pilatos mandou que fosse corrido o véu do tribunal onde estava sentado
e disse a Jesus: "Teu povo desmentiu-te como rei. Por isso decretei que
em primeiro lugar sejas flagelado, de acordo com o antigo costume dos reis
piedosos, e que depois sejas dependurado na cruz no horto onde foste
aprisionado. E Dimas e Gestas, ambos malfeitores, serão crucificados
juntamente contigo". Assim,
Jesus saiu do pretório acompanhado dos dois malfeitores. E, em chegando ao
lugar convencionado, despojaram-no de suas vestes, enrolaram-no em um lençol
e puseram uma coroa de espinhos ao redor de suas têmporas. Dependuraram os
dois malfeitores, de maneira semelhante. Enquanto isso, Jesus dizia:
"Pai, perdoai-os, porque não sabem o que fazem". E os soldados
repartiram entre si as suas vestes, e todo o povo estava em pé
contemplando-o. E os pontífices e também os chefes zombaram dele, dizendo:
"Salvou os outros; salve-se, então, a si próprio; se este é o Filho de
Deus, que desça da cruz". Os soldados, por sua vez, aproximavam-se
dirigindo-lhe escárnios e oferecendo-lhe vinagre misturado com fel, enquanto
diziam: "Tu és o rei dos judeus: salva-te a ti mesmo". E depois de
proferir a sentença, o governador mandou que na forma de um título fosse
escrito em cima da cruz a sua acusação em grego, latim e hebraico, de acordo
com o que os judeus haviam dito: "Rei dos Judeus". E um
daqueles ladrões que haviam sido dependurado disse-lhe assim: "Se tu és
o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós". Mas Dimas, em resposta,
repreendeu-o dizendo: "Tu não temes a Deus, ainda que estejas na mesma
condenação? E a nós, certamente, ela no cabe
bem, pois recebemos a recompensa justa pelas nossas obras; mas este não fez
nada de mal". E dizia: "Senhor, lembra-te de mim no teu
reino". E Jesus disse-lhe: "Em verdade, em verdade te dito que hoje
estarás comigo no paraíso". Era a
hora sexta quando as trevas se fecharam sobre a terra até a nona hora, por
haver escurecido o sol; e o véu do templo rasgou-se ao meio. Jesus, então,
com voz grave, disse: "Pai,
baddach efkid ruel", que significa: "Em tuas mãos entrego o meu
espírito". E, assim dizendo, entregou sua alma. O centurião, ao ver o
que aconteceu, louvou a Deus dizendo: "Este
homem era justo". E a multidão que assistia ao espectáculo, ao
contemplar o acontecido, passou a bater no peito. O
centurião, por sua vez, transmitiu ao governador o ocorrido. Este, ao
ouvi-lo, entristeceu-se assim como sua mulher, e ambos passaram todo aquele
dia sem comer nem beber. Depois Pilatos fez chamar os judeus e disse-lhes:
"Vistes o que se passou?" Mas eles responderam: "Foi um
simples eclipse do sol, como de costume". Enquanto
isso, seus conhecidos permaneciam a distância; e as mulheres que o haviam
acompanhado desde a Galiléia estavam contemplando tudo isto. Mas havia um
homem chamado José, senador, vindo de Arimatéia, que esperava o reino de
Deus. Aproximou-se, então, de Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Depois
foi baixar o cadáver da cruz e envolveu-o num lençol limpo e depositou-o no
sepulcro talhado em pedra que ainda não havia sido usado. Quando
os judeus ouviram dizer que José havia reclamado o corpo de Jesus, começaram
a procurá-lo, assim como também aqueles que haviam declarado que Jesus não
havia nascido de fornicação. Nicodemus e muitos outros que se haviam
apresentado diante de Pilatos para dar testemunho das suas boas obras. E,
como todos se houvessem escondido, somente Nicodemus apareceu, porque era
varão principal entre os judeus. Assim,
Nicodemus disse-lhes: "Como haveis entrado na sinagoga?" Os judeus
responderam: "E tu? Como entraste na sinagoga? Posto que és seu
cúmplice, seja também sua parte contida no século vindouro". E Nicodemus
disse: "Assim seja, assim seja". José, por sua vez, apresentou-se
de maneira semelhante e disse-lhes: "Por que haveis ficado apreensivos
comigo por ter reclamado o corpo de Jesus? Pois sabei que depositei-o no meu
novo sepulcro, depois de havê-lo envolvido num lençol branco, e fiz correr a
pedra sobre a entrada da gruta. Mas não vos portastes bem com aquele justo,
pois que, não contentes em crucificá-lo, também o atravessastes com uma
lança". Os judeus então detiveram José e mandaram que fosse aprisionado
até o primeiro dia da semana. Depois disseram-lhe: "Bem sabes que o
avançado da hora não nos permite fazer nada contra ti, pois o sábado já está
amanhecendo; mas saiba que nem sequer far-se-á o favor de dar-te sepultura,
mas sim exporemos teu corpo às aves do céu". José retrucou: "Esta
maneira de falar é a do soberbo Golias que injuriou o Deus vivo e o santo
Davi. Pois o Senhor disse através do profeta: "A mim corresponde a
vingança e eu retribuirei'. E ainda há pouco, aquele que não é circuncidado
segundo a carne, mas é circunciso de coração, tomou água, lavou as mãos de
frente para o sol e disse: "Sou inocente do sangue deste justo; vós
havereis de ver'. Mas vós respondestes a Pilatos: "Seu sangue sobre nós
e sobre nossos filhos'. Agora, então, temo que a ira do Senhor recaia sobre
vós e sobre vossos filhos, como dissestes". Ao ouvir essas palavras os
judeus sentiram seus corações encherem-se de raiva, e, depois de capturar
José, detiveram-no e prenderam-no em uma casa onde não havia nenhuma janela;
depois selaram a porta onde José estava preso e alguns guardas permaneceram
junto dela. E no
sábado os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas estabeleceram que no
dia seguinte todos deveriam encontrar-se na sinagoga. E bem de madrugada a
multidão inteira pôs-se a deliberar que tipo de morte haveriam de dar-lhe. E
estando o conselho reunido, ordenaram que o fizessem comparecer com grande
desonra. E abriram a porta mas não o encontraram. Então o povo ficou fora de
si e todos encheram-se de admiração ao encontrar os selos intactos e a chave
em poder de Caifás. Com isto, não se atreveram a pôr as mãos sobre aqueles
que haviam falado diante de Pilatos em defesa de Jesus. E
enquanto estavam ainda sentados na sinagoga, cheios de admiração pelo caso de
José, chegaram alguns dos guardas, aqueles a quem os judeus haviam
encomendado a Pilatos a custódia do sepulcro de Jesus, e disseram que não
foram seus discípulos que o haviam tirado de lá. E foram prestar contas aos
arquissinagogos, aos sacerdotes e aos levitas dizendo-lhes o que aconteceu;
isto é, como "sobreveio um terremoto e vimos um anjo que descia do céu,
que retirou a pedra da boca da gruta, sentando-se depois sobre ela. E
brilhou como neve e como relâmpago. Com o que nós, cheio de medo, ficamos
como mortos. Então ouvimos a voz do anjo que falava às mulheres que se
encontravam junto ao sepulcro: "Não temais, pois sei que buscais a
Jesus, o que foi crucificado. Não está aqui; ressuscitou como havia dito;
vinde, vede o lugar onde jazia o Senhor. E agora ide rapidamente e dizei aos
seus discípulos que ressuscitou de entre os mortos e que está na
Galiléia'." Os
judeus então disseram: "A quais mulheres falava ele?" Os da guarda
responderam: "Não
sabemos quem eram ". Os judeus disseram: "A que horas isto
aconteceu?" Os da guarda responderam: "Á meia-noite". Os
judeus disseram: "E por que não as detivestes?" Os da
guarda responderam: "Ficamos como mortos pelo medo, não acreditando que
poderíamos ver de novo a luz do dia, como iríamos detê-las?" Os judeus
disseram: "Deus vive e nós não acreditamos". Os da guarda não
responderam: "Vistes tantos sinais naquele homem e não acreditastes?
Como ireis dar-nos crédito? E, com razão, haveis jurado pela vida do Senhor,
pois Ele também vive". E os da guarda acrescentaram: "Temos ouvido
dizer que prendestes aquele que reclamou o corpo de Jesus, selando a porta, e
que ao abri-la não o encontrastes. Entregai, pois, José e vos entregaremos
Jesus". Os judeus disseram: "José
se foi para a sua cidade". E os da guarda replicaram: "Também Jesus
ressuscitou, como ouvimos o anjo, e está na Galiléia". Ao
ouvir estas palavras os judeus sentiram medo e disseram: "Não deixeis
que isto se espalhe porque senão todos inclinar-se-ão diante de Jesus".
E, convocado o conselho, fizeram um depósito de muito dinheiro e deram-no aos
soldados, dizendo: "Dizei: "Enquanto dormíamos, seus discípulos
vieram de noite e o levaram'. E se isto chegar aos ouvidos do governador,
persuadi-lo-emos e livrá-los-emos de toda a responsabilidade". Eles
pegaram o dinheiro e falaram da maneira que lhes havia sido indicada. Mas um
sacerdote chamado Finees, Adas, o doutor, e Ageu, levita, desceram da
Galiléia até Jerusalém e contaram aos arquissinagogos, aos sacerdotes e aos
levitas: "Vimos Jesus em companhia de seus discípulos sentado no monte
chamado Mamilch, e dizia-lhes: "Ide
pelo mundo e pregai a todas as criaturas; aquele que crer e for baptizado,
salvar-se-á; mas aquele que não crer, está condenado. E aqueles que tiverem
acreditado, estes sinais os acompanharão: arremessarão demónios em meu nome;
falarão em novas línguas; colherão serpentes; e, mesmo que beberem alguma
coisa capaz de produzir a morte, não lhes fará dano; imporão suas mãos sobre
os enfermos e estes sentir-se-ão bem'. E, quando ainda lhes estava falando,
vimos que ia subindo ao céu". Os
anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: "Glorificai e confessai ao
Deus de Israel se é que ouvistes e vistes o que acabais de dizer". Os
que haviam falado disseram: "O Senhor Deus de nossos pais Abraão, Isaac
e Jacob vive, pois que ouvimos isto e o vimos ao ser elevado ao céu". Os
anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: "Viestes para prestarnos
conta de tudo isto ou para cumprir algum voto feito a Deus?" Então os
anciãos, os pontífices e os levitas replicaram: "Se haveis vindo para
cumprir um voto a Deus, qual a razão destas histórias mentirosas que haveis
contado diante de todo o povo?" Finees o sacerdote, Adass, o doutor, e
Ageu, o levita, disseram aos arquissinagogos e levitas: "Se estes fatos
que contamos, e dos quais fomos testemunhas oculares, constituem um pecado,
aqui nos tendes em vossa presença; fazei conosco o que lhes pareça bom diante
de vossos olhos". Então eles pegaram o livro da lei e fizeram-nos jurar
que não mencionariam a ninguém aquelas coisas. Depois deram-lhes de comer e
de beber e tiraram-nos da cidade, não sem antes haver-lhes dado dinheiro e
haver-lhes dado três homens para que os acompanhassem, e que deveriam
levá-los até os confins da Galiléia. E foram-se em paz. E depois
que aqueles homens foram para a Galiléia, os pontífices, os arquissinagogos e
os anciãos reuniram-se na sinagoga, fechando a porta atrás de si, e
demonstrando grande dor, diziam: "Será possível que este portento
aconteceu em Israel?" Então Anás e Caifás disseram: "Por que estais
tão agitados? Por que chorais? Ou não sabeis que seus discípulos
compararam-nos com uma boa quantidade de ouro e deram-lhes instruções para
que digam que um anjo do Senhor desceu e removeu a pedra da entrada do
sepulcro?" Mas os sacerdotes e anciãos disseram: "Pode ser que os
discípulos tenham roubado seu corpo, mas, como sua alma entrou no corpo e
está vivendo na Galiléia?" E eles, na impossibilidade de dar-lhes
resposta para todas estas coisas, disseram enfim a duras penas: "A nós
não nos é permitido acreditar em alguns não circuncidados". Mas
Nicodemus levantou-se e pôs-se em pé diante do conselho, dizendo:
"Falais perfeitamente. Não desconheceis, ó povo do Senhor, os varões que
desceram da Galiléia, homens de recursos, tementes a Deus, inimigos da
avareza, amigos da paz. Pois bem, eles disseram sob juramento que viram Jesus
no monte Mamilch em companhia de seus discípulos, que estava ensinando todas
as coisas que pudessem ouvir da sua boca e que o viram no momento de ser elevado
ao céu. E ninguém perguntou-lhes de que maneira foi elevado. Então como
ensinava-nos, estava contido no livro das Sagradas Escrituras que Elias foi
elevado ao céu e que Eliseu gritou fortemente, fazendo com que Elias atirasse
sua capa sobre o Jordão, e assim Eliseu pôde atravessar o rio e chegar até
Jericó. Então os filhos dos profetas saíram ao seu encontro e disseram-lhe:
"Eliseu, onde está Elias, teu senhor?' Ele respondeu que havia sido
elevado ao céu. E eles disseram a Eliseu: "Será que o espírito não o
arrancou e o atirou sobre algum monte? Levamos nossos criados conosco e
partamos em sua busca'. E convenceram Eliseu, que foi com eles. E andaram
buscando-o durante
três dias inteiros, sem encontrá-lo, pelo que tiveram conhecimento de que
havia sido chamado. E agora dai-me atenção: enviemos uma expedição por todos
os confins de Israel e vejamos se por ventura Cristo foi chamado por um
espírito e foi depois atirado num desses montes". Esta proposição
agradou a todos e enviaram uma expedição por todos os confins de Israel em
busca de Jesus e não o encontraram. Encontraram foi José de Arimatéia, mas
ninguém atreveu-se a detê-lo. E
foram-se a prestar contas aos anciãos e aos sacerdotes e aos levitas,
dizendo: "Demos a volta por todos os confins de Israel e não encontramos
Jesus, mas encontramos sim José de Arimatéia". Ao ouvir falar de José,
os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas encheram-se de alegria, deram
glória a Deus e puseram-se a deliberar de que maneira poderiam entrevistar-se
com José. E pegaram um rolo de papel e escreveram o seguinte para José:
"Que a paz esteja contigo; sabemos que pecamos contra Deus e contra ti.
E temos rogado ao Deus de Israel que permita com que venhas ao encontro de
teus pais e de teus filhos. Pois sabes que todos enchemo-nos de aflição
quando, ao abrir a porta, não o encontramos. E agora nos apercebemos de que
havíamos tomado uma determinação perversa contra ti; mas o Senhor veio em tua
ajuda e Ele mesmo encarregou-se de dissipar nosso mau propósito, honorável pai
José". E
escolheram, entre todo Israel, sete varões amigos de José, os quais José
conhecia, e os arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram-lhes:
"Olhai, se ao receber nossa carta ele a ler, sabereis que virá até nós
em vossa companhia: porém, se não a ler, entendi que está desgostoso
connosco, e, depois de dar-lhe um beijo de paz, voltai aqui". Em
seguida, abençoaram os emissários e os despediram. Então estes chegaram ao
lugar onde estava José, e fazendo-lhe uma reverência, disseram-lhe: "A
paz esteja contido". E ele por sua vez disse: "Que a paz esteja
convosco e com todo o povo de Israel". Então eles lhe entregaram a
carta. José aceitou-a, leu-a, beijou-a e louvou a Deus, dizendo:
"Bendito o Senhor Deus, que livrou Israel de derramar sangue inocente, e
bendito o Senhor que enviou seu anjo e abrigou-me sob as suas asas".
Depois, preparou a mesa e ali comeram, beberam e dormiram. No dia
seguinte levantaram-se muito cedo e fizeram suas orações. Depois, José selou
sua mula e pôs-se a caminho acompanhado daqueles homens e foram até a cidade
santa de Jerusalém. E o povo em massa saiu ao encontro de José, gritando:
"Entra em paz". Ele disse dirigindo-se a todo o povo: "Que a
paz esteja convosco". E eles deram-lhe um beijo, prostrando-se em oração
juntamente com José. E ficaram todos fora de si por poder contemplá-lo.
Nicodemus hospedou-o em sua casa e em sua honra deu uma grande recepção,
convidando Anás, Caifás, os anciãos, os sacerdotes e os levitas. E
alegraram-se comendo e bebendo em companhia de José; e, depois de entoar
hinos, cada qual foi para sua casa. José, porém, permaneceu com Nicodemus. Mas no
dia seguinte, que era sexta-feira, os arquissinagogos, sacerdotes e levitas
madrugaram para ir à casa de Nicodemus. Este veio ao seu encontro e
disse-lhes: "Que a paz esteja convosco". E eles por sua vez
disseram: "Que a paz esteja contigo e com José, com toda a tua casa e
com toda a casa de José". Então fê-los entrar em sua casa. O conselho
estava todo reunido, e José veio sentar-se entre Anás e Caifás. E ninguém se
atreveu a dizer-lhe uma palavra. Então José disse: "A quem obedece
aquele que me convocou?" Eles fizeram sinais a Nicodemus para que
falasse com José. Ele então abriu sua boca e falou-lhe assim: "Sabes que
os veneráveis doutores, assim como os sacerdotes e levitas, desejam saber de
ti uma coisa". E José disse: "Perguntai". Então Anás e Caifás
pegaram o livro da lei e colocaram José sob juramento dizendo:
"Glorifica e confessa a Deus de Israel. Sabei que Achar, ao ser conjurado
pelo profeta Jesus, não cometeu perjúrio, mas sim anunciou tudo e não ocultou
uma só palavra. Tu, pois, também não oculte de nós nenhuma palavra. E José
disse: "Não ocultar-vos-ei uma só palavra". Então eles lhe
disseram: "Sentimos uma grande contrariedade quanto pediste o corpo de
Jesus e envolveste-o em um lençol limpo e puseste-o no sepulcro. Por isso
detivemos-te num recinto onde não havia nenhuma janela. Deixamos,
além disso, as portas trancadas e fechadas a chave e dois guardas ficaram
custodiando a prisão onde estavas fechado. Porém, quando fomos abrir, no
primeiro dia da semana, não te encontramos e preocupamo-nos ao máximo e
foi-se estabelecendo o espanto sobre todo o povo de Deus até ontem. Agora,
então, conta-nos o que aconteceu contigo". E José
disse: "Na sexta-feira, à décima hora, encarcerastes-me, e ali permaneci
durante o Sabat todo. Mas à meia-noite, enquanto eu estava em pé orando, a
casa onde me deixastes fechado ficou suspensa nos quatro ângulos e vi como
que um relâmpago de luz diante dos meus olhos. Amedrontei-me, então caí ao
chão. Porém, alguém pegou a minha mão e levantou-me do lugar onde estava
caído. Senti depois que a água derramava-se sobre mim desde a cabeça até os
pés e veio às minhas narinas uma fragrância de bálsamo. E aquela personagem
desconhecida enxugou-me o rosto, deu-me um beijo e disse-me: "Não temas,
José; abre teus olhos e olha para quem te fala'. Então levantando meus olhos,
vi Jesus; mas no meu estremecimento supus que era um fantasma e pus-me a
recitar os mandamentos. E ele pôs-se a recitá-los junto comigo. Como sabeis
muito bem, se um fantasma vem ao vosso encontro e ouve os mandamentos, foge
rapidamente. Vendo, então, que recitava-os juntamente comigo, disse-lhe:
"Mestre Elias'. Mas ele disse-me: "Não sou Elias'. Eu então disse:
"Quem sois, Senhor?' Ele disse-me: "Eu sou Jesus, aquele cujo o
corpo tu pediste a Pilatos e envolveste com um lençol limpo, e puseste um
sudário sobre a cabeça, e colocaste em tua gruta nova, e rolaste uma grande
pedra à sua entrada'. E eu disse ao que me falava: "Mostrai-me
o lugar onde te coloquei'. E ele levou-me e mostrou-me o lugar onde eu o
colocara; nele estavam estendidos o lençol e o sudário que havia servido para
seu rosto. Então
reconheci que era Jesus. Depois ele pegou minha mão e deixou-me a portas
fechadas dentro da minha casa; em seguida, acompanhou-me até minha cama e
disse-me: "Que a paz esteja contigo”. A seguir deu-me um beijo,
dizendo-me: "Até que se completem quarenta dias não saias de tua casa;
pois eis que vou até a Galiléia ao encontro de meus irmãos'." Quando
os arquissinagogos, sacerdotes e levitas ouviram estas palavras dos lábios de
José, ficaram como mortos e caíram ao chão. E jejuaram até a nona hora. Então
Nicodemus e José puseram-se a animar Anás e Caifás, os sacerdotes e os levitas,
dizendo: "Levantai, ficai em pé e robustecei vossas almas, pois amanhã é
o Sabat do Senhor". E com isto levantaram-se, oraram a Deus, comeram,
beberam e cada um voltou à sua casa. No
sábado seguinte, nossos doutores reuniram-se em conselho, bem como os
sacerdotes e levitas, discutindo entre si e dizendo: "Que será esta
cólera que se formou sobre nós? Porque, de nossa parte, conhecemos bem seu
pai e sua mãe". Então, Levi o doutor disse: "Conheço seus pais e
sei que são tementes a Deus, que não descuidam de seus votos e que três vezes
por ano dão seus dízimos. Quando Jesus nasceu, trouxeram-no a este lugar e
ofereceram a Deus sacrifícios e holocaustos. E o grande doutor Simeão, ao
tomá-lo em seus braços, disse: "Agora despeça o teu servo em paz, Senhor,
segundo tua palavra; pois meus olhos viram tua salvação, que preparaste para
a face de todos os povos; luz para a revelação dos gentios e glória do teu
povo de Israel'. E Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: "Dou-te
boas novas com relação a este menino'. Maria disse: "Boas, senhor?' E
Simeão respondeu: "Boas; olha, este foi colocado para a queda e
ressurreição de muitos em Israel e para seu um sinal de contradição. Tua
própria alma será atravessada por uma espada de forma que os pensamentos de muitos
fiquem a descoberto'." Então
disseram a Levi o doutor: "Como sabes tu disto?" Ele respondeu:
"Não sabeis que aprendi a lei dos seus lábios?" Os do conselho
disseram: "Queremos ver teu pai". E fizeram com que o pai de Levi
fosse chamado. E, quando o interrogaram, ele respondeu: "Por
que não acreditastes em meu filho? O bem-aventurado e justo Simeão em pessoa
ensinou-lhe a lei". E o conselho disse-lhe: "Mestre Levi, é verdade
o que disseste?" Ele respondeu: "É verdade". E os
arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram entre si: "Eia! Enviemos
à Galiléia os três homens que vieram trazer ao nosso conhecimento sua
doutrina e sua ascensão, e que nos digam de que maneira viram-no
elevar-se". E esta proposição agradou a todos. Enviaram, pois, os três
homens que os haviam acompanhado anteriormente até a Galiléia com essa
incumbência: "Dizei ao mestre Adas, ao mestre Finees e ao mestre Ageu:
"Que a paz esteja convosco e com os que estão em vossa companhia'. Tendo
havido uma grande discussão neste conselho, viemos para levar-vos a este
lugar santo de Jerusalém". Puseram-se,
pois, os homens a caminho da Galiléia e os encontraram sentados e absortos
com o estudo da lei. Deram-lhe um abraço de paz. Então disseram os varões
galileus a quem havia ido buscar: "Que a paz esteja convosco". E
aqueles disseram de novo: "A que viestes?" Os enviados responderam:
"Chama-vos os conselho da santa cidade de Jerusalém". Quando
aqueles homens ouviram que eram procurados pelo conselho, fizeram orações a
Deus, sentaram-se à mesa com os enviados, comeram, beberam, levantaram-se e
puseram-se tranquilamente a caminho de Jerusalém. No dia seguinte, o conselho
reuniu-se na sinagoga e os interrogaram dizendo: "É verdade que vistes
Jesus sentado no monte Mamilch dando instruções aos seus onze discípulos e
que presenciastes sua ascensão?" E os homens responderam desta maneira: "Da
mesma maneira que o vimos ao ser elevado, assim vos contamos". Então
Anás disse: "Separemo-los uns dos outros e vejamos se suas declarações
coincidem". E foram separados. Depois, em primeiro lugar, chamaram Adas
e lhe disseram: "Mestre,
como contemplaste a ascensão de Jesus?" Adas respondeu: "Enquanto
ainda estava sentado no monte Mamilch e dava instruções aos seus discípulos,
vimos uma nuvem que cobriu a todos com sua sombra; depois, a mesma nuvem
elevou Jesus até o céu, enquanto que os discípulos jaziam com suas faces na
terra". Em seguida chamaram a Finees, sacerdote, e perguntaram-lhe
também: "Como contemplaste a ascensão de Jesus?" E ele
falou de maneira semelhante. Interrogaram também a Ageu, que respondeu de
maneira semelhante. Então ele disse ao conselho: "Está contido na lei de
Moisés: "Da boca de dois ou três toda a palavra será firme'." E o
mestre Buthem acrescentou: "Está escrito na lei: "E passeava Enoch
com Deus, e já não existe, porque Deus levou-o consigo'." Também o
mestre Jairo disse: "Também ouvimos falar da morte de Moisés, mas não o
vimos, pois está escrito na lei do Senhor: "E Moisés morreu pela palavra
do Senhor e ninguém jamais conheceu, até o dia de hoje, seu sepulcro'."
E o mestre Levi disse: "E o que significa o testemunho que o mestre
Simeão deu quando viu Jesus: "Eis aqui que este está colocado para a
queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição'?"
E o mestre Isaac disse: "Está escrito na lei: "Eis aqui que eu
envio meu mensageiro diante de ti, o qual preceder-te-á para guardar-te em
todo o bom caminho, pois meu nome é nele invocado'." Então
Anás e Caifás disseram: "Haveis citado justamente o escrito na lei de Moisés,
que ninguém viu a morte de Enoch e que ninguém mencionou a morte de Moisés.
Mas Jesus falou a Pilatos, e nós sabemos que o vimos receber bofetadas e
cusparadas no rosto; que os soldados cingiram-lhe uma coroa de espinhos; que
foi flagelado; que recebeu sentença da parte de Pilatos; que foi crucificado
no Calvário em companhia de dois ladrões; que se lhe deu de beber fel e
vinagre; que o centurião Longinos abriu seu flanco com uma lança; que José,
nosso honorável pai, pediu seu corpo e que, como disse, ressuscitou; que,
como dizem os três mestres, viram-no elevar-se ao céu; e, finalmente, que o
mestre Levi deu testemunho do que o mestre Simeão disse, e que disse:
"Eis aqui este que está colocado para a queda e ressurreição de muitos
em Israel e como sinal de contradição'." E todos os doutores disseram em
uníssono ao povo inteiro de Israel: "Se esta ira provém do Senhor e é
admirável aos nossos olhos, conhecei sem dar margem a dúvidas, ó casa de
Israel, que está escrito: "Maldito todo aquele que está preso a um
pedaço de madeira'. E outro lugar da escritura menciona: "Deuses que não
fizeram o céu e a terra perecerão'." E os sacerdotes e levitas disseram
entre si: "Se sua memória perdurar até Sommos (também conhecido pelo
nome de Jobel), sabei que o seu domínio será eterno e que fará nascer para si
um novo povo". Então os arquissinagogos, sacerdotes e levitas exortaram
todo o povo de Israel dizendo: "Maldito aquele que adorar qualquer obra
saída de mãos humanas e maldito aquele que adorar as criaturas tendo ao lado
o Criador". E o povo em massa respondeu: "Amém, amém". Depois
a multidão entoou um hino ao Senhor desta forma: "Bendito o Senhor, que
proporcionou descanso ao povo de Israel de acordo com o que havia prometido;
não caiu no vazio nem uma só de todas as boas coisas que disse ao seu servo
Moisés. Que siga ao nosso lado o Senhor nosso Deus da mesma maneira que
estava do lado dos nossos pais. Que
não nos entregue à perdição para que possamos inclinar nosso coração até Ele,
para que possamos seguir todos os seus caminhos e para que possamos praticar
os preceitos e critérios que apregoou aos nossos pais. Naquele dia o Senhor
será rei sobre toda a terra; não haverá outro ao seu lado; seu nome será
unicamente Senhor, nosso rei. Ele nos salvará. Não há semelhante a ti,
Senhor; sois grande, Senhor, e grande o teu nome. Cura-nos pela tua virtude e
seremos curados; salva-nos, Senhor, e seremos salvos, pois somos tua pequena
parte e tua herança. O Senhor não abandonará jamais o seu povo pela magnitude
do seu nome, pois começou a fazer de nós o seu povo. E
todos depois, em coro, cantaram o hino e cada qual foi para casa dando graças
a Deus, porque aquele dia permanece por todos os séculos dos séculos. Amém. para ver mais artigos GNOSTICISMO-APÓCRIFOS .... |
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