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LIVROS & LETRAS

 

LITERATURA INFANTIL

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

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CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 A Bela Adormecida

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Era uma vez, há muito tempo, um rei e uma rainha jovens, poderosos e ricos, mas pouco felizes, porque não tinham concretizado maior sonho deles: terem filhos.
— Se pudéssemos ter um filho! — suspirava o rei.
— E se Deus quisesse, que nascesse uma menina! —animava-se a rainha.
— E por que não gêmeos? — acrescentava o rei.
Mas os filhos não chegavam, e o casal real ficava cada vez mais triste. Não se alegravam nem com os bailes da corte, nem com as caçadas, nem com os gracejos dos bufões, e em todo o castelo reinava uma grande melancolia.
Mas, numa tarde de verão, a rainha foi banhar-se no riacho que passava no fundo do parque real. E, de repente, pulou para fora da água uma rãzinha.
— Majestade, não fique triste, o seu desejo se realizará logo: Antes que passe um ano a senhora dará à luz uma menina.
E a profecia da rã se concretizou, e meses depois a rainha deu a luz a uma linda menina.
O rei, que estava tão feliz, deu uma grande festa de batizado para a pequena princesa que se chamava Aurora.
Convidou uma multidão de súditos: parentes, amigos, nobres do reino e, como convidadas de honra, as treze fadas que viviam nos confins do reino. Mas, quando os mensageiros iam saindo com os convites, o camareiro-mor correu até o rei, preocupadíssimo.
— Majestade, as fadas são treze, e nós só temos doze pratos de ouro. O que faremos? A fada que tiver de comer no prato de prata, como os outros convidados, poderá se ofender. E uma fada ofendida…
O rei refletiu longamente e decidiu:
— Não convidaremos a décima terceira fada — disse, resoluto. — Talvez nem saiba que nasceu a nossa filha e que daremos uma festa. Assim, não teremos complicações.
Partiram somente doze mensageiros, com convites para doze fadas, conforme o rei resolvera.
No dia da festa, cada uma das fadas chegou perto do berço em que dormia a princesa Aurora e ofereceu à recém-nascida um presente maravilhoso.
— Será a mais bela moça do reino — disse a primeira fada, debruçando-se sobre o berço.
— E a de caráter mais justo — acrescentou a segunda.
— Terá riquezas a perder de vista — proclamou a terceira.
— Ninguém terá o coração mais caridoso que o seu — afirmou a quarta.
— A sua inteligência brilhará como um sol — comentou a quinta.
Onze fadas já tinham passado em frente ao berço e dado a pequena princesa um dom; faltava somente uma (entretida em tirar uma mancha do vestido, no qual um garçom desajeitado tinha virado uma taça de sorvete) quando chegou a décima terceira, aquela que não tinha sido convidada por falta de pratos de ouro.
Estava com a expressão muito sombria e ameaçadora, terrivelmente ofendida por ter sido excluída. Lançou um olhar maldoso para a princesa Aurora, que dormia tranqüila, e disse: — Aos quinze anos a princesa vai se ferir com o fuso de uma roca e morrerá.
E foi embora, deixando um silêncio desanimador e os pais desesperados.
Então aproximou-se a décima segunda fada, que devia ainda oferecer seu presente.
— Não posso cancelar a maldição que agora atingiu a princesa. Tenho poderes só para modificá-la um pouco. Por isso, Aurora não morrerá; dormirá por cem anos, até a chegada de um príncipe que a acordará com um beijo.
Passados os primeiros momentos de espanto e temor, o rei, decidiu tomar providências, mandou queimar todas as rocas do reino. E, daquele dia em diante, ninguém mais fiava, nem linho, nem algodão, nem lã. Ninguém além da torre do castelo.
Aurora crescia, e os presentes das fadas, apesar da maldição, estavam dando resultados. Era bonita, boa, gentil e caridosa, os súditos a adoravam.
No dia em que completou quinze anos, o rei e a rainha estavam ausentes, ocupados numa partida de caça. Talvez, quem sabe, em todo esse tempo tivessem até esquecido a profecia da fada malvada.
A princesa Aurora, porém, estava se aborrecendo por estar sozinha e começou a andar pelas salas do castelo. Chegando perto de um portãozinho de ferro que dava acesso à parte de cima de uma velha torre, abriu-o, subiu a longa escada e chegou, enfim, ao quartinho.
Ao lado da janela estava uma velhinha de cabelos brancos, fiando com o fuso uma meada de linho. A garota olhou, maravilhada. Nunca tinha visto um fuso.
— Bom dia, vovozinha.
— Bom dia a você, linda garota.
— O que está fazendo? Que instrumento é esse?
Sem levantar os olhos do seu trabalho, a velhinha respondeu com ar bonachão:
— Não está vendo? Estou fiando!
A princesa, fascinada, olhava o fuso que girava rapidamente entre os dedos da velhinha.
— Parece mesmo divertido esse estranho pedaço de madeira que gira assim rápido. Posso experimentá-lo também? Sem esperar resposta, pegou o fuso. E, naquele instante, cumpriu-se o feitiço. Aurora furou o dedo e sentiu um grande sono. Deu tempo apenas para deitar-se na cama que havia no aposento, e seus olhos se fecharam.
Na mesma hora, aquele sono estranho se difundiu por todo o palácio.
Adormeceram no trono o rei e a rainha, recém-chegados da partida de caça.
Adormeceram os cavalos na estrebaria, as galinhas no galinheiro, os cães no pátio e os pássaros no telhado.
Adormeceu o cozinheiro que assava a carne e o servente que lavava as louças; adormeceram os cavaleiros com as espadas na mão e as damas que enrolavam seus cabelos.
Também o fogo que ardia nos braseiros e nas lareiras parou de queimar, parou também o vento que assobiava na floresta. Nada e ninguém se mexia no palácio, mergulhado em profundo silêncio.
Em volta do castelo surgiu rapidamente uma extensa mata. Tão extensa que, após alguns anos, o castelo ficou oculto.
Nem os muros apareciam, nem a ponte levadiça, nem as torres, nem a bandeira hasteada que pendia na torre mais alta.
Nas aldeias vizinhas, passava de pai para filho a história da princesa Aurora, a bela adormecida que descansava, protegida pelo bosque cerrado. A princesa Aurora, a mais bela, a mais doce das princesas, injustamente castigada por um destino cruel.

 

Alguns cavalheiros, mais audaciosos, tentaram sem êxito chegar ao castelo. A grande barreira de mato e espinheiros, cerrada e impenetrável, parecia animada por vontade própria: os galhos avançavam para cima dos coitados que tentavam passar: seguravam-nos, arranhavam-nos até fazê-los sangrar, e fechavam as mínimas frestas.
Aqueles que tinham sorte conseguiam escapar, voltando em condições lastimáveis, machucados e sangrando. Outros, mais teimosos, sacrificavam a própria vida.
Um dia, chegou nas redondezas um jovem príncipe, bonito e corajoso. Soube pelo bisavô a história da bela adormecida que, desde muitos anos, tantos jovens a procuravam em vão alcançar.
— Quero tentar também — disse o príncipe aos habitantes de uma aldeia pouco distante do castelo.
Aconselharam-no a não ir. — Ninguém nunca conseguiu!
— Outros jovens, fortes e corajosos como você, falharam…
— Alguns morreram entre os espinheiros…
— Desista!
Muitos foram, os que tentarem desanimá-lo.
No dia em que o príncipe decidiu satisfazer a sua vontade se completavam justamente os cem anos da festa do batizado e das predições das fadas. Chegara, finalmente, o dia em que a bela adormecida poderia despertar.
Quando o príncipe se encaminhou para o castelo viu que, no lugar das árvores e galhos cheios de espinhos, se estendiam aos milhares, bem espessas, enormes carreiras de flores perfumadas. E mais, aquela mata de flores cheirosas se abriu diante dele, como para encorajá-lo a prosseguir; e voltou a se fechar logo, após sua passagem.
O príncipe chegou em frente ao castelo. A ponte elevadiça estava abaixada e dois guardas dormiam ao lado do portão, apoiados nas armas. No pátio havia um grande número de cães, alguns deitados no chão, outros encostados nos cantos; os cavalos que ocupavam as estrebarias dormiam em pé.
Nas grandes salas do castelo reinava um silêncio tão profundo que o príncipe ouvia sua própria respiração, um pouco ofegante, ressoando naquela quietude. A cada passo do príncipe se levantavam nuvens de poeira.
Salões, escadarias, corredores, cozinha… Por toda parte, o mesmo espetáculo: gente que dormia nas mais estranhas posições.
O príncipe preambulou por longo tempo no castelo. Enfim, achou o portãozinho de ferro que levava à torre, subiu a escada e chegou ao quartinho em que dormia A princesa Aurora.
A princesa estava tão bela, com os cabelos soltos, espalhados nos travesseiros, o rosto rosado e risonho. O príncipe ficou deslumbrado. Logo que se recobrou se inclinou e deu-lhe um beijo.
Imediatamente, Aurora despertou, olhou par ao príncipe e sorriu.
Todo o reino também despertara naquele instante.
Acordou também o cozinheiro que assava a carne; o servente, bocejando, continuou lavando as louças, enquanto as damas da corte voltavam a enrolar seus cabelos.
O fogo das lareiras e dos braseiros subiu alto pelas chaminés, e o vento fazia murmurar as folhas das árvores. A vida voltara ao normal. Logo, o rei e a rainha correram à procura da filha e, ao encontrá-la, chorando, agradeceram ao príncipe por tê-la despertado do longo sono de cem anos.
O príncipe, então, pediu a mão da linda princesa em casamento que, por sua vez, já estava apaixonada pelo seu valente salvador.
Eles, então, se casaram e viveram felizes para sempre!

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 

 A Bela e a Fera

(A Bela e o Monstro em Portugal)

 

Em francês “La Belle et la Bête”, a primeira versão do conto foi publicado por Gabrielle-Suzanne Barbot, Dama de Villeneuve em “La Jeune Ameriquaine et les Contes Marins”, em 1740.

A versão mais conhecida foi um resumo da obra de Madame Villeneuve, publicado em 1756 por Madame Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, no “Magasin des enfants, ou dialogues entre une sage gouvernante et plusieurs de ses élèves”. A primeira versão inglesa surgiu em 1757.

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Conto escrito por Madame Jeanne-Marie de Beaulmont.

 

Era uma vez um rico negociante que tinha seis filhos, três rapazes e três moças. Amava muito seus filhos e deu a eles excelente educação com ótimos instrutores. Suas filhas eram muito bonitas e a caçula se destacava em beleza e bondade. Desde o nascimento todos a chamavam de “bela menina”, assim ela acabou sendo batizada como “Bela” – o que deixava suas irmãs com cheias de inveja.

A caçula, além de mais bela era também melhor que suas irmãs. As mais velhas eram muito orgulhosas de sua riqueza e de sua beleza. Davam-se ares de grandes damas e não permitiam que outras filhas de comerciantes as visitassem, pois só gostavam da companhia de pessoas da nobreza. Tinham uma vida muito agitada, todos os dias iam aos bailes, ao teatro e zombavam da caçula, que possuía riqueza interior e ocupava a maior parte de seu tempo lendo bons livros.

Como a família era muito rica não lhes faltava pretendentes, filhos de ricos negociantes que as pediam em casamento. As duas mais velhas esnobavam todos os rapazes que se aproximavam delas dizendo que nunca se casariam, a não ser que fosse com duques, ou pelo menos, com condes. Bela agradecia delicadamente aos que queriam desposá-la, mas dizia que era muito jovem e que desejava continuar na companhia de seu pai por mais alguns anos.
Num golpe do destino, da noite para o dia o negociante perdeu tudo que tinha, ficando sem sua fortuna. Só lhe restou uma pequena casa de campo, bem longe da cidade. Desolado contou aos filhos o que sucedera e que teriam de ir morar no campo, trabalhando como camponeses para sobreviver. As duas filhas mais velhas ficaram furiosas, disseram que não deixariam a cidade, que tinha, vários admiradores que ficariam felicíssimos em se casar com elas, apesar de não terem mais fortuna. Bem se vê que essas pobres criaturas nada conheciam da vida e estavam completamente enganadas. Seus admiradores não queriam mais nem olhar pra elas agora que estavam pobres. Ninguém gostava delas por causa de sua soberba e agora diziam: “Chegou a hora das grandes damas pastorearem carneiros no pasto”. Mas ao mesmo tempo todo o mundo repetia: “Quanto a Bela temos muita pena de seu infortúnio. É uma moça tão boa! Trata os pobres com tanta bondade, é tão carinhosa, tão virtuosa...”.

Muitos fidalgos quiseram se casar com Bela, embora ela não tivesse mais nem um tostão, e a todos ela explicava que não podia abandonar seu pai agora que estava na miséria, que iria com ele para o campo e o ajudaria em tudo que precisasse. No começo Bela ficou muito abatida por sua família ter perdido a fortuna, mas refletiu e percebeu que chorar e sofrer não devolveria sua antiga situação de opulência: “Tenho tratar de ser feliz sem ela”.
Já morando em sua casa nova no campo o negociante e os filhos passavam o dia lavrando a terra. Bela acordava de madrugada e já começava a limpar toda a casa e fazer o café da manhã para toda família. No começo foi muito difícil, pois não estava acostumada a trabalhar como uma criada, mas com o passar do tempo o trabalho tornou-a forte e mais saudável. Quando terminava seus afazeres ainda lia, tocava cravo ou cantava enquanto fiava. Suas duas irmãs, por outro lado, passavam o dia sem fazer nada, não davam a menor ajuda e morriam de tédio. Acordavam quando a manhã já ia alta e passeavam o dia inteiro pela propriedade só se lamentando pela perda da posição, das festas e roupas que não tinham mais.

“Veja só a nossa irmã”, diziam, referindo-se a Bela, “é tão grosseira e estúpida que está contente com a sua situação!

O bom negociante ficava muito incomodado com o jeito das filhas mais velhas tratarem Bela, pois sabia que ela era uma moça especial, ao contrário das irmãs, tão frívolas. Admirava as virtudes dessa filha, e, sobretudo a sua paciência, pois as irmãs, além de descarregar todo trabalho doméstico nas costas da caçula, insultavam-na a todo instante.
Já se passara um ano desde que a família estava nesta situação quando o negociante recebeu uma carta informando que um navio, que trazia mercadorias suas, acabava de atracar com segurança. As irmãs mais velhas ficaram alucinadas com essa notícia, achando que finalmente iriam voltar à cidade e se libertar da vida no campo que tanto odiavam. Acompanharam o pai até a porta pedindo que ele lhes trouxesse ricos presentes, vestidos, jóias, perucas, adornos e tudo de caro que pudessem carregar. Bela não pediu nada, pois pensou consigo mesma que todo dinheiro que seu pai ganhasse com as mercadorias não seria suficiente para comprar tudo que as irmãs desejavam.

“Bela, o que você quer de presente?”, perguntou o pai.

“A única coisa que eu gostaria de ganhar é uma rosa, pois essa flor não cresce aqui”.

As irmãs começaram a zoar chamando Bela de simplória, mas como sempre A jovem ignorou-as.

O negociante partiu. Chegando ao porto teve a triste surpresa de descobrir que estava pobre como antes, pois suas mercadorias tinham problemas legais e só lhe deram contrariedades. Só faltavam poucos quilômetros para chegar a casa e ele já sentia o prazer de rever os filhos. Antes de chegar, porém, tinha de atravessar um enorme bosque ela ele se perdeu. Andou em círculos por muitas horas em meio a uma terrível tempestade de neve e sob um vento tão forte que mais de uma vez chegou a derrubá-lo do cavalo. Quando a noite caiu, exausto, faminto e meio desesperado pensava que morreria de fome ou de frio, ou que seria comido pelos lobos que ouvia uivar à sua volta.

Inesperadamente, ao fim de um comprido túnel de árvores, viu uma forte luz que brilhava, mas parecia estar ainda muito distante. Segui rumo àquela direção e viu que a luz saia de um grande palácio, todo iluminado. O negociante agradeceu à Deus pelo socorro que lhe enviara e tratou de chegar o mais rápido possível àquele castelo. Ficou surpreso ao notar que os pátios estavam desertos, não tinha uma viva alma. Seu cavalo, que o seguia, entrou sozinho ao ver um grande estábulo vazio. Lá encontrou feno e aveia, e o pobre animal, que estava morto de fome, pôs-se a comer com apetite voraz. O negociante o amarrou no estábulo e dirigiu-se ao castelo. Não havia ninguém à vista, mas, tendo entrado num amplo salão, encontrou um bom fogo e uma mesa farta de boa comida, com prato e talheres para apenas uma pessoa. Como estava encharcado até os ossos pela neve e chuva que tomara, aproximou-se do fogo para se aquecer, pensando consigo mesmo: “O dono da casa ou seus criados perdoarão a liberdade que tomei. Provavelmente logo vão aparecer”!

Esperou durante longo tempo, aproximava-se a meia-noite e cansado de esperar e faminto não resistiu mais: comeu com gosto um frango apetitoso que estava a sua frente, serviu-se do vinho e comeu até fartar-se. Já refeito do cansaço e mais animado, saiu da sala e atravessou vários salões magnificamente mobiliados. Finalmente encontrou um quarto onde havia uma cama. Passava da meia-noite, ele estava exausto, fechou a porta e foi dormir.
No dia seguinte quando se levantou passava das dez horas da manhã. Para sua surpresa encontrou uma roupa nova e limpinha no lugar da sua, que havia se estragado na tempestade. “Com certeza”, pensou consigo mesmo, “este palácio pertence a uma boa fada que teve piedade da minha situação”.
Olhou pela janela e viu que não havia mais o menor resquício da terrível tempestade da noite anterior, não havia mais neve, mas alamedas rodeadas por flores que encantavam a vista. Voltou para o salão onde ceara na noite anterior e encontrou um chocolate quente sobre a mesa.

“Muito obrigada senhora fada”, falou em voz alta, “por ter tido a bondade de me servir esse café da manhã”.

Tomou seu chocolate e foi em busca de seu cavalo, preparando-se para partir. Ao passar pelo canteiro de rosas lembrou - se do pedido da filha e colheu um ramo com várias flores. No mesmo instante ouviu soar um barulho assustador e aproximou-se dele uma fera tão medonha que ficou petrificado, não conseguia se mover.

Com um vozeirão terrível a fera lhe disse: “O senhor é um ingrato. Salvei sua vida, recebi-o no meu castelo e, para minha decepção o senhor rouba minhas rosas, que amo mais do que tudo no mundo. Só a morte para reparar esse erro. Dou-lhe dez minutos para rezar à Deus ou ao Diabo, o senhor é quem escolhe, antes de morrer.”

O negociante ficou desesperado, ajoelhou-se e suplicou ao monstro: “Perdoai-me Vossa Alteza, colhi uma rosa na melhor das intenções apenas para atender ao pedido de uma das minhas filhas, não tive intenção de ofendê-lo.”
“Não me chamo Vossa Alteza”, respondeu o monstro, “não tenho nome, pode me chamar de Fera”. E não tolero elogios, gosto da franqueza, que se diga o que pensa. Não tente me comover puxando meu saco com bajulações, mas disponho-me a perdoá-lo com a condição que sua filha, a que pediu a rosa ,voluntariamente se ofereça para morrer em seu lugar. E não me venha com histórias. Parta imediatamente e jure que se sua filha se recusar a morrer por você, estará de volta daqui a três dias.

O negociante não tinha intenção de sacrificar nenhum de seus filhos àquele monstro malvado, mas pensou: “Ao menos poderei abraçar meus filhos ainda uma vez antes de morrer”. Jurou ao monstro tudo que ele queria e a fera lhe deu permissão para partir quando quisesse. “Não quero que chegue a sua casa de mãos vazias. Volte ao quarto onde dormiu e lá encontrará um grande cofre vazio. Encha-o com tudo que desejar, mandarei levá-lo à sua casa.”
A Fera retirou-se o deixando sozinho e o negociante pensou: “Já que vou morrer pelo menos levarei tudo que puder para ajudar meus filhos”.
Voltou a seu quarto e, encontrando ali grande quantidade de moedas de ouro e jóias valorosas, encheu até a borda o cofre que a Fera havia falado. Fechou-o, foi buscar seu cavalo no estábulo e partiu do palácio com uma tristeza tão grande que seu coração doía. Seu cavalo instintivamente escolheu o caminho certo no meio da floresta, e em poucas horas o negociante chegava enfim em sua casa.

Seus seis filhos vieram correndo ao seu encontro a abraçá-lo, mas, em vez de se alegrar com seus carinhos, pôs-se a chorar. Tinha nas mãos o ramo de rosas que trazia para Bela. Ao entregá-lo disse: “Bela, cuide bem dessas rosas. Elas custaram muito caro ao seu pobre pai.” E prontamente contou à família a extraordinária aventura por que passara. Ao ouvir seu relato as filhas mais velhas ficaram furiosas. Gritavam, esbravejavam e lançavam insultos contra Bela, que chorava sem parar. “Vejam o resultado da idiotice dessa criatura”, disseram, “Por que não pediu artigos de toalete como nós? Mas não, a senhorita queria ser diferente e por causa disse vai causar a morte do nosso pai.”

“Por que eu deveria chorar a morte do meu pai”, perguntou Bela, se refazendo do primeiro choque, “ele não vai morrer. Como o monstro está disposto a aceitar a filha que pediu a rosa em troca dele, vou me entregar a sua fúria. Estou muito feliz, porque morrendo, terei a alegria de salvar meu pai e lhe provar o meu amor.”

Prontamente respondiam seus três irmãos: “Não minha irmã. Você não vai morrer. Vamos encontrar esse monstro e matá-lo, ou morrer lutando!”.
“Não se enganem meus filhos”, disse-lhes o negociante. “A força da Fera é tal que não tenho a menor esperança que possamos matá-la. Fico comovido com o coração abnegado de Bela, mas não quero entregá-la a morte. Já estou velho e provavelmente não tenho mais muito tempo de vida. Só lamento porque não estarei mais com vocês, meus queridos filhos.”
“Não permitirei que vá sozinho a esse palácio”, disse Bela. Prefiro ser devorada por essa fera a ter de agüentar a dor que sentiria com a sua perda.”
Não adiantou argumentar, Bela estava irremovível na decisão de partir para o palácio. Suas irmãs, pelo contrário, ficaram encantadas por essa idéia, já que iriam se livrar da caçula por quem nutriam grande inveja. O negociante estava tão absorvido com a dor de perder a filha que não se lembrou do cofre repleto de ouro que trouxera. Porém, assim que se fechou em seu quarto para dormir, ficou muito espantado por encontrá-lo junto à sua cama. Decidiu esconder dos filhos que estavam ricos novamente, porque as moças iriam imediatamente querer voltar para a cidade e ele queria viver o tempo que lhe restara no campo. Mas, confiou o segredo a Bela, que por sua vez lhe contou que, durante o tempo em que estivera fora, foram visitados por fidalgos. Dois desses ricos homens eram apaixonados por suas irmãs, e ela pediu ao pai que as casasse. Era tão boa que apesar de tudo que elas lhe faziam, ainda gostava delas, e as perdoava de todo coração pelo mal que lhe haviam feito.

Quando na manhã seguinte Bela partiu como pai, as duas irmãs tão falsas esfregaram cebola nos olhos para parecer que choravam, mas os três irmãos choravam de verdade, desolados, assim como o negociante. Bela agüentava firme para não piorar ainda mais a situação que era tão dolorosa.
Os cavalos rumaram pelo caminho que levava ao palácio e, ao anoitecer, puderam vê-lo iluminado como da primeira vez. Deixaram os cavalos no estábulo e o negociante e a filha entraram no salão, onde encontraram uma mesa magnificamente servida, com pretos e talheres para dois. O negociante não conseguia comer nada diante desta situação, mas Bela, esforçando-se para parecer tranqüila, sentou-se à mesa e o serviu. Enquanto isso pensava: “A Fera que me engordar antes de me comer, por isso me serve essa farta refeição.” Assim que acabaram de comer ouviram um barulho estrondoso e o negociante, em lágrimas, despediu-se da filha, porque sabia que a Fera se aproximava. Bela não pode conter um arrepio ao ver aquela terrível figura. Após o susto do primeiro contato controlou-se o melhor que pôde, e quando o monstro lhe perguntou se viera espontaneamente, respondeu tremendo que sim.

“Você é muito bondosa”, disse a Fera, “e sou-lhe muito agradecido. Quanto ao senhor, meu bom homem, parta pela manhã, e nunca mais ouse voltar aqui. Até mais Bela.”

“Até mais Fera, Bela respondeu, e o ser fantástico retirou do aposento”.
“Ah, minha filha!” disse o negociante dando um abraço apertado em Bela, “Já estou arrependido de ter concordado com você, parta e deixe que eu fique aqui.”

“Não meu pai”, disse Bela com firmeza, “O senhor partirá amanhã assim que o dia clarear, e me entregará à misericórdia de Deus. Que Ele tenha piedade de mim!”

Os dois se recolherem muito atormentados achando que não conseguiriam pregar os olhos a noite inteira, porém, mal havia se deitado caíram no mais profundo dos sonos. Enquanto dormia Bela sonhou com uma dama que lhe dizia: “Estou contente com seu bom coração e com sua coragem Bela. Sua boa ação, oferecendo a sua própria vida para salvar a do seu pai não ficará sem recompensa.”

Logo que acordou Bela contou o sonho a seu pai, e mesmo com esse consolo não conseguiu conter um choro muito sofrido ao se separar de sua querida filha.

Depois da partida do pai Bela sentou-se no grande salão e começou a chorar também. Porém, como era muito corajosa entregou-se nas mãos de Deus e decidiu que não adiantava se atormentar mais com algo que já estava determinado, e resolveu esperar em paz a hora em que a Fera a devoraria.

Enquanto esperava, resolveu visitar o castelo, pois era muito bonito. Foi andando pelos corredores e teve a maior surpresa ao se deparar com uma porta onde estava escrito: Aposentos de Bela. Em um impulso abriu a porta e ficou com a magnificência que encontrou ali, onde não faltava um grande armário repleto de bons livros, um cravo e várias partituras de música.

“Alguém que me agradar”, murmurou. Em seguida pensou: “Se eu tivesse só um dia para passar aqui não estariam me cobrindo com tantos presentes.” Esse pensamento a alegrou. Abriu um armário e encontrou um livro onde estava escrito em letras douradas: “Vossos desejos são ordens. Aqui, sois a rainha e a senhora.

“Com um longo suspiro pensou: “Tudo que desejo é rever meu pai e saber o que está fazendo agora.” Foi só um pensamento, mas para sua surpresa, ao olhar para um grande espelho a sua frente, viu nele a sua casa e seu pai chegando com um semblante arrasado. As irmãs correram para abraçá-lo fazendo caretas para parecerem tristes, enquanto seus olhos transbordavam de felicidade por não precisarem mais rever a irmã da qual morriam de inveja. Essa cena durou apenas alguns instantes, desaparecendo logo em seguida, e Bela admitiu que a Fera era bem indulgente, e que ela não devia temê-la.

Ao meio-dia encontrou a mesa posta e almoçou ouvindo um concerto arrebatador, embora não visse ninguém a tocar nenhum instrumento. Na hora do jantar, assim que se sentou à mesa ouviu o barulho que antecedia a chegada da Fera e não pode conter um calafrio.

“Bela”, disse o monstro, “minha presença durante sua ceia lhe incomoda”?

“O senhor é que é o dono deste reino”, disse Bela, tremendo.

“Não”, respondeu a Fera, Não há aqui outra senhora além de Bela. Se a aborreço é só dizer uma só palavra e irei embora. Diga, a senhorita me acha muito feio?”

“Sim, eu acho”, disse Bela. “Não sei mentir. Mas acredito que é muito bom.”

“Tem razão”, disse o monstro, “sou feio e acho que não tenho inteligência, apesar não passo de um animal.”

“Não pode ser um animal se acha que não tem inteligência, respondeu Bela. “Um tolo nunca sabe que é tolo.”

“Então coma Bela”, disse a Fera, “tudo que está aqui é seu, não quero que tenha nenhum aborrecimento, pois eu ficaria desolado se você não estivesse contente.”

“O senhor é muito bondoso e atenciosos”, disse Bela. Confesso que seu coração me atinge profundamente. “Quando penso nele o senhor não me parece tão feio.”

“A senhorita está certa”, respondeu a Fera, “Tenho um bom coração, mas apesar disso sou um monstro.”

“Muitos homens são mais monstruosos”, disse Bela, “e gosto mais do senhor com essa aparência que daqueles que, atrás de uma boa aparência de homens, escondem um coração falso, corrompido, cruel.”

“Gostaria de lhe agradecer com um grande elogio”, respondeu a Fera, “mas como sou um estúpido tudo que posso dizer é que fico muito grato.”

Bela ceou com apetite a gostosa refeição que estava a sua frente. Quase não tinha mais medo da Fera, mas levou o maior susto quando esta lhe perguntou de repente: “ Bela, quer ser minha mulher?”

Bela ficou parada, sem resposta por algum tempo. Temia provocar a cólera da Fera recusando-o. Mesmo assim foi franca, respondendo: “Não, Fera.”.

Ouvindo isso o pobre monstro soltou um profundo suspiro, tão triste e tão alto que ressoou por todo castelo. Mas Bela logo se acalmou porque a Fera lhe disse tristemente: “Adeus, Bela”, e saiu da sala, virando-se de vez em quando para olhar para ela mais uma vez.

Novamente sozinha Bela sentiu grande compaixão por aquela pobre Fera: “Que pena que seja tão feio, é tão bom, tão querido.”

Três meses se passaram que Bela chegara àquele palácio, na mais completa tranqüilidade. Todas as noites a Fera a visitava durante a ceia, onde tinham conversas deliciosas. Aos poucos Bela se acostumara com sua feiúra e. longe de temer o momento de sua visita, esperava ansiosa às nove horas, a hora em que a Fera aparecia. Só uma coisa afligia Bela: é que o monstro diariamente, antes de se retirar sempre perguntava se ela queria se casar com ele e parecia profundamente ferido se a resposta era não.

Certo dia Bela falou: “ O senhor está me fazendo sofrer, Fera. Gostaria de poder aceitar seu pedido de casamento, mas sou muito sincera para iludi-lo, afirmando que um dia isso acontecerá. Por enquanto o que posso dizer é que sempre serei sua amiga.”

“Não me resta outra coisa”, respondeu o monstro, “não tenho ilusões a respeito da minha aparência, sei que sou horrível, mas a amo muito e, seja como for, fico muito feliz por permanecer aqui comigo. Prometa que não me deixará!”

Bela ficou perturbada com esse pedido. Soubera através do espelho que seu pai estava doente de tristeza por tê-la perdido e desejava revê-lo.

“Prometo que nunca vou abandoná-lo”, disse Bela, “mas tenho muita vontade de rever meu pai, mesmo que só por algum tempo, e sofreria muito se não me deixasse.”

“Prefiro morrer a fazê-la sofrer”, respondeu a Fera, “Vou enviá-la à casa de seu pai, mas se a senhorita não voltar, sua pobre Fera morrerá de dor.”

“Não”, disse Bela, chorando só em pensar nessa possibilidade, “Meu amor é muito grande para causar a sua morte. Prometo voltar em oito dias. Pelo senhor já estou sabendo que minhas irmãs estão casadas e que meus irmãos partiram para o exército. Meu pai está completamente só, permita que eu passe uma semana com ele.

“Estará em sua casa amanhã cedo”, disse a Fera, “Mas não esqueça da sua promessa. Quando quiser voltar só precisa pôr seu anel sobre uma mesa ao se deitar.”

Ao dizer essas palavras a Fera suspirou como era de seu costume e Bela foi se deitar triste por tê-lo feito sofrer.

Bela acordou na casa do pai, nesse momento entrou uma criada que se assustou ao vê-la e deu um grande grito. O negociante veio correndo ver o que estava acontecendo e quase morreu de alegria ao ver sua querida filha. Pulavam de alegria e se abraçaram por muito tempo. Após o alvoroço do reencontro, Bela percebeu que não trouxera suas roupas e que não tinha com o que se vestir, quando seus olhos se depararam com um grande baú ao lado de sua cama, repleto de lindos vestidos enfeitados com pedras preciosas. Imediatamente Bela mandou, em pensamento, agradecimentos à Fera por suas atenções. Pegou o vestido mais simples e ordenou à criada que guardasse os outros, pois tinha a intenção de dá-los de presente as suas irmãs. Foi só ela dizer isso e o baú desapareceu da sua frente. Seu pai, com sabedoria, alertou que a Fera deu aquele presente para Bela, e que não queria que ela os desse a ninguém e, prontamente o baú com os vestidos voltou para o mesmo lugar.

Enquanto Bela se aprontava para o café da manhã a criada foi avisar suas irmãs de sua chegada. Essas, apesar de casadas com ricos fidalgos estavam infelizes. A mais velha se casara com um belíssimo rapaz, e este amava muito a si mesmo, passava o dia cuidando de sua própria aparência e não tinha olhos para a esposa. A segunda se casara com um homem assaz inteligente, e este usava a inteligência apenas para, com uma língua muito ferina, espicaçar todos que passavam na sua frente, a começar pela própria esposa. As irmãs de Bela quase morreram de amargura ao vê-la mais bela ainda do que antes e vestida como uma princesa, nem conseguiam disfarçar. Bela tentou alegrá-las, mas nada adiantou, ao contrário, piorou, elas quase explodiram de inveja quando Bela lhes contou como era feliz. As duas invejosas assim que se viram a sós começaram a falar de Bela: “Como essa criatura se atreve a ser mais feliz do que nós? Somos mais belas e mais encantadoras!”.
“Irmã”, disse a mais velha, “ tive uma idéia para destruir com a alegria dela. Só temos que conseguir segurar Bela aqui por mais de oito dias. Aquela Fera idiota ficará furiosa por ela ter lhe faltado com a palavra e a devorará”.
“Ótima idéia”, respondeu a outra, “com jeito, lhe fazendo mil agrados vamos atingir o nosso intento!”. Felizes com sua idéia maligna foram ao encontro de Bela e foram tão afetuosas com ela, que esta comovida chorou de felicidade acreditando que as irmãs tinham mudado. Passado os oito dias as irmãs começaram a fazer um teatro, se mostrando profundamente consternadas com a partida de Bela, implorando-lhe que ficasse mais um pouco com elas, e choraram até que Bela prometesse permanecer por mais oito dias. Bela assim o fez para acalmar as irmãs, ao mesmo tempo em que se martirizava pensando na Fera, a quem amava de todo coração, e de quem sentia muita falta. Na décima noite em que passou na casa de seu pai, Bela sonhou que estava no jardim do palácio e deitado na grama, à morte estava a Fera, triste por sua ingratidão. Bela acordou sobressaltada e em prantos com a imagem do sofrimento de sua querida Fera.

“Estarei sendo perversa”, disse ela consigo mesma, “fazer sofrer a Fera que é tão bondosa comigo? Ele não tem culpa por ser tão feio, o mais importante é que tem um coração de ouro! Por que não quis me casar com ele? Seria mais feliz ao lado dele do que minhas irmãs com seus lindos maridos. Não é a inteligência ou beleza de um marido o que faz uma mulher feliz, mas sim seu caráter, sua bondade, sua cumplicidade, e a Fera tem de sobra todas essas boas qualidades. Não agüento fazê-lo infeliz, é ingratidão da minha parte. Eu me condenaria por isso para o resto da minha vida”.
Pensando assim Bela imediatamente se levantou, pôs seu anel sobre a mesa próxima e voltou para a cama. Adormeceu assim que se deitou e, ao acordar pela manhã, viu com grande alegria que estava no palácio da Fera. Vestiu-se rapidamente para reencontrar a Fera, colocando o vestido mais bonito que encontrou só para agradá-lo, e ficou ansiosamente aguardando as dar nove horas da noite. Enfim o relógio começou a dar as badaladas, mas quando acabou a Fera não apareceu.

Bela se assustou, temeu que com seu atraso em retornar tivesse causado a morte da Fera, e saiu em desabalada correria percorrendo todo palácio, procurando por toda parte, gritando pela Fera. Desesperada de repente lembrou-se do seu sonho e correu para o jardim na direção do canal, onde o tinha visto. Encontrou a pobre Fera caída no chão, já inconsciente, e pensou que ele estivesse morto.

Atirou-se em prantos sobre seu corpo, não sentindo mais a menor repulsa pela sua aparência, e abraçando-se nele percebeu que seu coração ainda batia fracamente. Com as mãos pegou água do canal e jogou sobre seu rosto. A Fera abriu os olhos e disse a Bela: “ Você esqueceu sua promessa. A dor de perdê-la deixou-me nesse estado, mas morrerei feliz porque tive o prazer de revê-la mais uma vez”.

“Não querido, você não vai morrer não”, respondeu Bela, Vai viver para se tornar meu esposo. Neste momento lhe concedo minha mão, e juro que pertencerei somente a você. Ai de mim, por muito tempo acreditei que o que sentia por você era só amizade, mas a dor que sinto ao vê-lo assim me faz ver que o amo e que não poderei viver sem a sua presença”.

Mal pronunciara essas palavras, diante dos olhos assustados de Bela, o castelo resplandeceu em luz, surgindo uma explosão de lindíssimos fogos de artifício, com uma música maravilhosa vinda não se sabe de onde. Apesar disso, Bela só conseguia olhar para a Fera, cujo estado a inquietava. Que surpresa ela teve! A Fera desaparecera e tudo que Bela viu foi um príncipe mais belo que o amor a seus pés, agradecendo-lhe por ter desfeito o encantamento. Bela olhou atônita para o príncipe e perguntou onde estava a Fera.

“Está a seus pés”, disse-lhe o príncipe, “a Fera sou eu, ou melhor, era”. “Há muito tempo atrás eu era o poderoso príncipe de um reino distante, e apesar de ter boas qualidades, era mau, grosseiro e impiedoso. Um dia minha fada madrinha, disfarçada de mendiga, bateu à minha porta pedindo alimento e acolhida. Eu mesmo a joguei pra fora a pontapés. Naquele instante ela se deu a conhecer e me condenou a viver sob essa forma, até que meu coração se transformasse pelo sofrimento e pelo amor a uma bela moça, que me amasse e consentisse em se casar comigo. Proibiu-me também de deixar minha inteligência aparecer. Você foi a única pessoa no mundo bondosa o bastante para se deixar tocar pelo meu coração. Nem lhe oferecendo minha coroa posso saldar toda a dívida de gratidão que tenho com você”.
Bela deu a mão ao príncipe e foram juntos para o castelo, e para sua surpresa e alegria ela encontrou no salão o pai e sua família, que a linda dama de seu sonho tinha transportado para lá.

“Bela”, disse-lhe essa dama, que era uma fada, está na hora de você colher a recompensa por sua boa escolha: você preferiu a virtude à beleza e à inteligência, portanto merece encontrar todas essas qualidades reunidas numa mesma pessoa. Vai se tornar uma grande rainha. Espero que o trono não destrua suas virtudes. “Quanto às senhoritas”, disse a fada para as irmãs de Bela, “serão transportadas cada uma para um castelo onde, convertidas em feras, passarão pela mesma experiência do príncipe até que seus corações perversos e invejosos se convertam em bondade, ou até que morram de velhice, ou até que alguém, horrorizado com a aparência de vocês, as mate”.E assim foi feito.

Depois a fada moveu sua varinha, transportando todos que ali estavam para o reino do príncipe, onde seus súditos o receberam com grande alegria. Ele se casou com Bela, que viveu com ele por muitos e muitos anos, numa felicidade tão perfeita quanto a que é possível aos mortais.

 

 

 

LITERATURA INFANTIL

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 Cinderela 2

 

Charles Perrault

cinderella

Era uma vez um senhor viúvo que tinha uma filha a quem amava muito. Ele decidiu casar-se novamente com uma viúva que tinha duas filhas.
O pobre homem morreu, deixando sua filha desolada. No entanto, a madrasta e suas filhas ficaram felizes com a herança.

As três mulheres invejavam a beleza e a bondade da moça. Então a converteram em sua criada, e a chamavam Cinderela.

Cinderela lavava, limpava, passava e cozinhava. Porém, mais que tudo chorava, porque ninguém mais gostava dela. Um dia, o arauto do rei convidou todas as jovens do reino para um baile no palácio, pois o príncipe herdeiro queria escolher uma esposa.

As filhas da madrasta acreditavam que uma delas seria a escolhida, e passaram a tarde provando vestidos.

A pobre Cinderela também queria ir ao baile, mas as suas irmãs a proibiram.
Foram ao baile zombando de Cinderela que ficou em casa, muito triste.
De repente surgiu vinda do céu, uma luz muito forte, que se transformou numa fada.

_ Cinderela, sou sua fada madrinha, não chores, não quero que vivas triste, se anime pois, esta noite irás ao baile.

E com sua varinha de condão transformou as pobres roupas da jovem num lindo vestido, e os sapatos viraram sapatinhos de cristal.

A fada ainda transformou uma abóbora numa carruagem, dois ratinhos em cavalos, e o cachorro de Cinderela no seu cocheiro.

A jovem ficou encantada com a mágica da fada.

_ Vá depressa minha menina! - disse a fada. Mas não esqueças que o encanto se romperá à meia noite e tudo voltará a ser como era.
Cinderela entrou no palácio e todos ficaram encantados com sua beleza. Estava tão bonita que a madrasta e as suas irmãs não a reconheceram.
As mulheres ficaram encantadas com o seu vestido, era o mais belo da festa.
O príncipe que até então não havia encontrado nenhuma moça que o tivesse agradado, ficou encantado ao vê-la. Quis dançar somente com Cinderela.
Os dois dançaram a noite toda, deixando as moças da festa com muita inveja de daquela desconhecida.

Cinderela estava tão feliz que não percebeu o tempo passar. Quando olhou para o grande relógio no salão, viu que faltavam poucos minutos para a meia noite.

Antes que terminasse o encanto, Cinderela foi embora correndo, desceu as escadas com tanta pressa que perdeu um sapatinho de cristal.
O príncipe, que estava apaixonado por Cinderela, saiu correndo atrás da jovem mas não conseguiu alcança-la. Encontrou o seu sapatinho de cristal na escada e o guardou.

No dia seguinte, o príncipe que não sabia nem ao menos o nome de sua amada, mandou que seu pajem a procurasse pelo reino, a moça cujo pé coubesse naquele sapatinho.

O pajem procurou por todo o reino, mas nenhuma moça tinha um pé tão pequeno que coubesse naquele sapatinho.

Quando chegou na casa de Cinderela, provou o sapatinho nas suas irmãs, mas os pés delas eram grandes demais.

Como o sapato era pequeno, por mais que as irmãs tentassem, não servia.
Ele estava indo embora quando viu Cinderela varrendo um cômodo da casa. Após muito insistir ele conseguiu fazê-la provar o sapatinho.

Quando a madrasta e as irmãs viram Cinderela calçar o sapatinho ficaram surpresas. Ele serviu perfeitamente em seu pequeno pézinho.

Ele a levou para o castelo ao encontro do príncipe.

No dia seguinte, Cinderela casou-se com o príncipe e houve festa em todo o reino.
Agora, Cinderela era amada e os dois foram muito felizes.

 

 

LITERATURA INFANTIL

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 Cinderela

Irmãos Grimm

limpando      cinderella

 Há muito tempo, aconteceu que a esposa de um rico comerciante adoeceu gravemente e, sentindo seu fim se aproximar, chamou sua única filha e disse:
__Querida filha, continue piedosa e boa menina que Deus a protegerá sempre. Lá do céu olharei por você, e estarei sempre a seu lado.Mal acabou de dizer isso, fechou os olhos e morreu.

A jovem ia todos os dias visitar o túmulo da mãe, sempre chorando muito.
Veio o inverno, e a neve cobriu o túmulo com seu alvo manto.
Chegou a primavera, e o sol derreteu a neve. Foi então que o viúvo resolveu se casar outra vez.

A nova esposa trouxe suas duas filhas, ambas bonitas, mas só exteriormente. As duas tinham a alma feia e cruel.

A partir desse momento, dias difíceis começaram para a pobre enteada.

__ Essa imbecil não vai ficar no quarto conosco! _Reclamaram as moças.

__ O lugar dela é na cozinha! Se quiser comer pão, que trabalhe!

Tiraram-lhe o vestido bonito que ela usava, obrigaram-na a vestir outro, velho e desbotado, e a calçar tamancos.

__Vejam só como está toda enfeitada, a orgulhosa princesinha de antes! -disseram a rir, levando-a para a cozinha.

A partir de então, ela foi obrigada a trabalhar, da manhã à noite, nos serviços mais pesados.

Era obrigada a se levantar de madrugada, para ir buscar água e acender o fogo. Só ela cozinhava e lavava para todos.

Como se tudo isso não bastasse, as irmãs caçoavam dela e a humilhavam.
Espalhavam lentilhas e feijões nas cinzas do fogão e obrigavam-na a catar um a um.

À noite, exausta de tanto trabalhar, a jovem não tinha onde dormir e era obrigada a se deitar nas cinzas do fogão. E, como andasse sempre suja e cheia de cinza, só a chamavam de Cinderela.

Uma vez, o pai resolveu ir a uma feira. Antes de sair, perguntou às enteadas o que desejavam que ele trouxesse.

__Vestidos bonitos- disse uma.

__ Pérolas e pedras preciosas - disse a outra.
__E você, Cinderela, o que vai querer? - perguntou o pai.

__No caminho de volta, pai, quebre o primeiro ramo que bater no seu chapéu e traga-o para mim.

Ele partiu para a feira, comprou vestidos bonitos para uma das enteadas, pérolas e pedras preciosas para a outra e, de volta para casa, quando cavalgava por um bosque, um ramo de aveleira bateu no seu chapéu. Ele quebrou o ramo e levou-o.

Chegando em casa, deu às enteadas o que haviam pedido e à Cinderela, o ramo de aveleira.

Ela agradeceu, levou o ramo para o túmulo da mãe, plantou-o ali, e chorou tanto que suas lágrimas regaram o ramo. Ele cresceu e se tornou uma aveleira linda.

Três vezes, todos os dias, a menina ia chorar e rezar embaixo dela.
Sempre que a via chegar, um passarinho branco voava para a árvore e, se a ouvia pedir baixinho alguma coisa, jogava-lhe o que ela havia pedido.
Um dia, o rei mandou anunciar uma festa, que duraria três dias.

Todas as jovens bonitas do reino seriam convidadas, pois o filho dele queria escolher entre elas aquela que seria sua futura esposa.
Quando souberam que também deveriam comparecer, as duas filhas da madrasta ficaram contentíssimas.

__Cinderela! - Gritaram.__ Venha pentear nosso cabelo, escovar nossos sapatos e nos ajudar a vestir, pois vamos a uma festa no castelo do rei!
Cinderela obedeceu chorando, porque ela também queria ir ao baile. Perguntou à madrasta se poderia ir, e esta respondeu:

__Você, Cinderela! Suja e cheia de pó, está querendo ir à festa? Como vai dançar, se não tem roupa nem sapatos?

Mas Cinderela insistiu tanto, que afinal ela disse:

__ Está bem. Eu despejei nas cinzas do fogão um tacho cheio de lentilhas. Se você conseguir catá-las todas em duas horas, poderá ir.

A jovem saiu pela porta dos fundos, correu para o quintal e chamou:

__ Mansas pombinhas e rolinhas!

Passarinhos do céu inteiro!

Venham me ajudar a catar lentilhas!

As boas vão para o tacho!

As ruins para o seu papo!

Logo entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir, vieram as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa revoada e pousaram nas cinzas.

As pombas abaixavam a cabecinha e pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e deixavam cair no tacho. As outras avezinhas faziam o mesmo. Não levou nem uma hora, o tacho ficou cheio e as aves todas voaram para fora.
Cheia de alegria, a menina pegou o tacho e levou para a madrasta, certa de que agora poderia ir à festa. Porém a madrasta disse:

__ Não, Cinderela. Você não tem roupa e não sabe dançar. Só serviria de caçoada para os outros.

Como a menina começou a chorar, ela propôs:

__Se você conseguir catar dois tachos de lentilhas nas cinzas em uma hora, poderá ir conosco.

Enquanto isso, pensou consigo mesma: “Isso ela não vai conseguir…”
Assim que a madrasta acabou de espalhar os grãos nas cinzas, Cinderela correu para o quintal e chamou:

__ Mansas pombinhas e rolinhas!

Passarinhos do céu inteiro!

Venham me ajudar a catar lentilhas!

As boas vão para o tacho!

As ruins para o seu papo!

E entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir vieram as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa revoada e pousaram nas cinzas.

As pombas abaixavam a cabecinha e pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e deixavam cair no tacho. Os outros pássaros faziam o mesmo. Não passou nem meia hora, e os dois tachos ficaram cheios. As aves se foram voando pela janela.

Então, a menina levou os dois tachos para a madrasta, certa de que, desta vez, poderia ir à festa.

Porém, a madrasta disse:

__ Não adianta, Cinderela! Você não vai ao baile! Não tem vestido, não sabe dançar e só nos faria passar vergonha!

E, dando-lhe as costas, partiu com suas orgulhosas filhas.

Quando ficou sozinha, Cinderela foi ao túmulo da mãe e embaixo da aveleira, disse:

__ Balance e se agite,
árvore adorada,
cubra-me toda
de ouro e prata!

 Então o pássaro branco jogou para ela um vestido de ouro e prata e sapatos de seda bordada de prata. Cinderela se vestiu, a toda pressa, e foi para a festa.

Estava tão linda, no seu vestido dourado, que nem as irmãs, nem a madrasta a reconheceram. Pensaram que fosse uma princesa estrangeira, para elas, Cinderela só poderia estar em casa, catando lentilhas nas cinzas.
Logo que a viu, o príncipe veio a seu encontro e, pegando-lhe a mão, levou-a para dançar. Só dançou com ela, sem largar de sua mão por um instante.
Quando alguém a convidava para dançar, ele dizia:

__ Ela é minha dama.

Dançaram até altas horas da noite e, até que Cinderela quis voltar para casa.
__ Eu a acompanho - disse o príncipe. Na verdade, ele queria saber a que família ela pertencia.

Mas Cinderela conseguiu escapar dele, correu para casa e se escondeu no pombal. O príncipe esperou o pai dela chegar e contou-lhe que a jovem desconhecida tinha saltado para dentro do pombal.

“Deve ser Cinderela…”, pensou o pai. E mandou vir um machado para arrombar a porta do pombal. Mas não havia ninguém lá dentro.
Quando chegaram em casa, encontraram Cinderela com suas roupas sujas, dormindo nas cinzas, à luz mortiça de uma lamparina.

A verdade é que, assim que entrou no pombal, a menina saiu pelo lado de trás e correu para a aveleira. Ali, rapidamente tirou seu belo vestido e deixou-o sobre o túmulo. Veio o passarinho, apanhou o vestido e levou-o. Ela vestiu novamente seu vestidinho velho e sujo, correu para casa e se deitou nas cinzas da cozinha.

No dia seguinte, o segundo dia da festa, quando os pais e as irmãs partiram para o castelo, Cinderela foi até a aveleira e disse:

__ Balance e se agite,
árvore adorada,
cubra-me toda
de ouro e prata!

 E o pássaro atirou para ela um vestido ainda mais bonito que o da véspera. Quando ela entrou no salão assim vestida, todos ficaram pasmados com sua beleza.
O príncipe, que a esperava, tomou-lhe a mão e só dançou com ela. Quando alguém convidava a jovem para dançar, ele dizia:

__ Ela é minha dama.

Já era noite avançada quando Cinderela quis ir embora. O príncipe seguiu-a, para ver em que casa entraria.A jovem seguiu seu caminho e, inesperadamente, entrou no quintal atrás da casa.

Ágil como um esquilo, subiu pela galharia de uma frondosa pereira carregada de frutos que havia ali. O príncipe não conseguiu descobri-la e, quando viu o pai dela chegar, disse:

__ A moça desconhecida escondeu-se nessa pereira.

“Deve ser Cinderela”, pensou o pai. Mandou buscar um machado e derrubou a pereira. Mas não encontraram ninguém na galharia.

Como na véspera, Cinderela já estava na cozinha dormindo nas cinzas, pois havia escorregado pelo outro lado da pereira, correra para a aveleira, e devolvera o lindo vestido ao pássaro. Depois, vestiu o feio vestidinho de sempre, e correu para casa.

No terceiro dia, assim que os pais e as irmãs saíram para a festa, Cinderela foi até o túmulo da mãe e pediu à aveleira:

__ Balance e se agite,
árvore adorada,
cubra-me toda
de ouro e prata!

E o pássaro atirou-lhe o vestido mais suntuoso e brilhante jamais visto, acompanhado de um par de sapatinhos de puro ouro.

Ela estava tão linda, tão linda, que, quando chegou ao castelo, todos emudeceram de assombro. O príncipe só dançou com ela e, como das outras vezes, dizia a todos que vinham tirá-la para dançar:
__ Ela é minha dama.

Já era noite alta, quando Cinderela quis voltar para casa. O príncipe tentou segui-la, mas ela escapuliu tão depressa, que ele não pode alcançá-la.
Dessa vez, porém, o príncipe usara um estratagema: untou com piche um degrau da escada e, quando a moça passou, o sapato do pé esquerdo ficou grudado. Ela deixou-o ali e continuou correndo.
O príncipe pegou o sapatinho: era pequenino, gracioso e todo de ouro.
No outro dia, de manhã, ele procurou o pai e disse:
__ Só me casarei com a dona do pé que couber neste sapato.
As irmãs de Cinderela ficaram felizes e esperançosas quando souberam disso, pois tinham pés delicados e bonitos.
Quando o príncipe chegou à casa delas, a mais velha foi para o quarto acompanhada da mãe e experimentou o sapato. Mas, por mais que se esforçasse, não conseguia meter dentro dele o dedo grande do pé. Então, a mãe deu-lhe uma faca, dizendo:
__ Corte fora o dedo. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé.
Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao encontro do príncipe. Ele recebeu-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu cavalo.
Quando passavam pelo túmulo da mãe de Cinderela, que ficava bem no caminho, duas pombas pousaram na aveleira e cantaram:
__ Olhe para trás! Olhe para trás!
Há sangue no sapato,
que é pequeno demais!
Não é a noiva certa
que vai sentada atrás!
O príncipe virou-se, olhou o pé da moça e logo viu o sangue escorrendo do sapato. Fez o cavalo voltar e levou-a para a casa dela.
Chegando lá, ordenou à outra filha da madrasta que calçasse o sapato. Ela foi para o quarto e calçou-o. Os dedos do pé entraram facilmente, mas o calcanhar era grande demais e ficou de fora. Então, a mãe deu-lhe uma faca dizendo:
__ Corte fora um pedaço do calcanhar. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé.
Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao encontro do príncipe. Ele aceitou-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu cavalo.
Quando passavam pela aveleira, duas pombinhas pousaram num dos ramos e cantaram:
__ Olhe para trás! Olhe para trás!
Há sangue no sapato,
que é pequeno demais!
Não é a noiva certa
que vai sentada atrás!

 
O príncipe olhou o pé da moça, viu o sangue escorrendo e a meia branca, vermelha de sangue. Então virou seu cavalo, levou a falsa noiva de volta para casa e disse ao pai:

__ Esta também não é a verdadeira noiva. Vocês não têm outra filha?

__ Não!- respondeu o pai__ A não ser a pequena Cinderela, filha de minha falecida esposa. Mas é impossível que seja ela a noiva que procura.
O príncipe ordenou que fossem buscá-la.

__ Oh, não! Ela está sempre muito suja! Seria uma afronta trazê-la a vossa presença! - protestou a madrasta.

Porém o príncipe insistiu, exigindo que ela fosse chamada. Depois de lavar o rosto e as mãos ela veio, curvou-se diante do príncipe e pegou o sapato de ouro que ele lhe estendeu.

Sentou-se num banquinho, tirou do pé o pesado tamanco e calçou o sapato, que lhe serviu como uma luva.

Quando ela se levantou, o príncipe viu seu rosto e reconheceu logo a linda jovem com quem havia dançado.

__ É esta a noiva verdadeira! — exclamou, feliz.

A madrasta e as filhas levaram um susto e ficaram brancas de raiva. O príncipe ergueu Cinderela, colocou-a na garupa do seu cavalo e partiram. Quando passaram pela aveleira, as duas pombinhas brancas cantaram:
__ Olhe pare trás! Olhe pare trás!

Não há sangue no sapato,
que serviu bem demais!
Essa é a noiva certa.
Pode ir em paz!

 E, quando acabaram de cantar, elas voaram e foram pousar, uma no ombro direito de Cinderela, outra no esquerdo; ali ficaram.

Quando o casamento de Cinderela com o príncipe se realizou, as falsas irmãs foram à festa. A mais velha ficou à direita do altar, e a mais nova, à esquerda.
Subitamente, sem que ninguém pudesse impedir, a pomba pousada no ombro direito da noiva voou para cima da irmã mais velha e furou-lhe os olhos. A pomba do ombro esquerdo fez o mesmo com a mais nova, e ambas ficaram cegas para o resto de suas vidas.

 

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 

 A Pequena Sereia

sereiazinha Conto de Hans Christian Andersen

 

A Pequena Sereia era a filha caçula do rei Tritão, era uma sereia diferente das outras cinco irmãs. Era muito quieta, não era difícil vê-la distante e pensativa.
Desde os dez anos, a Pequena Sereia guardava uma estátua de um jovem príncipe que havia encontrado num navio naufragado. Passava às vezes horas contemplando a estátua, que aguçava ainda mais sua vontade de conhecer o mundo da superfície. Porém esse seu desejo só poderia ser realizado quando completasse quinze anos, nessa idade é dada a permissão para as sereias nadarem até a superfície do mar.

Para a Pequena Sereia esse dia especial parecia nunca chegar. Ela acompanhava a cada ano, os quinze anos de cada uma das suas irmãs, ansiosa para que o seu dia chegasse em breve também, e escutava atenta o relato de cada uma delas sobre tudo aquilo que viram.

As irmãs contavam sobre os barulhos da cidade, as luzes, o céu, os pássaros, sobre as pessoas, animais, eram tantas as novidades que só aumentava o desejo da Pequena Sereia de conhecer aquele mundo.
A Pequena Sereia queria ver as cores douradas que surgiam no céu, quando o sol de escondia no horizonte. A chuva, com as nuvens cor de chumbo. Conhecer o arco-íris, as flores, as montanhas, as plantas.

Às vezes as cinco irmãs subiam juntas à superfície para passear, e a Pequena sereia ficava triste em seu quarto, no castelo, sentia uma enorme angústia e uma coisa estranha, parecia ter vontade de chorar, embora as sereias não chorem, pois não têm lágrimas.

Até que o dia tão esperado chegou, o coração da Pequena Sereia saltitava de felicidade. Recebeu de presente da sua avó um colar de pérolas, símbolo da realeza.

A pequena sereia chegou à superfície na hora do pôr–do-sol. O céu estava dourado com nuvens rosadas. Ela ficou maravilhada com o que via.
Ela avistou um grande navio com três mastros e nadou até ele. O céu escureceu e no navio foram acesas centenas de lanternas coloridas. A sereiazinha nadou contornando o navio e, pela escotilha do salão viu pessoas alegres, dançando. Um rapaz em especial, chamou-lhe atenção.
Passadas algumas horas, o vento começou a soprar forte. A lua e as estrelas sumiram do céu e começaram a surgir trovões e relâmpagos.
O mar estava revolto, ondas gigantescas atacavam o navio. Os marujos assustados, retiraram as velas do navio. As pessoas gritavam assustadas. O navio balançava muito, até que uma onda gigantesca o tombou para o lado. A escuridão foi total.

Um raio iluminou o céu e a Pequena Sereia viu pessoas gritando e tentando se salvar nadando.

De repente a sereiazinha viu o príncipe. Ele estava se afogando. Ela sentia que tinha que ajudá-lo. Ela nadou entre os destroços do navio e o alcançou.
O jovem príncipe estava desmaiado. Ela segurou firmemente, mantendo a cabeça dele para fora da água, e flutuou com ele até a tempestade passar.
Ao raiar do sol, a sereiazinha verificou que o príncipe respirava tranqüilamente. Ela ficou aliviada em ver que ele estava bem, ficou tão contente que o beijou. Nadou com ele até uma praia, o dentou na areia e escondeu-se atrás das rochas.

Ela viu que existia algumas casinhas por perto, certamente alguém o encontraria.
Logo uma jovem apareceu na praia e foi caminhando na direção do rapaz. O que, até então, estava desmaiado acordou e sorriu para a moça. A moça correu para buscar ajuda e em pouco tempo o príncipe foi levado ao vilarejo.
A sereiazinha ficou aliviada por ter salvado o jovem, mas ficou triste pois temia não vê-lo novamente.

A Pequena Sereia voltou para o seu castelo no fundo do mar. As irmãs a encontraram triste e quieta. Após longa insistência das irmãs, a sereiazinha contou-lhes toda a sua aventura.

Uma das irmãs sabia quem era o príncipe e sabia que ele morava em um castelo à beira-mar.

As seis sereias nadaram até lá. Esconderam-se atrás de uns rochedos, esperaram até que viram o príncipe e viram que ele estava bem.
A pequena sereia pensava muito no jovem príncipe. Ela daria sua vida para ser humana e encontrar-se com o príncipe nem que fosse só por um dia.
Seu pai, o rei Tritão estava preocupado com a filha, nem as festas no palácio alegravam a jovem sereia. Ela nem cantava mais nas festas, todos adoravam ouvi-la cantar, sua voz era linda.

Numa noite, a Pequena Sereia tomou uma decisão: foi procurar a feiticeira do mar.

A feiticeira é uma bruxa, mora no meio dos redemoinhos, cercada de plantas cheias de espinhos e animais peçonhento e perigosos.

A sereiazinha acreditava que a única pessoa capaz de ajudá-la a transformar-se em humana, seria a feiticeira.

A feiticeira concordou em lhe dar duas pernas, mas a sereiazinha só se tornaria humana se o príncipe se apaixonasse e casasse com ela. Avisou que a sereiazinha sentiria terríveis dores nas pernas par ao resto da vida e nunca mais poderia voltas ao fundo do mar. Caso o príncipe não se apaixonasse por ela e casasse com outra moça, depois da noite do casamento, o primeiro raio de sol transformaria a Pequena Sereia em espuma.
A sereiazinha ficou assustada, mas aceitou correr o risco, pois queria estar com o seu amado.

Em troca dos serviços da feiticeira, a jovem lhe daria a sua voz.

Mesmo assim, a sereiazinha aceitou a proposta, estava decidida a tentar.
A feiticeira deu-lhe um frasco contendo a poção que lhe daria as pernas. Em seguida roubou-lhe a voz.

A sereiazinha não se despediu de ninguém, nadou em direção ao palácio do príncipe. Foi então, que ela tomou a poção dada pela feiticeira. Imediatamente sentiu terríveis dores como se punhais lhe rasgassem a cauda.
A dor foi tamanha que a jovem não agüentou e desmaiou.

Quando amanheceu, a princesa acordou, na praia, ao seu lado estava o príncipe, olhando-a curioso e preocupado.

A sereiazinha percebeu que estava sem roupa, e possuía duas pernas no lugar de sua cauda. Cobriu-se então com seus longos cabelos.
O príncipe quis saber seu nome e o que acontecera. Porém, a jovem não conseguia falar, não tinha mais sua voz.

O príncipe a levou para o palácio, onde foi cuidada e alimentada. A sereiazinha passou a viver feliz naquele lugar ao lado do príncipe. Sofria terríveis dores sempre que andava, era como se algo furasse seus pés. Mas nada era superior a sua felicidade em estar com o seu amado.
Cada dia que passava, o príncipe gostava mais da pequena sereia, As pessoas do palácio também se encantavam com a pequena sereia. Porém o coração do príncipe e seus pensamentos pertenciam à jovem que o encontrara na praia, ele achava que ela o havia salvo.

Um dia a pequena sereia descobriu que o rei planejava casar o príncipe com a filha do rei vizinho. Eles fariam uma viagem de navio para conhecer a futura noiva.

A pequena sereia ficou muito triste, se o príncipe se casasse com outra ela morreria. Ficou cheia de esperança quando o jovem príncipe lhe confidenciou que nãos e casaria com a jovem escolhida pelo seu pai, pois já amava outra moça.

A sereiazinha acompanhou a família real na viagem.

Na hora em que conheceu a futura noiva, o príncipe ficou encantado, era a mesma moça da praia.

A pequena sereia viu que o príncipe estava apaixonado. Naquela mesma noite ele casou-se com a jovem princesa, a moça da praia.
Enquanto todos festejavam, a princesa sofria de tristeza. Foi então para o convés observar o mar. Nesse momento ela viu suas irmãs, todas de cabelos curtos.

Deram seus cabelos à feiticeira em troca de um punhal mágico. A Pequena Sereia precisaria matar seu amado com aquele punhal, antes do amanhecer, assim, poderia voltar a ser sereia e viver no fundo do mar.
A sereiazinha muito triste pegou o punhal, foi até o quarto do príncipe e vendo-o dormindo tranqüilo ao lado da sua esposa, saiu correndo dali.
A sereiazinha tinha um coração bom, e seu amor era verdadeiro, não poderia jamais matar o seu amado. Sendo assim, ela se dirigiu ao convés do navio, já estava amanhecendo. A sereiazinha, então, atirou-se no mar, no mesmo instante o primeiro raio de sol surgiu no horizonte, e assim o feitiço se realizou, a Pequena Sereia virou espuma branca do mar.

 

LIVROS & LETRAS

 

LITERATURA INFANTIL

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 Chapeuzinho Vermelho

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Conto dos irmãos Grimm

 

Era uma vez, numa pequena cidade às margens da floresta, uma menina de olhos negros e louros cabelos cacheados, tão graciosa quanto valiosa.
Um dia, com um retalho de tecido vermelho, sua mãe costurou para ela uma curta capa com capuz; ficou uma belezinha, combinando muito bem com os cabelos louros e os olhos negros da menina.
Daquele dia em diante, a menina não quis mais saber de vestir outra roupa, senão aquela e, com o tempo, os moradores da vila passaram a chamá-la de “Chapeuzinho Vermelho”.
Além da mãe, Chapeuzinho Vermelho não tinha outros parentes, a não ser uma avó bem velhinha, que nem conseguia mais sair de casa. Morava numa casinha, no interior da mata.
De vez em quando ia lá visitá-la com sua mãe, e sempre levavam alguns mantimentos.
Um dia, a mãe da menina preparou algumas broas das quais a avó gostava muito mas, quando acabou de assar os quitutes, estava tão cansada que não tinha mais ânimo para andar pela floresta e levá-las para a velhinha.
Então, chamou a filha:
— Chapeuzinho Vermelho, vá levar estas broinhas para a vovó, ela gostará muito. Disseram-me que há alguns dias ela não passa bem e, com certeza, não tem vontade de cozinhar.
— Vou agora mesmo, mamãe.
— Tome cuidado, não pare para conversar com ninguém e vá direitinho, sem desviar do caminho certo. Há muitos perigos na floresta!
— Tomarei cuidado, mamãe, não se preocupe. A mãe arrumou as broas em um cesto e colocou também um pote de geléia e um tablete de manteiga. A vovó gostava de comer as broinhas com manteiga fresquinha e geléia.
Chapeuzinho Vermelho pegou o cesto e foi embora. A mata era cerrada e escura. No meio das árvores somente se ouvia o chilrear de alguns pássaros e, ao longe, o ruído dos machados dos lenhadores.
A menina ia por uma trilha quando, de repente, apareceu-lhe na frente um lobo enorme, de pêlo escuro e olhos brilhantes.
Olhando para aquela linda menina, o lobo pensou que ela devia ser macia e saborosa. Queria mesmo devorá-la num bocado só. Mas não teve coragem, temendo os cortadores de lenha que poderiam ouvir os gritos da vítima. Por isso, decidiu usar de astúcia.
— Bom dia, linda menina — disse com voz doce.
— Bom dia — respondeu Chapeuzinho Vermelho.
— Qual é seu nome?
— Chapeuzinho Vermelho
. — Um nome bem certinho para você. Mas diga-me, Chapeuzinho Vermelho, onde está indo assim tão só?
— Vou visitar minha avó, que não está muito bem de saúde.
— Muito bem! E onde mora sua avó?
— Mais além, no interior da mata.
— Explique melhor, Chapeuzinho Vermelho.
— Numa casinha com as venezianas verdes, logo29 após o velho engenho de açúcar.
O lobo teve uma idéia e propôs:
— Gostaria de ir também visitar sua avó doente. Vamos fazer uma aposta, para ver quem chega primeiro. Eu irei por aquele atalho lá abaixo, e você poderá seguir por este. Chapeuzinho Vermelho aceitou a proposta.
— Um, dois, três, e já! — gritou o lobo.
Conhecendo a floresta tão bem quanto seu nariz, o lobo escolhera para ele o trajeto mais breve, e não demorou muito para alcançar a casinha da vovó.
Bateu à porta o mais delicadamente possível, com suas enormes patas.
— Quem é? — perguntou a avó.
O lobo fez uma vozinha doce, doce, para responder:
— Sou eu, sua netinha, vovó. Trago broas feitas em casa, um vidro de geléia e manteiga fresca.
A boa velhinha, que ainda estava deitada, respondeu:
— Puxe a tranca, e a porta se abrirá.
O lobo entrou, chegou ao meio do quarto com um só pulo e devorou a pobre vovozinha, antes que ela pudesse gritar.
Em seguida, fechou a porta. Enfiou-se embaixo das cobertas e ficou à espera de Chapeuzinho Vermelho. A essa altura, Chapeuzinho Vermelho já tinha esquecido do lobo e da aposta sobre quem chegaria primeiro. Ia andando devagar pelo atalho, parando aqui e acolá: ora era atraída por uma árvore carregada de pitangas, ora ficava observando o vôo de uma borboleta, ou ainda um ágil esquilo. Parou um pouco para colher um maço de flores do campo, encantou-se a observar uma procissão de formigas e correu atrás de uma joaninha.
Finalmente, chegou à casa da vovó e bateu de leve na porta.
— Quem está aí? — perguntou o lobo, esquecendo de disfarçar a voz.
Chapeuzinho Vermelho se espantou um pouco com a voz rouca, mas pensou que fosse porque a vovó ainda estava gripada.
— É Chapeuzinho Vermelho, sua netinha. Estou trazendo broinhas, um pote de geléia e manteiga bem fresquinha!
Mas aí o lobo se lembrou de afinar a voz cavernosa antes de responder:
— Puxe o trinco, e a porta se abrirá.
— Chapeuzinho Vermelho puxou o trinco e abriu a porta.
O lobo estava escondido, embaixo das cobertas, só deixando aparecer a touca que a vovó usava para dormir.
Coloque as broinhas, a geléia e a manteiga no armário, minha querida netinha, e venha aqui até a minha cama. Tenho muito frio, e você me ajudará a me aquecer um pouquinho.
Chapeuzinho Vermelho obedeceu e se enfiou embaixo das cobertas. Mas estranhou o aspecto da avó. Antes de tudo, estava muito peluda! Seria efeito da doença? E foi reparando:
— Oh, vovozinha, que braços longos você tem!
— São para abraçá-la melhor, minha querida menina!
— Oh, vovozinha, que olhos grandes você tem!
— São para enxergar também no escuro, minha menina!
— Oh, vovozinha, que orelhas compridas você tem!
— São para ouvir tudo, queridinha!
— Oh, vovozinha, que boca enorme você tem!
— É para engolir você melhor!!!
Assim dizendo, o lobo mau deu um pulo e, num movimento só, comeu a pobre Chapeuzinho Vermelho.

— Agora estou realmente satisfeito — resmungou o lobo. Estou até com vontade de tirar uma soneca, antes de retomar meu caminho.
Voltou a se enfiar embaixo das cobertas, bem quentinho. Fechou os olhos e, depois de alguns minutos, já roncava. E como roncava! Uma britadeira teria feito menos barulho.
Algumas horas mais tarde, um caçador passou em frente à casa da vovó, ouviu o barulho e pensou: “Olha só como a velhinha ronca! Estará passando mal!? Vou dar uma espiada.”
Abriu a porta, chegou perto da cama e… quem ele viu?
O lobo, que dormia como uma pedra, com uma enorme barriga parecendo um grande balão!
O caçador ficou bem satisfeito. Há muito tempo estava procurando esse lobo, que já matara muitas ovelhas e cabritinhos.
— Afinal você está aqui, velho malandro! Sua carreira terminou. Já vai ver!
Enfiou os cartuchos na espingarda e estava pronto para31 atirar, mas então lhe pareceu que a barriga do lobo estava se mexendo e pensou: “Aposto que este danado comeu a vovó, sem nem ter o trabalho de mastigá-la! Se foi isso, talvez eu ainda possa ajudar!”.
Guardou a espingarda, pegou a tesoura e, bem devagar, bem de leve, começou a cortar a barriga do lobo ainda adormecido.
Na primeira tesourada, apareceu um pedaço de pano vermelho, na segunda, uma cabecinha loura, na terceira, Chapeuzinho Vermelho pulou fora.
— Obrigada, senhor caçador, agradeço muito por ter me libertado. Estava tão apertado lá dentro, e tão escuro… Faça outro pequeno corte, por favor, assim poderá libertar minha avó, que o lobo comeu antes de mim.
O caçador recomeçou seu trabalho com a tesoura, e da barriga do lobo saiu também a vovó, um pouco estonteada, meio sufocada, mas viva.
— E agora? — perguntou o caçador. — Temos de castigar esse bicho como ele merece!
Chapeuzinho Vermelho foi correndo até a beira do córrego e apanhou uma grande quantidade de pedras redondas e lisas. Entregou-as ao caçador que arrumou tudo bem direitinho, dentro da barriga do lobo, antes de costurar os cortes que havia feito.
Em seguida, os três saíram da casa, se esconderam entre as árvores e aguardaram.
Mais tarde, o lobo acordou com um peso estranho no estômago. Teria sido indigesta a vovó? Pulou da cama e foi beber água no córrego, mas as pedras pesavam tanto que, quando se abaixou, ele caiu na água e ficou preso no fundo do córrego.
O caçador foi embora contente e a vovó comeu com gosto as broinhas. Chapeuzinho Vermelho prometeu a si mesma nunca mais esquecer os conselhos da mamãe: “Não pare para conversar com ninguém, e vá em frente pelo seu — caminho”.

 

LITERATURA INFANTIL

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

Branca de Neve

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Conto dos Irmãos Grimm

Um dia, a rainha de um reino bem distante bordava perto da janela do castelo, uma grande janela com batentes de ébano, uma madeira escuríssima. Era inverno e nevava muito forte.
A certa altura, a rainha desviou o olhar para admirar os flocos de neve que dançavam no ar; mas com isso se distraiu e furou o dedo com a agulha.
Na neve que tinha caído no beiral da janela pingaram três gotinhas de sangue. O contraste foi tão lindo que a rainha murmurou:
— Pudesse eu ter uma menina branquinha como a neve, corada como sangue e com os cabelos negros como o ébano…
Alguns meses depois, o desejo da rainha foi atendido.
Ela deu à luz uma menina de cabelos bem pretos, pele branca e face rosada. O nome dado à princesinha foi Branca de Neve.
Mas quando nasceu a menina, a rainha morreu. Passado um ano, o rei se casou novamente. Sua esposa era lindíssima, mas muito vaidosa, invejosa e cruel.
Um certo feiticeiro lhe dera um espelho mágico, ao qual todos os dias ela perguntava, com vaidade:
— Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo mulher mais bela do que eu.
E o espelho respondia:
— Em todo o mundo, minha querida rainha, não existe beleza maior.
O tempo passou. Branca de Neve cresceu, a cada ano mais linda…
E um dia o espelho deu outra resposta à rainha.
— A sua enteada, Branca de Neve, é agora a mais bela.
Invejosa e ciumenta, a rainha chamou um de seus guardas e lhe ordenou que levasse a enteada para a mata e lá a matasse. E que trouxesse o coração de Branca de Neve, como prova de que a missão fora cumprida.
O guarda obedeceu. Mas, quando chegou à mata, não teve coragem de enfiar a faca naquela lindíssima jovem inocente que, afinal, nunca fizera mal a ninguém.
Deixou-a fugir. Para enganar a rainha, matou um veadinho, tirou o coração e entregou-o a ela, que quase explodiu de alegria e satisfação.
Enquanto isso, Branca de Neve fugia, penetrando cada vez mais na mata, ansiosa por se distanciar da madrasta e da morte.
Os animais chegavam bem perto, sem a atacar; os galhos das árvores se abriam para que ela passasse.
Ao anoitecer, quando já não se agüentava mais em pé de tanto cansaço, Branca de Neve viu numa clareira uma casa bem pequena e entrou para descansar um pouquinho.
Olhou em volta e ficou admirada: havia uma mesinha posta com minúsculos sete pratinhos, sete copinhos, sete colherezinhas e sete garfinhos. No cômodo superior estavam alinhadas sete caminhas, com cobertas muito brancas.
Branca de Neve estava com fome e sede. Experimentou, então uma colher da sopa de cada pratinho, tomou um gole do vinho de cada copinho e deitou-se em cada caminha, até encontrar a mais confortável. Nela se ajeitou e dormiu profundamente.
Os donos da casa voltaram tarde da noite; eram sete anões que trabalhavam numa mina de diamantes, dentro da montanha.
Logo que entraram, viram que faltava um pouco de sopa nos pratos, que os copos não estavam cheios de vinho…Estranho.
Lá em cima, nas camas, as cobertas estavam mexidas…E na última cama — surpresa maior! — estava adormecida uma linda donzela de cabelos pretos, pele branca como a neve e face vermelha como o sangue.
— Como é linda! — murmuraram em coro.
— E como deve estar cansada — disse um deles —, já que dorme assim.
Decidiram não incomodar; o anão dono da caminha onde dormia a donzela passaria a noite numa poltrona.

Na manhã seguinte, quando despertou, Branca de Neve se viu cercada pelos sete anões barbudinhos e se assustou. Mas eles logo a acalmaram, dizendo-lhe que era muito bem-vinda.
— Como se chama? — perguntaram.
— Branca de Neve.
— Mas como você chegou até aqui, tão longe, no coração da floresta?
Branca de Neve contou tudo. Falou da crueldade da madrasta, da sua ordem para matá-la, da piedade do caçador que a deixara fugir, desobedecendo à rainha, e de sua caminhada pela mata até encontrar aquela casinha.
— Fique aqui, se gostar… — propôs o anão mais velho.
— Você poderia cuidar da casa, enquanto nós estamos na mina, trabalhando. Mas tome cuidado enquanto estiver sozinha. Cedo ou tarde, sua madrasta descobrirá onde você está, e se ela a encontrar… Não deixe que ninguém entre! É mais seguro.
Assim começou uma vida nova para Branca de Neve, uma vida de trabalho.
E a madrasta? Estava feliz, convencida de que beleza de mulher alguma superava a sua.
Mas, um dia, teve por acaso a idéia de interrogar o espelho mágico:
— Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo mulher mais bela do que eu.
E o espelho respondeu com voz grave:
— Na mata, na casa dos mineiros, querida rainha, está Branca de Neve, mais bela que nunca!
A rainha entendeu que tinha sido enganada pelo guarda: Branca de Neve ainda vivia! Resolveu agir por si mesma, para que não houvesse no mundo inteiro mulher mais linda do que ela.
Pintou o rosto, colocou um lenço na cabeça e irreconhecível, disfarçada de velha mercadora, procurou pela mata a casinha dos anões. Quando achou, bateu à porta e Branca de Neve, ingenuamente, foi atender.
A malvada ofereceu-lhe suas mercadorias, e a princesa apreciou um lindo cinto colorido.
— Deixe-me ajudá-la a experimentar o cinto. Você ficará com uma cintura fininha, fininha — disse a falsa vendedora, com uma risada irônica e estridente, apertando cada vez mais o cinto.
E apertou tanto, tanto, que Branca de Neve se sentiu sufocada e desmaiou, caindo como morta. A madrasta fugiu.
Pouco depois, chegaram os anões. Assustaram-se ao ver Branca de Neve estirada e imóvel.
O anão mais jovem percebeu o cinto apertado demais e imediatamente o cortou. Branca de Neve voltou a respirar e a cor, aos poucos, começou a voltar a sua face; melhorou e pôde contar o ocorrido.
— Aquela velha vendedora ambulante era a rainha disfarçada — disseram logo os anões.
— Você não deveria tê-la deixado entrar. Agora, seja mais prudente.
Enquanto isso, a perversa rainha, já no castelo, consultava o espelho mágico e se surpreendeu ao ouvi-lo dizer:
— No bosque, na casa dos anões, minha querida rainha, há Branca de Neve, mais bela que nunca.
Seu plano fracassara! Tentaria novamente.
No dia seguinte, Branca de Neve viu chegar uma camponesa de aspecto gentil, que lhe colocou na janela uma apetitosa maçã, sem dizer nada, apenas sorrindo um sorriso desdentado. A princesinha nem suspeitou de que se tratava da madrasta, numa segunda tentativa.
Branca de Neve, ingênua e gulosa, mordeu a maçã. Antes de engolir a primeira mordida, caiu imóvel.
Dessa vez, devia estar morta, pois o socorro dado pelos anões, quando regressaram da mina, nada resolveu.
Não acharam cinto apertado, nem ferimento algum, apenas o corpo caído.
Branca de Neve parecia dormir; estava tão linda que os bons anõezinhos não quiseram enterrá-la.
— Vamos construir um caixão de cristal para a nossa Branca de Neve, assim poderemos admirá-la sempre.
O esquife de cristal foi construído e levado ao topo da montanha. Na tampa, em dourado, escreveram: “Branca de Neve, filha de rei”.
Os anões guardavam o caixão dia e noite, e também os animaizinhos da mata – veadinhos, esquilos e lebres —todos choravam por Branca de Neve.
Lá no castelo, a malvada rainha interrogava o espelho mágico:
— Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo mulher mais bela do que eu.
A resposta era invariável.
— Em todo o mundo, não existe beleza maior.
Branca de Neve parecia dormir no caixão de cristal; o rosto branco como a neve e de lábios vermelho como sangue, emoldurado pelos cabelos negros como ébano. Continuava tão linda como enquanto vivia.
Um dia, um jovem príncipe que caçava por ali passou no topo da montanha.
Bastou ver o corpo de Branca de Neve para se apaixonar, apesar de a donzela estar morta. Pediu permissão aos anões para levar consigo o caixão de cristal. Havia tanta paixão, tanta dor e tanto desespero na voz do príncipe, que os anões ficaram comovidos e consentiram.
— Está bem. Nós o ajudaremos a transportá-la para o vale. A donzela Branca de Neve será sua.
Com o caixão nas costas, puseram-se a caminho.
Enquanto desciam por um caminho íngreme, um anão tropeçou numa pedra e quase caiu. Reequilibrou-se a tempo.
O abalo do caixão, porém, fez com que o pedaço da maçã envenenada, que Branca de Neve trazia ainda na boca, caísse. Assim a donzela se reanimou. Abrindo os olhos e suspirando se sentou e, admirada, quis saber:
— O que aconteceu? Onde estou?
O príncipe e os anões, felizes, explicaram tudo.
O príncipe declarou-se a Branca de Neve e pediu-a em casamento. Branca de Neve aceitou, felicíssima.
Foram para o palácio real, onde toda a corte os recebeu.
Foram distribuídos os convites para a cerimônia nupcial. Entre os convidados estava a rainha madrasta — mas ela mal sabia que a noiva era sua enteada. Vestiu-se a megera suntuosamente, pôs muitas jóias e, antes de sair, interrogou o espelho mágico:
— Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo mulher mais bela do que eu.
E o fiel espelho:
— No seu reino, a mais bela é você; mas a noiva Branca de Neve é a mais bela do mundo.
Louca de raiva, a rainha saiu apressada para a cerimônia. Lá chegando, ao ver Branca de Neve, sofreu um ataque: o coração explodiu e o corpo estourou, tamanha era sua ira.
Mas os festejos não cessaram um só instante. E os anões, convidados de honra, comeram, cantaram e dançaram três dias e três noites. Depois, retornaram para sua casinha e sua mina, no coração da mata.

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 Rapunzel

 

Conto dos Irmãos Grimm

 

 

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Era uma vez um casal que há muito tempo desejava inutilmente ter um filho. Os anos se passavam, e seu sonho não se realizava. Afinal, um belo dia, a mulher percebeu que Deus ouvira suas preces. Ela ia ter uma criança!

Por uma janelinha que havia na parte dos fundos da casa deles, era possível ver, no quintal vizinho, um magnífico jardim cheio das mais lindas flores e das mais viçosas hortaliças. Mas em torno de tudo se erguia um muro altíssimo, que ninguém se atrevia a escalar. Afinal, era a propriedade de uma feiticeira muito temida e poderosa.

Um dia, espiando pela janelinha, a mulher se admirou ao ver um canteiro cheio dos mais belos pés de rabanete que jamais imaginara. As folhas eram tão verdes e fresquinhas que abriram seu apetite. E ela sentiu um enorme desejo de provar os rabanetes.
A cada dia seu desejo aumentava mais. Mas ela sabia que não havia jeito de conseguir o que queria e por isso foi ficando triste, abatida e com um aspecto doentio, até que um dia o marido se assustou e perguntou:
— O que está acontecendo contigo, querida?
— Ah! — respondeu ela. — Se não comer um rabanete do jardim da feiticeira, vou morrer logo, logo!
O marido, que a amava muito, pensou: “Não posso deixar minha mulher morrer… Tenho que conseguir esses rabanetes, custe o que custar!”
Ao anoitecer, ele encostou uma escada no muro, pulou para o quintal vizinho, arrancou apressadamente um punhado de rabanetes e levou para a mulher. Mais que depressa, ela preparou uma salada que comeu imediatamente, deliciada. Ela achou o sabor da salada tão bom, mas tão bom, que no dia seguinte seu desejo de comer rabanetes ficou ainda mais forte. Para sossegá-la, o marido prometeu-lhe que iria buscar mais um pouco.
Quando a noite chegou, pulou novamente o muro mas, mal pisou no chão do outro lado, levou um tremendo susto: de pé, diante dele, estava a feiticeira.
— Como se atreve a entrar no meu quintal como um ladrão, para roubar meus rabanetes? — perguntou ela com os olhos chispando de raiva. — Vai ver só o que te espera!
— Oh! Tenha piedade! — implorou o homem. — Só fiz isso porque fui obrigado! Minha mulher viu seus rabanetes pela nossa janela e sentiu tanta vontade de comê-los, mas tanta vontade, que na certa morrerá se eu não levar alguns!
A feiticeira se acalmou e disse:
— Se é assim como diz, deixo você levar quantos rabanetes quiser, mas com uma condição: irá me dar a criança que sua mulher vai ter. Cuidarei dela como se fosse sua própria mãe, e nada lhe faltará.
O homem estava tão apavorado, que concordou. Pouco tempo depois, o bebê nasceu. Era uma menina. A feiticeira surgiu no mesmo instante, deu à criança o nome de Rapunzel e levou-a embora.
Rapunzel cresceu e se tomou a mais linda criança sob o sol. Quando fez doze anos, a feiticeira trancou-a no alto de uma torre, no meio da floresta.
A torre não possuía nem escada, nem porta: apenas uma janelinha, no lugar mais alto. Quando a velha desejava entrar, ficava em baixo da janela e gritava:
— Rapunzel, Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!
Rapunzel tinha magníficos cabelos compridos, finos como fios de ouro. Quando ouvia o chamado da velha, abria a janela, desenrolava as tranças e jogava-as para fora. As tranças caíam vinte metros abaixo, e por elas a feiticeira subia.
Alguns anos depois, o filho do rei estava cavalgando pela floresta e passou perto da torre. Ouviu um canto tão bonito que parou, encantado.
Rapunzel, para espantar a solidão, cantava para si mesma com sua doce voz.
Imediatamente o príncipe quis subir, procurou uma porta por toda parte, mas não encontrou. Inconformado, voltou para casa. Mas o maravilhoso canto tocara seu coração de tal maneira que ele começou a ir para a floresta todos os dias, querendo ouvi-lo outra vez.
Em uma dessas vezes, o príncipe estava descansando atrás de uma árvore e viu a feiticeira aproximar-se da torre e gritar: “Rapunzel, Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!”. E viu quando a feiticeira subiu pelas tranças.
“É essa a escada pela qual se sobe?”, pensou o príncipe. “Pois eu vou tentar a sorte…”.
No dia seguinte, quando escureceu, ele se aproximou da torre e, bem embaixo da janelinha, gritou:
— Rapunzel, Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!
As tranças caíram pela janela abaixo, e ele subiu.
Rapunzel ficou muito assustada ao vê-lo entrar, pois jamais tinha visto um homem.
Mas o príncipe falou-lhe com muita doçura e contou como seu coração ficara transtornado desde que a ouvira cantar, explicando que não teria sossego enquanto não a conhecesse.

Rapunzel foi se acalmando, e quando o príncipe lhe perguntou se o aceitava como marido, reparou que ele era jovem e belo, e pensou: “Ele é mil vezes preferível à velha senhora…”. E, pondo a mão dela sobre a dele, respondeu:
— Sim! Eu quero ir com você! Mas não sei como descer… Sempre que vier me ver, traga uma meada de seda. Com ela vou trançar uma escada e, quando ficar pronta, eu desço, e você me leva no seu cavalo.
Combinaram que ele sempre viria ao cair da noite, porque a velha costumava vir durante o dia. Assim foi, e a feiticeira de nada desconfiava até que um dia Rapunzel, sem querer, perguntou a ela:
— Diga-me, senhora, como é que lhe custa tanto subir, enquanto o jovem filho do rei chega aqui num instantinho?
— Ah, menina ruim! — gritou a feiticeira. — Pensei que tinha isolado você do mundo, e você me engana!
Na sua fúria, agarrou Rapunzel pelo cabelos e esbofeteou-a. Depois, com a outra mão, pegou uma tesoura e tec, tec! cortou as belas tranças, largando-as no chão.
Não contente, a malvada levou a pobre menina para um deserto e abandonou-a ali, para que sofresse e passasse todo tipo de privação.
Na tarde do mesmo dia em que Rapunzel foi expulsa, a feiticeira prendeu as longas tranças num gancho da janela e ficou esperando. Quando o príncipe veio e chamou: “Rapunzel! Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!”, ela deixou as tranças caírem para fora e ficou esperando.
Ao entrar, o pobre rapaz não encontrou sua querida Rapunzel, mas sim a terrível feiticeira. Com um olhar chamejante de ódio, ela gritou zombeteira:
— Ah, ah! Você veio buscar sua amada? Pois a linda avezinha não está mais no ninho, nem canta mais! O gato apanhou-a, levou-a, e agora vai arranhar os seus olhos! Nunca mais você verá Rapunzel! Ela está perdida para você!
Ao ouvir isso, o príncipe ficou fora de si e, em seu desespero, se atirou pela janela. O jovem não morreu, mas caiu sobre espinhos que furaram seus olhos e ele ficou cego.
Desesperado, ficou perambulando pela floresta, alimentando-se apenas de frutos e raízes, sem fazer outra coisa que se lamentar e chorar a perda da amada.
Passaram-se os anos. Um dia, por acaso, o príncipe chegou ao deserto no qual Rapunzel vivia, na maior tristeza, com seus filhos gêmeos, um menino e uma menina, que haviam nascido ali.
Ouvindo uma voz que lhe pareceu familiar, o príncipe caminhou na direção de Rapunzel. Assim que chegou perto, ela logo o reconheceu e se atirou em seus braços, a chorar.
Duas das lágrimas da moça caíram nos olhos dele e, no mesmo instante, o príncipe recuperou a visão e ficou enxergando tão bem quanto antes.
Então, levou Rapunzel e as crianças para seu reino, onde foram recebidos com grande alegria. Ali viveram felizes e contentes.

 

Pinóquio

 

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Gepeto era um carpinteiro que vivia sozinho e sonhava em ter um filho. Um dia, ele decidiu fazer um boneco de madeira, que ganhou vida graças ao seu desejo. 

- Serás o filho que eu não tive e vou chamar-te Pinóquio. 

Nessa noite, uma Fada Madrinha visitou a oficina de Gepeto e ao tocar Pinóquio com a varinha mágica disse: - Vou-te dar vida, boneco. Mas, deves ser sempre bom e honesto!

 

No dia seguinte, Gepeto notou que os seus desejos se tinham tornado realidade. Mandou Pinóquio à escola, acompanhado pelo grilo cantante Pepe.

Pelo caminho encontraram a D. Raposa e a D. Gata.
- Porque vais para a Escola se há por aí tantos lugares bem mais alegres? - perguntou a Raposa.
- Não lhe dês ouvidos! - avisou-o Pepe, o grilo. Mas Pinóquio, para quem tudo era novidade, acabou por dar ouvidos a D. Raposa e conheceu Strombóli, o dono de um teatrinho de marionetas.
- Comigo serás o artista mais famoso do mundo! - sussurrou no ouvido de Pinóquio, o astucioso Strombóli.

O espectáculo começou.
Pinóquio foi a estrela, principalmente pelas suas asneiras, que causaram muitos risos. Os outros bonecos eram espertos, tinham prática, enquanto Pinóquio era trapalhão... Por isso triunfou!
No final do espectáculo Pinóquio quis ir embora, mas Strombóli tinha outros planos.
- Vou prender-te nesta jaula, boneco falante. Vales muito mais do que um diamante!

Por sorte o grilo Pepe correu a avisar a Fada Madrinha, que enviou uma borboleta mágica para salvar Pinóquio.
Quando se recompôs do susto, a borboleta perguntou-lhe aonde vivia.
- Não tenho casa. - respondeu Pinóquio. 
A borboleta voltou a fazer-lhe a mesma pergunta, e ele a dar a mesma resposta. Mas, sempre que mentia, o nariz crescia-lhe mais um pouco, pelo que não conseguiu enganar a Borboleta Mágica.
- Não quero este nariz! - soluçou Pinóquio.

- Terás que te portar bem e não mentir! Voltas para casa e vais à Escola. - disse-lhe a Borboleta Mágica.
Ao regressar a casa, Pinóquio foi recebido com muita alegria por Gepeto e passou a portar-se bem. 
Algum tempo depois, quando ia para a Escola, voltou a encontrar a Raposa, que o desafiou para a acompanhar à Ilha dos Jogos.

Não resistiu e lá foi com a Raposa. Assim que entrou começaram a crescer-lhe as orelhas e a transformar-se em burro. Aflito, valeu-lhe o grilo Pepe, que lhe disse:
- Anda, Pinóquio. Conheço uma porta secreta...! Não te queres transformar em burro, pois não? Levar-te-iam para um curral!
- Sim, vou contigo, meu amigo.
Ao chegarem a casa encontraram-na vazia. Souberam por uns marinheiros que Gepeto se tinha feito ao mar num bote. Como o grilo Pepe era muito esperto, ensinou Pinóquio a construir uma jangada. Dois dias mais tarde, quando navegavam já longe de terra, avistaram uma baleia.
- Essa baleia vem direita a nós! gritou Pepe.
- É melhor saltarmos para a água!

Mas não se salvaram ... a baleia engoliu-os. 

Entretanto, descobriram que no interior da barriga da baleia estava Gepeto, que tinha naufragado durante uma tempestade. 

Depois de se terem abraçado, resolveram acender uma fogueira. A baleia espirrou e deitou-os para fora.

- Perdoa-me, papá - suplicou Pinóquio muito arrependido.

E a partir daí mostrou-se tão dedicado e bondoso que a Fada Madrinha, no dia do seu primeiro aniversário, transformou-o num menino de carne e osso ... num menino de verdade.

- Agora tenho um filho verdadeiro! - exclamou Gepeto radiante.

 

 

  Os Três Porquinhos

 

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Numa bonita casa de campo viviam 3 porquinhos:

Prático, Heitor e Cícero. Quando não iam à escola, ficavam a brincar felizes e despreocupados no campo.

Ao escurecer, voltavam cansados e satisfeitos.

Em casa esperava-os a sua avozinha, que lhes preparava grandes bolos com natas e morangos.

Um dia, Cícero, o mais pequeno, propôs: «Agora que já somos grandes, podemos construir uma casa só para nós e viver sozinhos! Cada um construirá a sua, a seu gosto.

Cícero não se queria cansar muito, pelo que considerou que bastariam uns tantos ramos e um pouco de palha entrançada para construir uma cabaninha fresca e confortável.

Heitor, pelo contrário, pensou que uma cabana de madeira seria suficientemente confortável e resistente e que não teria de trabalhar demasiado para a construir.

Prático queria uma casinha como a da avozinha. Por isso, carregou o carrinho de mão várias vezes com tijolos e cimento e pôs-se a trabalhar com muito afinco.

- Assim estarei resguardado do lobo, que de vez em quando sai do bosque.

De facto, veio o lobo e bateu na casinha de palha: Truz! Truz! Truz!

- Quem é? – perguntou a avozinha do Cícero. – Um amigo... abre!

- respondeu o lobo lambendo-se.

- Não! És o lobo mau e não te vou abrir a porta!

- Ai sim?! – Rosnou o lobo rangendo os dentes.

- Vê então como abro a tua porta! – E de um sopro varreu a cabaninha fazendo rolar para bem longe o porquinho.

Enquanto Cícero escapava, o lobo foi bater à porta do Heitor:

- Abre, não te farei mal!

Heitor também não quis abrir, mas um par de sopros foram suficientes para destruir a sua casinha.

Muito esfomeado, o lobo bateu à porta da casa do Prático.

- Vai-te embora, lobão! – Respondeu-lhe o porquinho.

Desta vez, o lobo soprou e soprou muitas vezes, mas a casinha, construída com cimento e tijolos era demasiado sólida até para ele.

Por fim, o lobo mau ficou sem forças. Aborrecido, levantou o punho, ameaçando:

- Por agora, deixo-te... mas depressa voltarei!

E vou-te comer de uma só vez.

Quando se fez noite o lobo voltou. Prático ouvi-o a trepar pelo algeroz para subir até ao telhado da casa.

Enquanto se metia pela chaminé, o lobo lambia-se já pensando no jantar à base de porquinho assado. Mas Prático, que tinha uma panela de sopa ao lume, atiçou a chama com toda a lenha que tinha.

O lobo já estava a meio caminho quando começou a cheirar a queimado: era a sua cauda que começava a chamuscar! Saiu pela chaminé e desapareceu uivando.

No dia seguinte, enquanto o pobre lobo, com a cauda entre as patas, continuava a fugir para o mais longe possível, a povoação celebrava a valentia do porquinho sábio e o retorno à tranquilidade.

 

 

 

 Ali Babá e os Quarenta Ladrões

M.M.

 

Era uma vez um jovem chamado Ali Babá. Ele viajava pelo reino da Pérsia levando e trazendo notícias para o rei.

Numa das viagens, enquanto descansava, ouviu vozes. Subiu numa árvore e viu quarenta ladrões diante de uma enorme pedra. Um deles adiantou-se e gritou: ''Abre-te Sésamo!''

A enorme pedra se moveu, mostrando a entrada de uma caverna, os ladrões entraram e a pedra fechou-se.

Quando os ladrões saíram, Ali Babá resolveu experimentar e gritou para a pedra: ''Abre-te Sésamo!''

A enorme pedra se abriu e Ali Babá entrou na caverna. Viu um imenso tesouro e carregou o que pôde no seu cavalo e partiu direto em direção ao palácio para pedir a filha do sultão, por quem estava apaixonado há muito tempo, em casamento. Quando o sultão viu o dote,aceitou imediatamente.

Ali Babá ficou muito feliz e resolveu contar para todos que ia se casar. Mas para isso precisava comprar um palácio para a sua princesa. Voltou à pedra e falou: ''Abre-te Sésamo!''

Um dos ladrões estava escondido e viu Ali Babá sair da caverna carregando o tesouro. O ladrão foi contar aos outros o que viu e decidiram pegá-lo. Com as jóias, Ali Babá comprou um palácio para sua amada e avisou a todos que daria uma festa no dia do seu casamento.

Os ladrões, sabendo da festa, enfiaram-se em tonéis de vinho vazios para atacar Ali Babá à meia-noite, quando estivesse dormindo. A festa foi tão alegre que o vinho acabou. Ali Babá então, foi à adega verificar se havia mais e, sem querer, escutou um susurro: ''Já deu meia-noite?'' perguntou um dos ladrões.

''Já, mas esperem a festa acabar! Aí vamos pegar aquele que está usando o nosso tesouro.''

Voltando à festa, Ali Babá disse: ''O vinho estragou e preciso de ajuda para levá-lo daqui.''

Alguns guardas ajudaram a levar os tonéis até um despenhadeiro. ''Vamos jogá-los lá em baixo'', disse Ali Babá.

Ao perceber que seriam jogados, os quarenta ladrões estregaram-se aos guardas. Com os ladrões presos, Ali Babá ficou com o tesouro. E a princesa e ele viveram felizes para sempre com a fortuna encontrada.

 

 

 

 

LIVROS & LETRAS

 

LITERATURA INFANTIL

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 

 A Lebre e o Cágado

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(La Fontaine)

 

“Apostemos, disse à lebre
A tartaruga matreira,
Que eu chego primeiro ao alvo
Do que tu que és tão ligeira!”
Estando as duas a par,
A tartaruga começa
Lentamente a caminhar.
A lebre, tendo vergonha
De correr diante dela,
Tratando uma tal vitória
De treta ou de bagatela,
Deita-se e dorme um pouco;
Ergue-se e põe-se a observar
De que parte corre o vento,
E começa a cochilar;
Eis que deita uma vista de olhos
Sobre a companheira sorna,
Ainda a vê longe da meta
E a cochilar de novo torna.
Olha, e depois que a vê perto,
Começa a sua carreira;
Mas então apressa os passos
A tartaruga matreira.
À meta chega primeiro,
Apanha o prêmio apressada,
Pregando à lebre vencida
Uma grande gargalhada.
Não basta só haver posses
Para obter o que intentamos;
É preciso pôr-lhe os meios,
Quando não, atrás ficamos.
O empreendedor não desprezes
Por fraco, se te investir;
Porque um anão acordado
Mata um gigante a dormir.

 

 

A Galinha dos Ovos de Ouro

                                                              Esopo

 

galinhaovosdeouro

Certa manhã, um fazendeiro descobriu que sua galinha tinha posto um ovo de ouro. Apanhou o ovo, correu para casa, mostrou-o à mulher, dizendo:
_ Veja! Estamos ricos!
Levou o ovo ao mercado e vendeu-o por um bom preço.
Na manhã seguinte, a galinha tinha posto outro ovo de ouro, que o fazendeiro vendeu a melhor preço.
E assim aconteceu durante muitos dias. Mas, quanto mais rico ficava o fazendeiro, mais dinheiro queria.
Até que pensou:
"Se esta galinha põe ovos de ouro, dentro dela deve haver um tesouro!"
Matou a galinha e ficou admirado pois, por dentro, a galinha era igual a qualquer outra.

Moral: Quem tudo quer tudo perde.

 

 

 

A Família Feliz

 

Conto de Hans Christian Andersen 

 

A maior folha verde que temos neste país é com certeza a folha da bardana. Uma menina podia usá-la como avental; se a pusesse na cabeça quando chovia, faria de guarda-chuva — é tão grande como isso. Nenhuma bardana cresce sozinha; não, onde há uma, há sempre muitas outras. São um lindo espectáculo — e todo esse esplendor costumava ser a comida dos caracóis. Há um género especial de caracóis que vive nas folhas, uma espécie de caracol que os ricos costumavam cozinhar e comer. Murmuravam «Delicioso!» quando os comiam. E foi por isso que se começou a plantar bardanas.

Ora, havia uma velha mansão onde há muito tempo que se tinha deixado de comer caracóis. Os caracóis estavam mesmo quase extintos, mas não as bardanas, que cresciam e se multiplicavam. Espalhavam-se pelos caminhos e pelos canteiros de flores até não se ter mão nelas: o jardim era uma autêntica floresta de bardanas. Aqui e ali, havia uma macieira ou uma ameixieira; se não fosse isso, nem se percebia que tinha havido ali um jardim. Havia bardanas por todo o lado — e entre elas viviam os dois únicos sobreviventes dos caracóis, ambos muitíssimo velhos.

Eles próprios não sabiam que idade tinham, mas lembravam-se muito bem que, em tempos, tinha havido ali muitos mais, que a família tinha vindo do estrangeiro e que tinha sido especialmente para ela que a floresta de bardanas fora plantada. Nunca tinham saído dali, embora soubessem que havia uma outra coisa no Mundo chamada mansão. Lá, era onde os cozinhavam, era onde eles ficavam pretos e onde eram depois postos numa travessa de prata; mas o que acontecia depois ninguém sabia. Quanto a isso, não imaginavam o que se sentia ao ser cozinhado e posto numa travessa de prata, mas parecia que era muito interessante e, com certeza, muito fino. O escaravelho, o sapo e a minhoca foram interrogados sobre o assunto, mas nenhum deles tinha sido cozinhado ou colocado numa travessa de prata.

 

Os velhos caracóis brancos eram os aristocratas daquele mundo — disso não tinham a menor dúvida. A floresta existia só para eles, tal como a antiga mansão e a sua travessa de prata.

Passavam os dias numa felicidade tranquila e isolada e, como não tinham filhos, adoptaram um pequeno caracol vulgar, que criaram como se fosse deles. O pequeno não cresceu, porque não passava de um caracol vulgar. No entanto, os velhotes, especialmente a mãe-caracol, achavam sempre que ele tinha crescido um bocadinho desde o dia anterior. E quando o pai-caracol parecia não ver a diferença, ela pedia-lhe que apalpasse a pequena casca. E ele lá apalpava e concordava que ela tinha razão.

Um dia caiu uma grande chuvada.

— Ouve o tum-tum-tum nas folhas da bardana! — exclamou o pai-caracol.

— É verdade, e olha que alguns pingos estão a passar — respondeu a mãe-caracol. — Olha, escorrem pelos caules. Meu Deus, vai ficar tudo molhado aqui em baixo! Ainda bem que temos as nossas belas casas, uma para cada um e outra para o nosso pequeno! Realmente, devemos ser os animais mais favorecidos! Vê-se bem que somos os príncipes deste mundo. Cada um de nós tem uma casa sua assim que nasce, além de uma floresta inteira plantada para nós. Às vezes penso onde é que ela acabará e o que haverá depois dela...

— Nada! — respondeu o pai-caracol. Ninguém pode viver melhor em outro lugar e não estou interessado em ir mais longe.

— Ah, mas eu estou! — continuou a mãe-caracol. — Gostaria mesmo de ir até à mansão e de ser cozinhada, seja lá isso o que for, e colocada na travessa de prata. Todos os nossos antepassados passaram por isso, o que mostra que deve ser qualquer coisa de especial.

— A mansão é bem capaz de já se ter desmoronado — disse o pai-caracol. — Ou de estar coberta por bardanas e as pessoas nem poderem sair de lá. Seja como for, não precisas de estar com tanta pressa. Andas sempre numa lufa-lufa, e agora o pequeno está a ficar como tu! Em três dias quase chegou ao cimo daquele caule; fico tonto só de o ver rastejar daquela maneira!

— Não estejas sempre a pôr defeitos na criança — disse a mãe-caracol. — Ele rasteja com tanto cuidado! Tenho a certeza de que há-de dar-nos grandes alegrias. E, afinal, não é ele a nossa razão de viver? Olha, já pensaste onde havemos de lhe arranjar uma noiva? Não achas que por aí, nalgum sítio desta floresta de bardanas, pode haver alguém da nossa espécie?

— Bem, acho que há muitas lesmas e coisas parecidas, dessas que andam por aí sem casa própria — respondeu o velho caracol. — Mas isso para nós seria descer, apesar de elas terem muitas peneiras. No entanto, podemos encarregar as formigas de procurar. Andam sempre numa azáfama, para um lado e para o outro; como se tivessem muito que fazer; podem muito bem saber de uma esposa para o nosso caracolzinho.

— Ah, sim — disseram as formigas —, conhecemos a noiva mais linda; mas é capaz de ser difícil, porque é uma rainha.

— Isso não tem qualquer importância! — exclamou o velho caracol. — E tem casa?

— Tem um palácio! — retorquiram as formigas. — Um magnífico palácio de formigas com setecentos corredores.

— Obrigada! — disse a mãe-caracol. — O nosso filho não vai para um formigueiro! Se é o melhor que podem arranjar, vamos encarregar os mosquitos brancos do assunto; eles voam até muito longe, com chuva ou com sol, e conhecem todos os cantos da floresta.

— Sim, sabemos de uma esposa para ele — responderam os mosquitos. — A uns cem passos de homem daqui, numa groselheira-brava, vive uma pequena caracoleta com casa. Vive sozinha, e está em muito boa idade de casar. E só a cem passos de homem daqui.

— Bem — disse o velho casal —, ela que venha cá ter com ele. Ele é dono de uma floresta inteira e ela só tem uma groselheira!

 

Então, os mosquitos foram buscar a jovem caracoleta. Levaram oito dias a fazer a viagem, mas isso não desagradou aos pais; mostrava que ela também pertencia a uma boa família de caracóis.

E chegou o dia do casamento. Seis pirilampos fizeram o melhor que podiam para fornecer a iluminação, mas, à parte isso, foi um acontecimento bastante pacato, porque os velhos caracóis não gostavam muito de festas e paródias. A mãe-caracol fez um discurso encantador, porque o pai-caracol estava demasiado comovido para falar. E depois entregaram toda a floresta ao jovem casal, afirmando, como sempre, que aquele era o melhor lugar do Mundo e que, se o jovem par vivesse uma vida honesta e respeitável e tivesse muitos filhos, ainda podiam um dia ir à mansão e ser «cozinhados» (fosse qual fosse o significado de tal coisa...) e colocados numa travessa de prata.

Depois do discurso, os velhos caracóis meteram-se em casa e não tornaram a sair. Adormeceram. Os dois jovens passaram a reinar na floresta e tiveram muitos filhos, mas nunca foram cozinhados nem postos numa travessa de prata, de maneira que chegaram à conclusão de que a mansão tinha ruído e que as pessoas tinham morrido todas. E, como não havia ninguém para os contradizer, devia ser verdade. E a chuva batia nas folhas das bardanas para eles terem música, e o Sol brilhava para iluminar a floresta com muitas cores, e foram muito felizes; toda a família foi muito feliz; pedem mesmo ter a certeza de que nunca houve família mais feliz!

 

 

 

A boneca e o crocodilo

 

Era uma vez um menino que morava numa casa muito grande. Ele tinha uma irmã que colecionava bonecas chamada Desígnia.  Essa coleção enfeitava uma prateleira enorme no quarto que os dois dividiam. Certo dia o menino descobriu na prateleira algo singular - um brinquedo simples, feito de tecido – boneca de pano. Não era bonita como as belas companhias que tinha na prateleira, que traziam cabelos bem cuidados, peles de porcelana e vestidos de luxo. Era uma bonequinha bastante pequena, engraçadinha e resistente. Sem maiores atrativos. E por esse motivo destoava completamente no ambiente.

Por um a razão que me é desconhecida, inesperada e repentinamente esse menino se apaixonou pela boneca. A irmã, que observava os acontecimentos da vida do irmão, permitiu, certo dia,  que ele cuidasse da pequena de pano.

Nos primeiros tempos se dedicava constantemente à boneca, que de maneira mágica, percebia nascer emoções humanas em seu coração. Por vezes o menino pensou se poderia estar equivocado ao ver alterações no semblante do brinquedo. Ao encostar o ouvido no peito do objeto de seu divertimento, podia escutar, bem baixinho, o pulsar de um coração.

Secretamente, a boneca sempre soube da existência do cérebro, que possibilitava o entendimento do mundo. Mas a conexão cérebro – coração nunca existiu.

Muitos verões chegaram e se foram e um dia ela percebeu que só restaram invernos em sua vida. O tempo cuidou de estragar o tecido e emaranhar os cabelos. O menino, aos poucos, perdeu o encanto por aquele brinquedo, relegando a ele um canto escuro na prateleira – para não sentir a culpa daqueles que jogam fora um objeto que teve serventia num passado remoto.

Esse foi o momento exato no qual o inverno se instalou no coração da pequena - definitivamente. Nessa ocasião, principiou-se um rompimento de um remendo que não era – até então - perceptível. E de dentro daquela ‘descostura’ saiu um coração, que ficou preso apenas por um fio dourado. Coração de pano, muito delicado e pequeno, ainda morno e pulsando lentamente.

A boneca, que durante muitas estações conseguia ver cores e sentir os cheiros e texturas do mundo, passou a perceber apenas gradações de negro e cinza. Deixou de ser portadora das sensações humanas que teimavam animá-la.

O menino, assustado,  escondeu ainda mais o artefato, o banindo para uma caixa escura -para que ninguém soubesse daquele segredo. Desde esse dia nunca mais houveram notícias dele, que simplesmente desapareceu.

Numa noite inesperada, enquanto a boneca, através da janela, via as estrelas e não as sentia, dois pontos luminosos apareceram na floreira. Após muitos anos sem emoções, se apavorou e teve medo. O medo do perigo do sentir.

Nos dias subseqüentes as luzes misteriosas reapareceram e por um instante ela ouviu um sussurrar musical que se confundia com o vento frio que viajava mundo afora. Eram acordes semelhantes àqueles das caixinhas de música antigas.

Se arrastando como pode, pulou da caixa e tentou ver o que acontecia, mas a imobilidade imposta há tanto tempo não permitiu. Estatelada no chão, sentindo solidão e tristeza, ela derramou suas lágrimas. Chorou a dor do mundo e o coração voltou a bater gradualmente, respeitando o ritmo natural da vida.

Intimidada, decidiu esperar. Enquanto aguardava percebeu que as cores, aos poucos, voltaram. Reconhecia novamente o desejo, que há muito havia se perdido, de pensar e elaborar emocionalmente.

Após alguns meses apreciando aquela música, já habituada àquela rotina que havia enfraquecido a dor da solidão, sua vida mudou. Imprevistamente e com apenas um pulo, adentrou no quarto um crocodilo enorme, verde e marrom com mandíbulas imensas. Tinha aproximadamente 1,80m da ponta do rabo até a cabeça.

A boneca nunca havia sentido tanto medo na vida, até que percebeu, como por encanto, o objeto trazido pelo réptil – a caixinha de música que havia preenchido de esperança cada noite em seu coração.

Relembrou as inúmeras vezes em que foi rechaçada por ser apenas uma boneca de pano e decidiu que deveria ser gentil com aquele animal um tanto assustador. Percebeu, ao olhar mais atentamente,  que era um tanto desengonçado – principalmente nas tentativas frustradas de acostumar suas patas ao carpete espesso do quarto. Compreendendo o sobressalto nos olhos da boneca, começou a dançar desordenadamente pelo cômodo. Ela começou a rir gostosamente. O crocodilo, surpreso com as reações observadas no semblante da pequena de pano, dançou ainda mais. Os dois sorriram. Nunca houve sorriso mais verdadeiro que aquele.

 Quando a música terminou contou toda sua história. Morava num pântano não muito longe dali. Nadava trinta minutos e caminhava por mais trinta até chegar àquela casa. E era muito difícil para um animal daquele tamanho caminhar!

Tinha uma família enorme – crocodilo sempre mora junto. Mas o lodo que cobria o pântano e os ajudavam a viver, tornou-se rançoso e escasso e ele fugia, uma vez por semana, para o mundo que circundava sua habitação.

 Segundo o animal, havia uma senhora crocodila que tinha muitos anos – tantos que ninguém sabia ao certo a data de nascimento dela. Era muito respeitada e sua palavra era lei. Considerada a detentora da sabedoria, sempre alertava os descendentes da impossibilidade de viver longe do pântano por mais de quatro horas. Essa crença privava toda a família de um conhecimento externo, mas os mantinha unidos. Explicou que crocodilo que fica fora do pântano tem o couro ressecado e morre aos poucos. Portanto, ele precisava voltar para casa depressa, para não desidratar.

A boneca entendeu a lei máxima que regia a vida do pobre crocodilo e se satisfez com as poucas horas semanais que eram apenas dos dois.

Aquelas noites foram memoráveis. Eles dançaram, comeram, tomaram suco de melão, se abraçaram e o crocodilo conseguia fazer a boneca rir cada vez mais e renascer. Discutiam juntos os problemas dos crocodilos e das bonecas.

Ela contou a ele sua história. Que não tinha família. Da perda do coração. Das tristezas. Ele prometeu a ela que nunca mais sentiria solidão.

O crocodilo era muito discreto e já havia percebido o fio dourado que segurava o coração da pequena. Tinha medo que parasse de bater, pois ele crescia a cada dia.

Resolveu pedir para fazer uma costura – cirurgia simples. Arrumaria carinhosamente o coração e o fio dentro do peito e coseria o remendo. A boneca não sentiu medo algum, confiava nele. No encontro seguinte, com uma linha quase invisível e pontos delicados, o crocodilo consertou sua menina.

 Sim, ela era dele, pensava. E ao mesmo tempo, não era.

 Os pontos foram cicatrizando e a menina a cada dia ganhava cores e vida. Fascinado, o crocodilo dispensava a ela todo o tempo que podia e muitas vezes chegou ao pântano num horário limite, à beira da morte por desidratação.

Como podia um artefato viver com um animal? No pântano ela não podia viver, pois a família do jacaré a expulsaria de lá, certamente. E ele não poderia viver longe do lodo que hidratava seu couro.

Mas os dois não sabiam, dentro de sua limitação, que havia lodo fora do pântano e aceitação dentro de um cômodo.

No começo, pensava o crocodilo, era movido apenas pela curiosidade – queria inteirar-se da história daquela bonequinha rota que estava fora do lugar. Era gasta. Comparada às bonecas da estante do outro lado do quarto, era feia. Mas agora, tornara-se indispensável à vida dele. Ela havia ensinado a ele que as patas servem para fazer carinho e que os tecidos rotos podem se reconstituir através das palavras que modificam a percepção da vida. E ele ensinou a ela o valor do otimismo e da fé.

Quando estavam juntos, as horas eram preenchidas pela harmonia. Misteriosamente, a boneca começou a criar e ficou mais bela que todas as outras, pois tinha vida quase humana.

Como podia um humano viver com um animal?

Os verões passaram e um dia o inverno tornou-se insuportável novamente. O crocodilo decidiu que não podia ter duas vidas. Resolveu estabelecer sua vida no lodo do pântano.

Deliberadamente, esperava a boneca adormecer e retirava um ponto por vez daquele remendo. Acreditava que se o coração fosse extraído ela poderia novamente voltar à caixa e viver artefatamente insensível.

Mas o crocodilo não sabia que pontos quase cicatrizados doem mais que os recentes. A cada tesourada retirava não apenas parte da linha, mas matava a boneca e a fazia sofrer imensamente. A pequena suportava as dores sem pestanejar. Não mexia um músculo sequer. E fingia não perceber o que acontecia. Chorava as dores copiosamente quando o crocodilo a abandonava.

Quando a dor ficou insuportável, a boneca, num ato de coragem, arrancou o coração com as próprias mãos e o plantou na floreira que enfeitava a janela do quarto. Nessa época, o crocodilo havia espaçado suas visitas e resolveu que iria morrer no pântano. Não sabia ao certo porque fazia aquilo, apesar de perceber que o sentido da vida se esvaía. Não conseguia mudar aquele hábito. Condenou-se a uma vida apenas. Uma vida de crocodilo eterno.

A boneca voltou a ser um artefato usado, mas seu cérebro não parou de funcionar. Foi condenada a pensar e trabalhar sem sentir emoção alguma. Seus olhos perderam todo o viço. Dedicou seus dias à escrita das lembranças de sua vida dentro daquele quarto.

Após plantar seu coração, algo mágico aconteceu - ele se desfaz em raízes e uma esperança em forma de folha verde brotou daquela terra ressequida. Era verão. E ela entendeu – mas não pode sentir - que os verões também podiam ser cruéis.

Aquela folhinha transformou-se numa planta que se espalhou por toda a casa, cobrindo muros, as janelas e portas. A escuridão habitava aquela moradia e a boneca não se importava mais. Como um autômato, escrevia e escrevia sem parar.

Não suportando a separação, o crocodilo resolveu visitar a boneca e se deparou com aquele emaranhado verde que obstruía as entradas da casa. Oculto pela vegetação, deu cordas na caixinha de música e a melodia ecoou pela barreira verde, mas não obteve penetração alguma.

Naquela ocasião o réptil chorou todas as suas lágrimas. A boneca, ao longe, podia ouvir - mas não sentia. O cérebro trabalhava compulsivamente e só restaram histórias em páginas amarelecidas pelo tempo.

O crocodilo todas as noites visitava aquele local para derramar suas lágrimas de arrependimento, sem ao menos saber que o coração de sua amada, desfeito em raízes, nunca poderia ser recomposto.

Dizem que na primeira primavera brotaram flores vermelhas e douradas. Resultado dos sentimentos bons que a boneca havia plantado esperançosamente, durante anos, em seu coração. Mas ao simples toque essas flores se desfaziam.

Dizem também que o crocodilo tentou, em vão, colher essas flores que proporcionavam a ele átimos de segundo de sentimentos de amor, antes de sumirem.

Essa história chegou até nós por concessão da irmã do menino desaparecido. Desígnia, num dia de outono, autorizou a queda de algumas folhas. Um forte vento soprou dentro daquele mausoléu desabitado e por um pequenino vão deixado pelas folhas caídas, uma das páginas escritas pela boneca foi levada diretamente às patas do crocodilo, que semanalmente visitava aquele santuário.

O que havia naquela página? A história dos dois.

Fernanda Macahiba

 

A Cigarra e a Formiga

Adaptado da obra de La Fontaine

cigarraformiga         

Era uma vez uma cigarra que vivia saltitando e cantando pelo bosque, sem se preocupar com o futuro. Esbarrando numa formiguinha, que carregava uma folha pesada, perguntou:
- Ei, formiguinha, para que todo esse trabalho? O verão é para gente aproveitar! O verão é para gente se divertir!
- Não, não, não! Nós, formigas, não temos tempo para diversão. É preciso trabalhar agora para guardar comida para o Inverno.
Durante o verão, a cigarra continuou se divertindo e passeando por todo o bosque. Quando tinha fome, era só pegar uma folha e comer.
Um belo dia, passou de novo perto da formiguinha carregando outra pesada folha.

 A cigarra então aconselhou:
- Deixa esse trabalho para as outras! Vamos nos divertir. Vamos, formiguinha, vamos cantar! Vamos dançar!
A formiguinha gostou da sugestão. Ela resolveu ver a vida que a cigarra levava e ficou encantada. Resolveu viver também como sua amiga.
Mas, no dia seguinte, apareceu a rainha do formigueiro e, ao vê-la se divertindo, olhou feio para ela e ordenou que voltasse ao trabalho. Tinha terminado a vidinha boa.
A rainha das formigas falou então para a cigarra:
- Se não mudar de vida, no inverno você há de se arrepender, cigarra! Vai passar fome e frio.
A cigarra nem ligou, fez uma reverência para rainha e comentou:
- Hum!! O inverno ainda está longe, querida!
Para cigarra, o que importava era aproveitar a vida, e aproveitar o hoje, sem pensar no amanhã. Para que construir um abrigo? Para que armazenar alimento? Pura perda de tempo.
Certo dia o inverno chegou, e a cigarra começou a tiritar de frio. Sentia seu corpo gelado e não tinha o que comer. Desesperada, foi bater na casa da formiga.
Abrindo a porta, a formiga viu na sua frente a cigarra quase morta de frio.
Puxou-a para dentro, agasalhou-a e deu-lhe uma sopa bem quente e deliciosa.
Naquela hora, apareceu a rainha das formigas que disse à cigarra: - No mundo das formigas, todos trabalham e se você quiser ficar conosco, cumpra o seu dever: toque e cante para nós. Para cigarra e paras formigas, aquele foi o inverno mais feliz das suas vidas.

 

A Cigarra e a Formiga - 2

                                   La Fontaine

cigarraformiga

 

Tendo a cigarra cantado durante o verão,
Apavorou-se com o frio da próxima estação.
Sem mosca ou verme para se alimentar,
Com fome, foi ver a formiga, sua vizinha,
pedindo-lhe alguns grãos para agüentar
Até vir uma época mais quentinha!
"Eu lhe pagarei", disse ela,
"Antes do verão, palavra de animal,
Os juros e também o capital."

 

A formiga não gosta de emprestar,
É esse um de seus defeitos.
"O que você fazia no calor de outrora?"
Perguntou-lhe ela com certa esperteza.
"Noite e dia, eu cantava no meu posto,
Sem querer dar-lhe desgosto."
"Você cantava? Que beleza!
Pois, então, dance agora!"

 

 

A BELA E A COBRA

 

José Leite de Vasconcelos, Contos Populares e Lendas, 1963

 

Era uma vez um rei que tinha três filhas, uma das quais era muito formosa e ao mesmo tempo dotada de boas qualidades. Chamava-se Bela. O rei tinha sido muito rico, mas, por causa de um naufrágio, ficou completamente pobre.

Um dia foi fazer uma viagem; antes porém perguntou às filhas o que queriam que ele lhes trouxesse.

– Eu, disse a mais velha, quero um vestido e um chapéu de seda.

– Eu, disse a do meio, quero um guarda-sol de cetim.

– E tu que queres? – perguntou ele à mais nova.

– Uma rosa tão linda como eu, respondeu ela.

– Pois sim, disse ele.

E partiu.

Passado algum tempo trouxe as prendas de suas filhas, disse à mais nova:

– Pega lá esta linda rosa. Bem cara me ficou ela!

Bela ficou muito preocupada e perguntou ao pai por que é que lhe tinha dito aquilo. Ele, a princípio, não lho queria dizer, mas ela tantas instâncias fez, que ele lhe respondeu que no jardim onde tinha colhido aquela rosa encontrou uma cobra, que lhe perguntou para quem ela era; que ele lhe respondeu que era para a sua filha mais nova e ela lhe disse que lha havia de levar, se não que era morto. Depois disse ela:

– Meu pai, não tenha pena, que eu vou.

Assim foi. logo que ela entrou naquele palácio, ficou admirada de ver tudo tão asseado, mas ia com muito medo. O pai esteve lá um pouco de tempo e depois foi-se embora. Bela, quando ficou só, foi a uma sala e viu a cobra. Ia-se a deitar quando começaram a ajudarem-na a despir. Estava ela na cama quando sentiu uma coisa fria; deu um grito e disse-lhe uma voz:

– Não tenhas medo.

Em seguida foi ver o que era e apareceu-lhe uma cobra. Ela, a princípio, assustou-se, mas depois começou a afagá-la. Ao outro dia de manhã apareceu-lhe a mesa posta com o almoço. Ao jantar viu pôr a mesa, mas não viu ninguém; a noite foi-se deitar e encontrou a mesma cobra. Assim viveu durante muito tempo, até que um dia foi visitar o pai; mas quando ia a sair ouviu uma voz que lhe disse:

– Não te demores acima de três dias, senão morrerás.

Ia a continuar o seu caminho e já se esquecia do que a voz lhe tinha dito. Chegou a casa do pai. Iam a passar três dias quando se lembrou que tinha de tornar; despediu-se de toda a sua família e partiu a galope; chegou lá à noite, foi-se deitar, como tinha de costume, mas já não sentiu o tal bichinho. Cheia de tristeza, levantou-se pela manhã muito cedo, foi procurá-lo no jardim e qual não foi a sua admiração vendo-o no fundo dum poço! Ela começou a afagá-lo chorando; mas, quando chorava, caiu-lhe uma lágrima no peito da cobra; assim que a lágrima lhe caiu a cobra transformou-se num príncipe, que ao mesmo tempo lhe disse:

– Só tu, minha donzela, me podias salvar! Estou aqui há uns poucos de anos e, se tu não chorasses sobre o meu peito, ainda aqui estaria cem anos mais.

O príncipe gostou tanto dela que casou com ela e lá viveram durante muitos anos.

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 

 

 

 

Um Mundo Fantástico

Marcele Ferreira de Oliveira

 

Um Mundo Fantástico

Dona Dulce tem 3 filhos: Kayki, Rayela e Lua.

Kayki é o mais velho, ele tem 20 anos e esta na faculdade, Rayela tem 15 anos e está no ginásio, e Lua é a mais nova, tem 11 anos.

Íris, a vizinha de Lua, é dona da biblioteca Cantinho de Luz, esse nome é porque Íris costuma dizer que ler é uma luz, que é muito importante ler.

Íris gosta muito de Lua, ou melhor, de Lu.

Lua, sua mãe e sua irmã foram ler livros na biblioteca assim que chegaram de um passeio, e Lu perguntou a Íris onde estavam seus livros preferidos: Escola de Magia.

-No segundo corredor e na terceira prateleira. Respondeu Íris.

Lua ficou tão distraída que nem percebeu sua irmã ir para a outra sessão de livros que era em outra sala.

Lua olhou e não viu sua irmã, ela ficou desesperada, começou a andar pela biblioteca olhando para os lados, andou até a outra sessão e encontrou sua irmã.

Lua abraçou a irmã que pediu desculpa por sair sem avisar.

Rayela levou Lua para a D. Dulce que estava conversando com Íris.

Lua estava indo embora, e quando estava para sair Íris chamou ela bem alto, e deu um livro para Lua.

-Toma Lu, eu vi como você gosta dos livros Escola de Magia então, toma.

-Um livro da Escola de Magia, muito obrigada Íris, eu amei.

Lua chegou a sua casa animada, foi à cozinha pegou um suco gostoso e sentou no sofá para ler o livro.

-Pronto, agora eu posso ler o meu livro.

Escola de Magia

Ellen estava procurando o seu colar quando Miguel pergunta:

-Ellen onde está o Leandro?

-O Leandro, pra que quer saber?

-Preciso falar com ele agora. É uma coisa muito importante que ele precisa saber.

-Não sei onde ele está.

-Vem comigo procurar ele.

-Claro, mas aonde a gente vai procurar?

-No Salão de jogos!!!!! Falaram os dois em coro.

-Ele adora jogar, deve estar lá. Falou Ellen com um sorriso no rosto.

-Tomara, vamos.

Eles Foram até o Salão de Jogos e quando chegaram, à porta estava trancada.

Do nada Michael aparece por ali e começa a implicar com Ellen e com Miguel.

-Olha os perdedores.

-Ninguém ta falando com você Michael. Diz Miguel com cara de quem não sabia o que estava fazendo.

-Miguel segura minha mão.

Ellen pega sua varinha e diz um feitiço que seu Tio havia lê ensinado para ir para qualquer lugar:

-Plissem Petim, Ocos Iopas nos leve ao pátio da escola, agora!!!!!!!

Eles foram parar no pátio e não encontram Leandro, mais viram Daniel e perguntaram se Leandro havia passado por ali...

-Lua vem almoçar, a comida esta pronta!

-Já vou mãe!!!

Lua comeu, ficou satisfeita, e disse:

-Que delicia.

Lua foi dormir um pouco, ela tinha acordado muito cedo naquele dia para ir visitar seu tio que mora bem longe, em Guatin, no interior, viajar cedo e voltar quase 2 horas deixou Lu muito cansada.

Para ela, acordar cedo e voltar tarde é muito difícil.

Sua mãe a acordou dizendo:

-Filha, está passando um filme muito legal na televisão, você não quer assistir?

-Não mãe.

Lua não conseguiu voltar a dormir e então resolveu ser levantar, logo depois um grupo de crianças a chamaram para brincar.

Eles pularam corda, brincaram de amarelinha, pique bandeirinha, pique pega e de pique esconde.

Eles se divertiram tanto que nem notaram a noite chegando.

-O dia passou de pressa, né gente? Disse uma menina chamada Juliane.

-É mesmo já esta na hora da janta!!!!! Falou Mariano.

-Agora a gente não vai poder brincar mais. Falou Ana bem desanimada.

-Tive uma idéia!!!!!! Disse Lua.

Lua convidou os amigos para assistir DVD depois que todos jantassem, e todo mundo topou.

Ela jantou e depois assistiu um DVD com seus amigos, quando eles foram embora, Lua conversou com sua mãe e depois foi dormir.

A mãe de Lua arrumou a cama e ajeitou o travesseiro e depois Lua deitou e dormiu.

-Boa noite filha. Disse dona Dulce.

Quando Dona Dulce apagou as luzes e fechou a porta Lua desapareceu.

A menina acordou num castelo estranho, era dia naquele lugar, Lua não podia ficar parada e começou a andar pelo castelo.

-Que lugar é esse??? Perguntava-se Lua a cada passo que dava.

Lua estava andando pelo castelo quando ouviu um barulho.

Ela estava se aproximando de uma porta e algo a cutucou pelas costas.

-Aaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!

-Calma calma!

-Quem é você???? Perguntou Lua assustada.

-Eu sou o Frederico mais me chama de Fred. Disse um menino com cabelo meio loiro, meio castanho, com olhos azuis e, meio moreno.

-Eu me chamo Lua. Respondeu docemente, mas com cara de quem tinha visto um fantasma.

Eles conversaram um pouco e ficaram amigos.

Fred disse a Lua com cara de riso:

-Nossa você se assustou mesmo quando cheguei perto!!!!

Em quanto ele ria, Lua se aproximou de uma janela e disse.

-Olha só, tem alguém lá em baixo!!!!!!

-É meu irmão, ele veio comigo aqui. Respondeu Fred confiante.

-E o que você esta esperando, vamos sair desse lugar.

Eles correram e chegaram ao irmão de Fred, e ele disse:

-Lua, esse é meu irmão, ou melhor, um dos meus irmãos.

-Você tem mais irmãos?

-Claro, venha vou te mostrar. Só que tem um problema.

-Qual?

-Problema, que problema mano?????Falou o irmão de Fred.

-Aqui tem várias estradas e eu não to lembrando qual é a estrada que leva a gente até a minha casa. Calma.

-Como é que é, cara eu to num lugar que eu não conheço com um bando de gente que não faço a mínima idéia de quem são e você me diz pra ficar calma.

-Ta, eu vou dar um jeito. Disse Fred muito triste, mas tentando disfarçar.

-Mano, lembra aquela pedra brilhosa que a gente achou perto de casa?

-Lembro, por quê?

-Eu a botei na estrada que leva a gente pra casa.

-Genial, e se eu não me engano é aquela pedra ali, não é?

-É sim, vamos embora.

Eles correram o mais rápido que podiam e chegaram à casa de Fred.

O irmão de Fred entrou correndo e quando Fred ia entrar Lua o chamou.

-Fred, antes de a gente entrar eu queria te pedir desculpas por gritar com você.

-Tudo bem. Vamos entrar.

Fred abriu a porta e disse.

- Lua, meus irmãos.

-Puxa!!!!!...Eles... Eles...

-Eles o que Lua? Disse Fred com um jeito de quem já sabia o que Lua ia dizer.

-Eles são muitos mesmo!!!

-Que nada são apenas 10.

-10!!!

-É, vou lê apresentar eles.

-Claro, quero muito conhecê-los.

-Meninos venham cá!!!!!!!!!!!!!

-O menorzinho é o André, aquele que tava com a gente, o outro mais alto é o Roberto, o outro é o Antônio.

-Olá. Disseram todos em conjunto.

-Você não tem irmã não?

-Tenho, são aquelas ali.

-Ta vendo aquela menina alta ali?

-Alta?O Antônio é mais alto do que ela.

-Eu sei. Continuando aquela ali é a Giselle, a outra a Mariana, e por ultimo é a Alice.

-Mano posso Falar com você? Perguntou Roberto.

-Claro, sem problema. Lua vai conversando com as meninas e daqui a pouco eu volto, ta?

-Tudo bem.

-Mano, a Lua é linda cabelos castanhos, longos, soltos, olhos cor mel, simpática você tem sorte em.

-Roberto, eu encontrei a Lua no castelo, eu ainda não sei o que ela estava fazendo lá, qual é a família dela eu não sei nada.

-Pergunta a ela. Falou Antônio.

-Gente, eu não gosto da Lua, nem a Lua de mim, ta bom. Respondeu Fred muito bravo.

Enquanto Fred conversava com os irmãos Lua se entendia com as meninas.

-Lua, você tem sorte. Disse Alice.

-Por quê?Perguntou Lu.

-Por causa do Fred, ele tem cabelos castanhos tipo tigela, tem olhos azuis, é corajoso. Tudo de bom.

-Eu não o conheço direito e ele não gosta de mim.

-Como você sabe, olha ele vindo aí, puxa conversa com ele. Falou Mariana empurrando Lua.

-Não são 10?

-O que?

-Seus irmãos não são 10?

-São sim!!!

-Então cadê o resto dos seus irmãos?

-Há cabeça a minha, você deve estar falando do Eduardo, do Gabriel, da Daniela, e da Melissa. Mas eles gostam de ir pro campo com o papai pra ajudar ele e também pra ficar com a natureza.

-Mas você disse que eram 10, falta um.

-Aqui têm muito barulho, meus irmãos estão brincando na sala, vamos lá pra fora?

-Vamos.

Fred foi com Lua para o quintal e continuaram a conversa.

-Eu sei, essa é a Laura só que há essa hora ela deve estar com o Christian.

-Mas quem é Christian??????Perguntou Lu

-Ora, namorado dela, o Christian é muito bonito, mas não gosta de sair ele fica sentado no quintal olhando as motos passarem, é muito esquisito.

-E aí o que você estava fazendo naquele castelo?

-É um castelo abandonado eu tinha ido brincar com meu irmão e resolvi olhar se avia alguma novidade, mas, e você? Perguntou Fred.

-Não me lembro, eu só me lembro de ir dormir e acordar naquele castelo.

Lua explicou tudo e ficou muito triste.

-O que ouve?

-Sinto saudades da minha família.

-Como é a sua família????

-Muito diferente da sua, eu só tenho dois irmãos e você tem 10.

-Tenho sorte, eu nunca me sinto sozinho, como se chama a sua mãe, e os seus irmãos?

-Minha mãe se chama Dulce, e minha irmã se chama Rayela.

-Você disse que tinha dois irmãos e só disse um.

-Esse é o Kayki meu irmão mais velho.

Fred pensou um pouco e resolveu levá-la até um lugar que conhecia perto de uma cidade.

-Esse lugar é lindo!!! Falou Lua admirada.

-É. Minha mãe me trazia quando eu era pequeno, também, eu tinha 5 anos, o Antônio devia ter 4 e há Laura 8.

-Devia ser bom.

-E era a gente era pequeno e não dava muito trabalho, aqui tinha um lago cercado por areia, tipo uma miniatura de praia.

-Fred, me desculpa outra vez por gritar com você hoje de manhã.

-Tudo bem Lu, posso te chamar assim????

-Pode.

Lua distraída pisou em cima de um galho, e um cachorro chegou seguido por 6 crianças.

-Olá. Falaram Fred e Lua um pouco assustados.

-Oi. Respondeu um dos meninos.

-Meu nome é Fred e essa é minha amiga Lua.

-Meu nome é Felipe e esses são meus amigos, Junior, Emília, Frank, Paola e Talíta e aquele ali é o meu cachorro Tok.

-Eu sou do Paraná, mas venho aqui quase sempre para ficar com meu avô. Falou Talíta.

-Que Legal Talíta. Disse Lua.

-Me chama de Talí.

Eles ficaram amigos e Fred resolveu perguntar.

-Vocês moram na cidade?

-Sim, nós todos, e vocês?

-Bom eu moro no campo, mas ela não.

-Onde ela mora então?

Eles explicaram tudo aos novos amigos, que resolveram ajudar.

-Vamos a minha casa. Minha mãe preparou um lanche, e fez vários sanduíches e vocês podem comer com a gente.

-Craro, assim nos contam mais. Disse Junior.

-Vai ser muito bom. Falou Paula.

-Craro, vai ser mesmo.

-Craro???Não é claro não? Corrigiu Lua.

-O Junior troca o L pelo R e o R pelo L. Explicou Felipe.

-Desculpa, mas não posso andei muito para chegar aqui, minha mãe deve estar preocupada. Disse Fred.

-Sua mãe deve estar fazendo comida porque já são 11 horas e 55 minutos. Disse Emília

-Vocês não entendem, eu tenho muitos irmãos, minha mãe não tem muito dinheiro para comprar comida. No mínimo a gente come feijoada ou arroz, feijão e farofa.

-Bom... Leve meus sanduíches para seus irmãos, assim terão o que comer. Disse Felipe querendo ajudar.

Rapidamente ele foi a sua casa e embrulhou todos os sanduíches, depois pegou uma sacola, botou os sanduíches e Fred os levou para casa.

Ao chegar à casa de Fred, Laura disse ao irmão.

-Fred, nossos irmãos foram brincar e até agora não voltaram.

-Já sei o que vai trazer eles de volta, mais só se estiverem perto.

Fred abriu o saco com os sanduíches e colocou em cima da mesa.

Os seus irmãos sentiram o cheiro do presunto, da mortadela e do queijo, eles estavam com muita fome e vieram correndo comer.

Quando voltaram Laura viu que Roberto havia machucado a perna e estava mancando tentando disfarçar.

Laura perguntou o que havia acontecido.

-Eu explico. Falou Giselle.

-A gente estava brincando lá na floresta e tinha um buraco, mais a gente não sabia e então eu e o André estávamos correndo atrás do Roberto e ele passou na frente de uma moita e botou o pé dentro do buraco e torceu.

-Estão muito errados de não terem falado comigo e sim escondido de mim.

-Desculpa a gente Laura. Disseram todos juntos.

-Mais uma coisa, a gente também tinha ido brincar lá na quadra da antiga escola e o André, a Alice e eu nos machucamos. Falou Giselle.

-Se machucaram, como????? Perguntou Laura indignada.

-O André tropeçou numa pedra grande e ralou o joelho, eu arranhei o braço na parede e a Alice fez um machucado na mão com um espinho de uma planta.

Depois das explicações e os pedidos de desculpa Lua e Laura resolveram trabalhar juntas para fazer os curativos e dar os remédios.

Logo anoiteceu e todos foram dormir, Fred pegou um cochonete e um travesseiro para dormir e deixou Lua ficar com a cama.

No meio da noite Fred acordou e não viu Lua, ele andou por toda parte e achou ela naquele lugar perto da cidade.

-Lua, o que você está fazendo aqui?????

-Sinto falta da minha família, dos meus amigos, da minha casa.

-Não se preocupe.

-Como não me preocupar, eu to sozinha aqui.

-Mas você tem a mim.

-E a nós. Uma voz veio de trás das arvores e apareceu Felipe com as outras crianças.

-Valeu gente. Disse Lua mais animada.

Derrepente um tipo de nave emite uma luz muito forte e faz todos desmaiarem.

-O que aconteceu, onde eu estou? Disse Lua um pouco tonta.

Lua se viu num lugar, com muitos computadores e coisas estranhas que ela nunca tinha visto.

-Socorro, tem alguém ai???? Gritou Lua.

Eu. Falou um menino, com roupas estranhas e cabelo com um tipo de gel.

-Quem é você? Perguntou Lua tentando se levantar.

-Não se mexa você ainda esta muito fraca. Falou ele.

-Meu nome é Eduard Nevas Silva. Continuou o garoto.

-Não precisava ser o nome todo, há, eu me chamo Lua.

-Prazer por conhecê-la, e me chama de Edu. Respondeu gentilmente

-Meus amigos desmaiaram e se machucaram você pode ajudar?????

-Claro que posso.

Ele apertou um botão e varias camas surgiram no meio do nada, então Edu pegou todos e colocou em camas confortáveis, fez pequenos curativos e deu muitos remédios, passaram duas semanas e todos acordaram e pediram explicações a Lua e ao tal de Eduard.

-Todos nós agradecemos por você ter cuidado da gente esse tempo, mais o que a gente ta fazendo aqui??? Perguntou Fred.

-Desculpa, esqueci de me apresentar, sou Eduard, mais me chamem de Edu, eu preciso da ajuda de vocês aqui.

-Da gente, cara, desculpa, mais nós não somos espiões, não temos super poderes, nem nada, por que a gente?????? Perguntou Felipe.

Eu não escolhi, aqui é a cidade de Lonipólis, uma cidade abaixo da de vocês, paralela, aqui era um lugar muito bonito, todos eram felizes, até eu com meus pais, o rei e a rainha éramos felizes.

-Então você é príncipe, isso explica o nome chique, mas não vejo nada de mal nisso. Disse Lua

-E não tem mesmo, só que um dia perto do meu aniversário um homem muito mal chamado Délfim capturou os meus pais, todo mundo diz que é tolice tentar resgatá-los, mas eu preciso. Falou ele tão tristemente.

-Amo muito meus pais e, depois todo mundo tem medo do bruxo Délfim, tudo é triste e eu não posso fazer nada.

-Claro que pode, tem que ter confiança e acreditar nos seus amigos, eles vão te ajudar. Falou Talí.

-Não vão, eles tem medo de Délfim, falam que eu precisaria de um exercito de outro mundo, e eu levei a sério.

-Então aquela nave com luz forte é sua??? Perguntou Paola.

-Bem, vocês tão vendo que eu sou normal, como vocês, só que a tecnologia daqui é muito avançada.

-Por isso essas coisas esquisitas??? Perguntou Frank

-É.

-Me diz uma coisa, aquela nave é sua sim ou não??? Disse Paola.

-É do meu pai, eu vi vocês conversando e achei que poderiam me ajudar, como vocês confiam um no outro eu achei que poderia confiar em vocês.

-Claro, concorda comigo não é Fred? Falou Lua botando a mão no ombro de Edu.

-Pode sim. Respondeu Fred.

-Mas, por que você usou aquela nave com luz forte???? Pergunto Frank.

-Vocês iriam falar e me perguntar o que aconteceu, eu não tinha tempo para isso, a gente só pode ficar aqui hoje, amanhã a gente vai para outro lugar, ninguém pode ver vocês.

-Vamos ter que passar a noite inteila sem sair daqui??? Perguntou Junior.

-Não, vocês podem sair, só tomem cuidado com os guardas de Délfim.

-Nós vamos te ajudar amanha de manhã, já é noite. Falou Emilia.

-Valeu.

-Bom, daqui a pouco é noite, eu vou procurar algum lugar pra gente dormir. Falou Fred.

-Mas, eu vou servir vocês, devem usar roupas limpas e do nosso estilo para não serem reconhecidos, devem querer comida, quarto, esse tipo de coisa.

-Obrigada Edu. Falou Lua.

-Como vamos saber qual é a nossa roupa???? Perguntou Felipe.

-Cada roupa terá a inicial dos seus nomes.

Horas depois Fred chegou perto de Lua e disse:

-É... Você quer sair comigo para conhecer o lugar já que a gente vai ficar aqui um tempo, eu achei...

-Desculpa Fred, já marquei com o Edu.

- Claro, é cidadão local, conhece tudo, vá com Deus ou será que você prefere vá com o Edu.

Fred foi embora e deixou flores muito bonitas e uma caixa de bombons com formato de coração e um bilhete escrito:

Lua,

Você é minha melhor amiga, desde que está aqui mudou minha vida para melhor.
Você me ensinou que quando a gente tropeça temos que nos levantar e colocar o curativo no machucado, assim todos nós podemos seguir em frente.

Assinado: Fred.

Quando Edu chegou Lua disse que não queria mais ir, que ela tinha tropeçado e devia fazer o curativo.

Fred chateado não conseguiu dormir e foi para o quintal, lá viu Lua.

-Você não devia estar com o Edu, Lua?????

-Não, tente entender, quando eu estava frágil você me fortaleceu, quando eu tropecei, foi você que me levantou, quando eu queria esquecer tudo, foi você que me ajudou a encarar. Fred ninguém vai tomar o seu lugar.

-Obrigada Lua.

Foi ali que começou o romance de Lua e de Fred.

No dia seguinte, todos acordaram cedo e planejaram um plano para ajudar Edu.

-Eles não podem ver a gente!!!! Falou Felipe

-Você tem razão, eu dei uma olhada por aí e percebi que existem alguns guardas lá na porta, meia dúzia de guardas mais muito grandes e fortes. Falou Lua.

-Eu tenho um plano mais vai precisar de muito cuidado, topam???? Falou Edu.

-Claro que topamos. Falou Talí.

-Lá tem alguns lasers, Lua e eu vamos descer de corda para desligar o alarme aí vocês entram...

E assim foi, desligaram os alarmes e pegaram a chave, soltaram os pais de Edu e conseguiram acabar com Délfim mostrando o valor da amizade e do amor.

-Então isso é um adeus a todos. Falou Edu.

-Eu sei, que pena, mais sinto saudades de casa. Falou Lua.

-Você vai voltar para sua casa, eu tirei você de lá então eu mando de volta. Adeus!!!!!!!

Um grande raio levou todos a suas casas, principalmente Lua.

-Mãe, que bom ver você.

-Filha, o que houve, eu acabei de botar você na cama.

-Eu sei, deixa pra lá.

Era como se nada tivesse acontecido, foi um sonho, talvez.

Mas uma coisa é certa, Lua nunca se esquecerá do seu sonho maravilhoso, e de seus grandes amigos.

FIM

 

Palavras da autora: foi tudo realidade, tudo aconteceu com Lua.

As crianças eram reais, mas eram de outro mundo, no fim o valor da amizade valeu muito e fez tudo voltar ao normal.

 

 

 

 

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

   João e o pé de feijão

 

 

Adaptação do The Fair Book, por Dinah M. Mulock Craik

 

"No tempo do Rei Alfredo, muito longe de Londres, vivia uma pobre viúva. Ela tinha um único filho, que era muito rebelde e extravagante. Aos poucos, ele gastou todo o dinheiro que ela possuia. Um dia, pela primeira vez na vida, censurou-o:


- Filho malvado!!!  Não tenho mais dinheiro nem sequer para comprar um pedaço de pão. Só o que me resta é a minha pobre e velha vaca. 


João tanto amolou a mãe para vender a vaca, que ela acabou consentindo. Quando ele ia levando o animal, encontrou um açougueiro que lhe propôs trocar a vaca por uns grãos mágicos de feijão que ele levava no chapéu. João, julgando ser isso uma grande oferta, aceitou a proposta e voltou para casa. Quando sua mãe viu os feijões por que ele havia trocado a vaca, perdeu a paciência. Apanhou os grãos de feijão, atirou-os para fora da janela, e pôs-se a chorar. João tentou consolá-la, mas não o conseguiu. Como não tinham nada para comer, foram deitar-se com fome.


No dia seguinte, João acordou cedo e viu que alguma coisa estava fazendo sombra na janela de seu quarto. Levantou-se, desceu as escadas e foi ao jardim. Aí verificou que os grãos que sua mãe havia atirado pela janela, tinham germinado e o pé de feijão crescera surpreendentemente. As hastes eram grossas e tinham-se entrelaçado como uma trança. Estavam tão altas, que davam a impressão de alcançarem as nuvens. João, que gostava de aventuras, resolveu trepar na árvore que se formara, até atingir o alto. Depois de levar algumas horas subindo, chegou a um país estranho. Ali encontrou uma bonita moça, elegantemente vestida, e com um sorriso encantador lhe perguntou como havia chegado até lá e ele lhe contou que subira pelo pé de feijão.


- Você se lembra de seu pai? Perguntou-lhe a moça.

- Não, senhora. Mamãe sempre chora quando falo nele e não me diz nada, respondeu o menino.

- Sou a fada protetora de seu pai, disse-lhe a moça. As fadas estão sujeitas a leis, como os homens, e quando cometem um erro, perdem o seu poder por alguns anos. Eu estava incapaz de ajudar seu pai quando ele mais precisou de mim e por isso ele morreu.


A fada parecia tão triste que João se sentiu comovido e pediu-lhe que continuasse a falar.

- Seu pai era um homem muito bondoso, continuou a fada. Tinha uma boa esposa, empregados fiéis e muito dinheiro. Teve, porém, uma infelicidade: um amigo falso, um gigante que ele havia ajudado muito e que, em retribuição, o matou e roubou tudo o que ele tinha. Também fez sua mãe prometer que nunca lhe contaria nada, sob pena de matá-los também. Eu não pude ajudá-la. Meu poder só reapareceu no dia em que você foi vender sua vaca. Fui eu que fiz você trocar a vaca pelos feijões. Fui eu que fiz o pé de feijão crescer tão depressa e lhe inspirou o desejo de subir por ele. O malvado gigante vive aqui e você deve livrar  o mundo deste monstro, que não faz outra coisa senão maldade... Pode apossar-se legalmente de sua casa e de suas riquezas, porque tudo pertencia a seu pai e é seu, mas não deixe sua mãe saber que você está a par desta história.


João perguntou-lhe o que devia fazer:

- Vá seguindo por esta estrada até encontrar uma casa grande, parecida com um castelo. É aí que o gigante vive. Então, aja de acordo com seu próprio modo de pensar. Seja bem sucedido... boa sorte!


A fada desapareceu e João caminhou até o sol se pôr. Com grande alegria, avistou a casa do gigante. Uma mulher de aparência simples estava à porta. Ele pediu-lhe um pedaço de pão e um lugar para dormir. Ela ficou muito surpresa e disse que não era comum aparecer ali um ser humano. Era sabido que seu marido, um gigante poderoso, não gostava de pessoas rodando perto de sua casa e ficava muito bravo... João ficou muito amedrontado, mas teve esperança de que o gigante não fosse tão ruim assim. Insistiu para que a mulher o deixasse passar a noite lá, escondendo-o do gigante. Finalmente, ela concordou. Entraram e ela o levou a um quarto, onde lhe deu de comer e beber. De repente, ouviram uma batida forte na porta, que fez a casa estremecer.


- É o gigante, disse a moça. Se ele o vir aqui, o matará e a mim também. Que farei?
- Esconda-me no forno, pediu João. O forno estava apagado e João entrou nele bem depressa. De lá ouvia o gigante gritar com a mulher e repreendê-la. Depois, sentou-se à mesa. João espiou por uma fenda no fogão e ficou horrorizado ao ver a quantidade de comida que ele ingeria. Tinha-se a impressão de que não ia acabar mais de comer e beber. Quando terminou, virou-se para trás e gritou para a sua mulher, com uma voz de trovão:

- Traga a minha galinha!

Ela obedeceu e colocou sobre a mesa uma bonita galinha.

- Ponha um ovo! ordenou ele.

Imediatamente, a galinha pôs um ovo de ouro.

- Ponha outro! continuou ele.

Cada vez que assim ordenava, ela punha um ovo maior do que o outro. Durante muito tempo, assim se divertiu com a galinha. Depois mandou a mulher para a cama e sentou-se perto da lareira, onde adormeceu, roncando alto como um canhão. Assim que ele pegou no sono, João saiu do forno, agarrou a galinha e fugiu com ela. Correu pela estrada até encontrar o pé de feijão, pelo qual desceu rapidamente. Sua mãe ficou cheia de alegria ao vê-lo. Ela pensara que lhe tivesse acontecido alguma coisa.


- Nada disso, Mamãe! E lhe contou toda a aventura, sem todavia falar no nome do pai. Mostrou-lhe a galinha, à qual ordenou várias vezes: "-Ponha um ovo!" e ela pôs quantos ovos ele desejou. Vendidos esses ovos, João e sua mãe ficaram com tanto dinheiro, que viveram felizes por muitos meses. 

Um dia, ele resolveu fazer nova visita ao gigante, a fim de trazer mais riquezas. Arranjou uma roupa que o disfarçava e pintou o rosto com uma tinta escura. Levantou-se muito cedo, antes que a mãe acordasse e subiu pelo pé de feijão. Caminhou o dia todo e chegou à casa do gigante ao escurecer. Encontrou a mesma mulher à porta e pediu-lhe que lhe desse de comer e um lugar para dormir. Ela lhe contou que o marido era um gigante poderoso e cruel, e que um dia, ela dera abrigo a um menino pobre e faminto que, ingrato, roubara um dos tesouros do gigante. O marido culpara-a por isso e, desde então, começara a maltratá-la. João teve muita pena dela, mas insistiu para que o recebesse. Afinal, ela acabou consentindo. Levou-o à cozinha e, quando ele acabou de comer, escondeu-o num armário velho. O gigante chegou à hora de costume. Pisava tão forte que a casa estremecia sob seus passos. Sentou-se junto à lareira e gritou:


- Mulher, sinto cheiro de carne fresca. A esposa respondeu-lhe que os corvos tinham deixado um pedaço de carne crua no telhado. Enquanto ela preparava a ceia, ele esteve de mau humor, frequentemente culpando a esposa pela perda da galinha. Afinal, quando terminou a refeição, gritou:
- Dê-me alguma coisa para distrair-me. Traga minhas sacas de dinheiro. A esposa trouxe-as, com dificuldade, porque estavam muito pesadas. Eram duas, cheias de moedas de ouro. Ela despejou-as na mesa e o gigante começou a contá-las com alegria.

- Agora você pode ir para a cama, sua velha tonta, disse ele, e a mulher se retirou.

De seu esconderijo, João via-o contando as moedas. Ele sabia que elas tinham pertencido a seu pai e desejou possuí-las. O gigante, sem saber que estava sendo observado, colocou as moedas novamente nas duas sacas. Amarrou-as bem e colocou-as ao lado da sua cadeira. Seu cachorro estava ali de guarda. Daí a pouco, o gigante adormeceu e começou a roncar tão alto que parecia o barulho do mar em dia de tempestade.


Então, João saiu do esconderijo, mas, exatamente quando ia segurando as sacas de dinheiro, o cachorro pôs-se a latir furiosamente. João  parou, esperando que seu inimigo acordasse e, então... estaria tudo perdido!!! Mas felizmente, isso não aconteceu: o gigante continuou a dormir profundamente. Neste instante, João viu um pedaço de carne e atirou-o ao cão, que parou de latir na hora. O menino aproveitou a ocasião para carregar as sacolas de moedas, colocando-as uma em cada ombro. Eram tão pesadas, que ele levou dois dias para descer pelo pé de feijão. Quando chegou a casa, deu à mãe todo o dinheiro, com o qual ela reformou a vivenda e mobiliou-a de novo. Eles estavam felizes como não eram havia muito tempo.

Durante três anos, João procurou não visitar mais o gigante. Um dia, porém, começou a preparar-se para nova viagem. Arranjou um disfarce diferente e melhor do que o usado da última vez. Era verão e em uma manhã bem cedo, sem dizer nada à mãe, subiu pelo pé de feijão, chegando à casa do gigante ao anoitecer. Como de costume, encontrou a mulher em pé, na porta. João estava tão bem disfarçado que ela não o reconheceu. Mas, quando se disse muito pobre e faminhto, encontrou grande dificuldade em ser admitido. Depois de muito insistir, conseguiu que ela o escondesse num caldeirão grande de cobre. Quando o gigante chegou, disse furioso:


- Sinto cheiro de carne fresca!!! Apesar de todas as desculpas que a esposa lhe dava, pôs-se a revistar tudo. João estava horrorizado, desejando mil vezes  ver-se em casa, são e salvo. Quando o gigante chegou ao caldeirão e pôs a  mão na tampa, João considerou-se morto. Mal ele começara a levantar a tampa, mudou de idéia, deixando-a cair. Foi sentar-se perto da lareira, para devorar a grande ceia. Quando acabou, deu ordens à mulher para trazer-lhe a harpa. João espiou pela tampa do caldeirão e viu a harpa mais original que podia imaginar. O gigante colocou-a sobre a mesa e disse:

- Toque!!! Imediatamente ela começou a tocar uma linda música e João desejou apoderar-se dela, mais do que qualquer outro tesouro do seu inimigo. O gigante não era apreciador de música. A harpa embalou-o, fazendo-o dormir mais cedo do que de costume. Assim que João verificou que estava tudo bem, saiu do caldeirão, pegou a harpa e saiu correndo. Entretanto, a harpa era encantada e, assim que se viu em mãos estranhas, pôs-se a gritar alto: 

- Patrão!!! Patrão!!!

O gigante acordou, levantou-se e viu João correndo.

- Oh!!! Você, vilão!!! Foi você quem roubou minha galinha, meu dinheiro e agora vai levando minha harpa!!! Espere aí que eu vou pegá-lo e fazer picadinho de você!!! - ameaçou ele em seu vozeirão de trovão.

- Muito bem, experimente!!! desafiou João. Ele sabia que o gigante havia comido tanto que mal podia ficar de pé, imagine correr atrás dele. Por outro lado, ele era jovem, tinha pernas ágeis e a consciência tranquila, o que muito ajuda o homem a caminhar com facilidade. Assim, num instante, chegou ao pé de feijão e foi descendo o mais depressa que pode. A harpa ia tocando uma suave canção.


Chegando em casa, encontrou sua mãe chorando, muito preocupada. Ele a consolou e pediu-lhe que fosse buscar, depressa, uma machadinha. O gigante já vinha descendo e não havia tempo a perder. As más ações do monstro tinham, porém, chegado ao fim. João cortou o pé de feijão bem na raiz. O gigante caiu de cabeça no jardim e morreu imediatamente. Nesse momento, apareceu a fada que explicou tudo à mãe de João e eles puderam assim continuar a cuidar da vida e da fazenda, nunca mais faltando dinheiro para comer, e João sentiu-se também muito feliz pois pode finalmente vingar a morte de seu pai.

  

 

 

 

O Peixinho de Ouro

 

Conto russo adaptado por Peter O'Sagae

 

Em uma ilha distante daqui, a Ilha Buián, viviam um pescador e sua esposa. Muito velhos e muito pobres, tinham apenas sua cabana para viver e uma rede que o homem fizera com suas próprias mãos para pescar. Um dia, ao mar, o homem sentiu que a rede lhe vinha mais pesada. E, pensando na boa pescaria que fizera, veio puxando, puxando a rede, puxando com toda a sua força... entre as malhas, a mesma água, o mesmo sal, e um peixinho do tamanho de quase nada. No entanto, não era um peixe comum: suas escamas eram de puro ouro. O velho pescador já ia agarrá-lo quando o animaleto assim falou:

_ Não me leves, avozinho... Deixa-me livre nas águas do mar que te serei de grande valia. Tudo o que desejares, dar-te-ei em recompensa.

Embora perdesse a pesca e o almoço, o velho respondeu:

_Vai-te embora, não preciso nada de ti. Vive em paz no mar!

Voltando para casa, o homem viu que a velha lhe esperava à porta.

_ E que tal foi a pesca hoje?

Sem dar importância ao ocorrido, foi contando...

__ Que velho mais idiota! Tivestes a sorte entre as mãos e não soubestes aproveitar! Ao menos, tivesses pedido um bocado de pão... com o que havemos de forrar o estômago, se não há nesta casa nem uma pobre migalha?

E a velha brigou o dia inteiro com o marido ... Até que ele, não podendo mais ouvir sua voz, foi à beira-d'água:

__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!

O peixe de ouro nadou em sua direção:

_O que desejas, bom velho?

__ Minha mulher está zangada e diz querer pão.

_Volta para casa que pão não vos faltará.

Ao chegar, o velho encontrou a mulher mais brava do que antes. (Ela era do tipo difícil de agradar!) Pão havia de sobra, uma gaveta cheia. O que agora ela queria era uma tina nova -- a madeira havia rachado e ela não tinha onde lavar a roupa:

__ Vai dizer ao tal peixe que nos providencie uma!

O homem obedeceu e, mais uma vez, foi à praia:

__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!

O peixe de ouro veio a nadar.

_E o que desejas, meu bom velho?

__ Minha mulher precisa de uma tina nova.

_Volta para casa que a tina nova lá está.

O pescador estava ainda uns vinte passos de cabana, a mulher correu ao seu encontro:

__ Vá imediatamente falar com o peixe e peça-lhe que construa uma casa nova para nós! Aqui já é impossível alguém morar...

Girando nos calcanhares, o homem voltou ao mar. Repetiu as mesmas palavras (que você já sabe, por isso não vou repetir) e o peixe apareceu, dourado e solícito como sempre. No entanto, de novo em casa, o pobre do pescador viu sua esposa soltando fumaça pelas orelhas:

__ Quão estúpido tu me vens! Esta casa é muito pequena! Não a quero! Vai outra vez ter com o tal peixinho de ouro e faça-o saber que não quero ser mais uma camponesa: quero ser esposa de governador, ter uma casa decente para morar!

Mais uma vez, lá foi o bom velho:

__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!

O peixe nadou até a margem e assim fez, a cauda na água e a cabeça ao céu a falar:

_ Que agora desejas?

__ Minha mulher deve estar maluca: ela não me deixa em paz. Diz que já não quer ser camponesa, prefere ser esposa de governador.

_ Não te aflijas, que tudo estará resolvido.

Ao voltar, não mais encontrou a velha cabana, nem outra mais nova sequer... Erguia-se, no mesmo terreno, uma mansão de três andares, construída sobre largas bases de pedra. Sim, o peixe de ouro havia atendido com prontidão a mais esse pedido. Foi achegando-se e os criados vieram recebê-lo no pátio, perguntou por sua esposa... não tardou por encontrá-la refastaleda em uma poltrona, toda vestida em luxo.

__ Como estás, minha esposa? Contente?

__ Tens o atrevimento de chamar-me tua mulher, justo a mim, mulher do governador?

E assim dizendo, deu ordens aos criados para despejarem-no à rua. Lá fora, o pescador levou boa surra com paus e cordas. Apanhou de tal jeito que, só com muito custo, conseguiu ficar de pé outra vez... e, além de tudo, foi nomeado varredor da casa, obrigado à vassoura e a deixar o pátio sempre limpo... se encontrassem uma folhinha no chão ou qualquer sujeira sequer, deciam-lhe o pau! Foi vivendo assim humilhado até o dia em que a esposa do governador quis vê-lo pessoalmente. Já estava cansada daquela vida.

__ Vai, agora mesmo, velho tonto, falar com o teu peixe. Desejo ser czarina para toda gente me obedecer e respeitar! Devo morar em um palacete e todos deverão se inclinar quando me virem passar! Andas, sem demora!

E foi ao mar, o pescador e veio à praia o peixe de ouro.

Tudo se fez como contam as palavras... e, naquele mesmo lugar, onde muito tempo atrás existiu uma cabana, no lugar dela, estava um palácio coberto com telhas de ouro. Sentinelas tomavam conta à porta. E ele entrou por um rico jardim, viu muito mais criados correndo de um lado para o outro. Na cozinha, descobriu-se um bom cheiro pelo ar, preparavam um banquete. E cada vez mais ressabiado, o pescador procurou pela mulher. Ela, estava lá, no alto de uma esplanada, entre nobres e generais, passando revista às tropas. Tambores e trompetes faziam soar o hino do Czar... O pescador desistiu de falar-lhe, procurou pela vassoura e ficou bem quieto em seu posto. Mas não demorou para que a velha esposa se entediasse com toda aquela vida de riqueza e honrarias; então, ordenou que trouxessem o pescador à sua presença. Nobres, generais, soldados e criados colocaram-se em polvorosa pois ninguém jamais havia ouvido falar de tal pessoa entre os afetos da czarina... Foi com muita dificuldade que conseguiram encontrar o bom velho, levado imediatamente para o salão do trono.

__ Tens sorte de ainda viver para ver-me deusa dos mares. Este é meu desejo, comandar toda gente que vive sob as águas. Sem demora, retornas ao peixe e ordene-lhe!

Coração muito apertado, o pescador obedeceu.

__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!

Mas o peixe de ouro não apareceu na primeira chamada, nem na segunda, nem na terceira... Foi então que o mar se ergueu, ondas revoltas, o azul ficando escuro. As águas ficaram irreconhecíveis e, neste momento, o peixe de ouro chegou à beira-praia:

_Que mais queres, bom velho?

E ele tudo foi contando como havia acontecido, mas o peixe, sem mais nada dizer, deu as costas e... desapareceu nas profundezas do mar!

O pobre pescador foi-se também embora, pensando na guilhotina à espera de seu pescoço. Mas, chegando, que surpresa encontrou no lugar do palácio: a velha cabana, pequena e mal-acabada, sua mulher sentada num toco de árvore remendando uma roupa por costurar. Tudo de volta ao mesmo lugar, toda vida como era antes.

Pescando dia após dia, o velho, a rede e o mar, nunca mais teve a mesma sorte de encontrar seu amigo de ouro.

 

 

 

 

 

O Lobo e os sete cabritinhos

 

Conto de Jakob e Wilhelm Grimm

 

"Era uma vez uma cabra que tinha sete cabritinhos. Ela os amava com todo o amor que as mães sentem por seus filhinhos. Um dia, ela teve que ir à floresta em busca de alimento. Então, chamou os cabritinhos e lhes disse:
- Queridos filhinhos, preciso ir à floresta. Tenham muito cuidado por causa do lobo. Se ele entrar aqui, vai devorá-los todos. É seu costume disfarçar-se, mas vocês o reconhecerão pelas sua voz rouca e por suas patas pretas.
Os cabritinhos responderam:
- Querida mãezinha, pode ir descansada, pois teremos muito cuidado.
A cabra baliu e foi andando despreocupada. Não se passou muito tempo e alguém bateu à porta dizendo:
- Abram a porta, queridos filhinhos. A mamãe está aqui e trouxe uma coisa para cada um de vocês.
Os cabritinhos perceberam logo que era o lobo, por causa de sua voz rouca, e responderam:
- Não abriremos a porta, não! Você não é nossa mãezinha. Ela tem uma voz macia e agradável. A sua é rouca. Você é o lobo!
O lobo, então, foi a uma loja, comprou uma porção de giz e comeu-os para amaciar a voz. Voltou à casa dos cabritinhos, bateu à porta, e disse:
- Abram a porta, meus filhinhos. A mamãe já voltou e trouxe um presente para cada um de vocês.
Mas o lobo tinha posto as patas na janela e os cabritinhos responderam:
- Não abriremos a porta, não! Nossa mãe não tem patas pretas como as suas. Você é o lobo.
O lobo foi à padaria e disse ao padeiro:
- Tenho as patas feridas. Preciso esfregá-las em um pouco de farinha. O padeiro pensou consigo mesmo: "O lobo está querendo enganar alguém". E recusou-se a fazer o que ele pedia. O lobo, porém, ameaçou devorá-lo e o padeiro, com medo, esfregou-lhe bastante farinha nas patas.
Pela terceira vez, foi o lobo bater à porta dos cabritinhos: 
- Meus filhinhos, abram a porta. A mãezinha já está aqui, de volta da floresta, e trouxe uma coisa para cada um de vocês.
Os cabritinhos disseram:
- Primeiro mostre-nos suas patas, para vermos se você é mesmo nossa mãezinha. 
O lobo pôs as patas na janela e, quando eles viram que eram brancas, acreditaram e abriram a porta.
Mas, que surpresa!!! Ficaram apavorados quando viram o lobo entrar. Procuraram esconder-se depressa. Um entrou debaixo da mesa; outro meteu-se na cama; o terceiro entrou no fogão; o quarto escondeu-se na cozinha; o quinto, dentro do guarda-louça; o sexto, em baixo de uma tina, e o sétimo, na caixa do relógio. O lobo os foi achando e comendo, um a um. Só escapou o mais moço, que estava na caixa do relógio. 
Quando satisfez o seu apetite, saiu e, mais adiante, deitou-se num gramado. Daí a pouco pegou no sono. Momentos depois, a cabra voltou da floresta. Que tristeza a esperava! A porta estava escancarada. A mesa, as cadeiras e os bancos, jogados pelo chão. As cobertas e os travesseiros, fora das camas. Ela procurou os filhinhos, mas não os achou. Chamou-os pelos nomes, mas não responderam. Afinal, quando chamou o mais moço, uma vozinha muito sumida respondeu:
- Mãezinha querida, estou aqui, no relógio.
Ela o tirou de lá, e ele lhe contou tudo o que havia acontecido. A pobre cabra chorou ao pensar no triste fim de seus filhinhos!!! Alguns minutos depois, ela saiu e foi andando tristemente pela redondeza. O cabritinho acompanhou-a. Quando chegaram ao gramado, viram o lobo dormindo, debaixo de uma árvore. Ele roncava tanto que os galhos da árvore balançavam. A cabra reparou que alguma coisa se movia dentro da barriga do lobo.
- Oh! Será possível que meus filhinhos ainda estejam vivos, dentro da barriga do lobo? pensou ela falando alto.
Então, o cabritinho correu até sua casa e trouxe uma tesoura, agulha e linha. Mal a cabra fez um corte na barriga do lobo malvado, um cabritinho pôs a cabeça de fora. Ela cortou mais um pouco e os seis saltaram, um a um. Como ficaram contentes!!! Cada qual queria abraçar mais a mamãe. Ela também estava radiante, contudo, precisava acabar a operação antes que o lobo acordasse. Mandou que os cabritos procurassem umas pedras bem grandes. Quando eles as trouxeram, ela as colocou dentro da barriga do bicho e coseu-a rapidamente. Daí a momentos, o lobo acordou. Como sentisse muita sede, levantou-se para beber água no poço. Quando começou a andar, as pedras bateram, umas de encontro às outras, fazendo um barulho esquisito. O lobo pôs-se a pensar:

"Estavam bem gostosinhos
Os cabritos que comi.
Mas depois, que coisa estrranha!
Que enorme peso senti!"


Quando chegou ao poço e se debruçou para beber água, com o peso das pedras, caiu lá dentro e morreu afogado. Os cabritinhos, ao saberem da boa notícia, correram e foram dançar, junto ao poço, cantando, todos ao mesmo tempo": 

"Podemos viver,
Sem ter mais cuidado.
O lobo malvado morreu,
No poço afogado."

 

 

 

 

 

Os músicos de Bremen

 

Conto de Jakob e Wilhelm Grimm, numa adaptação do Livro Contos de Fadas

 

"Um homem tinha um burro que, há muito tempo, carregava sacos de milho para o moinho. O burro, porém, já estava ficando velho e não podia mais trabalhar. Por isso, o dono tencionava vendê-lo. O pobre animal, sabendo disso, ficou muito preocupado, pois não podia imaginar como seria seu novo dono... e então, para evitar qualquer surpresa desagradável, pôs-se a caminho da cidade de Bremen.

"Certamente, poderei ser músico na cidade", pensava ele.

Depois de andar um pouco, encontrou um cão deitado na estrada, arfando de cansaço.

- Por que estás assim tão fatigado? perguntou o burro.

- Amigo, já estou ficando velho e, a cada dia, vou ficando mais fraco. Não posso mais caçar; por isso meu dono queria me entregar à carrocinha.

Então, fugi, mas não sei como ganhar a vida.

- Pois bem, lhe disse o burro. Minha história é bem semelhante à sua. Vou tentar a vida como músico em Bremen. Venha comigo. Eu tocarei flauta e você poderá tocar tambor.

O cão aceitou o convite e seguiu com o burro. Não tinham andado muito, quando encontraram um gato, muito triste, sentado no meio do caminho.
- Que tristeza é essa, companheiro? lhe perguntaram os dois.

- Como posso estar alegre, se minha vida está em perigo? respondeu o gato.

Estou ficando velho e prefiro estar sentado junto ao fogo, em vez de caçar ratos. Por esse motivo, minha dona quer me afogar.

- Ora, venha conosco a Bremen, propuseram os outros. Seremos músicos e ganharemos muito dinheiro.

O gato, depois de pensar um pouco, aderiu e acompanhou-os. Foram andando até que encontraram um galo, cantando tristemente, trepado numa cerca.
- Que foi que lhe aconteceu, amigo? perguntaram os três.

- Imaginem, respondeu o galo, que amanhã a dona da casa vai ter visitas para o jantar. Então, sem dó nem piedade, ordenou ao cozinheiro que me matasse para fazer uma canja.

Os outros, então, lhe propuseram:

- Nós vamos a Bremen, onde nos tornaremos músicos. Você tem boa voz. Que tal se nos reuníssemos para formar um conjunto?

O galo gostou da idéia e juntando-se aos outros seguiram caminho.

A cidade de Bremen ficava muito distante e eles tiveram que parar numa floresta para passar a noite. O burro e o cão deitaram-se em baixo de uma árvore grande. O gato e o galo alojaram-se nos galhos da árvore.
O galo, que se tinha colocado bem no alto, olhando ao redor, avistou uma luzinha ao longe, sinal de que deveria haver alguma casa por ali. Disse isso aos companheiros e todos acharam melhor andar até lá, pois o abrigo ali não estava muito confortável.

Começaram a andar e, cada vez mais, a luz se aproximava. Afinal, chegaram à casa. O burro, como era o maior, foi até a janela e espiou por uma fresta. À volta de uma mesa, viu quatro ladrões que comiam e bebiam. Transmitiu aos amigos o que tinha visto e ficaram todos imaginando um plano para afastar dali os homens. Por fim, resolveram aproximar-se da janela. O burro colocou-se de maneira a alcançar a borda da janela com uma das patas. O cão subiu nas costas do burro. O gato trepou nas costas do cão e o galo voou até ficar em cima do gato.

Depois, a um sinal combinado, começaram a fazer sua música juntos: o burro zurrava, o cão latia, o gato miava e o galo cacarejava. A seguir, quebrando os vidros da janela, entraram pela casa a dentro, fazendo uma barulhada medonha.

Os ladrões, pensando que algum fantasma havia surgido ali, saíram correndo para a floresta. Os quatro animais sentaram-se à mesa, serviram-se de tudo e procuraram um lugar para dormir. O burro deitou-se num monte de palha, no quintal; o cão, junto da porta, como a vigiar a casa; o gato, junto ao fogão, e o galo encarapitou-se numa viga do telhado. Como estavam muito cansados, logo adormeceram.

Um pouco além da meia noite, os ladrões, verificando que a luz não brilhava mais dentro da casa, resolveram voltar. O chefe do bando disse aos demais: 
- Não devemos ter medo! 

E mandou que um entrasse primeiro para examinar a casa. Chegando à casa, o homem dirigiu-se à cozinha para acender um vela. Tomando os olhos do gato, que brilhavam no escuro, por brasas, tentou neles acender um fósforo. O gato, entretanto, não gostou da brincadeira e avançou para ele, cuspindo-o e arranhando-o. Ele tomou um grande susto e correu para a porta dos fundos, mas o cão, que lá estava deitado, mordeu-lhe a perna. O ladrão saiu correndo para o quintal, mas, ao passar pelo burro, levou um coice. O galo, que acordara com o barulho, cantou bem alto: - Có, có, ró, có!!!!

Sempre a correr, o ladrão foi se reunir aos outros, a quem contou:

- Lá dentro há uma horrível bruxa que me arranhou com suas unhas afiadas e me cuspiu no rosto. Perto da porta, há um homem mau que me passou um canivete na perna. No quintal, há um monstro escuro, que me bateu com um pedaço de pau. Além disso tudo, no telhado está sentado um juiz, que gritou bem alto: 

"- Traga aqui o patife!!!"... Acho que não devemos voltar lá... é muito perigoso!!

Depois disso, nunca mais os ladrões voltaram à casa, e os quatro músicos de Bremen sentiam-se muito bem lá, onde faziam suas músicas e viviam despreocupados. De vez em quando alguém das redondezas os chamavam e lá iam eles, felizes e contentes, tocar a sua música...."

 

 

 

 

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 As Flores da Pequena Ida

 

Conto de Hans Christian Andersen

 

Minhas pobres flores estão todas mortas - disse a pequenina Ida. - Estavam tão bonitas à noite pas­sada, e agora todas as flores pendem, murchas. Por que será? - perguntou ao estudante de quem gostava muito e estava sentado com ela no sofá.

Ele contava-lhe as mais belas histórias, e sabia re­cortar figuras muito engraçadas - corações com mu­lheres dançando dentro deles diversos tipos de flores, e grandes castelos, cujas portas se podiam abrir. Em suma, era um estudante alegre.

-   Por que estarão as flores tão tristes hoje? - tor­nou  a perguntar Ida, e mostrou-lhe  todo um buquê inteiramente murcho.

-   Sabes o que há? - disse o estudante.  - As flores estiveram no baile esta noite, e por isso estão com as cabeças pendendo de cansadas.

-   Mas as flores não sabem dançar! - disse a pe­quena Ida.

Sabem, sim - contestou o estudante. - Quan­do é noite, e todos nós vamos dormir, elas pulam, ale­gres. Quase todas as noites elas vão ao baile!

Crianças podem ir a esse baile?

Podem - esclareceu o estudante. - Mas só as pequeninas margaridas e os lírios do vale.

Onde dançam as flores mais bonitas? - pergun­tou Ida.

Já não estiveste várias vezes fora dos portões da cidade, em frente ao grande palácio onde o rei re­side no verão e onde há um maravilhoso jardim com muitas flores? Já não viste os cisnes que ali nadam ao teu encontro, quando lhes dás migalhas de pão? Pois é. Lá fora há o baile, podes crer!

Ontem mesmo estive lá fora, no jardim, com a minha mãe - disse Ida. - Mas todas as folhas ti­nham caído das árvores e nelas não havia flores. Onde estarão elas? Vi tantas, no último verão!

Estão no castelo - explicou o estudante.  - Deves saber que, mal o rei e os cortesãos vêm cá para a cidade, as flores deixam o jardim e correm muito ale­gres a instalar-se no castelo.  Devias vê-las! As duas rosas mais bonitas sentam-se no trono, e fazem as ve­zes de rei e de rainha. Todas as cristas-de-galo verme­lhas se perfilam, reverentes, são os camareiros. As mais graciosas flores vão chegando, e há então o grande bai­le. Os jacintos são pequenos cadetes navais, e dançam com as violetas, a quem chamam senhoritas. As tulipas e os grandes lírios amarelos são damas idosas - zelam pela correção e decência do baile.

Mas - perguntou a pequena Ida - ninguém faz nada às flores por dançarem no palácio do rei?

Ninguém o sabe ao certo - disse o estudante.- Às vezes, à noite, aparece, com seu grande molho de chave, o velho administrador. Assim que ouvem o tilintar das chaves, as flores ficam  bem quietinhas, escondidas atrás das cortinas, e põem apenas a cabeça de fora.  “Estou sentindo cheiro de flores cá dentro”, diz o velho administrador do castelo. Mas não consegue vê-las.

- Claro!  - respondeu o estudante.  - Quando querem, até voar sabem. Não já viste as belas borbole­tas vermelhas, amarelas e brancas, que quase parecem flores? Pois de fato já o foram um dia. Saltaram das hastes para o espaço, bateram as pétalas como se fos­sem azinhas, e saíram voando.  Por se terem compor­tado direitinho, foi-lhes permitido voar também duran­te o dia e não regressaram para ficar de novo imóveis nas hastes. Assim, as pétalas acabaram por transfor­mar-se em verdadeiras asas. Tu mesma o viste. Entre­tanto, é possível que as flores do Jardim Botânico nunca tenham estado no palácio do rei e nem saibam que ali é tão alegre à noite. Por isso vou dizer-te uma coisa que deixará perplexo o professor de botânica que mora aí, ao lado, tu o conheces, não é? Quando entrares no seu jardim, deves contar a uma das flores que há um grande salão de baile no castelo; ela o contará as ou­tras, e todas sairão voando. O professor virá ao jardim, e lá não encontrará mais uma única flor, sem que ele possa, entretanto, compreender para onde  foram.

- E o professor entende os sinais delas? - per­guntou Ida.

-    Decerto que entende! Desceu ao jardim outro dia, e viu uma grande urtiga fazendo sinais, com as folhas, para um cravo vermelho, dizendo: “És tão belo, e gosto tanto de ti!” Mas o professor, como não tolera coisas assim, logo bateu nas folhas da urtiga, que são os dedos da planta.  Mas machucou-se nelas, e desde então não mais se atreveu a tocar nas urtigas.

-    Que engraçado! - disse a pequena Ida, rindo.

-    Como é possível meterem semelhantes bobagens na cabeça de uma criança!  - observou o conselheiro da chancelaria, que viera fazer uma visita e também estava sentado no sofá.

Não gostava do estudante,, e resmungava sempre que o via recortando as suas figurinhas, ora a de um homem pendurado na forca, com um coração na mão, a indicar um ladrão de corações, ora a de uma velha bruxa montada numa vassoura, levando o marido no nariz. Disso o conselheiro não gostava.

-  Então isso são coisas que se metem na cabeça de uma criança? - protestava. - Que fantasias tolas!

Mas a pequena Ida achava muito engraçado o que o estudante contava das flores, e pensava atentamente no que ouvira. As flores deixavam pender a cabeça por estarem cansadas de dançar toda a noite; com certeza estavam até doentes! Levou-as para junto dos seus brin­quedos, arrumados numa linda mesinha com a gaveta cheia de coisas bonitas. Numa caminha, estava deitada a sua boneca Sofia, dormindo, mas a pequenina Ida lhe disse:

-  Tens de levantar, Sofia, e contentar-te com pas­sar esta noite na gaveta. As pobres flores estão doen­tes, precisam deitar na tua cama, onde talvez fiquem boas.

Assim dizendo, retirou a boneca, que fez cara feia, mas não disse uma só palavra, zangada por não poder ficar em sua caminha.

Ida deitou as flores na cama da boneca, cobriu-as bem com o cobertorzinho, mandou-as ficar bem quietinhas e lhes disse que ia fazer chá para elas, para que sarassem e se levantassem na manhã seguinte. Puxou bem o cortinado em redor da caminha, para que o sol não lhes doesse nos olhos.

Durante toda a noite não pôde deixar de pensar no que o estudante lhe contara, e, quando chegou a hora de ir ela própria para a cama, foi primeiro es­piar atrás das cortinas das janelas, onde estavam as belas flores de sua mamãe, uns jacintos e tulipas.

- Sei que vão ao baile esta noite! - murmurou ela baixinho.

As flores fingiram nada entender, não moveram uma folha, mas a pequena Ida sabia de tudo.

Na cama, ficou ainda muito tempo pensando co­mo devia ser bonito ver dançar as graciosas flores lá fora, no castelo do rei. “Será que minhas flores já estiveram lá?”, pensou. Mas acabou adormecendo. Mais tarde, tornou a acordar. Sonhara com as flores e com o estudante, que o conselheiro repreendia, di­zendo que ele punha tolices na cabeça dela. No quar­to tudo estava quieto. Na mesa ardia a lamparina, e o pai e a mãe dormiam.

- Será que minhas flores estão deitadas na cama de Sofia? - disse de si para si a pequena Ida. - Quanto eu gostaria de sabê-lo!

Ergueu-se um pouco e olhou para a porta entreaberta. Lá dentro estavam as flores e todos os seus brinquedos. Pôs-se a escutar, e pareceu-lhe ouvir que tocavam piano na sala, mas baixinho, tão de leve como nunca antes ouvira.

-  Agora, decerto, todas as flores estão dançando lá dentro! - disse ela. - ó, meu Deus, como eu gostaria de vê-las!

Mas não ousou levantar-se, para não acordar o pai e a mãe.

-  Tomara que entrem aqui…

As flores, porém, não entraram, e a música conti­nuou a soar, doce e suave. Ida não pôde mais resistir àquele mágico encanto. Saiu de sua caminha e foi, pé ante pé, até a porta, e espiou. Ah! Como era engraçado o que viu na sala! Apesar de não haver lamparina lá dentro, havia claridade bastante, pois a Lua iluminava a sala através da janela aberta. Os jacintos e as tuli­pas formavam duas longas filas - na janela não havia mais nenhuma flor, só os vasos vazios. Pelo soalho, todas as flores

dançavam, graciosas, fazendo roda, dan­do umas às outras as longas folhas verdes. Junto ao piano estava sentado um grande lírio amarelo, certa­mente o mesmo que ela vira no verão, pois se lembrava bem do que dissera o estudante: “Como esta flor se parece com a senhorita Lina!” Então, todos tinham zombado dele. Agora, porém, também Ida achava se­melhança entre a longa flor amarela e a senhorita Lina. A flor também se portava da mesma maneira que da Lina ao tocar piano, inclinava ora para um lado, ora para outro o longo rosto amarelo, meneava a cabeça ao compasso da música. Ninguém reparou na pequena Ida. De repente, ela viu uma grande flor de açafrão azul pular bem no meio da mesa, onde estavam os brin­quedos, e ir direitinho à cama da boneca e puxar as cortinas para o lado. Ali estavam as flores doentes, que, no entanto, logo se ergueram e acenaram para as outras, avisando que também queriam dançar. O ve­lho boneco, limpador de chaminés, cujo lábio inferior se partira, pôs-se de pé, fez reverências às flores, que já não tinham aspecto doentio e pulavam entre as ou­tras, muito alegres.

Alguma coisa pareceu cair da mesa, e Ida para lá voltou os olhos. Viu a vara de bétula pular para baixo. Sem dúvida, a vara achava que também fazia parte das flores. Era, de fato, muito airosa e trazia no alto um pequeno boneco de cera, que tinha na cabeça um lar­go chapéu, exatamente como aquele usado pelo conse­lheiro da chancelaria. A vara pulava no meio das flo­res com as suas três pernas de pau vermelhas, dança­va a mazurca sapateando, o que as outras flores não podiam fazer, por serem leves demais para sapatear.

O boneco de cera, no topo da vara da bétula, tor­nou-se subitamente comprido, girou por sobre as flo­res de papel e gritou em voz alta: “Então, isso são coi­sas que se metam na cabeça de uma criança! Que fan­tasias tolas!”

O boneco de cera era direitinho o conselheiro, com o largo chapéu e tudo, até mesmo a cara amarela e azeda. Mas as flores de papel batiam-lhe em torno das pernas finas, até obrigá-lo a encolher-se de novo e tor­nar-se o minúsculo bonequinho de cera que antes. Tudo aquilo era muito divertido, e a pequena Ida não pôde deixar de rir. A vara continuou a dançar e o con­selheiro tinha de dançar também, não havia como fur­tar-se, quer fosse ele comprido, quer continuasse a ser o pequeno boneco de cera amarela, com o grande cha­péu preto. Foi quando as outras flores intercederam, principalmente aquelas que tinham estado deitadas na cama da boneca, e a vara de bétula parou. No mesmo instante, ouviram-se fortes batidas no interior da gaveta, onde, ao lado de muitos brinquedos, estava guardada a boneca Sofia. O limpador de chaminés correu ao can­to da mesa, deitou-se de barriga para baixo, em todo o comprimento, e conseguiu abrir um pouquinho a ga­veta. Sofia surgiu admirada, e olhou ao redor.

-    “Parece que aqui há baile!” - disse ela.  - “Por que ninguém me avisou?”

-    “Queres  dançar comigo?” - perguntou-lhe o limpador de chaminés.

-    “Logo com quem!” - retrucou a boneca, dando-lhe as costas.

Sentou-se na gaveta, pensando que certamente vi­ria urna flor tirá-la para dançar. Mas nenhuma veio. Ela tossiu, para chamar a atenção sobre si, mas nem uma só flor notou-a. O limpador de chaminés dançou sozinho, o que era melhor do que nada.

Nenhuma das flores parecia ver a boneca, e So­fia deixou-se cair da gaveta ao soalho, fazendo baru­lho. Todas as flores vieram então correndo, e pergun­taram se ela não se machucara. Mostravam-se muito amáveis com ela, principalmente as que tinham dor­mido em sua caminha. Mas ela não se machucara, e as flores de Ida agradeceram-lhe a boa cama, disse­ram que gostavam muito dela. Levaram-na depois ao meio da sala, onde chegava a luz da Lua, e dançaram com ela, enquanto as outras flores formavam roda, com a boneca no meio. Sofia mostrou-se contente, e disse que podiam ficar com a cama quanto tempo quizessem, pois ela não se incomodava de dormir na ga­veta.

Mas as flores disseram:

-    “Muito te agradecemos, mas não vivemos tan­to como imaginas.  Amanhã estaremos todas mortas. Dize à pequena Ida que nos enterre no jardim, onde
está enterrado o canário. No verão nasceremos de no­vo, e seremos muito mais belas.”

-    “Não!”   -   protestou   Sofia.   -   “Não   deveis morrer!”

Beijou-as, e abriu-se então a porta da sala e entrou dançando uma infinidade de outras flores. Ida não pôde compreender de onde teriam vindo. Eram com certeza as flores do palácio real. Na frente, vinham duas magní­ficas rosas, com pequenas coroas de ouro na cabeça: eram o rei e a rainha. Vinham em seguida os mais gra­ciosos goivos e cravos, saudando para todos os lados as outras flores. Surgiu em seguida a banda de música. Grandes papoulas e peônias sopravam em vagens de er­vilha, com toda a força, a ponto de ficarem vermelhas. As campânulas azuis e os pequenos e alvos galantes ti­niam, como se carregassem campainhas. Era uma músi­ca divertida. Vieram muitas outras flores, todas dan­çando, violetas azuis, boninas vermelhas, margaridinhas e convalárias. Todas as flores se beijavam: eram cenas encantadoras.

Por último, as flores deram boa-noite umas às ou­tras, e também a pequena Ida esgueirou-se para a cama, onde dormiu e sonhou com tudo quanto vira.

Ao levantar-se, na manhã seguinte, dirigiu-se logo à mesinha, a ver se as flores ainda lá estavam. Puxou para um lado as cortinas, e viu-as todas, mas estavam murchas, muito mais do que no dia anterior. Sofia es­tava deitada na gaveta, onde Ida a deixara, mas tinha cara de sono.

- Lembras-te do recado que tens para me dar? - perguntou Ida.

Mas Sofia tinha uma expressão absolutamente parva, e não dizia uma só palavra.

-  Não és boa amiga - disse Ida. - Esqueces que todas elas dançaram contigo.

Tomou uma caixinha de papelão, forrada de papel com pássaros pintados, abriu-a, e nela depositou as flo­res mortas.

-  Este será o vosso caixão funerário - disse ela às flores. - E quando os meus primos chegarem, esta­rão presentes ao sepultamento, no jardim, onde no ve­rão podereis nascer de novo e ser muito mais belas!

Os primos de Ida eram dois guapos rapazes cha­mados Jonas e Adolfo. O pai presenteara-lhes com dois lindos arcos, que trouxeram do norte para mostrar a Ida. Ela contou-lhes tudo a respeito das pobres flores que tinham morrido, e foi-lhes permitido enterrá-las. Os dois meninos iam na frente, com os arcos ao ombro, e a pequena Ida ia atrás, com as flores dentro da cai­xa. Cavaram no jardim uma pequena sepultura. Pri­meiro, Ida beijou as flores, depois enterrou a caixa com elas dentro. E Adolfo e Jonas lançaram flechas sobre o túmulo, com os seus pequenos arcos, pois não tinham espingardas nem canhão para a cerimônia.

 

 

 

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 Os Elfos

 

Conto dos Irmãos Grimm, tradução de Ana Maria Machado

 

Era uma vez um sapateiro que tinha ficado tão pobre, mesmo sem culpa nenhuma, que a única coisa que lhe restara era um pedaço de couro que dava para fazer um único par de sapatos. De noite, ele cortou o molde dos sapatos, planejando começar a trabalhar neles no dia seguinte. Depois, de consciência tranqüila, foi calmamente para a cama, entregou-se a Deus, e adormeceu.

De manhã, rezou suas orações e ia se sentar para começar a trabalhar quando viu que os sapatos estavam prontinhos em cima da banca. Ficou tão espantado, que nem sabia o que pensar. Pegou os sapatos e olhou de perto. Não havia um único ponto irregular e estava perfeito como se tivesse sido feito por um mestre-artesão.

Melhor ainda: logo chegou um cliente que gostou tanto dos sapatos que pagou por eles mais do que seria o preço normal. Com o dinheiro, o sapateiro ia comprar um pedaço de couro que dava para fazer dois pares de sapatos. Novamente, ele deixou os moldes cortados de noite, antes de ir deitar, pretendendo trabalhar neles com mais ânimo no dia seguinte. Mas nem precisou, porque quando se levantou os sapatos já estavam prontos. E também logo chegaram compradores, que lhe pagaram o suficiente para que ele comprasse couro para quatro pares novos.

Na manhã seguinte, ele encontrou os quatro pares prontos. E assim continuou: os sapatos que ele deixava cortados de noite estavam terminados de manhã. Em pouco tempo ele estava conseguindo se manter decentemente e, daí a mais um pouco, estava rico.

Numa noite, pouco antes do Natal, depois que o sapateiro tinha cortado o couro e eles estavam se preparando para ir dormir, ele disse para a mulher:

— E se a gente ficasse acordado hoje para ver quem é que está nos ajudando?

A mulher gostou da idéia e deixou a lâmpada acesa. Os dois se esconderam num canto, atrás de umas roupas, e ficaram esperando. À meia-noite, dois homenzinhos nus e com ar muito esperto entraram, se inclinaram diante da banca de trabalho, pegaram as peças que estavam cortadas e começaram a furar, costurar e martelar com tanta rapidez e agilidade em dedinhos pequenos que o sapateiro nem acreditava, de tão espantado. Trabalharam sem um momento de descanso, até que os sapatos estavam prontinhos, em cima da banca. Então saíram correndo e foram embora. Na manhã seguinte, a mulher disse:

— Esses homenzinhos nos fizeram ficar ricos. Devíamos mostrar a eles como estamos gratos. Eles devem ter frio, coitados, correndo de um lado para outro sem nada para vestir. Sabe de uma coisa? Vou fazer umas camisas e calças para eles, coletes, e casacos… E você podia fazer uns pares de sapatos.

— Ótima idéia disse o sapateiro.

Naquela noite, quando aprontaram tudo, deixaram os presentes em cima da banca de trabalho, em vez dos moldes de couro cortado. Depois se esconderam para ver o que os homenzinhos iam fazer. À meia-noite, lá chegaram eles correndo, prontos para trabalhar. De início, ficaram meio intrigados ao ver aquelas roupinhas, em vez do couro

cortado. Mas deram pulos de alegria. Ligeiros como o relâmpago, vestiram as roupinhas lindas, se ajeitaram todos e cantaram:

Estamos lindos, tão elegantes. sem mais trabalho, como era antes…

Pularam e dançaram, saltaram por cima das cadeiras e dos bancos, e finalmente saíram pela porta afora, sem parar de dançar. Depois disso, nunca mais voltaram, mas o sapateiro continuou prosperando até o fim de seus dias, porque tudo em que ele punha as mãos dava certo.

 

 

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 A Senhora Holle

 

 Era uma vez...

 

Uma viúva que tinha duas filhas: a Helena, que era feia e preguiçosa, e a Irene, que era bonita e trabalhadora. Gostava muito mais da primeira, porque era sua filha verdadeira. A Irene, por seu lado, tinha de fazer todas as tarefas de casa, além de ser obrigada a fiar junto ao poço todos os dias, até ficar exausta.

Uma vez, a Irene fiou tanto que as suas mãos começaram a deitar sangue e sujou o fuso sem querer. Então, quis lavá-lo com a água do poço mas teve tanto azar que o deixou cair à água. Desesperada, foi a correr contar à sua madrasta, mas esta, em vez de a consolar, deu-lhe um grande raspanete.

- Como deixaste cair o fuso, vais ter de descer ao poço para o ires buscar - disse.

Sem protestar, a jovem regressou ao poço, e, mesmo cheia de medo, saltou lá para dentro.

A Irene saltou e perdeu os sentidos. E ao voltar a si, viu que se encontrava num bonito prado cheio de flores e que um coelho vestido de gala lhe dizia:

- Acorda, minha menina! Não desperdices esta tarde tão bonita a dormir a sesta.

Irene, ainda sobressaltada, perguntou-lhe:

- Onde estou?

- Este é o reino subterrâneo que está mesmo debaixo da tua casa - respondeu o coelho perdendo a paciência. - Agora tenho de me ir embora - acrescentou.

- Diz-me só mais uma coisa - suplicou-lhe a Irene. - Onde devo dirigir-me?

O coelho indicou-lhe um caminho e depois foi-se embora a correr.

No fim desse caminho havia uma casa, e como a Irene estava perdida resolveu bater à porta para ver se alguém a podia ajudar a encontrar o caminho de regresso a casa. Abriu-a uma velha mulher com uns dentes tão grandes que ela até se assustou.

A Irene quis sair dali o mais rápido possível, mas a mulher começou a dizer com voz doce:

- Não tenhas medo. Fica comigo e se me obedeceres serás recompensada. A tua única tarefa será a de sacudir com força o edredão da minha cama. Se o fizeres bem, vai nevar no mundo, pois, caso não saibas, eu sou a senhora Holle. Como a mulher insistiu tanto, a rapariga decidiu trabalhar para ela.

A Irene realizava a sua tarefa na perfeição, sacudindo o edredão com tanta energia que as penas voavam como flocos de neve. Para a recompensar, a senhora Holle tratava-a às mil maravilhas; preparava-lhe sempre guisados para comer e nunca lhe ralhava.

Mas passado um tempo, a rapariga começou a sentir-se triste. Ao princípio, não sabia o que se passava, mas, um dia, percebeu que tinha saudades. Mesmo vivendo muito melhor ali do que em sua casa, a Irene contou à senhora Holle que sentia a falta da sua mãe e da sua irmã.

- Eu percebo que queiras voltar - disse - e como te portaste bem, eu vou-te ajudar a regressar.

A mulher acompanhou a Irene até à porta que separava o mundo subterrâneo da superfície, e, antes de partir, devolveu-lhe o fuso que tinha caído ao poço. Além disso, encheu a sua saia de moedas de ouro e pôs-lhe um bonito colar ao pescoço. Então, despediu-se dela dizendo-lhe:

- Dou-te tudo isto como prova da minha gratidão pela tua bondade. Que sejas muito feliz, Irene. 

E, num instante, a Irene voltou a estar no pátio da sua casa. 

Ao vê-la, o galo que estava empoleirado no poço cantou:

- Cócórócócó, a vossa donzela de ouro já está aqui!

A rapariga atravessou o pátio e entrou em casa e, como ia coberta de ouro, a sua mãe e a sua irmã receberam-na com alegria. Ela contou-lhes tudo o que tinha acontecido.

Quando a mãe ouviu o relato, quis que a sua outra filha tivesse a mesma sorte.

A mãe levou a sua filha Helena ao poço, picou-a num dedo para sujar o fuso com o seu sangue e, de seguida, deixou-o cair no poço e empurrou a jovem atrás dele.

A Helena acordou no mesmo prado que a Irene, encontrou o mesmo coelho e começou a andar pelo mesmo caminho. Quando chegou a casa da senhora Holle, como já tinha ouvido falar nos seus enormes dentes não se assustou e começou a trabalhar para ela.

No primeiro dia a Helena mostrou-se muito trabalhadora e fez tudo o que a senhora Holle mandou, pois pensava no ouro que esta lhe ia dar. Mas em pouco tempo, começou a descuidar as suas obrigações, e, apesar dos sermões da velha senhora, passava o dia sentada no sofá.

A rapariga já não fazia a cama à senhora Holle como era suposto, e nesse Inverno, para grande tristeza das crianças, não nevou no mundo.

Por fim, a boa velhinha perdeu a paciência e pediu-lhe para se ir embora. 

A preguiçosa Helena estava satisfeita porque pensava que ela a ia cobrir de ouro; no entanto, a senhora Holle despediu-se atirando-lhe com um bocado de alcatrão pegajoso e mal cheiroso.

Toda suja, a Helena regressou a sua casa e o galo, ao vê-la, cantou: 

- Cócórócócó, a vossa donzela suja já chegou!

A mãe, desesperada, tentou limpá-la, mas por mais que a lavasse, não lhe conseguia tirar o alcatrão, e ficou assim o resto da vida.

 

Vitória, vitória, acabou-se a história!

 

 

 

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

O Flautista de Hamelin

 

 

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O flautista de Hamelin

(ilustração de Kate Greenaway)

 

Há muito, muitíssimo tempo, na próspera cidade de Hamelin, aconteceu algo muito estranho: uma manhã, quando seus gordos e satisfeitos habitantes saíram de suas casas, encontraram as ruas invadidas por milhares de ratos que iam devorando, insaciáveis, os grãos dos celeiros e a comida de suas bem providas despensas.

 

Ninguém conseguia imaginar a causa de tal invasão e, o que era pior, ninguém sabia o que fazer para acabar com tão inquietante praga.

 

 

Por mais que tentassem exterminá-los, ou ao menos afugentá-los, parecia ao contrário que mais e mais ratos apareciam na cidade.

Tal era a quantidade de ratos que, dia após dia, começaram a esvaziar as ruas e as casas, e até mesmo os gatos fugiram assustados.

Diante da gravidade da situação, os homens importantes da cidade, vendo perigar suas riquezas pela voracidade dos ratos, convocaram o conselho e disseram: Daremos cem moedas de ouro a quem nos livrar dos ratos.

Pouco depois se apresentou a eles um flautista taciturno, alto e desengonçado, a quem ninguém havia visto antes, e lhes disse: “A recompensa será minha. Esta noite não haverá um só rato em Hamelin”.

Dito isso, começou a andar pelas ruas e, enquanto passeava, tocava com sua flauta uma melodia maravilhosa, que encantava aos ratos, que iam saindo de seus esconderijos e seguiam hipnotizados os passos do flautista que tocava incessantemente.

E assim ia caminhando e tocando, levou-os a um lugar muito distante, tanto que nem sequer poderiam ver as muralhas da cidade.

Por aquele lugar passava um caudaloso rio onde, ao tentar cruzar para seguir o flautista, todos os ratos morreram afogados.

Os hamelineses, ao se verem livres das vorazes tropas de ratos, respiraram aliviados. E, tranqüilos e satisfeitos, voltaram aos seus prósperos negócios e tão contente estavam que organizaram uma grande festa para celebrar o final feliz, comendo excelentes manjares e dançando até altas horas da noite.

Na manhã seguinte, o flautista se apresentou ante o Conselho e reclamou aos importantes da cidade as cem moedas de ouro prometidas como recompensa. Porém esses, liberados de seu problema e cegos por sua avareza, reclamaram: “Saia de nossa cidade! Ou acaso acreditas que te pagaremos tanto ouro por tão pouca coisa como tocar a flauta?”.

E, dito isso, os honrados homens do Conselho de Hamelin deram-lhe as costas dando grandes gargalhadas.

Furioso pela avareza e ingratidão dos  hamelinenses, o flautista, da mesma forma que fizera no dia anterior, tocou uma doce melodia uma e outra vez, insistentemente.

Porem esta vez não eram os ratos que o seguiam, e sim as crianças da cidade que, arrebatadas por aquele som maravilhoso, iam atrás dos passos do estranho músico.

De mãos dadas e sorridentes, formavam uma grande fileira, surda aos pedidos e gritos de seus pais que, em vão, entre soluços de desespero, tentavam impedir que seguissem o flautista.

Nada conseguiram e o flautista os levou longe, muito longe, tão longe que ninguém poderia supor onde, e as crianças, como os ratos, nunca mais voltaram.

E na cidade só ficaram a seus opulentos habitantes e seus bem repletos celeiros e bem cheias despensas, protegidas por suas sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio e tristeza.

E foi isso que se sucedeu há muitos, muitos anos, na deserta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.

 

 

 

Catarina Quebra-Nozes

 

Conto de Joseph Jacobs

 

Era uma vez um rei e uma rainha, como os que reinavam em muitas nações. O rei tinha uma filha chamada Ana, e a rainha tinha outra chamada Catarina. Ana era muito mais bonita que a filha da rainha, mas gostavam uma da outra como verdadeiras irmãs. Sentindo inveja da filha do rei por ser mais bonita que a sua Catarina, a rainha procurou um meio de estragar a beleza dela. Assim, foi se aconselhar com a dona Galinha, que lhe disse para mandar a mocinha ir vê-la na manhã seguinte, de jejum.

Na manhã seguinte, bem cedo, a rainha disse a Ana:

“Vá, minha querida, até a dona Galinha, na ravina, e peça- lhe alguns ovos.” Lá se foi Ana, mas, vendo um pedaço de pão ao passar pela cozinha, pegou-o e foi mastigando pelo caminho afora.

Ao chegar à dona Galinha, pediu os ovos, como lhe haviam mandado fazer. A dona Galinha lhe disse: “Levante a tampa daquela panela ali e veja.” A mocinha obedeceu, mas não aconteceu nada. “Volte para sua mãe e diga-lhe para manter sua despensa bem trancada”, disse a dona Galinha. Assim ela voltou para casa e contou à rainha o que a galinha dissera. Com isso, a rainha soube que a mocinha tinha comido alguma coisa. Na manhã seguinte ficou muito atenta e despachou a princesa de jejum. Mas ela viu uns camponeses colhendo ervilhas à beira do caminho e, sendo muito gentil, falou com eles e pegou um punhado de ervilhas, que foi comendo pelo caminho.

Quando chegou à dona Galinha, esta disse: “Levante tampa da panela e verá.” Ana levantou a tampa do recipiente, mas nada aconteceu. Dona Galinha ficou terrivelmente zangada e disse a Ana: “Diga para sua mãe que a panela não vai ferver se o fogo estiver apagado.” Ana voltou para casa e contou isso à rainha. No terceiro dia a rainha foi pessoalmente com a menina até a dona Galinha. Ora, dessa vez, quando Ana levantou a tampa da panela, sua linda cabeça despencou e uma cabeça de ovelha pulou no seu pescoço.

Muito satisfeita, a rainha voltou para casa. Sua própria filha, Catarina, no entanto, pegou um fino pano de linho, envolveu com ele a cabeça da irmã e tomou-a pela mão. Assim partiram, em busca da sorte. Andaram, andaram e andaram até que chegaram a um castelo. Catarina bateu à porta e pediu pousada por uma noite para ela e uma irmã doente. Ao entrar, descobriram que era o castelo de um rei. Esse rei tinha dois filhos e um deles estava muito doente, à beira da morte, e ninguém conseguia descobrir qual era o seu mal. O curioso era que toda pessoa que o velava durante a noite desaparecia para nunca mais. Por isso o rei oferecera uma burra de prata a quem se dispusesse a ficar com ele. Ora, Catarina era uma menina muito corajosa, e se ofereceu para cuidar do príncipe.

Até a meia-noite, tudo correu bem. Quando as doze badaladas soaram, porém, o príncipe doente levantou-se, vestiu-se e se esgueirou escada abaixo. Catarina seguiu-o, mas ele não pareceu notar. O príncipe foi até o estábulo, selou seu cavalo, chamou seu cão de caça, pulou na sela e Catarina pulou lepidamente atrás. E lá se foram o príncipe e Catarina pela floresta. Catarina ia arrancando nozes das árvores e enchendo com elas seu avental. Cavalgaram e cavalgaram até chegar a um monte verdejante. Ali o príncipe refreou o cavalo e disse: “Abra, abra, monte verdejante, e deixe entrar o jovem príncipe com seu cavalo e seu cão.” E Catarina acrescentou: “E sua dama atrás de si’.

Imediatamente o monte verdejante se abriu e eles entraram. O príncipe penetrou num salão magnífico, feericamente iluminado, e muitas lindas fadas o cercaram e o chamaram para dançar. Enquanto isso, sem ser notada, Catarina escondeu-se atrás da porta. Dali viu o príncipe dançando, e dançando, até que não pôde dançar mais e desabou sobre um divã. As fadas se puseram então a abaná-lo, até que ele conseguiu se levantar e continuar dançando. Finalmente o galo cantou e o príncipe tratou de montar de novo seu cavalo a toda pressa; Catarina pulou atrás e rumaram para casa. Quando o sol da manhã se levantava, foram ao quarto do príncipe e encontraram Catarina sentada junto ao fogo, quebrando suas nozes. Contou que o príncipe tivera uma boa noite, mas que não velaria por ele mais uma noite a menos que ganhasse uma burra de ouro. A segunda noite transcorreu como a primeira, O príncipe se levantou à meia-noite e cavalgou até o monte verdejante e o baile das fadas, e Catarina foi com ele, colhendo nozes enquanto avançavam pela floresta. Dessa vez não espiou o príncipe, pois sabia que ia dançar, dançar e dançar. Mas viu urna fadinha-bebê brincando com uma varinha de condão e, sem ser notada, ouviu uma fada dizer a outra: “Três batidas com essa varinha de condão tornariam a irmã de Catarina tão linda como sempre foi.” Assim, Catarina começou a rolar nozes para a fada-bebê, e mais, e mais, até que a criança saiu cambaleando atrás dos frutos e deixou cair a varinha, que Catarina guardou no avental. E ao cantar do galo cavalgaram para casa como antes e, mais que depressa, ao entrar em seu quarto no palácio, Catarina tocou Ana três vezes com a varinha de condão. A repelente cara de ovelha caiu e ela voltou a ser linda como sempre.

Na terceira noite, Catarina só consentiu em velar o príncipe doente se pudesse se casar com ele. Tudo se passou como nas duas primeiras noites. Dessa vez a fadinha-bebê estava brincando com um passarinho. Catarina ouviu urna das fadas dizer: ”Três bocados deste passarinho devolveriam ao príncipe doente mais saúde do que ele jamais teve.” Catarina rolou todas as nozes que tinha para a fadinha-bebê, até o passarinho cair; guardou-o então no seu avental.

Ao cantar do galo partiram de novo, mas, em vez de quebrar suas nozes como costumava fazer, nesse dia Catarina depenou o passarinho e cozinhou-o. “Oh!” disse o príncipe doente. “Gostaria de um bocado desse passarinho:’ Assim Catarina deu-lhe um pedacinho da ave e ele se ergueu sobre os cotovelos. Dá um pouco exclamou de novo: “Oh, se eu pudesse comer mais um bocado daquele passarinho!” Catarina deu-lhe mais um pedaço e ele se sentou na cama. Depois ele disse de novo: ”Ah, se pudesse comer um terceiro bocado daquele passarinho!” Catarina deu-lhe um terceiro bocado e ele se levantou, forte e lampeiro, vestiu-se e foi se sentar junto ao fogo.

Quando o pessoal chegou na manhã seguinte, encontrou Catarina e o jovem príncipe quebrando nozes juntos. Nesse meio tempo, o irmão do príncipe vira Ana e caíra de amores por ela, como faziam todos que viam seu lindo rosto. Assim o filho doentio casou-se com a irmã sadia e o irmão sadio casou-se com a irmã doentia, e todos viveram felizes e morreram felizes e nunca beberam de um copo vazio.

 

 

 

 

As Princesas dançarinas

 

Conto de Hans Christian Andersen

 

Era uma vez um rei que tinha doze filhas muito lindas. Elas dormiam em doze camas, todas no mesmo quarto; e quando iam para a cama, as portas do quarto eram trancadas a chave por fora. Pela manhã, porém, os seus sapatos apresentavam as solas gastas, como se tivessem dançado com eles toda a noite. Ninguém conseguia descobrir como acontecia aquilo, já que o quarto era sempre trancado. Então, o rei anunciou por todo o país que se alguém pudesse descobrir o segredo de suas filhas, do que faziam a noite para que seus sapatos ficassem tão gastos, casaria com aquela de quem mais gostasse e seria o seu herdeiro do trono. Mas aquele que se propusesse a descobrir o segredo e não o fizesse ao fim de três dias e três noites, seria morto.

Apresentou-se logo o filho de um rei. Foi muito bem recebido e à noite levaram-no para o quarto ao lado daquele onde as princesas dormiam. Ele tinha que ficar sentado para ver onde elas iam dançar e, para que nada acontecesse sem que ele ouvisse, deixaram-lhe aberta a porta do quarto. Mas o rapaz daí a pouco adormeceu; e, quando acordou de manhã, percebeu as solas dos sapatos das princesas cheias de buracos. O mesmo aconteceu nas duas noites seguintes e por isso o rei ordenou que lhe cortassem a cabeça. Depois dele vieram vários outros. Nenhum teve sorte, e perderam a vida da mesma maneira.

Certo dia um ex-soldado, que ferido em combate e já não era mais capaz de guerrear, chegou ao país. Um dia, ao atravessar uma floresta, encontrou uma velha, que lhe perguntou aonde ia.

- Quero descobrir onde é que as princesas dançam, e assim, mais tarde, vir a ser rei.

- Bem, disse a velha, - isso não custa muito. Basta que tenhas cuidado e não bebas do vinho que uma das princesas te trouxer à noite. Logo que ela se afastar, deves fingir estar dormindo profundamente. E, dando-lhe uma capa, acrescentou:

- Logo que puseres esta capa tornar-te-ás invisível e poderás seguir as princesas para onde quer que elas queiram ir. Quando o soldado ouviu estes conselhos, foi falar com o rei, que ordenou lhe fossem dados ricos trajes. Quando veio a noite, conduziram-no até o quarto de fora. Quando ia deitar-se, a mais velha das princesas trouxe-lhe uma taça de vinho, mas o soldado entornou-a toda nas plantas do umbral da janela sem que ela percebesse. Em seguida estendeu-se na cama, e pôs-se a ressonar como se estivesse dormindo.

As doze princesas puseram-se a rir, levantaram-se, abriram as malas, e, vestindo-se esplendidamente, começaram a saltitar de contentes, como se já se preparassem para dançar. A mais nova de todas, porém, subitamente preocupada, disse:

- Não me sinto bem. Tenho certeza de que nos vai suceder alguma desgraça.
- Tola! - replicou a mais velha. Já não te lembras de quantos filhos de rei nos têm vindo espiar sem resultado? E, quanto ao soldado, tive o cuidado de lhe dar a bebida que o fará dormir, assim como fiz com todos os outros

Quando todas estavam prontas, foram espiar o soldado, que continuava a ressonar e estava imóvel. Julgaram-se seguras. A mais velha foi até a sua cama e bateu palmas: a cama enfiou-se logo pelo chão abaixo, abrindo-se ali um alçapão. O soldado viu-as descer pelo alçapão, uma atrás das outra. Levantou-se, pôs a capa que a velha lhe tinha dado, e seguiu-as. No meio da escada, desastrado, pisou na cauda do vestido da princesa mais nova, que gritou às irmãs:

- Alguém me puxou pelo vestido!

-Que tola! - disse a mais velha. Deve ter sido um prego da parede.

Lá foram todas descendo e, quando chegaram ao fim, encontraram-se num bosque de lindas árvores. As folhas eram todas de prata e tinham um brilho maravilhoso. O soldado quis levar uma lembrança dali, e partiu um raminho de uma das árvores.

Em seguida foram a outro bosque, onde as folhas das árvores eram de ouro; e depois a um terceiro, onde as folhas eram de diamantes. E o soldado partiu um raminho em cada um dos bosques. Chegaram finalmente a um grande lago onde, à margem, estavam encostados doze barcos pequeninos, dentro dos quais doze príncipes muito belos esperavam pelas princesas.

Cada uma delas entrou em um barco, e o soldado saltou para onde ia a mais moça. Quando iam atravessando o lago, o príncipe que remava o barco da princesa mais nova disse:

-Não sei por que, mas apesar de estar remando com toda a minha força, parece-me que vamos mais devagar do que de costume. O barco parece estar hoje muito pesado.

-Deve ser do calor do tempo, disse a jovem princesa.

Do outro lado do lago ficava um grande castelo, de onde vinha um som de clarins e trompas. Desembarcaram todos e entraram no castelo, e cada príncipe dançou com a sua princesa. O soldado invisível dançou entre eles, também, e quando punham uma taça de vinho junto a qualquer das princesas, o soldado bebia-a toda, de modo que a princesa, quando a levava à boca, achava-a vazia. A mais moça assustava-se muito, porém a mais velha fazia-a calar. Dançaram até as três horas da madrugada, e então já os seus sapatos estavam gastos e tiveram que parar. Os príncipes levaram-nas outra vez para o outro lado do lago - mas desta vez o soldado veio no barco da princesa mais velha - e na margem oposta despediram-se de seus doze companheiros, prometendo voltar na noite seguinte

Quando chegaram ao pé da escada, o soldado adiantou-se às princesas e subiu primeiro, indo logo deitar-se. As princesas, subindo devagar, porque estavam muito cansadas, ouviam-no sempre ressonando, e disseram:

-Está tudo bem. Ele ainda dorme!

Depois despiram-se, guardaram outra vez os seus ricos trajes, tiraram os sapatos e deitaram-se. De manhã o soldado não disse nada do que tinha visto, mas desejando tornar a ver a estranha aventura, foi ainda com as princesas nas duas noites seguintes. Na terceira noite, porém, o soldado levou consigo uma das taças de ouro como prova de onde tinha estado.

Chegada a ocasião de revelar o segredo, foi levado à presença do rei com os três ramos e a taça de ouro. As doze princesas puseram-se a escutar atrás da porta para ouvir o que ele diria.

O rei perguntou, imponente:

-Onde é que as minhas doze filhas gastam seus sapatos todas as noites?

Ele respondeu muito seguro de si:

-Dançando com doze príncipes num castelo debaixo da terra.

Depois contou ao rei tudo o que tinha sucedido, e mostrou-lhe os três ramos e a taça de ouro que trouxera consigo.

O rei chamou as princesas e perguntou-lhes se era verdade o que o soldado tinha dito. Vendo que seu segredo havia sido descoberto, elas confessaram tudo.

O rei perguntou ao soldado com qual delas ele gostaria de casar.

-Gostaria de me casar com a mais velha, que é uma bela mulher e muito inteligente!
Casaram-se dias depois e o soldado tornou-se herdeiro do trono.

Quanto às outras princesas e seus bailes no castelo encantado, pelos buracos nas solas dos sapatos, elas continuam dançando até hoje.

 

 

 

João e Maria

 

Conto de Tradição Oral, adaptado Posteriormente por Irmãos Grimm

 

Junto a uma imensa floresta, vivia um nobre lenhador com sua mulher e dois filhos, O menino se chamava João e a menina se chamava Maria. Nunca havia muita coisa em casa para comer e uma vez, numa época de muita fome, nem mesmo havia pão que desse para todo mundo.

Uma noite, o lenhador ficou acordado na cama, se revirando na cama sem conseguir dormir, preocupado, pensando. De repente, suspirou e disse para a mulher:

- Que será que vai nos acontecer? Como é que vamos poder alimentar nossos filhos, se nem temos comida que chegue para nós?

A mulher respondeu:

- Marido, ouça-me. Amanhã, quando o dia clarear, levamos as crianças para a parte mais fechada da floresta, fazemos uma fogueira para eles e damos a cada um dos dois um pedaço de pão. Depois, os deixamos lá e vamos trabalhar. Eles nunca vão conseguir achar o caminho de casa e, desse jeito, nos livramos deles.

- Não, mulher - disse o homem. - Não posso fazer isso. Como é que eu vou poder deixar meus filhos sozinhos no meio da floresta? As feras vão rasgá-los em pedaços.

- Você é um bobo! - disse ela - Então, nós quatro vamos morrer de fome. Pode ir começando a preparar as tábuas para fazer nossos caixões.

E não o deixou em paz enquanto ele não concordou.

- Mas ainda me sinto mal em relação a essas pobres crianças - disse ele.

Acontece, porém, que as crianças estavam com muita fome e não conseguiam dormir. Por isso, ouviram tudo o que a madrasta disse ao pai delas. Maria chorou lágrimas de amargura e disse:

- Estamos perdidos, João!

- Sossegue, Maria - disse João. - Não se preocupe. Eu vou dar um jeito.

Quando os velhos dormiram, ele se levantou, vestiu o paletozinho, abriu a parte de baixo da porta da cozinha, que era daquelas que têm duas partes, como se fosse uma portinhola embaixo e uma janela em cima, e rastejou até lá fora. A lua brilhava, e as pedrinhas em volta da casa brilhavam como se fossem moedas de prata. João se abaixou e catou pedrinhas até atulhar os bolsos com elas. Depois, voltou e disse pata Maria:

- Não se preocupe, irmãzinha. Pode dormir tranqüila, que Deus não vai nos abandonar.

E também voltou para a cama.

Quando o dia raiou, antes mesmo do sol se levantar, a mulher veio acordar os dois meninos:

- Levantem, seus preguiçosos. Vamos à floresta buscar lenha.

Depois, deu a cada um deles um pedaço de pão e disse:

- Isso é para o almoço de vocês. Não comam muito cedo, porque depois não tem mais…

Maria guardou o pão debaixo do avental, porque João estava com os bolsos cheios de pedrinhas. Depois, partiram todos juntos para a floresta.

Depois de terem caminhado um pouco, João parou um pouco, virou para irás, e olhou em direção à casa. E daí a pouco fez a mesma coisa de novo, e de povo. Ficou toda hora fazendo isso, O pai perguntou:

- João, por que é que toda hora você se atrasa e fica olhando para trás? Acorde, vamos. Não se esqueça para que servem as pernas.

- Ah, papai - respondeu João, - estou olhando o meu gatinho branco em cima do telhado, querendo me dar adeus.

A mulher disse:

- Seu bobo, não é seu gatinho branco. É o sol da manhã batendo na chaminé e brilhando.

Mas João não estava olhando gatinho nenhum. Estava era tirando uma pedrinha do bolso, de cada vez, e jogando no chão.

Quando chegaram no meio da floresta, o pai disse:

- Comecem a catar lenha, crianças, e eu faço uma fogueira para esquentar vocês.

Joáo e Maria apanharam gravetos até formarem um monte. Os gravetos foram acesos e, quando o fogo já estava bem alto, a mulher disse:

- Agora, crianças, deitem-se junto ao fogo e descansem. Vamos cortar lenha na floresta. Quando acabarmos, voltamos para apanhar vocês.

João e Maria se sentaram junto à fogueira e, ao meio-dia, comeram seus pedaços de pão. Ouviam as pancadas de um machado a toda hora, e achavam que o pai estava por perto. Mas não era um machado. Era um galho que ele havia amarrado a uma árvore seca, e que o vendo sacudia, batendo, de um lado para o outro. Depois de ficarem ali sentados por algum tempo, ficaram tão cansados que os olhos foram se fechando e caíram num sono profundo. Quando finalmente acordaram, já era noite alta.

  Maria começou a chorar e disse:

- Como é que vamos conseguir sair desta floresta?

Mas João a consolou:

Espere um pouquinho, Maria. Assim que a lua nascer, vamos achar o caminho.

E quando a lua cheia nasceu, João pegou a irmãzinha pela mão e seguiu as pedrinhas, que brilhavam como moedas de prata que tivessem acabado de serem cunhadas, e mostravam todo o caminho. Andaram a noite inteira e chegaram casa do pai quando o dia estava raiando. Bateram à porta e, quando a mulher abriu e viu João e Maria, exclamou:

- Crianças levadas! Por que é que vocês ficaram tanto tempo dormindo na floresta? Pensamos que não iam voltar nunca mais.

Mas o pai ficou contente, porque tinha ficado muito infeliz por abandoná-los.

Algum tempo depois, houve novamente muita fome em todo o país e as crianças ouviram a mãe conversando com o pai, de noite, na cama:

- Já comemos tudo o que havia para comer. Só sobrou meio pão e, quando acabar, não vai haver mais nada. As crianças têm que ir embora. Vamos levá-las ainda mais longe na floresta e desta vez elas não vão encontrar o caminho de casa. É a nossa única esperança.

O marido ficou com o coração pesado e comentou:

- Eu preferia dividir a última migalha com meus filhos.

Mas a mulher não queria prestar atenção a nada do que ele dizia. Ficava só reclamando e achando defeito em tudo. E depois que a gente já disse sim urna vez, fica difícil dizer não. Por isso, o lenhador acabou cedendo de novo.

Só que as crianças estavam acordadas e ouviram toda a conversa. Quando os mais velhos dormiram, João se levantou outra vez. Queria pegar mais umas pedrinhas, mas desta vez a mulher tinha trancado a porta e ele não conseguiu sair. Mas mesmo assim, consolou a irmãzinha e disse:

- Não chore, Maria. Vá dormir. Deus vai nos ajudar.

De manhã cedo, a mulher veio e acordou as crianças. Deu a elas alguns pedaços de pão, mas bem menores do que da outra vez. A caminho da floresta, João foi esmigalhando o pão dentro do bolso. De vez em quando parava, e deixava cair algumas migalhas no chão.

- João - disse o pai, - por que é que você fica toda hora parando e olhando para trás? Vamos, ande.

Estou olhando para meu pombinho - disse João. - Ele está pousado no telhado, tentando me dar adeus.

Deixe de ser bobo - disse a mulher. - Não é seu pombinho, é só o sol da manhã brilhando na chaminé.

Mas aos poucos, João conseguiu deixar cair todo o seu pão no chão.

A mulher levou as crianças até um lugar ainda mais fundo da floresta, um lugar onde elas nunca tinham estado, em toda a vida. Mais uma vez, fizeram uma
grande fogueira e a mãe disse:

- Fiquem sentadinhos aqui. Se se cansarem, podem dormir um pouco. Vamos entrar na floresta para fazer lenha e, de noite, quando terminarmos, voltamo e pegamos vocês.

Ao meio dia, Maria dividiu com João seu pedaço de pão, porque ele tinha gasto todo o dele marcando o caminho. Depois, adormeceram e a tarde se passou.

Mas ninguém veio buscar as duas crianças. Já era noite escura quando acordaram, e João consolou a irmãzinha:

- Maria - disse ele, - espere só até que a lua apareça. Aí nós vamos ver os pedacinhos de pão que eu deixei cair e eles vão nos mostrar o caminho de casa.

Quando a lua surgiu, os dois partiram, mas não conseguiram achar nem uma migalhinha de pão, porque os milhares de pássaros tinham comido tudinho.
Entanto, João disse a Maria:

- Não se preocupe, vamos achar o caminho.

Mas não acharam.

Caminharam a noite inteira, e depois o dia todo, da manhã à noite, mas ainda estavam na floresta, e cada vez com mais fome, porque não tinham nada para comer, a não ser algumas frutinhas de mato. E quando ficaram tão cansados que as pernas nem conseguiam mais carregá-los, deitaram-se debaixo de uma árvore e dormiram.

Já era a terceira manhã desde que tinha saído da casa do pai. Começaram andar outra vez, mas cada vez se embrenhavam mais na floresta e, a não ser alguma ajuda chegasse logo, na certa iam morrer de fome e cansaço. Ao meio-dia. viram um passarinho lindo, branco como a neve, pousado num galho. Cantava tão bonito que eles pararam e ficaram ouvindo. Quando acabou de cantar, bateu as asas e voou. As crianças foram seguindo o passarinho até que ele pousou no telhado de uma casinha.

Quando as crianças se aproximaram, viram que a casa era feita de pão, o telhado era de bolo e as janelas de caramelo.

- Vamos comer - disse João - e que o Senhor abençoe a nossa comida. Vou pegar um pedaço do telhado. E você, Maria, pode pegar um pedaço da janela
- é bem docinho.

João levantou a mão e pegou um pedaço do telhado, para ver que gosia tinha. Maria tirou uma lasquinha da vidraça e começou a mordiscar.

Então, ouviram uma voz suave, chamando lá de dentro:

- Chipe, chipe, meu ratinho,

Está comendo meu docinho?

E as crianças responderam:

- É o vento que dança,

o céu frito uma criança…

E continuaram a comer.

João gostou do gosto do telhado. Então, resolveu tirar um pedaço grande. Maria quebrou uma vidraça redonda inteirinha e sentou no chão para comer melhor e apreciar bem.

De repente, a porta se abriu e apareceu uma velha muito velha, apoiada numa forquilha. João e Maria levaram um susto tão grande que deixaram cair o que estavam comendo. Mas a velha abanou a cabeça e disse:

- Ai, que crianças tão engraçadinhas! Como é que vocês chegaram aqui? Não tenham medo, venham, entrem e fiquem comigo… Não vou lhes fazer mal algum.

Pegou os dois pela mão e os levou para dentro da casa. Lá, havia diante deles urna bela refeição de leite, panqueca, açúcar, maçãs e nozes. E depois, havia duas caminhas preparadas com roupa branca e bem limpinha. João e Maria se deitaram e acharam que estavam no céu.

Mas a velha só estava fingindo que era boazinha. Na verdade, ela era uma bruxa malvada, que armava ciladas para pegar crianças e tinha feito aquela casa toda de pão só para atraí-las. Ela matava, cozinhava e comia qualquer criança que caísse em suas mãos, e para ela isso era um grande banquete.

As bruxas têm olhos vermelhos e, por isso, não enxergavam muito bem, mas in um ótimo faro, como se fossem animais. Por isso, sabem muito bem quando os humanos estão chegando perto. Quando João e Maria se aproximavam. ela ria com uma gargalhada bem malvada, que ela tinha, e disse para si mesma, numa careta:

- Aí vêm dois que nunca vão conseguir ir embora…

De manhã cedo, quando as crianças ainda estavam dormindo, a velha se levantou. Quando olhou para eles e viu que descansavam tão doces, com as bochechas tão rosadas, murmurou para si mesma:

- Que delícia que eles vão ser!

Então, ela agarrou João com sua mão esquelética levou-o para um pequeno barraco e fechou-o lá dentro, com uma porta de barras de ferro. Ele berrou o quanto pôde, mas não adiantou nada.

Depois a bruxa foi para perto de Maria, sacudiu a menina até que ela acordasse e gritou:

- Levante-se, sua preguiçosa. Vá buscar água e cozinhar alguma coisa bem gostosa para seu irmão. Ele está lá fora no barraco e vamos ter que engordá-lo bastante. Quando ele estiver bem bonito e bem gordo, vou comer ele todinho.

Maria chorou muito, mas foi em vão. Tinha que fazer o que a bruxa malvada mandava.

A melhor comida era feita para o coitado do João. Maria só ganhava casca de amarão de água doce. Todas as manhãs a bruxa velha se arrastava até o barraco e dizia:

- João, mostre o dedo. Quero ver se você está engordando.

Mas João mostrava um ossinho.

A velha tinha vista fraca e não conseguia enxergar direito. Achava que era mesmo o dedo de João e não entendia como é que ele não engordava. Depois de terem passado quatro semanas, como João continuava tão magrelo como antes, ela perdeu a paciência e resolveu que não ia esperar mais.

- Vamos, Maria! - gritou ela - Vá buscar água no poço, e não se demore pelo caminho. Magricela ou gordo, vou matar João amanhã e cozinhá-lo.

Ah, como a coitadinha chorava porque tinha que carregar essa água! Como as lágrimas rolavam pelas bochechas dela!

- Meu Deus! - chorava ela - Por favor, o Senhor não vai nos ajudar? Se os animais ferozes tivessem nos devorado na floresta, pelo menos tínhamos morrido juntos.

- Pare com essa choradeira! - mandava a bruxa - Não vai adiantar nada…

De manhã bem cedo, Maria teve que encher a chaleira de água e acender o fogo.

Primeiro, vamos fazer o pão - disse a bruxa velha. -Já pus o forno para esquentar e preparei a massa.

E levou a coitada da Maria para junto do forno, de onde a essa altura já saíam chamas.

- Vá lá dentro, engatinhando - disse a bruxa - e veja se já está bem quente para poder assar o pão.

 O que ela queria era, quando Maria estivesse lá dentro, Fechar a porta e assar a menina para comê-la também. Mas Maria percebeu o que ela estava planejando e disse:

Eu não sei como é que a gente faz isso. Como é que eu faço para entrar?

- Sua bobalhona! - exclamou a velha - A porta é bem grande, veja. Até - eu consigo entrar.

Então, a bruxa foi até a abertura e meteu a cabeça lá dentro. No mesmo instante, Maria deu um empurrão nela. Um empurrão tão forte que ela revirou lá dentro. E a menina, rapidamente, fechou a porta de ferro e prendeu bem a tranca. Aaaaai! Como a velha berrava! Mas Maria saiu correndo e deixou a bruxa malvada se queimar até morrer. Enquanto isso, a menina correu para junto de João, abriu a porta do barraco e gritou:

- João, estamos salvos! A bruxa velha morreu!

João saiu lá de dentro, pulando, como um passarinho quando alguém abre a porta da gaiola. Como eles ficaram contentes! Dançaram de alegria, se abraçaram e se beijaram.

Depois, como já não havia mais motivo para ter medo de nada, entraram na casa da bruxa. Em cada canto havia caixas cheias de pérolas e pedras preciosas. João encheu os bolsos e disse:

- Vão ser muito melhores do que pedrinhas.

E Maria disse:

- Também vou levar umas para casa.

Depois, encheu o avental com elas.

- É melhor irmos andando agora - disse João. - Vamos sair logo desta floresta enfeitiçada.

Após andarem durante algumas horas, chegaram a uma grande extensão de água.

- Como é que vamos atravessar? - disse João - Não vejo ponte nenhuma.
- Também não tem barco - disse Maria, - mas ali adiante estou vendo um pato branco. Se eu pedir, ele vai nos ajudar a passar para o outro lado.

E pediu:

- Patinho, patinho,

Vem nos ajudar,

Sem ponte e sem barco

Queremos passar.

Então o pato veio até junto dos dois. João montou nas costas dele e disse à irmã que se sentasse a seu lado.

- Não - disse Maria. - Ia ser demais para o coitado. É melhor que ele leve um de cada vez.

E foi isso que o bom patinho fez.

Depois que eles atravessaram e caminharam um pouco, começaram a reconhecer a floresta, cada vez mais, e finalmente viram ao longe a casa do pai. Começaram a correr, entraram pela casa adentro e se jogaram nos braços do pai. O pobre homem não conseguia passar um só momento feliz desde que tinha deixado os filhos na floresta e, enquanto as crianças estavam longe, a mulher dele tinha morrido.

Maria então abriu o aventalzinho e as pérolas e pedras preciosas se espalharam pelo chão da sala. João punha as mãos nos bolsos e tirava punhados e mais punhados de jóias. Todas as preocupações deles se acabaram, e viveram juntos na maior felicidade.

 

 

 

Molly Whuppie

 

Conto de Joseph Jacobs

 

Era uma vez um homem e uma mulher que tinham filhos demais e não conseguiam comida para eles. Pegaram então os três menores e os abandonaram na mata. As crianças andaram, andaram, sem nunca avistar uma casa. Logo começou a escurecer, e ficaram com fome. Finalmente viram uma luz e caminharam rumo a ela; era uma casa. Bateram à porta e apareceu uma mulher, que perguntou:

“O que desejam?”

E elas responderam:

“Por favor, deixe-nos entrar e nos dê alguma coisa para comer:’ A mulher disse:

“Não posso, porque meu marido é um gigante, e se chegasse em casa comeria vocês.” Elas imploraram: “Deixe-nos descansar só um pouquinho”, disseram, “e iremos embora antes que ele chegue.” Ela as deixou entrar, instalou-as diante do fogo e deu-lhes leite e pão; mas as crianças mal tinham começado a comer quando se ouviu uma batida muito forte à porta, e uma voz pavorosa disse:

“Fi-feu-fo-fum, farejo o sangue de um mortal. Quem está aí com você, mulher?”

“Hum”, disse a mulher, “são três pobres meninas com frio e com fome, e já vão embora. Não toque nelas, homem:’

Ele não disse nada, mas devorou um lauto jantar e ordenou que elas passassem a noite toda ali. Ora, ele também tinha três meninas, e elas iam dormir na mesma cama que as três forasteiras.A mais nova das três meninas estranhas chamava-se Molly Whuppie e era muito esperta. Ela notou que, antes de irem para a cama, o gigante passou cordas de palha em volta do seu pescoço e do das irmãs, e correntes de ouro em volta do pescoço das próprias filhas. Assim, Molly ficou atenta e não dormiu, esperando até se certificar de que todos estavam mergulhados num sono pesado. Depois se esgueirou da cama, soltou as cordas de palha do seu pescoço e do das irmãs e tirou as correntes de ouro do das filhas do gigante. Pôs então as cordas de palha nas meninas do gigante e as de ouro em si mesma e nas irmãs e se deitou.

No meio da noite o gigante se levantou, armado de um enorme porrete, e procurou os pescoços com a palha. Estava escuro. Ele tirou as filhas da cama e, no chão, surrou-as até matá-las, depois foi de novo se deitar, pensando que tinha se dado bem. Molly, achando que era hora de cair fora dali com as irmãs, acordou-as, disse-lhes que ficassem bem quietinhas, e todas fugiram sorrateiramente da casa.

Saíram sãs e salvas e correram, correram, sem nunca parar até de manhã, quando viram uma magnífica casa diante de si. Era a casa de um rei; Molly entrou e contou sua história ao rei. Ele disse: “Bem, Molly, você é uma menina esperta e realizou uma proeza; mas se quisesse realizar uma proeza maior ainda, e voltar para furtar a espada do gigante, que fica pendurada atrás da cama dele, eu daria meu filho mais velho em casamento à sua irmã mais velha.” Molly disse que tentaria. Assim ela voltou, conseguiu penetrar na casa do gigante e se meteu debaixo da cama. O gigante chegou em casa, comeu um lauto jantar e foi se deitar. Molly esperou que ele começasse a roncar e avançou furtivamente, esticou o braço por cima dele e pegou a espada; mas no instante em a passava sobre a cama, ela tilintou.

O gigante deu um pulo e Molly saiu porta afora, levando a espada. Correu, correu, até que chegou à Ponte de um Cabelo. Molly conseguiu passar, mas o gigante não, e disse:”Maldita seja, MollyWhuppie! Nunca mais volte aqui.” E ela respondeu: “Duas até agora, grandalhão, vou-me embora para a Espanha:’ Assim, Molly levou a espada para o rei e sua irmã se casou com o filho dele.

“Bem”, o rei disse, “você realizou uma proeza; mas se realizasse uma ainda maior e furtasse a bolsa que fica debaixo do travesseiro do gigante eu casaria sua segunda irmã com meu segundo filho.” E Molly disse que tentaria.

Assim, partiu para a casa do gigante, entrou nela de mansinho, escondeu-se de novo debaixo da cama, e esperou o gigante terminar seu jantar e roncar num sono profundo. Saiu do seu esconderijo, enfiou a mão debaixo do travesseiro e puxou a bolsa. Mas no instante em que estava saindo o gigante acordou e correu atrás dela. E ela correu, e ele correu, até que chegaram à Ponte de uni Cabelo, e ela passou, mas ele não conseguiu, e disse: “Maldita seja, Molly Whuppie! Nunca mais volte aqui.”

“Mais uma vez, grandalhão”, ela exclamou, “vou-me embora para a Espanha:’

Assim Molly levou a bolsa para o rei, e sua segunda irmã se casou com o segundo filho do rei. O rei disse então a Molly: “Molly, você é uma menina esperta, mas se fizesse melhor ainda e furtasse o anel que o gigante usa no dedo eu lhe daria meu filho mais moço em casamento.” Molly disse que tentaria.

Assim, lá foi ela de novo para a casa do gigante, e se escondeu debaixo da cama. O gigante não demorou muito a chegar e, depois de dar cabo de um lautíssimo jantar, foi para a cama e logo estava roncando alto. Molly se esgueirou, esticou o braço por cima da cama, segurou a mão do gigante e puxou, puxou até conseguir arrancar o anel. Mas no instante em que o pegou, o gigante acordou, agarrou-a pela mão e disse: “Desta vez peguei você, MollyWhuppie, e, se eu lhe fizesse tanto mal quanto me fez, o que faria comigo?”

Molly disse: “Enfiaria você num saco e meteria junto lá dentro o gato, e mais o cachorro, e uma agulha e linha e tesoura, e penduraria você na parede, e iria até a mata, e escolheria a vara mais grossa que pudesse encontrar, e voltaria para casa, despenduraria você e surraria até que morresse.” “Bem, Molly,” disse o gigante, “é isso mesmo que vou fazer com você:’ Apanhou um saco e enfiou Molly dentro, e junto com ela o gato e o cachorro, e uma agulha e linha e tesoura. Pendurou o saco na parede e foi para amata escolher uma vara. Quanto a Molly, ela cantou: “Ah, se visse o que estou vendo!”

“Oh!”, perguntou a mulher do gigante. “O que está vendo, Molly?”

Mas Molly não dizia uma palavra a não ser: “Ah, se visse o que estou vendo!”

A mulher do gigante implorou a Molly que a deixasse entrar no saco para ver o que ela estava vendo. Assim, Molly pegou a tesoura e cortou um buraco no saco e, levando consigo a agulha e a linha, pulou fora, ajudou a mulher do gigante a se enfiar lá dentro e costurou o buraco. A mulher do gigante não viu patavina, e começou a pedir para sair de novo. Mas Molly não fez o menor caso e tratou de se esconder atrás da porta.

Eis que chegou o gigante, uma árvore enorme na mão, e desceu o saco e começou a surrá-lo. Sua mulher gritava “Sou eu, homem”, mas o cachorro latia e o gato miava e ele não reconheceu a voz da esposa. Então Molly saiu de detrás da porta e o gigante a viu e saiu atrás dela; e ele correu, e ela correu, até que chegaram à Ponte de um Cabelo, e ela passou mas ele não pôde. E ele disse: “Maldita seja, MoilyWhuppie! Nunca mais volte aqui.

“Nunca mais, grandalhão”, ela exclamou. “Vou-me embora de novo para a Espanha:’

Assim Molly levou o anel para o rei e se casou com o seu filho caçula e nunca mais viu o gigante de novo.

 

 

 

O isqueiro mágico

 

Conto de Hans Christian Andersen (1835)

 

Um soldado vinha marchando pela estrada: um, dois! Um, dois! Trazia a mochila às costas e a espada no cinto, pois estivera na guerra e voltava para casa. Encontrou no caminho uma velha bruxa, horrivelmen­te feia, com o lábio inferior pendendo-lhe até o peito.

-   Boa tarde, soldado! - disse ela. - Que bela espada e que grande mochila tens aí! És um verdadeiro soldado.   Terás, já, quanto- dinheiro  quiseres.

-   Muito obrigado, velha - respondeu o soldado.

-   Vês esta grande árvore? - perguntou a bruxa, apontando a árvore ao lado dele.  - É inteiramente oca. Podes subir até a copa. Verás, então, um buraco pelo qual descerás até chegar bem embaixo. Eu te amar­ro uma corda na cintura, para poder içar-te de novo, quando me chamares.

-   E que farei lá embaixo, na árvore? - quis saber o soldado.

Vais buscar dinheiro! - disse a bruxa. - Quando chegares ao fundo, encontrarás um vasto salão muito

bem iluminado, pois nele ardem centenas de lâmpadas. Verás então três portas, que podes abrir.  As chaves estão nas fechaduras. Entrando no primeiro quarto, verás, no soalho, uma grande arca, em cuja tampa está sentado um cão. Os olhos dele são do tamanho de xí­caras de chá. Mas não te incomodes com isso. Dou-te meu avental azul enxadrezado; estende-o no chão, e em seguida vai bem depressa, pega o cão e coloca-o no meu avental. Podes então abrir a arca e tirar quantos vinténs quiseres; são todos de cobre. Mas, se preferires prata, é só entrares no quarto seguinte; ali está senta­do um cão com olhos do tamanho de rodas de moinho. Não te incomodes, porém. Coloca-o no meu avental, e serve-te do dinheiro! Entretanto, se quiseres ouro, tam­bém o terás - tanto quanto puderes carregar! Basta entrares no terceiro quarto.  Ali, o cão da arca tem olhos do tamanho da cúpula de um edifício. Esse, sim, é um cão extraordinário, verás! Mas não te incomodes. Coloca-o no meu avental e ele nada te fará. Podes então tirar da arca quanto ouro quiseres.

-   Não me parece nada mau - disse o soldado - Mas que te darei eu em troca, minha velha? Sim, imagino que hás de querer alguma paga por tudo isso.

-   Não - respondeu a bruxa. - Não quero um único vintém. Só tens de me trazer um velho isqueiro que minha avó esqueceu quando, pela última vez, este­ve lá embaixo.

-   Combinado! - concordou o soldado. - Podes já me amarrar a corda à cintura.

-   Pronto! - disse a bruxa, quando terminou de amarrar a corda. - E aqui está o meu avental azul e branco.

O soldado subiu a árvore, deixou-se escorregar pelo oco da árvore abaixo, e pouco depois estava num gran­de salão iluminado, exatamente como dissera a bruxa. Ardiam nele centenas de lâmpadas!

Abriu a primeira porta. E lá estava, a encará-lo, o cão com olhos do tamanho de xícaras de chá.

- És um lindo animal!  - disse o soldado.

E colocou-o no avental da bruxa, recolhendo tan­tas moedas de cobre quantas lhe cabiam no bolso. Tor­nou a fechar a arca, nela colocou de novo o cão, e en­trou no segundo quarto. Ali estava o cão com olhos do tamanho de rodas de moinho!

-  Não devias fitar-me tanto, pois acabarás com os olhos doendo!

Depois de dizer isso, pôs o cão no avental da bru­xa. Ao ver, porém, tanto dinheiro de prata na arca, dei­tou fora todo o dinheiro de cobre que trazia e encheu os bolsos e a mochila com as novas moedas. Entrou de­pois no terceiro quarto. Inacreditável! Lá estava o cão de olhos tão grandes como a cúpula de um edifício, a girar-lhe feito rodas!

-  Boa noite, meu prodigioso animal!  - disse o soldado, levando respeitosamente a mão ao quepe, pois nunca antes vira um cão extraordinário assim.

Após contemplá-lo por algum tempo, comentou con­sigo próprio: “Agora, chega!” Pôs o cão no soalho e abriu a arca. Quanto ouro, santo Deus! Daria para comprar a Copenhague, os porquinhos de açúcar das doceiras, todos os soldadinhos de chumbo, chicotes e cavalinhos de pau que existiam no mundo! Ali, sim, ha­via dinheiro! O soldado botou fora todas as moedas de prata com que enchera os bolsos e a mochila, substi­tuindo-as pelas de ouro. Abarrotou com elas os bolsos, a mochila, o quepe e as botas, a ponto de quase não po­der mais andar. Agora, sim, tinha dinheiro! Colocou o cão na arca, fechou a porta e gritou para cima, atra­vés do oco da árvore:

-   Já podes içar-me, minha velha!

-   Trazes o isqueiro? - perguntou ela.

-   Que coisa! - exclamou o soldado. - Não é que tinha me esquecido dele!

Pegou então o isqueiro, e a bruxa puxou-o para cima. Pouco depois estava o soldado de novo na es­trada, com os bolsos, as botas, a mochila e o quepe cheios de moedas de ouro!

-  Que vais fazer com o isqueiro? - perguntou ele.

-   Não é da tua conta - disse a bruxa. — Levas bom dinheiro. Dá-me o isqueiro, e pronto!

-   Nada disso! - retrucou o soldado. - Dize-me primeiro o que vais fazer com o isqueiro, ou eu puxo minha espada e te corto a cabeça!

-   Não direi nunca! - protestou a bruxa. - Não tenho que te dizer nada!

O soldado cortou-lhe então a cabeça, e deixou a ve­lha estendida na estrada. Depois atou todo o dinheiro no avental dela, fez uma trouxa, que pôs às costas, meteu o isqueiro no bolso e tomou o rumo da cidade.

Ali chegando, entrou numa grande hospedaria, on­de pediu o que havia de melhor - em aposentos e igua­rias. Pediu tudo aquilo de que mais gostava, pois tinha muito dinheiro e podia pagar.

O criado, porém, ao limpar-lhe as botas, estranhou que um cavalheiro tão rico usasse botas tão velhas. O soldado explicou que ainda não tivera tempo de com­prar outras. No dia seguinte, porém, ostentava ele lin­das botas novas e as roupas mais bonitas. Tornara-se um nobre, e todos lhe falavam do esplendor da cidade, do rei e da sua encantadora filha.

-   Onde poderei ver a princesa? - perguntou o soldado.

-   Ela não pode ser vista! - informaram. - Mora num grande palácio de cobre, todo cercado de muros e torres. Ninguém, a não ser o rei, pode vê-la, porque vaticinaram que ela haverá de casar-se com um soldado raso.

“Como eu gostaria de vê-la!”, pensou o soldado. Mas naturalmente compreendeu que era impossível con­seguir isso.

E foi vivendo a sua vida folgazão, indo ao teatro, passeando de carruagem nos jardins. Dava, porém, muito dinheiro aos pobres, pois sabia quanto era duro não ter vintém. Trajava roupas vistosas, e começou a ter muitos amigos, que lhe gabavam as qualidades de autên­tico cavalheiro, o que muito agradava ao soldado. Gas­tando, porém, dinheiro todos os dias e não ganhando nenhum, não tardou a ver-se, um belo dia, com apenas

dois vinténs no bolso. Teve de mudar-se dos seus ricos aposentos para uma água-furtada, e de escovar ele pró­prio suas botas e, mais tarde, remendá-las com uma ve­lha agulha de sapateiro. Seus amigos deixaram de vi­sitá-lo, alegando que não podiam subir tantas escadas.

Certa noite, era grande a escuridão e ele nem uma vela podia comprar! Lembrou-se então que havia um coto no isqueiro da bruxa. Foi buscá-lo, tateando, mas no momento em que acionou o isqueiro, saltaram faís­cas por toda a parte. Abriu-se a porta e apareceu-lhe o cão de olhos tão grandes como xícaras de chá, que lhe perguntou:

-  Que ordena, meu senhor?

O soldado ficou estupefacto.

Que estranho isqueiro era aquele? Podia pedir en­tão o que quisesse?

-  Arranja-me algum dinheiro - disse ao cão.

E zás! O cão sumiu, e logo reapareceu com um saco de moedas de cobre na boca.

O soldado ficou conhecendo os poderes mágicos do isqueiro. Se batia uma vez, aparecia o cão da arca de moedas de cobre. Se batia duas vezes, aparecia o da arca de moedas de prata. Se batia três vezes, aparecia o da arca de moedas de ouro. O soldado tornou a mu­dar-se para os aposentos de luxo, voltou a usar as rou­pas bonitas dos primeiros dias, e imediatamente todos os seus amigos passaram a procurá-lo de novo e de novo passaram a gostar dele e admirá-lo.

Certa vez ele pensou: “É bem estranho, afinal de contas, que ninguém possa ver a princesa. Todos dizem que ela é maravilhosa! Mas de que adianta isso, se a coitadinha tem de ficar o tempo todo oculta no palácio de cobre, cercada de muros e torres? Será que realmen­te não a poderei ver? E o meu isqueiro?

Bateu uma vez na mola, e imediatamente apare­ceu o cão com os olhos do tamanho de xícaras de chá.

-        É verdade que estamos na escuridão da noite - ponderou o soldado. - Mas eu gostaria tanto de ver a princesa, nem que fosse por um instantinho só!

cão desapareceu, e antes que o soldado pudesse refletir, eis que tornou a vê-lo, trazendo a princesa! Ela dormia, e era tão encantadora que qualquer um podia ver que se tratava de uma verdadeira princesa. O soldado não pôde resistir. E beijou-a. Mas logo o cão desapareceu com ela. E quando, na manhã seguin­te, o rei e a rainha tomavam chá, a princesa contou-lhes que tivera um sonho muito estranho naquela noite. Sonhara com um cão e um soldado. Ela montara no cão e o soldado a beijara.

-  Com efeito, é uma história bem estranha!   - disse a rainha.

Foi deliberado que uma das camareiras velaria jun­to à cama da princesa na noite seguinte, para ver se era mesmo um sonho - ou o que podia ser.

O soldado de novo desejou ver a princesa. O cão foi ao palácio, tomou-a sobre o dorso e correu o quanto podia, mas a camareira saiu-lhe no encalço, correndo tão depressa quanto ele. Vendo-o desaparecer na hos­pedaria, murmurou: “Agora sei onde é.”

Com um pedaço de giz, traçou uma grande cruz na porta do prédio. Isso feito, voltou ao palácio, e o cão não tardou a surgir com a princesa. Vendo, porém, uma cruz de giz na porta da hospedaria onde morava o soldado, tomou por sua vez de um pedaço de giz, e desenhou cruzes em todas as portas da cidade. Foi uma sábia medida, pois com tantas cruzes a camareira não podia mais identificar a porta da hospedaria.

Pela manhã, bem cedo, o rei, a rainha, a camareira e todos os oficiais saíram para ver onde a princesa ti­nha estado à noite.

-   Foi ali! - disse o rei, ao ver a primeira porta marcada com a cruz.

-   Talvez tenha sido ali! - exclamou a rainha, ao ver outra porta assinalada.

-   Ali há uma, e acolá outra! - disseram todos.

E para onde olhavam, viam cruzes nas portas. Com­preenderam que não valeria a pena continuar a busca.

A rainha, porém, mulher muito sagaz, que não sa­bia apenas passear de carruagem, tomou da sua grande

tesoura de ouro, recortou uma peça de seda, e costurou uma bolsinha. Encheu-a com grãozinhos de sorgo, amarrou-a às costas da princesa, e, em seguida, abriu com a tesoura um buraquinho, através do qual, por onde a princesa passasse, os grãozinhos pudessem ir caindo.

À noite, o cão tornou a ir ao palácio, pôs a princesa nas costas e levou-a para perto do soldado, que gostava cada vez mais dela, a ponto de desejar ser um príncipe para fazê-la sua esposa.

O cão nem reparou que os grãos iam caindo, desde o palácio até a janela do soldado, por onde ele entrou com a princesa. Pela manhã, o rei e a rainha descobri­ram onde a filha tinha estado. E mandaram meter o soldado no cárcere.

Ficou ele preso na escura masmorra.

-  Amanhã serás enforcado! - disseram-lhe.

Não era agradável ouvir aquilo. O pior, porém, é que ele esquecera o isqueiro na hospedaria. Pela ma­nhã, através das grades de ferro, viu o povo saindo às pressas da cidade, para o local do enforcamento. Ou­viu rufar os tambores, enquanto guardas marchavam. O povo continuava a passar. Um aprendiz de sapatei­ro, com um avental de couro, passou correndo tão rá­pido que uma das suas chinelas saiu voando em dire­ção ao muro onde o soldado espiava através das grades de ferro.

-  ó rapaz, não tenhas tanta pressa! - disse o soldado. - A função não começa antes de eu chegar lá. Queres dar um pulo até onde eu morei, e apanhar o meu isqueiro? Ganharás quatro moedas, por isso. Mas vai correndo!

O aprendiz de sapateiro, que bem queria ganhar quatro vinténs, saiu em disparada, apanhou o isqueiro e deu-o ao soldado.

E o resto veremos já!

Fora da cidade erguia-se uma grande forca. Ro­deavam-na os guardas e centenas de milhares de pes­soas. O rei e a rainha ocupavam o trono armado em

frente ao local onde se reuniam os juizes e o conselho. O soldado já estava no alto do estrado, mas, quando o verdugo ia colocar-lhe a corda ao pescoço, ele ponde­rou que era da tradição permitirem ao réu formular o último desejo. O dele era muito simples: queria dar a derradeira cachimbada de sua vida.

O rei não se opôs. O soldado pegou o isqueiro, acionou a mola uma, duas, três vezes, e surgiram en­tão os três cães: o dos olhos do tamanho de xícaras de chá, o dos olhos iguais a rodas de moinho, e o que ti­nha olhos tão grandes como a cúpula de um edifício.

-  Ajudai-me, para que eu não seja enforcado! - clamou o soldado.

Os cães atiraram-se rápidos nos juizes e aos mem­bros do conselho, pegaram uns pelas pernas e outros pelo nariz, e jogaram todos eles a muitos metros de altura, de maneira que caíam e se faziam em pedaços.

-  Poupai-me! - pedia o rei.

Mas o maior dos cães, agarrando-o com a rainha atirou os dois para o ar, como aos outros. Os guardas fugiam assustados e todo o povo gritava:

-  Soldadinho, de ora em diante serás nosso rei e terás como esposa a encantadora princesa!

Levaram o soldado na carruagem do rei e os três cães saíram dançando na frente. Os meninos assobia­vam, com os dedos na boca, e a tropa reuniu-se para apresentar armas. A princesa saiu do palácio e tornou-se rainha, que era o seu sonho. As bodas duraram oito dias. E os três cães, de olhos arregalados, tiveram as­sento à grande mesa festiva.

 

 

 

 

O PEQUENO POLEGAR

 

Conto de Charles Perrault

 

Era uma vez um casal de lenhadores muito, muito pobres, com sete filhos pequenos. Um deles, o caçula, era magro e fraco, mas esperto e inteligente; era conhecido como Polegar, por ser muito pequeno ao nascer. Naquele ano difícil, faltava tudo, praticamente não havia o que comer. Os dois lenhadores, desesperados com tanta miséria e tantas bocas para alimentar, encontraram uma triste solução: iriam se livrar dos sete filhos esfomeados. Enquanto os filhos dormiam, pai e mãe planejaram como agiriam para abandonar as crianças. — Vamos levar as crianças para a floresta — disse o lenhador. — Lá, enquanto juntam lenha, nós as abandonaremos e fugiremos sem que percebam. Quando o pai pronunciou a última palavra, seus olhos e os de sua esposa estavam cheios de lágrimas. — Coitadinhos dos meus filhos — disse a mãe, soluçando. — Ficarão sozinhos, sentindo frio, fome e medo das feras do mato… — Prefere, então, que morram de fome aqui mesmo conosco, sob nossas vistas? — perguntou o pai, também chorando. Não havia solução. As crianças morreriam, em casa ou na floresta. Então, era melhor que fosse longe, para os pais sofrerem menos. Combinaram o que fariam no dia seguinte e foram dormir. Pela manhã, o casal chamou os filhos e foram todos para a floresta. Enquanto as crianças estavam ocupadas em apanhar bastante lenha, os pais foram se afastando, afastando, até ficarem bem longe. Quando os sete irmãos perceberam que estavam sozinhos, os seis maiores começaram a chorar. Mas Polegar não desanimou. Encorajou os irmãos propondo que, juntos, procurassem o caminho de casa. Começaram a caminhar pela floresta mas, infelizmente, quanto mais caminhavam, parecia que estavam mais perdidos e não sabiam que rumo seguir. Chegou a noite, começou a chover e a fazer muito frio; ao longe, os lobos uivavam. Os seis pequenos estavam desesperados, amedrontados e desanimados. Mas Polegar, sempre muito ativo, subiu em uma grande árvore e, lá do alto, viu uma luz brilhar ao longe. Imaginou que seria a luz de uma casa. Sem hesitar, o garoto desceu da árvore e, guiando os irmãos, começou a andar na direção daquela luzinha distante. Andaram e andaram, até chegar a uma casa imensa e assustadora. Polegarzinho bateu à porta e uma mulher veio abrir. — Quem são vocês, crianças, e o que querem? — Estamos perdidos na mata. Tenha pena de nós, minha senhora. Estamos com fome e precisamos de um lugar para dormir. Poderia nos abrigar? — Coitados! Vocês estão sem sorte. Esta é a casa de meu marido, o Gigante, verdadeiro devorador de criancinhas. Polegar logo respondeu, sem demonstrar medo: — Se ficarmos na mata, com certeza seremos devorados pelos lobos. Então, já que estamos aqui, preferimos ser devorados pelo Gigante. Aliás, quem sabe ele não se comoverá e nos deixará viver? Já com os lobos, não haverá conversa alguma. A mulher do Gigante tinha coração mole e se deixou convencer: permitiu que os sete irmãos entrassem. Mal tinham acabado de entrar, ouviram fortes golpes na porta: era o Gigante que regressava! A mulher escondeu as crianças embaixo do armário e correu para abrir a porta. O Gigante entrou. Era um ser enorme, de aspecto horrível. Logo que passou pela porta, começou a farejar de um lado e de outro, desconfiado, cheirando com prazer e apetite: — Cozida ou ensopada. Aqui tem cheiro de deliciosa criançada! Dizia isso e lambia os beiços. — Imagine, nada disso! É o cheiro da janta — disse a esposa, tremendo de pavor. Mas o Gigante não se deixava enganar, pois conhecia bem demais o cheiro da carne humana. — Assadinhas ou fritinhas. Aqui tem o cheiro de criancinhas! E lambia os beiços. Guiando-se pelo faro, foi em direção ao armário e, com as enormes mãos, arrancou de lá os sete irmãos, um por um, mais mortos do que vivos pelo medo. — Muito bem! Aqui tem uma ótima refeição para amanhã. E começou a afiar o facão. Já tinha agarrado o pescoço do irmão mais velho quando a mulher falou: — Por que você quer matá-los nesta noite? A janta já está pronta! — Tem razão, minha velha — resmungou o Gigante. É melhor economizar, portanto deixá-los-ei para amanhã, é melhor que descansem um pouco. A mulher do Gigante suspirou aliviada. Levou as crianças para dormir no quarto em que estavam suas sete filhas, sete meninas muito feias e cruéis, como o pai. Assim, dormiriam em uma larga cama as sete garotinhas. E em uma cama igual, ao lado, os sete irmãozinhos. Polegar reparou que as filhas do Gigante usavam suas coroas de ouro mesmo enquanto dormiam. Receando que o malvado mudasse de idéia e decidisse matá-los naquela mesma noite, o pequeno pegou seu gorrinho e os de seus irmãos e os colocou com cuidado na cabeça das garotas adormecidas, após tirar as coroazinhas de ouro, que colocou na sua cabeça e na dos queridos irmãos. Estava feita a troca. A certa altura o Gigante acordou, arrependido por ter adiado a matança. Agarrou o facão e foi ao quarto das filhas, no escuro. Tateando, aproximou-se da cama em que dormiam os sete irmãos. Polegar sentiu a enorme mão do Gigante tocar em seus cabelos e na coroazinha e, em seguida, o horroroso exclamou: — Meu Deus! O que estava para fazer? Por pouco quase degolei minhas próprias filhotas! Aproximou-se da outra cama, estendeu a mão, sentiu os gorrinhos de lã rústica e riu. E, sem dó, cortou de uma vez só as sete gargantas. Depois voltou para a cama, para continuando o sono interrompido. Bastaram alguns minutos, e já estava roncando forte. Com muito cuidado, o pequeno Polegar acordou os irmãos e contou-lhes o que acontecera. Falou da troca dos gorros com as coroas para enganar o Gigante, e concluiu: — Devemos fugir imediatamente, antes que seja tarde! Silenciosamente, os coitadinhos saíram daquela casa e foram para a floresta. Andaram a noite toda, sem saber bem para onde ir. Caminhavam rapidamente, para escapar da fúria do terrível Gigante. Na manhã seguinte o Gigante acordou e, antes de mais nada, foi pegar suas vítimas para cozinhá-las. Imaginem só como ficou, ao perceber que havia degolado suas amadas filhinhas e que os sete guris tinham desaparecido! Cego de raiva, calçou suas botas mágicas, que a cada passo alcançavam sete léguas, e partiu para a perseguição. Dali a pouco já estava bem próximo dos fugitivos. Polegarzinho, sempre alerta, viu que ele estava chegando e, sem perder a calma, mandou os irmãos se esconderem em uma caverna ali pertinho. E lá vinha o Gigante, cada vez mais perto dos indefesos meninos. Andara muito, e já começava a se cansar. Precisou, então, parar e resolveu dar uma cochiladinha. E sabem onde? Bem na frente da caverna em que estavam escondidos os irmãos. Polegar pensou rápido e, aproveitando o sono do inimigo, mandou os outros seis fugirem. Depois, aproximou-se do Gigante e, com muito cuidado para não acordar o guloso, descalçou-lhe as botas mágicas. Eram imensos, aqueles calçados do Gigante, mas por serem mágicos logo se ajustaram aos pés pequenininhos do novo dono. — Agora sim! — disse decidido.— Andarei pelo mundo até encontrar um modo de melhorar nossas vidas. Partiu, calçado com as botas que, a cada passo, percorriam sete léguas. Andou muito, muito mesmo, mais que o próprio Gigante. Após algumas horas, chegou a um reino distante, que estava em guerra. Logo soube que o rei dali recompensaria com uma fortuna a pessoa que lhe trouxesse qualquer informação sobre as tropas e as batalhas. Esperto como era, Polegar foi para a região do combate, auxiliado pelas botas velozes. Quando retornou, levou excelentes informações para o rei que, muito satisfeito, pagou-lhe o combinado. E ainda lhe deu mais algumas centenas de moedas. No dia seguinte, Polegarzinho, calçou de novo as botas mágicas e, em um piscar de olhos, alcançou a cabana dos pais, onde foi acolhido com enorme alegria por todos, inclusive pelos seus irmãos, que tinham conseguido voltar. Assim, graças ao pequeno e inteligente Polegar, todos viveram felizes desde aquele dia, com muita fartura.

 

 

 

A Lebre Encantada

 

Havia em um reino um rei que tinha um filho. Um dia o rei estava muito doente e disse ao filho que fosse matar uma caça para ele comer. O príncipe saiu com uma espingarda e quando viu, foi sair do mato uma lebre toda branca. O príncipe correu atrás dela para pegá-la, quando de repente abriu-se um buraco no chão e a lebre entrou, levando consigo o príncipe. Quando este viu, estava dentro de um palácio muito bonito e rico, tendo nele uma princesa também muito formosa. O príncipe ficou tão encantado da beleza da princesa, que nunca mais e lembrou do palácio do pai e nem deste. Passado muito tempo, vai um dia o príncipe lavar as suas mãos e tira do dedo uma jóia que o pai tinha lhe dado. Ai ele lembra de seu palácio e da família, e diz a princesa que ia vê-los. A princesa instou muito para que ele não fosse, mais ele disse que ia e tornava a voltar. A princesa então bateu com uma vara no lugar onde ela tinha entrado com o príncipe e o chão logo abriu-se e o príncipe passou. Quando chegou ao palácio do pai, achou-o todo coberto de luto e abandonado, pois já tinha morrido toda a família de desgosto por causa do desaparecimento do príncipe. Este ficou muito triste e não quis voltar mais pro palácio da princesa. Saiu sem destino tendo trocado a ropa de príncipe por a de um sapateiro, e deu a uma cidade que estava toda em festa; ele foi e perguntou que festa era aquela; então disseram que era pq a princesa deste lugar era uma moça mais bonita do mundo. O príncipe que estava mudado em sapateiro, pediu que lhe mostrasse a princesa, e disse quando a viu que já tinha visto uma moça muito mais bonita. Correram e foram logo dizer ao rei que aquele sapateiro disse que tinha conhecido uma princesa muito mais bonita do que a filha dele. O rei mandou chamar o sapateiro e disse, que sob pena de morte ele havia de trazer a princesa à presença dele. O sapateiro pediu o prazo de quinze dias e saiu. Quando chegou ao lugar onde a lebre tinha entrado com ele, principiou a cavar. Levou muito tempo cavando pq a terra estava muito dura, mais afinal conseguiu passar.

Ai encontrou o palácio da princesa todo fechado. Ele bateu na porta e apareceu uma criada. Quando esta viu o príncipe disse:

-Príncipe meu senhor, a princesa esta muito doente por sua causa só o que diz é: “Ah! Ingrato, que foste e nunca mais viste quebrar meus encantos”

A criada disse mais que naquele dia à meia noite o mar crescia muito e afogava todo o palácio, e então entrava um peixe muito grande e engolia a princesa, mas se tivesse uma pessoa que matasse o peixe, quebrava os encantos da princesa. O príncipe quis ir falar com a princesa mais a criada disse que não, porque ela podia morrer mais depressa. Aí o mar principiou a crescer e a princesa a ficar pior. O príncipe foi ver uma espada e escondeu-se atrás de uma janela o mar foi tomando o palácio, e quando foi meia noite, que o peixe entrou para engolir a princesa, o príncipe meteu-lhe a espada e o matou. O mar foi diminuindo outra vez a princesa escapou. Então o príncipe apareceu e a princesa ficou muito alegre e houve muita festa. Depois o príncipe disse:

-Princesa eu já lhe salvei a vida, agora é você que vai salvar a minha.

E contou, que sobre pena de morte, havia de mostrar uma princesa mais bonita que a filha do rei.

A princesa disse que ele fosse descansado. Ele saiu e chegou no outro reino no dia marcado. Já estava a forca armada para ele morrer. Então ele pediu ao rei que esperasse mais um pouco, quando se viu foi aparecer uma nuvem de prata. Veio descendo, descendo, quando chegou no meio do povo apareceu uma criada toda coberta de prata dizendo:

-Arreda povo deixa botar a cadeirinha de minha sinhá.

Aí o povo ficou pasmado. O sapateiro tornou a pedir ao rei que esperasse mais um bocadinho, que ainda não era aquela. Apareceu outra nuvem de ouro e foi descendo e quando chegou no meio do povo apareceu uma criada toda coberta de ouro e disse:

-Arreda povo deixa eu botar a cadeirinha da minha sinhá.

O sapateiro tornou a pedir ao rei que esperasse, quando apareceu uma nuvem de brilhante e foi descendo. Quando chegou no meio do povo apareceu uma moça linda e toda coberta de brilhantes, que era a princesa, e assentou-se no meio das duas criadas. Quando o rei e a princesa viram aquela beleza, reviraram de cima das janelas do palácio e caíram mortos.

 

 

 

Jacinto e Rosinha

 

Novalis

(Pseudônimo de Friedrich von Hardenberg)

 

Tradução de Karin Volobuef

 

Em épocas remotas vivia bem longe próximo ao oriente um rapaz na flor da juventude. Ele era muito correto, mas também sobremaneira estranho. Mortificava-se sem parar por coisas absolutamente insignificantes, andava sempre ensimesmado, ficava sentado à parte enquanto os demais se entretinham com folguedos e se divertiam, e entregava-se a pensamentos bizarros. Grutas e florestas eram os seus lugares prediletos, e lá ficava falando com animais e pássaros, com árvores e rochedos, naturalmente nenhuma palavra ajuizada, apenas um monte de tolices de morrer de rir. Ele continuava sempre circunspeto e rabugento embora o esquilo, o macaco, o papagaio e o pisco (2) se esforçassem ao máximo para distraí-lo e pô-lo no bom caminho . O ganso narrava contos de fadas, o regato enquanto isso tamborilava uma balada, uma pedra grande e compacta dava cambalhotas ridículas, a rosa vinha de mansinho por trás dele e carinhosamente enrodilhava-se em seus cachos, e a hera acariciava-lhe a testa carregada de preocupações. Contudo , a melancolia e a sisudez eram teimosas. Os pais dele estavam bastante aflitos e não sabiam o que fazer. Ele era saudável e se alimentava, eles nunca o tinham ofendido e, além disso, até há poucos anos, ele fora o menino mais alegre e feliz, à dianteira em todos os folguedos e benquisto de todas as meninas. Era realmente muito belo, parecia obra de um artista, dançava com elegância. Dentre as moças, havia uma donzela delicada e muito formosa, parecia feita de cera, tinha cabelos como seda dourada, lábios rubros como cerejas, corpo de boneca, olhos negros como corvos. Quem a via ficava a ponto de desfalecer, tão encantadora era a menina. Naquela época, Rosa - esse era o nome dela - queria bem de todo o coração ao belo Jacinto - esse era o nome dele - e ele morria de amor por ela. As outras crianças não sabiam disso. Uma violeta foi a primeira a dar-lhes a notícia, depois de os gatinhos de estimação terem percebido tudo, já que as casas dos pais de ambos ficavam perto uma da outra. Quando Jacinto ficava à noite em frente de sua janela e Rosa em frente da dela, os bichanos que por lá passavam à caça de camundongos avistavam os dois, riam e por vezes davam gargalhadas tão altas que eles ouviam e ficavam zangados. A violeta tinha confidenciado tudo ao morango, este contou à sua amiga, a groselha espinhosa, esta não pôde conter seus remoques quando Jacinto veio caminhando por ali. E assim a notícia logo correu por todo jardim e por toda floresta, e quando Jacinto saía a passeio ouvia de todos os lados: Rosinha é meu amorzinho! Jacinto então se zangava, embora por outro lado não pudesse deixar de rir prazerosamente quando a lagartixinha se esgueirava para perto, tomava assento numa pedra cálida, abanava o rabinho e entoava:

 

A boa menina, Rosinha,
de repente ficou ceguinha;
pensando ser sua mãe a chegar
corre para Jacinto abraçar;
quando ela o rosto percebe
vejam só, ela não estremece,
e, fazendo-se de desentendida,
a beijar o rapaz continua entretida.

 

Ah, quão pouco ainda haveria de durar toda essa ventura. Chegou de terras desconhecidas um homem que era muitíssimo viajado, tinha uma longa barba, olhos encovados, sobrancelhas imensas, vestes extravagantes com muitas pregas e desenhos de figuras estranhas. Ele sentou-se diante da casa que pertencia aos pais de Jacinto. Como Jacinto era muito curioso, tomou lugar ao lado dele trazendo-lhe pão e vinho. Aí sua alva barba se entreabriu e ele ficou falando até tarde da noite, e Jacinto não saiu de perto dele um instante sequer, nem se cansou de ouvi-lo. Tanto quanto se soube mais tarde, ele teria falado muito de países estrangeiros, regiões desconhecidas, de coisas prodigiosas e surpreendentes, e durante sua estadia de três dias ele arrastou-se com Jacinto até o interior de profundas furnas. Rosinha teve motivos de sobra para amaldiçoar o velho bruxo, pois Jacinto ficou fascinado por sua conversa e não pensou em mais nada, e mal provava um pouco de alimento. Finalmente o outro partiu, mas deixou para Jacinto um livrinho que pessoa alguma conseguia ler. O rapaz ainda lhe entregou frutas, pão e vinho para a viagem, e acompanhou-o por um longo trecho. Retornou, então, pensativo, e seu modo de ser passou por uma total transformação. Era de dar pena o quanto Rosinha sofreu por ele, pois desde então ele pouco se importou com ela e ficava quase sempre sozinho. Mas eis que certo dia ele voltou para casa parecendo renascido. Abraçou efusivamente seus pais e chorou. Preciso partir para terras distantes, disse ele, a estranha anciã da floresta revelou-me um meio que deverá curar-me, ela jogou o livro na fogueira e instou-me a que os procurasse e lhes pedisse sua benção. Talvez eu retorne em breve, talvez nunca mais. Dêem minhas lembranças a Rosinha. Eu teria gostado de falar com ela, mas não sei o que acontece comigo, sinto-me impelido a partir; quando tento rememorar os velhos tempos, de pronto idéias mais possantes se metem de permeio, minha paz se foi, junto com ela meu coração e o amor, preciso partir para procurá-los. Gostaria de dizer-lhes para onde vou, mas nem eu mesmo o sei, irei para onde mora a mãe de todas as coisas, a virgem coberta de véus: por ela é que o meu espírito anseia. Adeus. Ele arrancou-se de seus braços e partiu. Os pais lastimaram-se e verteram lágrimas, Rosinha permaneceu em seu aposento e chorou amargamente. Jacinto andou então o mais ligeiro que pôde, atravessando vales e descampados, transpondo rios e montanhas rumo ao misterioso país. Em todos os lugares perguntava pela deusa sagrada (Ísis) interpelando homens e animais, rochedos e árvores. Uns riam, outros silenciavam, em parte alguma recebia qualquer indicação. No princípio, passou por terras incultas e bravias; nuvens e brumas lançavam-se em seu caminho; a ventania soprava incessantemente. Mais tarde encontrou imensos desertos de areias incandescentes, e, enquanto assim prosseguia, também seu espírito foi-se alterando: o tempo lhe parecia mais lento e a agitação em seu íntimo foi-se acalmando; ele tornou-se mais brando e a sua violenta comoção pouco a pouco deu lugar a um impulso suave mas marcante, no qual toda sua alma se dissolvia. Era como se muitos anos se tivessem passado. A paisagem tornou-se então novamente mais opulenta e variada, o ar tépido e azul, o caminho mais plano; verdes arbustos atraíam-no com sombras deleitosas, mas ele não entendia sua linguagem, aliás eles não pareciam estar falando, apesar disso enchiam seu coração de cores verdes e de uma disposição reservada e serena. Mais e mais crescia dentro dele aquela doce nostalgia, e mais e mais largas e suculentas foram tornando-se as folhas, mais e mais sonoros e festivos os animais e passarinhos, mais aromáticos os frutos, mais escuro o céu, mais quente o ar, e mais ardente seu amor; o tempo ia passando mais e mais célere como se soubesse estar perto do local de chegada. E um dia ele cruzou com uma fonte cristalina e uma multidão de flores que vinham descendo para um vale por entre colunas negras e altas como o céu. Elas gentilmente o saudaram com palavras familiares. Prezados compatriotas, disse ele, onde poderia eu encontrar a sagrada morada da deusa Ísis? Deve achar-se aqui por perto, e talvez vocês conheçam o lugar melhor que eu. Também estamos aqui apenas de passagem, responderam as flores; uma família de espíritos encontra-se em viagem e estamos preparando-lhes o caminho e a pousada, contudo há pouco atravessamos uma região onde ouvimos mencionarem o nome dela. Siga na direção de onde viemos e decerto obterá mais informações. As flores e a fonte disseram-lhe isso com um sorriso, ofereceram-lhe um gole refrescante e prosseguiram em sua jornada. Jacinto seguiu seu conselho, indagou e indagou e finalmente chegou àquela morada que há tanto procurava e que ficava oculta sob palmeiras e outras vegetações magníficas. Seu coração batia com uma nostalgia infinita, e a mais doce ansiedade traspassou-o nesta habitação, que aloja as estações eternas. Imerso em deliciosos aromas celestiais ele adormeceu, pois somente lhe seria permitido adentrar o recinto mais sagrado se fosse guiado pelo sonho. Apoiado apenas em sons e acordes cambiantes, ele foi misteriosamente conduzido pelo sonho através de aposentos infinitos, cheios de coisas estranhas. Tudo lhe parecia tão conhecido e, no entanto, de uma exuberância nunca antes vista; logo a última reminiscência terrena desapareceu, como se tivesse se dissipado no ar, e lá estava ele diante da virgem celestial, ele levantou então o véu leve e resplandecente e Rosinha caiu em seus braços. Uma música longínqua cingiu em mistério o reencontro apaixonado, o transbordar da saudade, e afastou deste lugar encantador tudo o que não era familiar. Jacinto depois disso ainda viveu muito tempo com Rosinha junto de seus venturosos pais e companheiros, e incontáveis netos agradeceram à estranha anciã da floresta pelo seu conselho e sua fogueira, pois naquela época as pessoas tinham tantos filhos quanto queriam.

 

Nota: O conto de fadas Jacinto e Rosinha (Hyazinth und Rosenblütchen) faz parte do romance inacabado Os discípulos em Sais (Die Lehrlinge zu Sais), publicado postumamente em 1802.

 

 

 

O Barba azul

 

Conto de Charles Perrault publicado pela primeira vez em 1698.

 

Barbebleue

Era uma vez um homem que tinha belas casas na cidade e no campo, baixela de ouro e prata, móveis trabalhados e carruagens douradas; mas, por desventura, esse homem tinha a barba azul: isto o fazia tão feio e tão terrível que não havia mulher nem moça que não fugisse ao vê-lo.

Uma de suas vizinhas, dama de alta linhagem, tinha duas filhas absolutamente belas. Ele pediu-lhe uma delas em casamento, deixando a escolha à vontade materna. Nenhuma das duas o queria, e cada uma o passava à outra, pois nenhuma podia decidir-se a aceitar um homem de barba azul.

 Aborrecia-as também a circunstância de ele já ter desposado várias mulheres sem que ninguém soubesse o que era feito delas.

Para travar relações com as moças, Barba-Azul levou-as, juntamente com a mãe e as três ou quatro melhores amigas, e algumas jovens da vizinhança, a uma das suas casas de campo, onde passaram nada menos de oito dias. E eram só passeios, caçadas e pescarias, danças e festins e merendas: ninguém dormia, levavam a noite a pregar peças uns aos outros; afinal, tudo correu às mil maravilhas, e a mais nova das meninas começou a achar que o dono da casa não tinha a barba tão azul, e que era homem muito digno. E, logo que tornaram à vidade, realizou-se o casamento.

Ao cabo de um mês, Barba-Azul disse à mulher que tinha de fazer uma viagem à província, de seis semanas, no mínimo, para um negócio de importância; que lhe pedia se divertisse à vontade durante a ausência dele – mandasse buscar suas boas amigas, levasse-as ao campo, se quisesse, comesse do bom e do melhor.

- Aqui estão – disse-lhe – as chaves dos dois grandes guarda-móveis; aqui as da baixela de ouro e de prata que só se usa nos grandes dias; aqui as dos meus cofres, onde está o meu ouro e a minha prata, as dos cofres de minhas jóias e aqui a chave de todas as dependências da casa. Esta chavezinha é a chave do gabinete que fica no extremo da grande galeria do porão: pode abrir tudo, pode ir aonde quiser, mas neste pequeno gabinete eu lhe proíbo de entrar, e o proíbo de tal maneira que, se acontecer abri-lo, não há nada que você não possa esperar da minha cólera.

Ela prometeu cumprir à risca tudo quanto acabava de ser ordenado: e ele, depois de beijá-la, toma sua carruagem e parte.

As vizinhas e as boas amigas não esperaram, para ir à residência da jovem esposa, que as mandassem buscar, tão sôfregas estavam de ver-lhe todas as riquezas da casa, não havendo ousado ir lá enquanto o marido se achava por causa de sua barba azul, que lhes fazia medo. E ei-las, sem perda de tempo, a percorrer os quartos, gabinetes, vestiários, cada um mais belo que os outros. Subiram depois aos guarda-móveis, onde não se cansavam de admirar o número e a beleza das tapeçarias, dos leitos, dos sofás, dos guarda-roupas, dos veladores, das mesas e dos espelhos, nos quais a gente se via da cabeça aos pés, e cujos ornatos, uns de vidro, outros de prata, ou de prata dourada, eram os mais belos e magníficos que já se poderiam ter visto. Não cessavam de exagerar e invejar a felicidade da amiga, a quem, no entanto, não alegravam todas essas riquezas, ansiosa que estava de abrir o gabinete do porão.

Sentiu-se tão premida pela curiosidade que, sem refletir que era uma indelicadeza deixas sozinhas as visitas, desceu até lá por uma escadinha oculta, e com tamanha precipitação que por duas ou três vezes pensou em quebrar o pescoço. Chegando à porta do gabinete, aí se deteve algum tempo, lembrando-se da proibição que o marido lhe fizera e considerando que lhe poderia acontecer uma desgraça por haver sido desobediente; mas a tentação era tão forte que ela não a pôde vencer: tomou da chavezinha e abriu, trêmula, a porta do gabinete.

A princípio não viu coisa alguma, porque as janelas se achavam fechadas; momentos depois começou a notar que o soalho estava todo coberto de sangue coalhado, no qual se espelhavam os corpos de várias mulheres mortas, presas ao longo das paredes (eram todas mulheres que Barba-Azul desposara e que havia estrangulado). Cuidou morrer de susto, e a chave do gabinete que acabava de retirar da fechadura, caiu-lhe da mão. Após haver recobrado um pouco o ânimo, apanhou a chave, fechou a porta e subiu ao quarto para refazer-se; não o conseguia, porém, devido à sua grande perturbação.
Tendo notado que a chave do gabinete estava manchada de sangue, limpou-a duas ou três vezes, mas o sangue não desaparecia; lavou-a, esfregou-a com sabão e pedra-pomes; debalde: o sangue ficava sempre, pois a chave era fada, e não havia meio de limpá-la inteiramente: quando se tirava o sangue de um lado, ele voltava do outro.

Barba-Azul regressou de sua viagem logo nessa noite, e disse haver recebido, no caminho, notícias de que o negócio que o levara a partir acabara de realizar-se com vantagem para ele. A mulher fez quanto pôde para se mostrar encantada com esse breve retorno.

No dia seguinte ele pediu-lhe as chaves, e ela as entregou, porém a mão tremia tanto que Barba-Azul adivinhou sem esforço todo o ocorrido.
- Por que é – perguntou-lhe – que a chave do gabinete não está junto com as outras?

- Devo tê-las deixado lá em cima, sobre a minha mesa.
- Quero a chave aqui, já!
Depois de várias delongas, a mulher teve que levá-la. Barba-Azul examinou-a e disse:
- Por que há sangue nesta chave?

- Não sei nada disso – respondeu a pobre criatura, mais pálida que a morte.
- Você não sabe nada – continuou ele – mas eu sei muito bem; você quis entrar no meu gabinete! Está certo, senhora, lá entrará e irá ter o seu lugar ao lado das que lá encontrou.
Ela se atirou aos pés do marido, chorando e pedindo-lhe perdão, com todos os sinais de um arrependimento sincero de não haver sido obediente. Bela e aflita como estava, seria capaz de enternecer um rochedo; mas Barba-Azul tinha o coração mais duro que um rochedo:
- Tem de morrer, senhora, e imediatamente.
- Visto que tenho que morrer – respondeu ela, fitando-o com os olhos banhados de lágrimas – dê-me um pouco de tempo para rezar a Deus.
- Dou-lhe meio quarto de hora – replicou Barba-Azul – e nem um momento  a mais.
Quando ela se viu sozinha, chamou a irmã e disse-lhe:
- Minha irmã, sobe ao alto da torre, eu te suplico, para ver se meus irmãos não vêm; eles me prometeram que me viriam ver hoje, e, se os vires, faze-lhe-lhes sinal para que se apressem.
A irmã subiu ao alto da torre, e a pobre aflita gritava-lhe de vez em quando:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã respondia:
- Não vejo nada a não ser o Sol que brilha e a erva que verdeja.
Entrementes, Barba-Azul, com um grande cutelo na mão, gritava para a esposa com toda a força:
- Desce depressa, ou eu subirei aí.
- Mais um momento, por favor -, respondia-lhe a mulher. E logo, baixinho:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã Ana respondia:
- Não vejo nada a não ser o Sol que brilha e a erva que verdeja.
- Desce depressa – bradava Barba-Azul -, ou eu subirei aí.
- Já vou – respondeu a mulher. E depois:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
- Só vejo – respondeu a irmã Ana – uma grossa poeira que vem desta banda.
- São meus irmãos?
- Infelizmente não, minha irmã; é um rebanho de carneiros.
- Não queres descer? – bradava Barba Azul.
- Mais um momento – respondia a mulher.
E depois:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
- Vejo – respondeu ela – dois cavaleiros que vêm deste lado, mas ainda estão muito longe... Louvado seja Deus! – exclamou um instante depois. – São meus irmãos; estou lhes fazendo sinal, tanto quanto me é possível, para que se apressem.
Barba Azul pôs-se a gritar tão alto que a casa estremeceu. A pobre mulher desceu e atirou-se-lhe aos pés, desgrenhada e em prantos.
- Isto não adianta nada – disse Barba Azul. – Tens de morrer.
Em seguida, segurando-a com uma das mãos pelos cabelos e erguendo-a com a outra o cutelo no ar, ia cortar-lhe a cabeça. A pobre mulher, voltando-se para ele, rogou-lhe que lhe concedesse um breve momento para se recolher.
- Não, não – disse ele -, e encomenda bem tua alma a Deus.
E erguendo o braço... Neste momento bateram à porta com tanta força que Barba Azul se deteve instantaneamente. Abriram e logo se viu entrar dois cavaleiros que, sacando da espada, correram direto a Barba Azul.
Ele reconheceu que eram os irmãos da esposa, um deles dragão e o outro mosqueteiro, e fugiu sem demora para salvar-se; mas os dois irmãos o perseguiram tão de perto que o alcançaram antes que ele pudesse atingir a escada externa. Atravessaram-no a fio de espada, e o deixaram morto. A pobre dama estava quase tão morta quanto o marido, nem lhe restavam forças para beijar os irmãos.

Verificou-se que Barba-Azul não tinha herdeiros, razão por que sua mulher se tornou dona de todos os seus bens. Empregou parte deles no casamento de sua irmã Ana com um jovem fidalgo, que a amava desde muito tempo; outra parte na compra do posto de capitão para seus dois irmãos, e o resto no casamento dela própria com um homem muito distinto, que lhe fez esquecer o  mau tempo que ela passara com Barba Azul.

 

Moralidade

A curiosidade é tão cheia de encantos!

Mas custa às vezes dores, prantos...

Cada instante se vê disso exemplo bem claro.

É – perdoe, belo-sexo – um deleite fugaz,

Mal o gozamos se desfaz.

E custa sempre muito caro.

 

Os Sacis

menino-saci-perere

Luis Galdino

Os Sacis estavam de boca aberta.
- Você esteve na cidade Pororó?
- Bem só no alto do redemoinho...
- Como você sabe dessa história de apartamento e elevador?
- Um menino me contou. Eu peguei roupa no varal e fui falar com ele.
- E ele?
- Pensou que eu era menino também.
- Não tinha perigo?
- De quê?
- Descobrir que você era Saci...
- Xiii...Sabem o que eu descobri?
- Diga logo! Pediram os dois.
- Menino não acredita em Saci!
- O quê?
- A gente esta lá, perto do mato, tinha falado de tudo...Então eu perguntei se ele tinha medo de Saci...
- E ele?
- Fala Pororó.
Pororó fez um ligeiro suspense e revelou.
- Ele riu muito.
- Riu?
- Disse que saci não existe.
- Saci não existe?
- Nós não existimos?
- Com essa, o Piriri desabou:
- A gente perde a casa, sofre feito Saci e ainda vem um menino dizer que Saci não existe...buááá...buééé...

 

 

Uma Rosa da Campa de Homero

Conto de Hans Christian Andersen 

 

Em todas as canções do Oriente soa o amor do rouxinol pela rosa. Nas noites calmas, claras de estrelas, o cantor alado faz uma serenata à sua odorosa flor.

Não longe de Esmirna, sob os altos plátanos, para onde o mercador puxa os camelos carregados que levantam orgulhosamente os pescoços altos e pisam desajeitados a terra, que é santa, vi um roseiral florido. Pombas bravas voavam entre os ramos altos das árvores e as suas asas cintilavam, quando um raio de sol tombava sobre elas, como se fossem de madrepérola.

No roseiral havia uma flor entre todas a mais bonita e era para esta que cantava o rouxinol as suas mágoas de amor. Mas a rosa estava silente, nem uma gota de orvalho havia, como lágrima de compaixão, nas suas pétalas. Curvava-se com o caule para baixo sobre umas pedras.

- Jaz aqui o maior cantor da terra! - disse a rosa. - Quero perfumar a sua campa. Sobre ela quero derramar as minhas pétalas, quando a tempestade as arrancar. O cantor da Ilíada tornou-se terra nesta terra, donde broto... Eu, uma rosa da campa de Homero, sou demasiado sagrada para florir para o pobre rouxinol!

E o rouxinol cantou até morrer.

O condutor de camelos chegou, com os seus camelos carregados e os seus escravos negros. O filhinho dele encontrou o pássaro morto. Enterrou-o na campa do grande Homero. E a rosa agitou-se ao vento. Veio a noite, a rosa fechou completamente as pétalas e sonhou... que era um belo dia de sol. Chegava uma multidão de estrangeiros, de francos. Faziam uma viagem de peregrinação, à campa de Homero. Entre os estrangeiros havia um cantor do Norte, da terra das neblinas e das auroras boreais. Arrancou a rosa, premiu-a num livro e levou-a consigo para outra parte do mundo, para a sua pátria distante. E a rosa murchou de pena e ficou no livro fechado, que ele abriu em casa, dizendo:

- Eis uma rosa da campa de Homero!

Ora vejam, isto sonhou a flor que acordou e estremeceu ao vento. Uma gota de orvalho caiu das suas pétalas na campa do cantor e o sol ergueu-se, o dia tornou-se quente e a rosa resplandeceu ainda mais bela do que antes - estava na sua Ásia quente. Ouviram-se então passos, vieram estrangeiros, francos, que a rosa vira no seu sonho e entre os estrangeiros havia um poeta do Norte. Este arrancou a rosa, premiu um beijo na sua boca fresca e levou-a consigo para a terra de neblinas e auroras boreais.

Como uma múmia repousa agora o cadáver da flor na sua Ilíada e como em sonho ouve ela abrir o livro a dizer: "Eis uma rosa da campa de Homero!".

 

 

 

 Maria dos Sonhos

 

À Alessandra Bizeli

            Era uma vez uma menina chamada Maria. Ela vivia numa casa muito pequena, porém, possuía um quintal enorme. Nesse quintal havia um pomar imenso e com muitas variedades. Cada uma das árvores produzia espécies de sonhos deliciosos e era deles que Maria vivia. Alguns podiam ser colhidos no pé e comidos na mesma hora – as brincadeiras, as bonecas, os lápis de cor. Outros precisavam ser cozidos e, às vezes, colocados em vidros por muitos anos, até ficarem bons – ser bailarina, ser mãe e encontrar o príncipe encantado.

            Aquele lugar era mágico e ali, desde que Maria nascera, nunca houvera invernos. Todos os dias eram ensolarados e a menina vivia para comer os frutos daquelas árvores.

            Certo dia acordou com uma fome muito grande, maior que todas as fomes que já tinha sentido. Sua barriga doía muito e seu corpo estava muito fraco. Quase não conseguiu levantar-se da cama.

            Quando abriu a janela do seu quarto percebeu, assustada, que pela primeira vez o inverno tinha chegado e que todas as suas árvores estavam congeladas. Ela tentou comer um dos frutos, mas estava tão frio que congelou sua barriga, fazendo com que sentisse ainda mais dor.

            Maria tinha muitos doces sonhos dentro de vidros em forma de compotas, mas sabia que não podia comê-los antes do tempo.

            Desde aquele dia, passou a viver com fome e começou a parecer cada vez mais com um adulto.

            Após meses sem comer, resolveu pegar algumas de suas coisas e se embrenhar na floresta para procurar algo que matasse sua fome. A escuridão era assustadora e o gelo cobria tudo.

            Encontrou, após dias andando a pé, um homem muito alto e assustador. Ele não parecia sentir frio e ofereceu a ela um cofre em forma de porquinho. Maria pensou: – Cofres são objetos que guardam apenas coisas valiosas e ali ela depositava papéis nos quais escrevia seus sonhos, pois, com o passar do tempo, o frio, além de tê-la privado de comer, entrava em sua cabeça e começava a fazer com que esquecesse todos os seus desejos.

            Para nossa tristeza, o porquinho estava cheinho, mas ele só tinha um orifício de entrada – não tinha saída. Maria sabia que seus sonhos estavam ali dentro, guardados como o mais preciso dos preciosos bens, mas não se lembrava deles.

            O inverno continuava intenso e os lábios da menina doíam de tanto frio e seus pés estavam amortecidos, pois os sapatos não mais os protegiam.

            Resolveu, após tanto sofrimento, que não adiantava continuar na floresta e decidiu voltar e morrer em casa, pois estava muito magra e não tinha mais forças para suportar tanta fome.

            Andou, andou, andou, andou, andou, andou e não conseguia encontrar o caminho de volta. Cansada, sentou debaixo de uma árvore e chorou. De repente, viu aparecer uma luz bem fraquinha, que foi tomando forma de uma dríade. Ela tinha olhos claros, cabelos loiros bem curtinhos, corpo de fada e vestia uma roupa xadrez – vermelha, branca e preta. Ofereceu à Maria um par de sapatos, pois viu que os pés da menina estavam roxos de frio. Disse a ela que confiasse na mágica que lançaria nos sapatos, pois somente eles seriam capazes de levá-la de volta para sua casa. E, por último, pediu que confiasse naquele porquinho, pois ele guardava todas as suas lembranças. E lembranças constroem uma vida. E, depois de algum tempo, a dríade desapareceu.

            Maria continuou seguindo pela floresta e, para sua surpresa, após algumas horas avistou sua casa pequena, que agora estava, também, congelada. Forçou a porta e entrou. Fazia tanto frio!

            Com tristeza, viu que seu pomar estava apodrecendo debaixo de todo aquele gelo. Mas aqueles sonhos cozidos que estavam nos vidros e eram últimos, permaneciam congelados, porém, conservados. Mas não podia comê-los ainda, faltavam alguns anos para ficarem bons. E precisavam ser degelados primeiro.

            Tirou o porquinho de dentro de uma caixa que estava em sua bolsa e ficou imaginando o que poderia estar guardado ali dentro. Sabia que cofres abrigavam preciosidades. Olhou pelo único orifício que existia ali, mas era muito pequeno e estava tudo escuro. Sentiu uma vontade enorme de quebrá-lo, entretanto, um medo estranho, maior que a escuridão da floresta e a fome que a atormentava há meses, a impedia.

            Decidiu enterrá-lo no quintal, junto a uma de suas árvores mais queridas. Com uma ferramenta pontiaguda quebrou aquele gelo espesso e, encontrando a terra gelada cavou, cavou e cavou o quanto pode, usando suas últimas forças. Quando o buraco estava bem fundo, enterrou o porquinho e, exausta, entrou na sua casa pequenina e dormiu por mais de mil anos.

             Quando acordou estava sozinha e percebeu que um raio de sol a havia despertado. Foi até à janela e viu que sua árvore mais querida, na qual havia enterrado aquele porquinho dos sonhos, havia florescido e suas sementes se espalharam, dando origem a outras muitas árvores que produziam não apenas os sonhos de antigamente, mas uma mistura de todos eles.

            Correu até o quintal e comeu, matando toda aquela fome de mil anos e alguns meses.

E assim, a partir daquele instante, nunca mais houve um único dia de inverno.

 

 

 

 

HISTÓRIA DO COMPADRE RICO E DO COMPADRE POBRE

 

In Adolfo Coelho, Contos Populares Portugueses, 1879

 

Moravam numa aldeia dois compadres. Um era pobre e o outro rico, mas muito miserável. Naquela terra era uso todos quantos matavam porco dar um lombo ao abade. O compadre rico, que queria matar porco sem ter de dar o lombo, lamentou-se ao pobre, dizendo mal de tal uso. Este deu-lhe de conselho que matasse o porco e o dependurasse no quintal, recolhendo-o de madrugada, para depois dizer que lho tinham roubado.

Ficou muito contente com aquela ideia e seguiu à risca o que o compadre pobre lhe tinha dito. Depois deitou-se com tenção de ir de madrugada ao quintal buscar o porco. Mas o compadre pobre, que era espertalhão, foi lá de noite e roubou-lho. No dia seguinte, quando o rico deu pela falta do porco, correu a casa do compadre pobre e muito aflito contou-lhe o acontecido. Este, fazendo-se desentendido, dizia-lhe: «Assim, compadre! Bravo! Muito bem, muito bem! Assim é que há-de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!»

O rico cada vez teimava mais ser certo terem-lhe roubado o porco; e o pobre cada vez se ria mais, até que aquele saiu desesperado, porque o não entendiam.

O que roubou o porco ficou muito contente e disse à mulher: «Olha, mulher, desta maneira também havemos de arranjar vinho. Tu hás-de ir a correr e a chorar para casa do compadre, fingindo que eu te quero bater; levas um odre debaixo do fato, e quando sentires a minha voz, foges para a adega do compadre e enquanto eu estou falando com ele, enches o odre de vinho e foges pela outra porta para casa.» A mulher, fingindo-se muito aflita, correu para casa do compadre, pedindo que lhe acudisse, porque o marido a queria matar. Nisto ouviu a voz do marido e correu para a adega do compadre, e enquanto este diligenciava apaziguar-lhe a ira, enchia ela o odre. Tinha-lhe esquecido, porém, um cordão para o atar, mas tendo uma ideia gritou para o marido: «Ah! Goela de odre sem nagalho!» O marido, que entendeu, respondeu-lhe: «Ah, grande atrevida!... Que se lá vou abaixo, com a fita do cabelo te hei-de afogar!» Ela, apenas isto ouviu, desatou logo o cabelo, atou com a fita a boca do odre e fugiu com ela para casa. Desta maneira tiveram porco e vinho sem lhes custar nada, e enganaram o avarento do compadre.

 

 

 

 

Eita! E Tudo Mudou!

 

Andrea Vieira de Santana

 

Era uma família pequena, a nossa: mãe que acabara de saber que estava grávida de uma suposta filha. Pai, ao saber do acontecimento, abandonou minha mãe. Mainha sofria a cada minuto, voltou a morar na casa de minha vó. As minhas tias faziam muito minha mãe sofrer, sempre sufocando-a com a seguinte fala:


“-Uma mãe solteira na casa dos pais nunca pode pedir nada a ninguém ...”


E assim, passaram os nove meses, sofrimento, angústia, medo de ter que me doar assim que acabasse de nascer. Ô mulher forte, fonte de toda a minha luta porque nunca escondeu sua decisão, se fosse para consumar os desejos da família ela iria morar debaixo da ponte.


Graças ao Divino Mestre e a determinação de mainha isso nunca aconteceu. Nasci feia, pense numa menina sem graça, desnutrida, sem nenhum fio de cabelo, nem conseguia chorar; porém nem com meu nascimento minha família não mudou de opinião, a rejeição perdurou por parte de todos, meu avô só conseguiu olhar para mim depois de oito dias, mesmo assim só porque ficara sabendo que eu iria morrer.


Mas com todo meu sofrimento, meus olhinhos nunca pararam de brilhar, sendo a única esperança da minha mãe porque se fosse esperar pela saúde, não podia criar nenhuma expectativa.


E o tempo foi passando, passando, passando, minha mãe trabalhando na roça, comprava um monte de vestidinhos, calcinhas bordadinhas e um monte de chupetinhas de todas as cores.


Tive uma infância sem graça, cheia de ressentimento, não podia olhar para meu pai, tinha muito medo dele, achava, uma das piores criaturas desse mundo, mas já morava na cidade, na casa da minha bisavó, já estudava, esse era meu único divertimento, fazendo todos os dias cópias dos livros didáticos e números.


Aos sete anos aprendi a bordar com uma vizinha chamada Deré. Oba! Outro divertimento! Já comecei a ganhar dinheiro, primeiro o caderno, uniforme... Fantástico!


Resquícios do passado, nunca saíram da minha cabeça, mas tinha um único objetivo que era de estudar para ser professora. E sempre passava nos primeiros lugares, mas nunca deixava de escrever os textos dos livros.


Aos dezoito anos, tomei outra decisão: esquecer o meu passado, parar de cobrar e ser amiga do meu pai e sempre tendo convicção de que sempre quero conquistar tudo com meus esforços. Primeiro, o abraço em meu pai; segundo, também passei a chamá-lo de painho, realizando um antigo desejo dele.


Logo, logo, terminei o magistério, estava pronta para realizar o sonho de infância, ser uma professorinha. Sonho realizado com muito sofrimento, mas fui chamada em Lagarto e Itaporanga D’Ajuda.


E dizer que fomos felizes para sempre seria muito exagero porque ainda tenho vários projetos para colocar em prática, mas de uma coisa não tenho dúvida de que coragem e determinação são os meios mais eficazes para conseguir realizar todos os sonhos.

 

 

 

  Dança, dança Bonequinha

Conto de Hans Christian Andersen 

 

— Oh, não passa de uma cantiguinha idiota para criancinhas pequeninas — declarou a tia Malle. — Por muito boa vontade que tenha, não vejo qualquer significado na Dança, dança, bonequinha.É uma palermice, um disparate!

Mas a pequena Amália via grande significado na cantiga. Ela tinha só três anos, mas já sabia brincar às bonecas e estava a educar as suas para serem tão inteligentes como a tia Malle.

Costumava ir lá a casa um estudante, que ajudava os irmãos da Amália a fazer os trabalhos de casa e conversava muito com ela e com as suas bonecas. Ele fazia-a rir, porque era muito engraçado e brincalhão, mas nunca fazia troça dela e falava de coisas importantes que ambos compreendiam.

A tia Malle insistia em que ele não sabia lidar com crianças e que as cabecitas delas não podiam entender todos os seus disparates ridículos. Mas a da pequena Amália podia. Na realidade, ela aprendeu a cantiga do estudante toda de cor e costumava cantá-la às suas três bonecas. Duas delas eram novas, uma menina e um menino, e a terceira já tinha um ano e chamava-se Lisa. Lisa ouvia a cantiga — e até entrava nela!

 

Dança, dança, bonequinha!

Como ela é bonitinha!

Bonito também é o seu noivo, Raul,

De calças brancas e casaco azul,

 

Com um chapéu alto, encantador,

E sapatos novos que lhe fazem dor!

Ele é belo, ela uma estrelinha,

Dança, dança, bonequinha.

 

A Lisa do ano passado

Dança com ar engraçado.

Louro é o cabelo que tem

E o seu rosto brilha também.

Parece ser a mais nova,

A velha Lisa, que canta a trova.

Roda e salta ainda uma vez,

Dancem lá todas as três!

 

Dancem leves como o ar,

Não há nada que enganar.

É preciso que não esqueçam

As piruetas quando dançam.

Com vénia à esquerda e à direita

A dança será perfeita!

Alegrias, meu tesouro,

Bonequinhas, petiz d'ouro.

 

Bem, as bonecas compreendiam a canção, a pequena Amália compreendia-a e o estudante também. Afinal, ele é que a tinha escrito e ele dizia que era excelente. Só a tia Malle é que não a percebia — mas a verdade é que ela já tinha saído do mundo da infância há tanto tempo que não admirava. A tia Malle podia dizer que a cantiga era um disparate, mas a Amália não achava. E continuava a cantá-la.

É por ela a cantar que a temos aqui.

 

 

COMADRE MORTE

 

In Adolfo Coelho, Contos Populares Portugueses, 1879

 

Havia um homem que tinha tantos filhos, tantos que não havia ninguém na freguesia que não fosse compadre dele e vai a mulher teve mais um filho. Que havia do homem fazer? Foi por esses caminhos fora a ver se encontrava alguém que convidasse para compadre.

Encontrou um pobrezito e perguntou-lhe se queria ser compadre dele.

– Quero; mas tu sabes quem eu sou?

– Eu sei lá; o que eu quero é alguém para padrinho do meu filho. – Pois, olha, eu cá sou Deus.

– Já me não serves; porque tu dás a riqueza a uns e a pobreza a outros.

Foi mais adiante; e encontrou uma pobre e perguntou-lhe se queria ser comadre dele.

– Quero; mas sabes tu quem eu sou?

– Não sei.

– Pois, olha, eu cá sou a Morte.

– És tu que me serves, porque tratas a todos por igual.

Fez-se o baptizado e depois disse a Morte ao homem:

– Já que tu me escolheste para comadre, quero-te fazer rico. Tu fazes de médico e vais por essas terras curar doentes; tu entras e se vires que eu estou à cabeceira é sinal que o doente não escapa e escusas de lhe dar remédio; mas se estiver aos pés é porque escapa; mas livra-te de querer curar aqueles a que eu estiver à cabeceira, porque te dou cabo da pele.

Assim foi. O homem ia às casas e se via a comadre à cabeceira dos doentes abanava as orelhas; mas se ela estava aos pés receitava o que lhe parecia. Vejam lá se ele não havia de ganhar fama e patacaria, que era uma coisa por maior! Mas vai uma vez foi a casa dum doente muito rico e a Morte estava à cabeceira; abanou as orelhas; disseram-lhe que lhe davam tantos contos de réis se o livrasse da Morte e ele disse:

– Deixa estar que eu te arranjo, e pega no doente e muda-o com a cabeça para onde estavam os pés e ele escapa.

Quando ia para casa sai-lhe a comadre ao caminho:

-Venho buscar-te por aquela traição que me fizeste.

– Pois, então, deixa-me rezar um padre-nosso antes de morrer.

– Pois reza.

Mas ele rezar; qual rezou! Não rezou nada e a Morte para não faltar à palavra foi-se sem ele.

Um dia o homem encontra a comadre que estava por morta num caminho; e ele lembrou-se do bem que ela lhe tinha feito e disse:

– Minha rica comadrinha, que estás aqui morta; deixa-me rezar-te um padre-nosso por tua alma.

Depois de acabar, a Morte levantou-se e disse:

– Pois já que rezaste o padre-nosso, vem comigo.

O homem era esperto; mas a Morte ainda era mais; pois não era?

Cinco na mesma Vagem

Conto de Hans Christian Andersen

Numa vagem estavam cinco ervilhas. Estavam ainda verdes e verde era também a vagem; por esta razão acreditavam que o mundo era verde; - que o leitor se considere na posição das ervilhas, e facilmente perceberia esta ilusão. Cresceu a vagem, cresciam as ervilhas, tendo sempre o cuidado de se conservarem bem alinhadas e nas respectivas distâncias.

O sol aquecia a vagem; a chuva e as gotas de orvalho a tornavam clara e transparente, e assim, durante o dia, gozavam as ervilhas uma doce claridade e durante a noite as trevas lhes favoreciam o sono. Mas, crescendo, tornaram-se sérias e cismadoras.

- Então ficaremos sempre aqui? disse uma delas. Muitas coisas há-de haver lá fora dignas de admiração. Passaram algumas semanas e elas amareleceram.

- Agora está tudo amarelo, diziam as cinco ervilhas; muitas voltas dá o mundo.

Subitamente sentiram uma viva comoção; um homem arrancara a vagem e a lançara num cesto com muitas outras.

- Ora enfim, vamos ter a liberdade, disseram as ervilhas; e esperavam com impaciência o grande e venturoso momento.

- Qual de nós irá mais longe no mundo, e chegará a uma posição mais elevada? disse a mais pequena das cinco. Em breve o saberemos.

- Seja feita a vontade do Senhor! disse a maior, com sincera resignação.
Traz! abriu-se a vagem: e as cinco ervilhas rolaram na mãozita dum rapaz.

- Oh! que belas balas para a minha espingarda! exclamou ele, e meteu uma no tubo de lata e largou a espiral.

- Vou correr mundo, pensou a ervilha cheia de entusiasmo. E desapareceu. O rapaz introduziu a segunda no cano.

- Agora vou parar ao sol, pensou a ervilha, descrevendo a sua parábola. Que vagem tão quentinha que hei-de ter lá.

As três ervilhas restantes, menos ambiciosas, assustaram-se vendo as grandes cambalhotas das suas companheiras, e deixaram-se escorregar e cair no chão; mas o rapazito apanhou-as também, dando lhes o mesmo destino.

- Chegou a minha vez, disse a última, cumpra-se a vontade do Senhor! e foi cair na janela duma casa pobre, antes uma choupana, numa fenda cheia de musgo e terra.

O musgo em breve cercou e envolveu o pequeno grão. Na choupana morava uma infeliz mulher que vivia de fazer recados e de pesados trabalhos. Aceitava os trabalhos mais custosos, porque era forte e corajosa e... era mãe; e a_ filha, uma criança pálida e loura, flutuava, havia quase um ano, entre a vida e a morte.

- Também esta vai para o céu, dizia a pobre mãe; vai juntar-se à irmãzinha. Meu Deus! já me levastes uma, deixai-me esta, Senhor! Estás tão doente, tão fraca, parece-me que não escapas, filha!

Chegou a primavera, e, uma manhã, quando a mãe ia sair, o sol, rompendo a neve iluminou com tal intensidade a janela da choupana, que a doente olhou para lá admirada.

- Parece-me, disse ela, ver o que quer que é, a tremer, ali na janela. Que é?
A mãe abriu a janela.

- Olha a graça! disse ela, é uma ervilha que está aqui entre o musgo; já tem umas folhinhas; como viria ela aqui parar?

- Não a arranque, mãe, deixe ver se ela cresce muito...

- Não, filha, não a arranco. Queres vê-la mais de perto?

E aproximou o leito da janela, para que a filha visse melhor a planta delicada; depois abraçou-a e saiu.

À noite, assim que entrou, disse-lhe a pequena:

- Já estou melhor, fez-me bem o calor do sol, e, olhe, vendo como a ervilha ali nasceu e vai crescendo, pensei que me havia de curar e que o sol e o ar me fariam bem.

— Queira Deus! respondeu a mãe, ainda assim com bem pouca esperança.

No dia seguinte a pobrezinha rodeou a ervilha com um pequeno caniçado; passados dias as hastes verdes e sarmentosas se entrelaçavam cheias de viço e frescura, e não tardou muito a aparecer a primeira flor.

- Feliz presságio! pensou a mãe, e começou a ter também esperanças na cura da pobre criança. A doentinha falava já com mais animação; levantava-se e assentava-se sem ajuda, e olhava sempre com o maior prazer, com afeição até, a planta que revestira a janela com um cortinado de verdura. Uma semana mais tarde, podia ela já estar algumas horas fora do leito, todos os dias. Assentava-se junto da janela e aí, em companhia das flores alvas e rosadas, gozava da suavidade do ar e do calor do sol.

— Foi o bom Deus, dizia a alegre mãe, foi o bom Deus, minha filha, que fez crescer a pobre planta numa fenda cheia de musgo para que o seu aspecto alegrasse os teus olhos e nos desse a ambas coragem e esperança.

E as outras ervilhas? que seria feito delas? Uma caíra num telhado e foi engolida por um pombo, e a mesma sorte tiveram as outras duas; sempre serviram para alguma cousa. A outra, a tal que desejava ir para o sol, caiu mesmo no meio da regueira, e aí ficou, na lama, cada vez mais inchada.

- Se isto continua, dizia ela, arrebentarei sem dúvida. Estou certa que nenhuma outra ervilha atingiu um tão colossal desenvolvimento; das cinco que estávamos na mesma vagem sou eu a mais notável, mas muito mais notável.

Talvez minhas irmãs tenham alcançado posições eminentes? Mas o importante é engordar.

Um dia a rapariga da choupana, completamente restabelecida, os olhos brilhantes, as faces rosadas, aproximou-se da janela, elevou ao céu as mãozinhas postas e do íntimo do seu coração agradeceu a Deus o ter-lhe restituído a saúde, e o ter poupado á mãe a dor imensa de ver morrer a sua ultima filha; e depois inclinou o olhar sobre a planta, que tinha as folhas ainda verdes, mas cujas flores haviam já sido substituídas por formosas vagens.

- E tu, minha pobre planta, verde como a esperança e que foste para mim o primeiro sinal da protecção divina, tu não tardarás a amarelecer e a secar. Mas eu não te esquecerei; colherei os teus grãos e todos os anos os teus descendentes crescerão tratados pelas minhas mãos aqui nesta janela; e as suas flores serão sempre para mim as mais encantadoras e mimosas. E a ervilha, confiada nesta promessa da inocente, regozijou-se pensando que o beneficio dela seria útil à sua posteridade.

- Seja feita a vontade do Senhor! repetia ela. Pobre ervilha como sou, a minha existência limita-se a uma estação; mas como é agradável pensar que hei-de sobreviver nos filhos, e que eles serão ainda protegidos pelas recordações que eu deixar! Não será este um modo de ir longe, bem longe no mundo?

E no entretanto a regueira lá ia levando a sua água fétida e turva, murmurando:

- Cá levo a minha ervilha. Tanto engordou, tanto se saturou de lama, que se desfez em podridão. Não deixou nem um gérmen, nem uma lembrança. Serviu apenas para ajuntar alguns átomos sem nome aos que eu tenho já e que servem para alimentar a terra e os animais imundos. Fim dos ambiciosos! Querem a princípio ir para o sol e quando lhes sucede cair na lama, acham-se tão bem, tão no seu elemento que não pedem mais nada. A este respeito as ervilhas parecem-se muito com os homens.

 

 

 

Cachinhos de Ouro

 

Era uma linda menina chamada Cachinhos de Ouro. Ela era muito curiosa. Costumava mexer em tudo que via pela frente. Certo dia, a menina passeava pelo bosque, quando avistou uma bela casinha.

 

Entrou algo lhe chamou a atenção. Alguns objetos eram muito grandes, enquanto outros eram médios ou ainda pequeninos como ela.

 

Como tinha a mania de olhar e mexer em tudo, a menina foi à sala, onde encontrou novas surpresas:

 

- Por que há uma cadeira grande, uma média e uma pequena? - indagou a curiosa.

 

Sentou na cadeira pequenina:

 

- Desta eu gostei! - exclamou a menina, que de tanto mexer na cadeirinha, quebou a coitadinha.

 

Chegando à cozinha, cachinhos de ouro encontrou três pratos cheios de mingau de mel.

 

- Oba, comida! Este passeio está me deixando com uma fome…

 

Provou tanto do prato pequenino. Estava do jeitinho que ela queria. Então, ela comeu todo aquele delicioso mingau.

 

- Vou dormir. - resolveu a menina.

 

Quando o papai urso, a mamãe ursa e o seu filhinho chegaram em casa, uma desagradável surpresa os esperava:

 

Alguém entrou aqui e mexeu em tudo.

 

- Afirmou o papai.

 

- E quebraram minha cadeirinha!

 

- Choramingou o pequenino ursinho.

 

Chegando a cozinha, a família percebeu que alguém havia comido o mingau:

 

- Não deixaram nadinha. - lamentou o filhote.

 

Quando subiram as escadas e foram ao quarto, mais surpresas;

 

- Silêncio! Na minha cama há uma garotinha, que ainda está dormindo. - observou o ursinho.

 

Cachinhos de ouro despertou com aquele falatório e, assustada, saiu em disparada. Ela nem ao menos se desculpou pelas travessuras ou agradeceu pela comida. Mas de uma coisa sabemos, a pequena menina aprendeu a lição e deixou de ser curiosa.

 

 

 

BELA-MENINA

 

Adolfo Coelho, Contos Populares Portugueses, 1879

 

Era uma vez um homem; vivia numa cidade e trazia navegações no mar, e depois foi ele e deu em decadência por se lhe perderem as navegações. Ele teve o seu pesar e não podia viver com aquela decência com que vivia no povoado e tinha umas terrinhas na aldeia e disse para a mulher e para as filhas: «Não temos remédio senão irmos para as nossas terrinhas; se vivemos com menos decência que até aqui, somos pregoados dos nossos inimigos.»

A mulher e uma filha aceitaram, mas as outras duas filhas começaram a chorar muito. E depois foram. A que tinha ido de sua vontade era a mais nova e chamava-se Bela-Menina; cantava muito e era a que cozinhava e ia buscar erva para o gado, de pés descalços; as outras metiam-se no quarto e não faziam senão chorar. Quando o pai ia para alguma parte, as mais velhas sempre pediam que lhes trouxesse alguma coisa e a mais nova não lhe pedia nada. Vai nisto, veio-lhe uma carta de um amigo dizendo que as navegações que vinham aí, que tiveram notícia e que fosse vê-las.

O homem caminhou mais um criado saber das tais navegações; quando saiu, disseram as suas filhas mais velhas que, se as navegações fossem as dele, lhes levasse algumas coisas que lhe declararam. E ele disse à mais nova: «Ora todas me pedem que lhes traga alguma coisa. Só tu não me pedes nada?» «Vou pedir-lhe também uma coisa; onde o meu pai vir o mais belo jardim, traga-me a mais bela flor que lá houver.» O pai foi e chegou a uma cidade e reconheceu que as navegações não eram dele e foi-se embora com a bolsa vazia. Chegou a um monte e anoiteceu-lhe; ele viu uma luz e dirigiu-se para ela a ver se encontrava quem o acolhesse. Chegou lá e viu uma casa grande e estropeou à porta; não lhe falaram; tornou a estropear; não lhe falaram. E disse ao moço: «Vai aí pelo portal de baixo ver se vês alguém.» O moço foi e voltou: «Veio lá muitas luzes dentro e cavalos a comer e penso para lhe botar; mas não veio ninguém.»

Então o homem mandou meter o cavalo na cavalariça e entraram na cozinha. Acharam lá que comer e, como a fome não era pequena, foram comendo muito. E nisto aí vem por essa casa adiante uma coisa fazendo um grande ruído, assim como umas cadeias que vinham a rastos pela casa adiante e depois chegou ao pé deles um bicho de rastos e disse-lhes: «Boas-noites.» Eles puseram-se a pé com medo e disseram-lhe: «Nós viemos aqui por não acharmos abrigo nem que comer noutra parte; mas não vimos fazer mal a ninguém.» «Deixai-vos estar e comei.» Demorou-se um pouco o bicho e disse-lhes: «Ora ide-vos deitar que eu também vou para o meu curral.» E começou-se a arrastar pela cozinha e foi. Ao outro dia o homem foi ao jardim, que era o mais belo que tinha visto, e disse: «Já que não posso levar nada para as minhas filhas mais velhas, quero ao menos levar a flor para a Bela-Menina...» Estava a cortar a flor e nisto o bicho salta-lhe: «Ah, ladrão! Depois de eu te acolher em minha casa, tu vens-me colher o meu sustento, que eu não me sustento senão em rosas.» E ele disse: «Eu fiz mal, fiz; mas eu tenho lá uma filha que me pediu que lhe levasse a mais bela flor que eu visse na viagem, e não podendo levar nada às outras filhas, queria ao menos levar a flor; mas se a quereis ela aí fica.» «Não, levai-a e se me trouxerdes cá essa filha, ficais ricos.» O homem caminhou e chegou a casa muito apaixonado por não trazer nada às outras filhas e não achar as navegações e pegou na flor e deu-a à Bela-Menina.

A filha, assim que viu a flor, disse: «Oh, que bela flor! Onde a achou, meu pai?» O pai contou-lhe o que vira e a filha disse: «Ó meu pai, eu quero ir ver.» «Olha que o bicho fala e disse também que te queria ver.» «Pois vamos.» E foram. A filha, assim que viu o tal bicho, disse: «Ó pai, eu quero cá ficar com este bicho, que ele é muito bonito.» O pai teve a sua pena, mas deixou-a. Passado algum tempo, ela disse: «Ó meu bichinho, tu não me deixas ir ver os meus pais?» E ele disse-lhe: «Não, tu não vais lá por ora; teu pai vem cá.» O pai veio e disse ao bicho: «Eu queria levar a rapariga.» «Não me leves daqui a rapariga, senão eu morro e tu vai ali àquela porta e abre-a e leva dali a riqueza que tu quiseres e casa as tuas filhas.» O homem que mais quis?

Um dia o bicho disse à Bela-Menina: «A tua irmã mais velha lá vem de se receber; tu queres vê-la?» «Quero.» «Vai ali e abre aquela porta.» Ela foi e viu a irmã com o noivo e os pais. «Agora deixa-me ir ver o meu cunhado.» «Eu deixava, deixava; mas tu não tornas.» «Torno; dá-me só três dias que eu em um dia e meio chego lá e torno cá noutro dia e meio.» «Se não vieres nestes três dias, quando voltares achas-me morto.» Ela foi; no fim dos três dias ela veio, mas tardou mais um pouquito que os três dias; ela foi ao jardim e viu-o deitado como morto. Chegou ao pé dele, «Ai meu bichinho!» E começou a chorar. Ele caiu e ela disse: «Coitadinho, está morto; vou dar-lhe um beijinho.» E deu-lhe um beijo, mas o bicho fez-se um belo rapaz. Era um príncipe encantado que ali estava e que casou com ela.

 

 

AS TRÊS CIDRAS DO AMOR

Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, 1883

Era uma vez um príncipe, que andava à caça: tinha muita sede, e encontrou três cidras; abriu uma, e logo ali lhe apareceu uma formosa menina, que disse:

– Dá-me água, senão morro.

O príncipe não tinha água, e a menina expirou. O príncipe foi andando mais para diante, e como a sede o apertava partiu outra cidra. Desta vez apareceu-lhe outra menina ainda mais linda do que a primeira, e também disse:

– Dá-me água, senão morro.

Não tinha ali água, e a menina morreu; o príncipe foi andando muito triste, e prometeu não abrir a outra cidra senão ao pé de uma fonte. Assim fez; partiu a última cidra, e desta vez tinha água e a menina viveu. Tinha-se-lhe que brado o encanto, e como era muito finda, o príncipe prometeu casar com ela, e partiu dali para o palácio para ir buscar roupas e levá-la para a corte, como sua desposada. Enquanto o príncipe se demorou, a menina olhou dentre os ramos onde estava escondida, e viu vir uma preta para encher uma cantarinha na água; mas a preta, vendo figurada na água uma cara muito linda, julgou que era a sua própria pessoa, e quebrou a cantarinha dizendo:

– Cara tão linda a acarretar água! Não deve ser.

A menina não pôde conter o riso; a preta olhou, deu com ela, e enraivecida fingiu palavras meigas e chamou a menina para ao pé de si, e começou a catar-lhe na cabeça. Quando a apanhou descuidada, meteu-lhe um alfinete num ouvido, e a menina tornou-se logo em pomba. Quando o príncipe chegou, em vez da menina achou uma preta feia e suja, e perguntou muito admirado:

– Que é da menina que eu aqui deixei?

– Sou eu, disse a preta. O sol crestou-me enquanto o príncipe me deixou aqui.

O príncipe deu-lhe os vestidos e levou-a para o palácio, onde todos ficaram pasmados da sua escolha. Ele não queria faltar à sua palavra, mas roía calado a sua vergonha. O hortelão, quando andava a regar as flores, viu passar pelo jardim uma pomba branca, que lhe perguntou:

– Hortelão da hortelaria,

Como passou o rei

E a sua preta Maria?

Ele, admirado, respondeu:

– Comem e bebem,

E levam boa vida.

– E a pobre pombinha

Por aqui perdida!

O hortelão foi dar parte ao príncipe, que ficou muito maravilhado, e disse-lhe:

– Arma-lhe um laço de fita.

Ao outro dia passou a pomba pelo jardim e fez a mesma pergunta: o hortelão respondeu-lhe, e a pombinha voou sempre, dizendo:

– Pombinha real não cai em laço de fita.

O hortelão foi dar conta de tudo ao príncipe; disse-lhe ele:

– Pois arma-lhe um laço de prata.

Assim fez, mas a pombinha foi-se embora repetindo:

– Pombinha real não cai em laço de prata.

Quando o hortelão lhe foi contar o sucedido, disse o príncipe:

– Arma-lhe agora um laço de ouro.

A pombinha deixou-se cair no laço; e quando o príncipe veio passear muito triste para o jardim, encontrou-a e começou a afagá-la; ao passar-lhe a mão pela cabeça, achou-lhe cravado num ouvido um alfinete. Começou a puxá-lo, e assim que lho tirou, no mesmo instante reapareceu a menina, que ele tinha deixado ao pé da fonte. Perguntou-lhe porque lhe tinha acontecido aquela desgraça e a menina contou-lhe como a preta Maria se vira na fonte, como quebrou a cantarinha, e lhe catou na cabeça, até que lhe enterrou o alfinete no ouvido. O príncipe levou-a para o palácio, como sua mulher e diante de toda a corte perguntou-lhe o que queria que se fizesse à preta Maria.

– Quero que se faça da sua pele um tambor, para tocar quando eu for à rua, e dos seus ossos uma escada para quando eu descer ao jardim.

Se ela assim o disse, o rei melhor o fez, e foram muito felizes toda a sua vida.

 

 

As Fadas

 

Conto de Charles Perrault

Era uma vez uma viúva que tinha duas filhas.

A mais velha se parecia tanto com ela, no humor e de rosto, que quem a via, enxergava a própria mãe. Mãe e filha eram tão desagradáveis e orgulhosas que ninguém as suportava.

A filha mais nova, que era o retrato do pai, pela doçura e pela educação, era, ainda por cima, a mais linda moça que já se viu.

Como queremos bem, naturalmente, a quem se parece conosco, essa mãe era louca pela filha mais velha. E tinha, ao mesmo tempo, uma tremenda antipatia pela mais nova, que comia na cozinha e trabalhava sem parar como se fosse uma criada.

Tinha a pobrezinha, entre outras coisas, de ir, duas vezes por dia, buscar água a meia légua de casa, com uma enorme moringa, que voltava cheia e pesada.
Um dia, nessa fonte, lhe apareceu uma pobre velhinha, pedindo água:

- Pois não, boa senhora - disse a linda moça.

E, enxaguando a moringa, tirou água da mais bela parte da fonte, dando-lhe de beber com as próprias mãos, para auxiliá-la.

A boa velhinha bebeu e disse:

- Você é tão bonita, tão boa, tão educada, que não posso deixar de lhe dar um dom .Na verdade, essa mulher era uma fada, que tinha tomado a forma de uma pobre camponesa para ver até onde ia a educação daquela jovem.
- A cada palavra que falar - continuou a fada -, de sua boca sairão uma flor ou uma pedra preciosa.

Quando a linda moça chegou a casa, a mãe reclamou da demora.
- Peço-lhe perdão, minha mãe - disse a pobrezinha -, por ter demorado tanto.
E, dizendo essas palavras, saíram-lhe da boca duas rosas, duas pérolas e dois enormes diamantes.

- O que é isso? - disse a mãe espantada -, acho que estou vendo pérolas e diamantes saindo da sua boca. De onde é que vem isso, filha? Era a primeira vez que a chamava de filha.

A pobre menina contou-lhe honestamente tudo o que tinha acontecido, não sem pôr para fora uma infinidade de diamantes.

- Nossa! - disse a mãe -, tenho de mandar minha filha até a fonte.

- Filha, venha cá, venha ver o que está saindo da boca de sua irmã quando ela fala; quer ter o mesmo dom? Pois basta ir à fonte, e, quando uma pobre mulher lhe pedir água, atenda-a educadamente.

- Só me faltava essa! - respondeu a mal-educada- Ter de ir até a fonte!

- Estou mandando que você vá - retrucou a mãe -, e já.

Ela foi, mas reclamando. Levou o mais bonito jarro de prata da casa.
Mal chegou à fonte, viu sair do bosque uma dama magnificamente vestida, que veio lhe pedir água.

Era a mesma fada que tinha aparecido para a irmã, mas que surgia agora disfarçada de princesa, para ver até onde ia a educação daquela moça.
- Será que foi para lhe dar de beber que eu vim aqui? - disse a grosseira e orgulhosa. - Se foi, tenho até um jarro de prata para a madame! Tome, beba no jarro, se quiser.

- Você é muito mal-educada - disse a fada, sem ficar brava.

- Pois muito bem! Já que é tão pouco cortês, seu dom será o de soltar pela boca, a cada palavra que disser, uma cobra ou um sapo.

Quando a mãe a viu chegar, logo lhe disse:

- E então, filha?

- Então, mãe! - respondeu a mal-educada, soltando pela boca duas cobras e dois sapos.

- Meu Deus! - gritou a mãe -, o que é isso? A culpa é da sua irmã, ela me paga. E imediatamente ela foi atrás da mais nova para espancá-la.
A pobrezinha fugiu e foi se esconder na floresta mais próxima.
O filho do rei, que estava voltando da caça, encontrou-a e, vendo como era linda, perguntou-lhe o que fazia ali tão sozinha e por que estava chorando.
- Ai de mim, senhor, foi minha mãe que me expulsou de casa.
O filho do rei, vendo sair de sua boca cinco ou seis pérolas e outros tantos diamantes, pediu-lhe que lhe dissesse de onde vinha aquilo.

Ela lhe contou toda a sua aventura. O filho do rei apaixonou-se por ela e, considerando que tal dom valia mais do que qualquer dote, levou-a ao palácio do rei, seu pai, onde se casou com ela.

Quanto à irmã, a mãe ficou tão irada contra ela que a expulsou de casa.
E a infeliz, depois de muito andar sem encontrar ninguém que a abrigasse, acabou morrendo num canto do bosque.


Moral da História
Se diamantes e dinheiro têm
Para as pessoas valor,
Mais valor têm as palavras
E, mais que valor, resplendor.

 

 

 

A Vendedora de Cebolas

José Leon Machado

 

A rapariga tinha sido mandada à feira pela madrasta para vender um cesto de cebolas e uma giga de ovos. Saíra de casa com o cesto à cabeça ainda o sol não tinha nascido. Por várias vezes, ao longo do caminho, os socos derraparam nas pedras escorregadias pela geada. Salvou-a da queda o bom equilíbrio que sempre teve. Deixasse cair o cesto e era certa a tareia da madrasta. Tanto mais que não se vendem cebolas maçadas e ovos muito menos e ela tinha de entregar em casa o dinheiro certinho.

Chegou à feira já o sol ia alto. Quanto mais cedo se chegasse, melhor negócio se fazia. Os preços começavam a baixar com o arrastar da manhã e os mercadores acabavam por vender os últimos produtos a menos de metade do preço, para não terem de regressar a casa com eles.

Passou ao lado da tenda do mercador de caldeirões e corou quando o viu a falar com uma velha que apontava para um caldeirão. Ele era tão bonito, que a rapariga gostava de passar ali só para o ver. O jovem mercador nem para ela olhava. E como poderia ele olhar para uma rapariga tão feia e tão miseravelmente vestida? Mas ela não se importava. A lembrança dele nos dias duros de trabalho e nas noites frias aquecia-lhe o peito e isso bastava-lhe.

Poisou o cesto – ninguém ali à volta se oferecera para a ajudar a descê-lo da cabeça, nem mesmo as conhecidas de outros dias de feira que ao lado apregoavam os produtos – e sentiu-se derreada.

No dia anterior, a madrasta tinha-a mandado retirar o estrume do curral, trabalho que lhe ocupou grande parte do dia. Já na cozinha, quando tinha mais vontade de comer e ir para a cama do que fazer o que quer que fosse, a madrasta ainda a obrigou a fazer a ceia e a preparar o cesto para a feira. Enquanto picava uma cebola para o refogado, chorou e o pai, que acabava de chegar de uma lavrada, perguntou-lhe:

  Por que choras, minha filha?

E ela disse-lhe que por causa da cebola. O pai acreditou e sentou-se junto à lareira a tirar as botas antes de pôr os pés ao fogo. A madrasta, ao lado, cosia uns fundilhos e ali estiveram a fazer sala à espera que o manjar estivesse pronto, enquanto os dois miúdos, seus meio-irmãos, por ali andavam a arranhar-se com gritos e correrias.

Foi muito tarde que a rapariga se foi deitar no quarto das traseiras, depois de ter lavado a loiça, preparar o avental, a saia e a blusa que no dia seguinte vestiria para a feira. Mesmo assim, aos olhos de quem passava, não parecia mais do que uma mendiga, tão remendada estava a saia, tão gasto o avental e tão puída a blusa.

Apesar de todas as desgraças, o negócio corria-lhe bem e no final da manhã tinha vendido quase todos os ovos e boa parte das cebolas. Estava com tanta fome que se atreveu a pegar numa cebola, das mais pequenas. Tirou-lhe as várias camadas de casca e começou a comê-la com um pedacito de pão duro que guardara no bolso do avental. Estava ela de boca cheia, sentindo a acidez da cebola a picar-lhe a língua, quando se aproximou a velha que ela tinha visto a conversar com o jovem mercador. Trazia um caldeirão na mão, parou junto ao cesto e perguntou-lhe pelo preço das cebolas. A rapariga disse-lhe que, como eram as últimas, lhas dava por metade do preço. A velha apalpou uma e comentou:

– Não me parece que durem todo o Inverno. Têm a casca mole.

Piscou o olho direito e acrescentou:

– Se mas deres por metade do preço dessa metade que dizes, talvez as leve.

– Não posso, tiazinha – respondeu a rapariga. – A minha madrasta recomendou-me que não descesse o preço mais do que o justo. Se não lhe entregar o dinheiro certo, ela castiga-me.

– E como sabe ela qual é o dinheiro certo antes de a feira acabar? – perguntou a velha piscando desta vez o olho esquerdo. – É por acaso bruxa?

A rapariga não sabia dizer. As bruxas são más, toda a gente sabe, e se assim fosse, a madrasta era uma bruxa. Mas a rapariga também sabia que as bruxas eram velhas e feias. E então a madrasta já não podia ser bruxa. Foi por ser nova e bonita que o pai, quando ficou viúvo, casou com ela. Mas não sabia explicar como sabia a madrasta o dinheiro que a rapariga lhe deveria entregar.

– Talvez – sugeriu a velha – ela não saiba, mas diz que sabe para tu ficares com medo e não te deixares enganar pelos clientes ou não gastares o dinheiro mal gasto.

E pôs-se a matutar. Bem que as cebolas valiam o dinheiro que a rapariga pedia. Mas ela não tinha moedas suficientes. Foi então que lhe surgiu uma ideia:

– Dás-me as cebolas pelo meu preço e não precisarás mais de te preocupar com a tua madrasta, que deve ser uma mulher bem mais malvada do que eu.

A rapariga não percebeu bem a fala da velha do caldeirão. Mas porque lhe pareceu que a velha era atrasadinha, coitada, deu-lhe as cebolas ao preço que ela estava disposta a pagar. A velha meteu as cebolas no caldeirão e foi-se embora muito satisfeita depois de ter dito como despedida:

 Eu te fado bem fadada

Para que sejas bem casada.

 A rapariga guardou as moedas no bolso do avental, acabou de comer a cebola e o pão, ajeitou o cesto na cabeça, agora bem mais leve e preparou-se para abandonar a feira. Passou na tenda do mercador dos caldeirões e, como sempre fazia, olhou para lá de relance. Estava estranhamente abandonada, com os caldeirões brilhando ao sol sem ninguém que os guardasse. A rapariga aproximou-se, poisou o cesto e pôs-se a observar a tenda. Ali perto havia um charco e ela ouviu um coaxar. Junto à água estava um enorme sapo, tão grande como ela nunca vira. A maneira como o bicho coaxava parecia dizer: Beija-me, beija-me, mas dito pelo nariz. Ela pôs-lhe a mão e sentiu-lhe o dorso viscoso. Se fosse outra, sentiria nojo e fugiria dali a cuspir. Mas a rapariga estava habituada a coisas bem mais nojentas que a madrasta a obrigava a fazer.

– Estás aqui sozinho? Coitadinho! – disse ela.

E o sapo coaxava: Beija-me, beija-me. Ela pegou nele em ambas as mãos, como se pegasse numa flor, passou-lhe os lábios pela cabecita sem pescoço e, sem que ela percebesse como, viu-se ao colo do jovem mercador de caldeirões. Ele sorriu e retribuiu-lhe o beijo. Depois disse:

– És a rapariga mais bela deste reino. E porque me salvaste, farei de ti a rainha dos caldeirões.

 

 

A Velha e suas Criadas

                                                     Esopo

 

Uma viúva econômica e zelosa tinha duas empregadas.

As empregadas da viúva trabalhavam, trabalhavam e trabalhavam.

De manhã bem cedo tinham que pular da cama, pois sua velha patroa queria que começassem a trabalhar assim que o galo cantasse. As duas detestavam ter que levantar tão cedo, especialmente no inverno, e achavam que se o galo não acordasse a patroa tão cedo talvez pudessem dormir mais um pouco. Por isso, pegaram o galo e torceram seu pescoço.

Mas não estavam preparadas para as conseqüências do que fizeram. Porque o resultado foi que a patroa, sem o despertador do galo, passou a acordar as criadas ainda mais cedo e punha as duas para trabalhar no meio da noite.

 

Moral: Muita esperteza nem sempre dá certo.

 

A Raposa e as Uvas

 

                                                                                             Esopo

Uma raposa passou em baixo de uma parreira carregada de lindas uvas.
Ficou com muita vontade de comer aquelas uvas.
Deu muitos saltos, tentou subir na parreira, mas não conseguiu.
Depois de muito tentar foi-se embora, dizendo:
— Eu nem estou ligando para as uvas. Elas estão verdes, mesmo…

Moral:
É fácil desdenhar daquilo que não se alcança

 

 

 

 

 A Polegarzinha

apolegarzinha

Conto de Hans Christian Andersen 

 

Era uma vez uma mulher que queria ter um filho muito pequenino, mas não sabia como havia de fazer para encontrar um. Então, foi ter com uma velha bruxa e disse-lhe:

— Gostava tanto de ter um filho pequenino! Não sabes dizer-me onde posso arranjar um?

— Oh, isso não é difícil — disse a bruxa. — Aqui tens um grão de cevada, e olha que não é da que cresce nos campos dos lavradores nem daquela que as galinhas comem. Planta este grão num vaso e verás o que acontece!

— Oh, obrigada! — disse a mulher, dando uma moeda de prata à bruxa.

Depois foi para casa e semeou o grão. Não foi preciso esperar muito tempo para que nascesse uma bela flor; parecia uma túlipa, mas as pétalas estavam muito fechadas como se fosse ainda um botão.

— Que linda flor! — disse a mulher, dando um beijo nas pétalas vermelhas e amarelas.

Nesse preciso momento, a flor abriu-se com um forte estalido. Era realmente uma túlipa — agora via-se bem —, mas mesmo no centro da flor, no centro verde, estava sentada uma menina minúscula, graciosa e delicada como uma fada. Não era maior que metade de um polegar, e por isso ficou a chamar-se Polegarzinha.

A cama em que dormia era uma casca de noz muito bem polida; tinha um colchão de pétalas de violeta azuis-escuras e o seu cobertor era uma pétala de rosa. Dormia ali à noite, mas durante o dia brincava em cima da mesa, onde a mulher tinha posto um prato de sopa cheio de água com um círculo de flores à volta, com os caules virados para o meio. Dentro do prato, a flutuar, estava uma grande pétala de túlipa em que a Polegarzinha se podia sentar e remar de um lado para o outro usando dois pêlos brancos de cavalo como remos. Era lindo de se ver! Ela também sabia cantar, e tinha a vozinha mais frágil e mais doce que jamais se ouviu.

Uma noite, quando estava deitada na sua linda cama, um sapo entrou no quarto através de um vidro partido da janela. O sapo parecia muito grande e estava molhado quando saltou para cima da mesa onde a Polegarzinha dormia profundamente debaixo da sua pétala de rosa.

— Ora aqui está uma bela esposa para o meu filho! — disse o sapo.

E pegou na cama de casca de noz em que a Polegarzinha estava a dormir e saltou com ela através da janela para o jardim. No fim do jardim corria um largo regato, de margens pantanosas e lamacentas; era aí que o sapo vivia com o seu filho.

Este não era nada bonito; na realidade, era igualzinho ao pai.

— Croc! Croc! Brec-rec-rec! — foi tudo quanto disse quando viu a linda menina na casca de noz.

— Não fales tão alto, se não ela acorda — disse-lhe o pai. — Olha que pode fugir, porque é leve como uma pena de cisne. Já sei, vamos pô-la no meio do rio, em cima de uma daquelas grandes folhas de nenúfar! Assim, ela vai pensar que está numa ilha, porque é uma criaturinha minúscula. Entretanto, nós podemos começar a preparar o melhor quarto debaixo da lama, para vocês os dois lá viverem.

No regato, havia muitos nenúfares com grandes folhas verdes que pareciam flutuar soltas na água. A folha que estava mais longe era também a maior de todas, e foi nela que o velho sapo poisou a casca de noz com a Polegarzinha. A pobre menina acordou muito cedo e, quando viu onde estava, começou a chorar amargamente, porque havia água a toda a volta da grande folha e era impossível voltar para terra.

Entretanto, o velho sapo andava metido na lama, decorando atarefadamente o quarto com juncos e flores aquáticas amarelas, para ficar bonito e alegre para a sua futura nora. Depois, acompanhado pelo filho, nadou até à folha onde estava a Polegarzinha. Iam buscar a linda cama de casca de noz para a colocarem no quarto antes de a noivazinha ir para lá. O velho sapo, ainda dentro de água, fez uma profunda vénia e disse à Polegarzinha:

— Este é o meu filho. Vai ser o teu marido, e vocês os dois vão viver muito felizes numa bela casa debaixo da lama.

— Croc! Croc! Brec-rec-rec! — foi tudo o que o filho disse.

Então, pegaram na bonita caminha e lá foram a nadar com ela, enquanto a Polegarzinha ficava sozinha na folha verde, a chorar, porque não lhe apetecia nada viver com o velho sapo nem casar com o filho dele. Ora os peixinhos que nadavam ali por baixo tinham visto o sapo e ouvido o que ele dissera, de maneira que deitaram as cabeças de fora para verem a menina. Mas, assim que o fizeram, viram como era bonita e ficaram cheios de pena por ela ter de ir viver na lama com o sapo. Não, isso não podia acontecer! Juntaram-se em redor do pé verde da folha em que ela estava e puseram-se a roê-lo sem parar.

Lá foi a folha, flutuando pelo regato, levando a Polegarzinha para longe, cada vez para mais longe, para onde o sapo não podia ir.

Quando ela passava, os passarinhos nas árvores cantavam "Que linda criaturinha!" assim que a viam. E a folha lá ia a deslizar, cada vez para mais longe - e foi assim que a Polegarzinha chegou a outro país.

Uma linda borboleta branca esvoaçava por cima dela e acabou por poisar na folha, porque tinha começado a gostar da menina. Como ela estava feliz agora! O sapo já não podia apanhá-la e era tudo maravilhoso à sua volta, para onde quer que olhasse. A água, onde o sol brilhava, parecia ouro a cintilar. A Polegarzinha tirou o seu cinto e deu uma ponta à borboleta amiga e atou a outra à folha. Agora é que ia mesmo depressa!

Nesse momento, um grande escaravelho apareceu a voar por cima dela. Assim que viu a menininha, agarrou-a num ápice pela cintura e voou com ela para o cimo de uma árvore. A folha verde continuou a flutuar rio abaixo com a borboleta.

Meu Deus!, como a Polegarzinha ficou assustada quando o escaravelho a levou para cima da árvore! E como teve pena da sua amiga, a borboleta branca! Mas o escaravelho não queria saber disso. Poisou na maior folha verde da árvore e largou-a aí. Deu-lhe pólen para comer e disse-lhe que ela era muito bonita, embora não tanto como um escaravelho.

Em breve, todos os outros escaravelhos que viviam na árvore foram visitá-la. Olhavam para ela, e as jovens escaravelhas encolhiam as antenas, dizendo: "Mas só tem duas pernas, este insecto miserável! Não tem antenas! Tem uma cintura tão fina! Parece mesmo humana! Que feia que é!", e por aí fora, apesar de a Polegarzinha ser realmente uma criatura linda.

O escaravelho que a tinha levado também era desta opinião, mas quando todas as escaravelhas disseram que ela era horrível, ele começou a pensar o mesmo e acabou por não querer saber dela; podia ir para onde quisesse. Várias escaravelhas pegaram nela e voaram até ao solo, deixando-a em cima de uma margarida. Lá ficou ela a chorar, por ser tão feia que os escaravelhos não a queriam — e, no entanto, era a criaturinha mais bonita que se podia imaginar, mais bela que a mais perfeita pétala de rosa.

Durante todo o Verão, a pobre Polegarzinha viveu completamente sozinha na grande floresta. Teceu uma cama com ervas e pendurou-a como se fosse uma rede por baixo de uma grande folha de azeda, para ficar abrigada da chuva. Para comer apanhava mel e pólen das flores e bebia as gotas de orvalho que encontrava todas as manhãs nas folhas. E assim passou o Verão e o Outono, mas depois chegou o Inverno, o longo e frio Inverno. Os passarinhos, que tão docemente tinham cantado, voavam agora para longe, as árvores perdiam as folhas, as flores murchavam. Depois, a grande folha de azeda que lhe fazia de telhado começou a enrolar-se e murchou, até que ficou apenas uma haste seca e amarela. A Polegarzinha tinha imenso frio, porque o seu vestido estava todo roto e ela era muito frágil e pequenina. Em breve morreria de frio. A neve começou a cair, e cada floco que caía sobre ela era tão pesado como uma pazada atirada a um de nós. Afinal, ela só tinha dois centímetros e meio de altura. Embrulhou-se numa folha murcha, mas não conseguiu aquecer-se, e tremia cada vez mais.

Por essa altura, já tinha alcançado a orla da floresta. Mesmo ao lado havia um grande campo de trigo, mas este tinha sido ceifado há muito tempo e só se via o restolho seco na terra gelada. Para ela, aquilo era o mesmo que uma floresta para atravessar e oh!, como ela tremia de frio! Finalmente, chegou à porta de um rato do campo, que vivia numa casinha por baixo do restolho. Era aconchegada e confortável, com um armazém cheio de trigo, uma cozinha quente e uma sala de jantar. A pobre Polegarzinha parou à porta da casa do rato como se fosse uma mendiga e pediu se ele lhe dava um bocadinho de um grão, porque já há dois dias que não comia nada.

— Pobrezinha! — disse o rato do campo, que tinha muito bom coração. — Vem para a cozinha, que está quente, e comes comigo.

Gostou tanto da companhia da Polegarzinha que acabou por lhe dizer:

— Podes ficar comigo durante o Inverno, mas tens de limpar e arrumar a casa e contar-me histórias. Gosto muito de histórias.

A Polegarzinha fez o que o velho rato do campo lhe disse; e o tempo foi passando agradavelmente.

— Em breve teremos uma visita — disse o rato do campo. — O meu vizinho vem visitar-me todas as semanas. A casa dele ainda é melhor do que a minha, com grandes e belos quartos, e ele usa um lindo casaco de veludo preto! Se conseguisses que ele casasse contigo, nunca mais te faltaria nada. Mas ele é quase cego, de maneira que tens de te preparar para lhe contar as melhores histórias que souberes.

A Polegarzinha não gostou muito da ideia. Não lhe apetecia nada casar com o vizinho rico; era um toupeiro, e veio fazer a sua visita com o casaco de veludo preto. O rato do campo lembrou à Polegarzinha como ele era rico e culto; disse-lhe que a casa dele era vinte vezes maior do que a sua.

Que ele sabia muitas, muitas coisas, embora não gostasse do sol e das lindas flores, porque nunca os tinha visto. A Polegarzinha teve de cantar para ele, e cantou Tive uma nogueirazinha e Joaninha voa, voa. O toupeiro apaixonou-se pela sua linda voz, mas não disse nada, porque era muito cauteloso.

Ele tinha escavado recentemente uma passagem muito longa, que ia da sua casa à do vizinho, e disse ao rato do campo e à Polegarzinha que podiam ir visitá-lo quando quisessem. Mas pediu-lhes que não tivessem medo da ave morta que estava na passagem. Contou-lhes que a ave não tinha qualquer marca nem ferida, não lhe faltavam penas, e o bico estava intacto; devia ter morrido há muito pouco tempo, com a chegada do Inverno, e, de alguma maneira, tinha caído na sua passagem subterrânea.

Então, o toupeiro agarrou num pedaço de madeira podre com a boca (porque a madeira podre brilha como fogo no escuro) e foi à frente para iluminar a longa passagem para os seus convidados. Depressa chegaram ao sítio onde estava a ave, e o toupeiro empurrou o tecto com o focinho largo, levantando a terra para fazer um buraco que deixou entrar a luz do dia. E lá estava uma andorinha, com as lindas asas encostadas ao corpo, as pernitas e a cabeça escondidas nas penas; a pobre ave de certeza que tinha morrido de frio. A Polegarzinha teve muita pena dela, porque amava todas as avezinhas, que tinham cantado e chilreado para ela de uma maneira tão encantadora durante todo o Verão. Mas o toupeiro empurrou a andorinha para o lado com as suas pernitas curtas e disse:

— Esta já não assobia mais! Que pouca sorte nascer ave! Felizmente que nenhum dos meus filhos será como elas. Uma ave não sabe fazer nada a não ser dizer tuit-tuit e depois morrer de fome no Inverno!

— Sim, lá nisso tens razão — disse o rato do campo. — Com todo o seu tuit-tuit, que é que elas fazem quando chega o Inverno? Morrem de fome e de frio. E, no entanto, toda a gente as acha muito importantes.

A Polegarzinha não disse uma palavra, mas, quando os outros recomeçaram a andar, baixou-se, afastou meigamente as penas da cabeça da andorinha e beijou-lhe os olhos fechados.

— Talvez esta seja a que cantou tão suavemente para mim durante o Verão — pensou. — Que felicidade me deu esta pobre avezinha da floresta!

Então, o toupeiro tapou o buraco que tinha feito para deixar entrar a luz do dia e acompanhou as visitas a casa. Mas nessa noite a Polegarzinha não conseguia dormir, de maneira que levantou-se e teceu uma cobertazinha de feno. Quando acabou, foi pô-la em cima da ave. Ao lado, deixou um pouco de lanugem de cardo que tinha encontrado na sala de estar do rato do campo, para que a ave pudesse repousar quentinha sobre a terra fria.

— Adeus, linda andorinha! — disse ela. — Adeus e obrigada pelas tuas belas canções no Verão, quando as árvores estavam verdes e o Sol brilhava tão alegremente sobre nós todos!

Depois encostou a cabeça ao coração da andorinha — mas ficou logo muito espantada, porque parecia que alguma coisa batia lá dentro. Era o coração da andorinha a bater. Não estava morta, apenas entorpecida pelo frio, e, como tinha sido aquecida, começava a voltar a si.

No Outono, as andorinhas voam todas para terras mais quentes, mas, se uma delas se atrasa, o frio pode fazê-la gelar; então cai no chão e depressa fica coberta de neve.

A Polegarzinha tremia, assustada; a ave era muito maior do que ela, que só tinha dois centímetros e meio de altura. Mas encheu-se de coragem e aconchegou a lanugem de cardo ao corpo da pobre andorinha. Depois, foi a correr buscar a sua coberta, uma folha de hortelã, para lhe tapar a cabeça.

Na noite seguinte, esgueirou-se outra vez para visitar a andorinha — ela estava realmente viva, mas tão fraca que mal pôde abrir os olhos para olhar para a Polegarzinha. Ali estava ela, com um pedacinho de madeira podre na mão, porque não tinha outra lanterna.

— Obrigada, obrigada, linda menina — disse a andorinha doente. — Aqueceste-me tão bem que depressa estarei suficientemente forte para voar ao sol brilhante.

— Oh! — exclamou a Polegarzinha —, ainda está muito frio lá fora! Há neve e gelo por todo o lado. Fica aí na tua caminha quente que eu trato de ti.

Depois levou-lhe água numa folha, e a andorinha bebeu e contou-lhe como tinha magoado uma asa numas silvas e, por isso, não tinha conseguido voar tão depressa como as outras andorinhas quando partiram para terras mais quentes. Por fim, acabara por cair, e não se lembrava de mais nada. Não fazia a menor ideia de como tinha ido parar ali.

Durante todo o Inverno, a andorinha ficou na passagem subterrânea. A Polegarzinha tratou dela e tornou-se muito sua amiga. Mas não disse nada ao toupeiro nem ao rato do campo, porque eles não gostavam de avezinhas. Por fim, chegou a Primavera e os raios de Sol começaram a atravessar a terra. A andorinha disse adeus à Polegarzinha e reabriu o buraco que o toupeiro tinha feito no tecto da passagem. A luz do Sol encheu ambas de alegria, e a andorinha pediu à Polegarzinha que fosse com ela; podia subir para as suas costas e voariam para a floresta cheia de verdura. Mas a Polegarzinha sabia que o velho rato do campo ficaria triste se ela se fosse embora assim sem mais nem menos.

— Não, não posso ir — disse ela.

— Então adeus, adeus, linda menina bondosa! — respondeu a andorinha, voando em direcção ao Sol.

A Polegarzinha viu-a subir no céu, e os seus olhos encheram-se de lágrimas, porque se tinha tornado muito amiga da pobre andorinha.

— Tuit, tuit! — cantou a avezinha, voando em direcção à floresta verde.

A Polegarzinha estava agora muito triste. Não a deixavam sair para a claridade do Sol, e, nos campos onde vivia, o trigo era tão alto que, para ela, era como uma floresta que se erguia muito acima da sua cabeça.

— Tens de ter o teu enxoval pronto este Verão — disse o rato do campo, porque, entretanto, o vizinho toupeiro do casaco de veludo tinha proposto casamento à Polegarzinha. — Precisas de roupas de linho e lã e de muitos cobertores e lençóis quando fores casada com o toupeiro.

A Polegarzinha teve de trabalhar arduamente com a roca, e o toupeiro contratou quatro aranhas para tecerem para ela de dia e de noite. Todas as tardes lhe fazia uma vista e dizia sempre que, quando o Verão acabasse e o Sol não estivesse tão terrivelmente quente e deixasse de queimar a terra até a deixar dura com uma pedra, então casariam. Mas a Polegarzinha não estava nada satisfeita, porque não gostava daquele velho toupeiro tão pomposo. Todas as manhãs, quando o Sol se erguia, e todas as noites, quando se punha, ela esgueirava-se lá para fora; quando o vento fazia ondular as espigas de trigo, conseguia ver o céu azul e pensava sempre como era bom e belo viver ao ar livre. Desejava imenso ver de novo a sua amiga andorinha, mas ela não voltou a aparecer; tinha voado para o bosque verde coberto de folhas.

Quando o Outono chegou, o enxoval da Polegarzinha estava pronto.

— Casas daqui a quatro semanas — disse o rato do campo.

Mas a Polegarzinha começou a chorar e disse que não queria casar com o toupeiro.

— Que disparate! — respondeu o rato do campo. — Não te ponhas com problemas. Arranjaste um marido esplêndido, pois nem a rainha tem um casaco de veludo preto tão bom como o dele! E pensa naquela cozinha e cave tão bem fornecidas! Deves agradecer a tua boa sorte.

E, assim, chegou o dia do casamento. O toupeiro já tinha ido buscar a Polegarzinha, pois ela ia viver com ele bem debaixo do solo; nunca mais poderia apanhar a luz radiante do Sol, porque o toupeiro não a suportava. Cheia de tristeza, foi dizer o último adeus ao Sol brilhante; enquanto vivera com o rato do campo, sempre a tinham deixado ir pelo menos até à porta.

— Adeus, Sol brilhante! — disse ela, erguendo os braços em direcção a ele e dando alguns passos no campo imenso, pois o trigo tinha sido ceifado e só ficara o restolho. — Adeus, adeus — disse ela outra vez, abraçando uma florzinha vermelha que crescia por entre os caules. — Se alguma vez tornares a ver a andorinha, diz-lhe que lhe mando saudades!

Nesse preciso momento ouviu um som — tuit, tuit — mesmo por cima de si. Era a andorinha.

Como estava, contente por ver a sua amiga Polegarzinha! Então esta contou-lhe que tinha de casar nesse mesmo dia com o toupeiro e ir viver com ele debaixo da terra, onde o Sol nunca brilhava. E as lágrimas saltaram-lhe dos olhos só de pensar nisso.

— Vem aí o frio Inverno — disse a andorinha. — Vou voar para longe, para os países quentes. Por que não vens comigo? Podes subir para as minhas costas e atares-te a mim com o teu cinto. Deixamos o toupeiro e a sua casa escura e voamos para muito, muito longe, por cima das montanhas, para um país onde o Sol brilha ainda mais do que aqui, onde é sempre Verão e onde as matas e as florestas estão cobertas das mais belas flores. Ah, vem comigo, querida Polegarzinha, tu que me salvaste a vida quando eu estava gelada na escura passagem debaixo da terra!

— Sim, vou contigo — acabou por dizer a Polegarzinha.

Sentou-se nas costas da ave e atou o cinto a uma das suas penas mais fortes. Então, a andorinha ergueu-se muito alto no céu e voou por cima de florestas, lagos e montanhas onde há sempre neve. O ar gelado fazia a Polegarzinha tremer, mas ela enfiava-se debaixo das penas quentes da ave e só espreitava para olhar, assombrada, para as belas coisas lá em baixo.

Por fim, chegaram aos países quentes. Aí, o Sol brilhava com muito mais intensidade do que a Polegarzinha supunha ser possível; o céu parecia duas vezes mais alto. Ao longo das estradas, havia deliciosas uvas brancas e roxas; limões e laranjas pendiam das árvores; o ar estava perfumado de mirto e de muitas outras plantas aromáticas; e, pelos caminhos, corriam muitas crianças lindas, a brincar por entre coloridas borboletas. Mas a andorinha voou ainda para mais longe, para onde a paisagem era também ainda mais bonita. E então, à sombra de enormes árvores verdes, na margem de um lago azul-safira, viram um palácio muito antigo construído em mármore branco, com videiras enroladas nas suas altas colunas. Mesmo no cimo das colunas havia muitos ninhos de andorinhas, e num deles vivia a amiga da Polegarzinha.

— A minha casa é esta — disse ela. — Mas, se quiseres escolher uma daquelas lindas flores ali em baixo, eu ponho-te lá, e podes viver feliz à tua vontade.

— Ah, como vou gostar! — gritou a Polegarzinha, batendo as mãozinhas.

Uma grande coluna branca estava caída por terra, partida em três bocados, e entre eles cresciam altas e belas flores brancas. A andorinha voou até lá abaixo com a Polegarzinha e poisou-a numa pétala. Então, a Polegarzinha teve uma grande surpresa. Ali, no centro da flor, estava um principezinho, tão belo e delicado que parecia feito de vidro. Tinha na cabeça a coroa de ouro mais bonita que pode imaginar-se e nos ombros um par de asas coloridas e brilhantes, e não era maior do que a própria Polegarzinha. Era o espírito que guardava a flor. Em cada flor havia uma criaturinha igual, mas ele era o rei de todas.

— Que bonito que ele é! — sussurrou a Polegarzinha à andorinha.

O principezinho ao princípio ficou muito assustado com a ave, que lhe parecia gigantesca, mas quando viu a Polegarzinha ficou cheio de alegria. Achou que ela era a mais bela de todas as criaturas que jamais tinha visto, mesmo entre as fadas das flores. Tirou a coroa de ouro da sua cabeça e colocou-a na dela e perguntou-lhe como se chamava e se queria ser sua mulher e rainha de todas as flores.

Bem, este marido podia ela amar de verdade — era muito diferente do filho do sapo ou do velho toupeiro com o seu casaco de veludo. E por isso disse que sim ao belo príncipe. Então, ergueu-se de cada flor uma criaturinha, rapaz ou rapariga, homem ou mulher, tão pequeninas e tão bonitas que era emocionante vê-las. Todas deram uma prenda à Polegarzinha, mas a melhor de todas foi um lindo par de asas. Prenderam-nas aos ombros da Polegarzinha, e agora também ela podia voar de flor em flor. Toda a gente estava cheia de alegria: era como uma maravilhosa festa de Verão. A andorinha, lá em cima no seu ninho, cantou-lhes a canção mais bonita que sabia, mas no fundo estava triste, porque gostava tanto da Polegarzinha que não queria separar-se dela.

— Nunca mais te chamarás Polegarzinha — declarou o príncipe das flores. — Não é um nome suficientemente bonito para uma criatura tão bela como tu. A partir de agora, vamos chamar-te Maia!

— Adeus, adeus — disse a andorinha, quando chegou a altura de voar de novo dos países quentes para a Dinamarca.

Aí, ela tinha um pequeno ninho ao lado da janela do homem que escreve contos de fadas.

— Ouve, ouve — trinou a andorinha para o escritor de contos de fadas...

E foi assim que soubemos esta história.

 

A Princesa e a Ervilha

Conto de Hans Christian Andersen 

 

Era uma vez um príncipe que queria casar com uma princesa — mas tinha de ser uma princesa verdadeira. Por isso, foi viajar pelo mundo fora para encontrar uma, mas havia sempre qualquer coisa que não estava certa. Viu muitas princesas, mas nunca tinha a certeza de serem genuínas havia sempre qualquer coisa, isto ou aquilo, que não parecia estar como devia ser. Por fim, regressou a casa, muito abatido, porque queria uma princesa verdadeira.

Uma noite houve uma terrível tempestade; os trovões ribombavam, os raios rasgavam o céu e a chuva caía em torrentes — era apavorante. No meio disso tudo, alguém bateu à porta e o velho rei foi abrir.

Deparou com uma princesa. Mas, meu Deus! o estado em que ela estava! A água escorria-lhe pelos cabelos e pela roupa e saía pelas biqueiras e pela parte de trás dos sapatos. No entanto, ela afirmou que era uma princesa de verdade.

— Bem, já vamos ver isso — pensou a velha rainha. Não disse uma palavra, mas foi ao quarto de hóspedes, desmanchou a cama toda e pôs uma pequena ervilha no colchão. Depois empilhou mais vinte colchões e vinte cobertores por cima. A princesa iria dormir nessa cama.

De manhã, perguntaram-lhe se tinha dormido bem.

— Oh, pessimamente! Não preguei olho em toda a noite! Só Deus sabe o que havia na cama, mas senti uma coisa dura que me encheu de nódoas negras. Foi horrível.

Então ficaram com a certeza de terem encontrado uma princesa verdadeira, pois ela tinha sentido a ervilha através de vinte edredões e vinte colchões. Só uma princesa verdadeira podia ser tão sensível.

Então o príncipe casou com ela; não precisava de procurar mais. A ervilha foi para o museu; podem ir lá vê-la, se é que ninguém a tirou.

Aqui têm uma bela história!

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 

 A Pequena Vendedora de Fósforos

menina

Conto de Hans Christian Andersen

 

Era véspera de Ano Bom. Fazia um frio intenso; já estava escurecendo e caía neve. Mas a despeito de todo o frio, e da neve, e da noite, que caía rapidamente, uma criança, uma menina, descalça e de cabeça descoberta, vagava pelas ruas. É certo que estava calçada quando saiu de casa; mas as chinelas eram muito grandes, pois que a mãe as usara, e escaparam-lhe dos pezinhos gelados, quando atravessava correndo uma rua, para fugir de dois carros que vinham a toda a brida. Não pôde achar um dos chinelos e o outro apanhou-o um rapazinho, que saiu correndo e declarando que aquilo ia servir de berço aos seus filhos, quando os tivesse. Continuou, pois, a menina a andar, agora com os pés nus e gelados. Levava no avental velhinho uma porção de pacotes de fósforos e tinha na mão uma caixinha: não conseguira vender uma só em todo o dia, e ninguém lhe dera esmola - nem um só vintém.

Assim, morta de fome e frio, ia se arrastando penosamente, vencida pelo cansaço e o desânimo - a estátua viva da miséria.

Os flocos de neve caíam pesados, sobre os lindos cachos louros que lhe emolduravam graciosamente o rosto; mas a menina nem dava por isso. Via, pelas janelas das casas, as luzes que brilhavam lá dentro; vagava na rua um cheiro bom de pato assado - era a véspera do Ano Bom - isso sim, não o esquecia ela.

Achou um canto, formado pela saliência de uma casa, e acocorou-se ali, com os pés encolhidos para abrigá-los ao calor do corpo; mas cada vez sentia mais frio. Não se animava a voltar para casa, porque não tinha vendido uma única caixinha de fósforos, e não ganhara um vintém; era certo que levaria algumas lambadas. Além disso, lá fazia tanto frio como na rua, pois só havia o abrigo do telhado, e por ele entrava uivando o vento, apesar dos trapos e das palhas que lhe tinham vedado as enormes frestas.
Tinha as mãozinhas tão geladas... estavam duras de frio. Quem sabe se acendendo um daqueles fósforos pequeninos, sentiria algum calor? Se se animasse a tirar um ao menos da caixinha, e riscá-lo na parece para acendê-lo... Ritch!... Como estalou, e faiscou, antes de pegar fogo!
Deu uma chama quente, bem clara, e parecia mesmo uma vela, quando ela o abrigou com a mão. E era uma vela esquisita, aquela! Pareceu-lhe logo que estava sentada diante de uma grande estufa, de pés e maçanetas de bronze polido. Ardia nela um fogo magnífico, que espalhava suave calor. E a meninazinha ia estendendo os pés enregelados para aquecê-los e... crac! Apagou-se o clarão! Sumiu-se a estufa, tão quentinha, e ali ficou ela, no seu canto gelado, com um fósforo apagado na mão. Só via agora a parede escura e fria.

Riscou outro. Onde batia a sua luz, a parede tornava-se transparente como a gaze, e ela via tudo lá dentro da sala. Estava posta a mesa, e sobre a toalha alvíssima via-se, fumegando entre toda aquela porcelana tão fina, um belo pato assado, recheado de maçãs e ameixas. Mas o melhor de tudo foi que o pato saltou do prato e, com a faca ainda cravada nas costas, foi indo pelo soalho direto à menina que estava com tanta fome, e...
Mas - que foi aquilo? No mesmo instante acabou-se o fósforo, e ela tornou a ver somente a parede nua e fria, na noite escura. Riscou outro fósforo, e àquela luz resplandecente, viu-se sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Oh! Era muito maior, e mais ricamente decorada do que aquela que vira, naquele Natal, ao espiar pela porta de vidro da casa do negociante rico. Entre os galhos brilhavam milhares de velinhas; e estampas coloridas, como as que via nas vitrinas das lojas, olhavam para ela. A criança estendeu os braços, diante de tantos esplendores, e então, então... apagou-se o fósforo. Todas as luzinhas de natal foram subindo, subindo, mais alto, cada vez mais alto, e de repente ela viu que eram estrelas, que cintilavam no céu. Mas uma caiu lá de cima, deixando uma esteira de poeira luminosa no caminho.

- Morreu alguém - disse a criança.

Porque sua avó, a única pessoa que a amara no mundo, e que estava morta, lhe dizia sempre que quando uma estrela desce, é que uma alma subiu para o céu.

Agora ela acedeu outro fósforo; e desta vez foi a avó que lhe apareceu, a sua boa vovó, sorridente e luminosa, no esplendor da luz.

- Vovó! - gritou a pobre menina - Leva-me contigo... Já sei que quando o fósforo se apagar, tu vais desaparecer, como se sumiram a estufa quente, e o rico pato assado, e a linda árvore de Natal!

E a coitadinha pôs-se a riscar na parede todos os fósforos da caixa, para que a avó não se desvanecesse. E eles ardiam com tamanho brilho, que parecia dia, e nunca ela vira a vovó tão alta, nem tão bela! E ela tomou a neta nos braços, e voaram ambas, em um halo de luz e de alegria, mais alto, e mais alto, e mais longe... longe da terra, para um lugar lá em cima onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo, porque elas estavam agora com Deus.

A luz fria da madrugada achou a menina sentada no canto, entre as casas, com as faces coradas e um sorriso de beatitude. Morta. Morta de frio, na última noite do ano velho.

A luz do Ano Bom iluminou o pequenino corpo, ainda sentado no canto, com a mão cheia de fósforos queimados.

- Sem dúvida ela quis aquecer-se - diziam.

Mas... ninguém soube das lindas visões, que visões maravilhosas lhe povoaram os últimos momentos, nem em que halo tinha entrado com a avó nas glórias do Ano Novo.

 

A Patinha Esmeralda

(M. M.)

 

Meu nome é Esmeralda.

Antes de nascer, eu era assim, um ovo!

Depois de um tempo, quebrei a casca e saí de dentro e agora sou uma patinha.

Aí, eu vi que tinha muitos irmãos patinhos. E todos eles gostam de banho de sol pela manhã. Eu também!

Então, eu fico com muita sede. Mas sou desastrada e muitas vezes caio na tigela ao tomar água.

Os patos gostam de se refrescar nadando no lago. É uma aventura muito divertida.

Certa vez, um ganso correu atrás de mim. Acho que os gansos não gostam de patinhos como eu.

Os patos adultos comem milho. Mas eu sou pequena, por isso, como farelo de fubá com água para não engasgar.

No final da tarde, mamãe pata fica contente ao ver seus filhotes em fila atrás dela, voltando para casa.

 

 

 A Pastora e o Limpa-chaminés

Conto de Hans Christian Andersen 

Alguma vez viram um armário muito velho, enegrecido pela idade, todo esculpido com caules e folhas de trepadeiras?

Havia numa sala de estar um armário deste género que tinha pertencido à trisavó da família. Estava coberto, de cima a baixo, com rosas e túlipas esculpidas na madeira, rodeadas por grinaldas arredondadas; e, por entre tudo isso, apareciam umas cabecinhas de veados com as suas hastes.

Mas, no meio, havia uma figura de um homem — de um tipo bem estranho. Era bastante cómico, porque tinha pernas de bode, pequenos cornos na testa, uma barba comprida e um esgar peculiar, que mal podia chamar-se sorriso. As crianças da casa chamavam-lhe Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode. O nome ficava-lhe bem, achavam elas, por ser difícil de dizer. Além disso, quem mais, vivo ou esculpido, teria alguma vez merecido tal título?

Seja como for, lá estava ele, com os olhos sempre voltados para a mesa por baixo do espelho, porque em cima da mesa estava uma linda pastorinha de loiça. Tinha uns sapatos dourados e um vestido enfeitado com uma rosa de loiça; tinha ainda um chapéu dourado e segurava um cajado de pastora. Oh, era realmente linda!

Mesmo a seu lado, estava um pequeno limpa-chaminés, também de loiça. Era todo preto, excepto a cara, que era cor-de-rosa e branca como a de uma rapariga; na verdade, estava tão limpo e bem arranjado como outra pessoa qualquer, porque era apenas um limpa-chaminés a fingir. O artista também podia ter feito dele um príncipe. E lá estava ele, com o seu escadote e o seu belo rosto, que não tinha uma única partícula de fuligem. E como o limpa-chaminés e a pastora tinham estado sempre junto um do outro, em cima da mesa, tinham ficado noivos, o que era a coisa mais natural do mundo. Estavam realmente muito bem um para o outro. Ambos eram jovens, ambos eram feitos do mesmo material, e cada um era tão frágil como o outro.

Não longe dali havia uma figura muito diferente, cerca de três vezes maior do que eles. Era um velho chinês, um mandarim, que abanava a cabeça. Também era de loiça, e dizia sempre que era avô da pastora. Não podia prová-lo, mas insistia em que era o seu protector, de maneira que o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode lhe pediu a mão dela em casamento, e ele consentiu, acenando.

— Aí está um belo marido para ti — disse ele à pastora. — É de mogno, tenho quase a certeza, e vais ser a Senhora Brigadeira-Generala-de-Brigada-Capitoa-Sargenta-Caba-Pernas-de-Bode. Ele é dono de um armário cheio de pratas e de outras coisas que lá tem escondidas.

— Não quero viver naquele armário escuro — disse a pastorinha. — Ouvi dizer que ele já lá tem onze mulheres de loiça.

— E tu serás a décima segunda! — retorquiu o mandarim — Esta noite, assim que o armário começar a estalar, vocês vão casar, tão certo como eu ser chinês!

E, com isto, acenou com a cabeça e adormeceu.

Mas a pastorinha começou a chorar e olhou para o seu bem-amado limpa-chaminés.

— Acho que tenho de te pedir que partas à aventura comigo — disse ela —, porque não podemos ficar aqui.

— Faço o que tu quiseres — respondeu o pequeno limpa-chaminés. — Vamos já; tenho a certeza de ser capaz de ganhar o suficiente para te manter com a minha profissão.

— Ai, se ao menos pudéssemos descer da mesa!... — exclamou ela. — Só serei feliz quando partir à aventura!

Então ele confortou-a e mostrou-lhe como devia colocar os pezinhos nos entalhes da perna da mesa. Levou o escadote para a ajudar e, por fim, encontraram-se no chão. Mas, quando olharam para o velho armário escuro, que agitação! Todos os veados esculpidos deitavam as cabeças ainda mais de fora, espetando os galhos e voltando os pescoços de um lado para o outro. E o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode estava aos pulos e a gritar, todo zangado, para o chinês:

— Estão a fugir! Estão a fugir!

Aquilo assustou os namorados, que se esconderam rapidamente na gaveta do banco da janela. Encontraram três ou quatro baralhos de cartas — nenhum deles completo — e um pequeno teatro de brincar. Estava em cena uma peça, e todas as rainhas das cartas — ouro, copas, paus e espadas — ocupavam a primeira fila, a abanar-se com as suas túlipas. Por detrás delas estavam todos os valetes com as suas cabeças, uma em cima e outra em baixo (todas as cartas de jogar são assim). A peça que estavam a ver era sobre um par de namorados a quem não deixavam casar. E a pastora começou outra vez a chorar, porque era tal e qual a história dela.

— Não suporto isto — dizia ela. — Tenho de sair desta gaveta.

Mas, quando chegaram ao chão e olharam para cima da mesa, o velho chinês tinha acordado e estava a abanar o corpo para trás e para a frente; tinha de andar assim, porque, à excepção da cabeça, era todo feito de uma só peça.

— Vem aí o velho chinês! — gritou a pastorinha.

E estava tão aterrorizada que caiu nos seus joelhos de loiça.

— Tenho uma ideia — disse o limpa-chaminés. — Vamos meter-nos ali dentro da grande jarra do canto; podemos esconder-nos entre as rosas e a alfazema e atirar-lhe sal aos olhos se ele se aproximar.

— Isso não ajuda nada — respondeu ela. — Além disso, sei que o velho chinês e a jarra já estiveram noivos; e fica sempre algum sentimento quando as pessoas foram íntimas. Não, a única coisa a fazer é partir à aventura.

— Tens realmente coragem para isso? — perguntou o limpa-chaminés. — Fazes ideia de como é o Mundo? E já pensaste que não podemos voltar para aqui?

— Sim, já pensei nisso — respondeu ela.

O limpa-chaminés deitou-lhe um olhar sério e penetrante e depois disse:

— O único caminho que conheço é pela chaminé. Tens a certeza que possuis a coragem suficiente para ires atrás de mim pelo fogão e pelo túnel escuro? É por aí que se vai para a chaminé, e depois já sei o que fazer. Trepamos tão alto que ninguém nos apanha; e, lá mesmo no cimo, há uma abertura por onde podemos sair para a nossa aventura.

E conduziu-a pela porta do fogão.

— Está muito escuro — exclamou ela.

Mas, apesar disso, foi com ele, através dos tijolos refractários e do cano da chaminé, onde estava escuro como a noite.

— Já chegámos à chaminé — exclamou ele. — Olha! Que linda estrela ali por cima de nós!

Realmente havia uma verdadeira estrela no céu por cima deles, a iluminá-los com o seu brilho, como se quisesse indicar-lhes o caminho. Lá continuaram a trepar e a rastejar, para cima, cada vez mais para cima; foi uma viagem horrível. Mas o pequeno limpa-chaminés ajudava-a sempre, mostrando-lhe os melhores sítios para ela colocar os seus pezinhos de loiça, até que por fim chegaram ao cimo da chaminé, onde se sentaram, porque estavam cansados, o que não admira.

Lá no alto estava o céu cheio de estrelas; em baixo, ficava a cidade com todos os seus telhados. Eles podiam ver até bem longe à sua volta, por esse mundo fora. A pobre pastora nunca tinha imaginado nada como aquilo; deitou a sua cabecinha no ombro do limpa-chaminés e chorou tão amargamente que o ouro da faixa da cintura desbotou.

— Isto é de mais — chorava ela. — Não aguento. O Mundo é demasiado grande. Oh, quem me dera estar outra vez na mesa debaixo do espelho! Só serei feliz outra vez quando voltar para lá. Vim contigo, mas, se realmente gostas de mim, leva-me para casa.

O limpa-chaminés falou calmamente com ela; recordou-lhe o chinês e o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode, mas ela continuava a chorar, desesperada, e beijava-o e agarrava-se a ele, até que este acabou por ceder, apesar de ser uma patetice.

Então, tornaram a rastejar pela chaminé, desta vez para baixo — uma tarefa dura e perigosa; esgueiraram-se pelo cano (uma das piores partes da viagem) e, por fim, chegaram à caverna escura do fogão. Ficaram encostados à porta durante um bocadinho, para ouvirem o que se passava na sala. Tudo parecia bastante calmo, de maneira que espreitaram — mas, oh!, mesmo no meio do chão estava o chinês! Ao tentar correr atrás deles, tinha caído da mesa, e agora estava feito em três pedaços — a parte de trás, a parte da frente e a cabeça, que tinha rebolado para um canto. O Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode estava no seu lugar de sempre, absorto em pensamentos.

— Que horror! — exclamou a pastorinha. — O meu pobre avô está todo partido e a culpa é nossa. Nunca hei-de esquecer isto!

E torcia as mãozinhas.

— Pode muito bem ser consertado — afirmou o limpa-chaminés. — É fácil. Vá, não fiques tão preocupada. Depois de ser colado e de lhe porem um gato no pescoço, fica como novo, e ainda vai dizer-te muitas coisas aborrecidas.

— Achas que sim? — perguntou ela.

E treparam para a mesa onde sempre tinham estado.

— Bem, fartámo-nos de andar — suspirou o limpa-chaminés —, e cá estamos de novo no mesmo sítio. Podíamos ter poupado a viagem.

— Ai, quem me dera que o meu avô já estivesse consertado! — disse a pastora. — Achas que vai ser muito caro?

O chinês foi consertado. A família mandou colar os pedaços e pôr um gato no pescoço; ficou como novo, mas já não abanava a cabeça.

— Estás muito importante desde que te partiste! — disse-lhe o Brigadeiro-General-de-BrigadaCapitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode. — Mas por que é que estás tão orgulhoso? Responde-me! Posso ou não ficar com a pastora?

O limpa-chaminés e a pastora olharam ansiosamente para o velho chinês, com medo que ele acenasse com a cabeça. Mas ele não conseguia e também não queria admitir que lhe tinham posto um gato no pescoço. E assim os namoradinhos de loiça ficaram juntos e continuaram a amar-se, na maior felicidade, até se partirem.

 

 

A menina que queria engarrafar o tempo

 

 

à Profa. Dra.Orly Zucatto Mantovani de Assis

Era uma vez uma menina chamada Inanna. Ela era muito sabida e só gostava de coisas boas - sorvete, jogar bola, brincar de boneca.

A vida de Inanna era mais deliciosa que bala de hortelã. Acordava todo dia com o sol, conversava com os passarinhos na janela, trocava de roupa e corria para brincar com suas fadas e bruxas dos livros. Quando chovia, era a deusa da vida - cantava e cantava - e as flores nasciam no jardim.

À tarde ia para a escola e lá encontrava seus amigos. E se transformava na estudante que queria crescer logo para fazer o que quisesse dessa vida - ser flor, médica, professora ou qualquer outra coisa. Quando a noite se aproximava, fechava os olhos e dormia com Pinóquio, Peter Pan, Chapeuzinho Vermelho e em alguns dias com a Pequena Vendedora de Fósforos - todos moradores das histórias que seus pais contavam.

Um dia aconteceu uma coisa muito triste na vida dessa menina e lá naquela vida tão bonita começaram a aparecer dias muito iguais e sem alegria.

E Inanna decidiu que queria engarrafar o tempo.

Porque? Porque ela não conseguia aceitar que as coisas boas que aconteciam tinham que acabar assim, assim, sem mais nem menos. Achava que se engarrafasse partes da vida conseguiria manter para sempre, na estante, somente os momentos bons e não precisaria sentir saudades.

Um dia, quando estava no quarto, pensando nessas idéias de gente grande, apareceu, de dentro de um livro uma bruxa! Não era uma bruxa daquelas de mentirinha não! Era uma bruxa muito de verdade, dava até para pegar e apertar. A menina não teve tanta coragem assim, para ir apertando e tal. Mas só de olhar sabia que podia dar um apertão igualzinho aquele que a tia dava na bochecha dela.  Mas sabia também que apertão era muito ruim, porque a gente não é de apertar como as frutas do mercado, pra ver se está boa. A gente é de olhar e de abraçar.

E bem devagarzinho, foi chegando perto da bruxa, que olhava desconfiada para aquele quarto cheio de coisas bonitas. De repente desapareceu e apareceu na frente da menina, que levou um susto!

Inanna perguntou: - Qual o seu nome?

- E a Bruxa respondeu: Isthar

- E isso lá é nome de Bruxa?

E a mulherzinha, muito brava, respondeu: - Você está vendo alguma vassoura?

-Não!

- E você já viu Bruxa sem vassoura?

A menina pensou, pensou e achou que aquela mulher tinha razão. Mas se não era Bruxa, o que era ? Como podia ser velhinha, curvada, ter verruga no nariz e não ser Bruxa? Mas ela não tinha vassoura e nem era tão baixinha assim, porque a Inanna tinha 8 nos e a mulher era até mais alta que ela!

A mulher voou sem vassoura e por onde passava uma fumacinha, igual a do gênio da lâmpada do Aladim, a seguia. Será que era uma gênia?

E Inanna ouviu uma história muito difícil de entender. A tal da Isthar era uma deusa, dessas das histórias bem antigas, e já existia muito antes de tudo existir. E dá para imaginar uma coisa dessas? Para não embaralhar a vida das pessoas, controlava todo o tempo do mundo, desde que tudo existe. O dia, a noite e quando estava com preguiça deixava o tempo passar bem devagarzinho e esperava todo mundo dormir para fazer o tempo passar bem rápido, compensando o chamado ‘tempo perdido’. Tinha poderes mágicos – dizia que conseguia controlar o tempo passado, ver o presente, mas nunca conseguia saber do futuro.

A menina, muito assustada, não conseguia entender direito o que significava aquilo tudo.

 A deusa explicou: - Você me chamou, lembra? Falou que queria engarrafar o tempo e eu trouxe uma estante pequenininha que cabe dentro da sua bolsa e algumas garrafas mágicas. Quando você quiser engarrafar um momento da sua vida é só esperar ele acabar de acontecer, abrir a tampa da garrafa, esperar ele entrar. Então você fecha e põe na estante.

Mas existem algumas condições para que você possa fazer isso. Uma dessas garrafas não pode ser aberta.

A menina, assustada, perguntou: Mas vou saber qual delas não posso abrir?

E a deusa respondeu: - É fácil, uma delas é mais brilhante que as outras. Essa é a proibida. Mas todas as outras são suas. Depois que engarrafar seu momento feliz você nunca mais se lembrará dele. Mas poderá vê-lo na estante, encostar as mãos na garrafa, sentir aquela coisa boa no coração e, se quiser, poderá entrar na garrafa e viver tudo de novo. Mas quando sair de lá não se lembrará de nada.

A menina adorou aquela história toda. Garrafinhas mágicas...resolveriam todos os problemas de sua vida. Aceitou e agradeceu a Deusa Isthar. 

Nos primeiros dias ficou com muito medo de usar aquelas garrafinhas. Mas um dia, após ter vivido um momento difícil, achou que era hora de testar aquela oferenda. Esperou uma noite inteira passar e outro dia chegar.

Quando o sol estava brilhando lá no alto do céu, tomou um sorvete e sentiu muita alegria. O dia estava quente e o vento soprava bem de levinho e aquilo era delicioso. Inanna não esperou – abriu a garrafa e um ventão soprou, soprou igual furacão e lá estava aquele momento, uma miniatura dentro da garrafa – a menina, o sol, o sorvete e até o vento levinho.

E assim, por muitos dias, colecionou seus momentos felizes dentro das garrafas - as histórias que o pai contava a noite, o passeio com os colegas, a nota boa da escola, a viagem até a casa da avó, o batom cor de rosa que ganhou da mãe, o bolo de aniversário e mais um montão de coisas.

Percebeu, intrigada, que as garrafas nunca acabavam.

Quando ficava chateada só precisava escolher um momento engarrafado, encostar a mão e como mágica aquela sensação boa chegava e ela pulava lá para dentro e ficava feliz.

Mas o tempo foi passando e a Inanna começou a cansar daquelas mesmas sensações e percebeu que vivia mais dentro das garrafas do que no mundo de verdade. E como não se lembrava de nada depois que saía de lá, a menina passou a sentir que dentro dela só sobrou um vazio muito grande. Sensações, sem lembranças. E lembrança faz uma falta...mesmo aquelas que trazem a saudade.

Todos os dias olhava a garrafa proibida, que brilhava e brilhava. Às vezes parecia que quanto mais engarrafava sua vida nas garrafinhas sem cor, maior era o brilho daquela garrafa que não podia abrir. Doía até os olhos de tanto que brilhava. A curiosidade foi crescendo, mas ela não ousava desafiar as ordens da deusa..

Certo dia percebeu que só se lembrava das coisas ruins, pois eram aquelas que não tinha engarrafado e sua vida estava mais chata ainda do que antes de conhecer a Isthar.

Começou a chorar baixinho e não sabia mais o que fazer quando resolveu quebrar todas as garrafas, menos aquela que brilhava, pois a bruxa, ou melhor, a deusa, ficaria muito brava! Tem pessoas que a gente não desobedece por nada desse mundo!

Foi uma barulheira danada! Crash, póft, póft, tum, tum, creck, criiiiim, póft!

Quando quebrou sua última sensação, começou aquele ventão dentro do quarto e a deusa Isthar reapareceu, após muitos anos.

E não ficou nem um pouquinho brava com aquela bagunça toda. Você acredita? Deu uma ordem e tudo foi para seu lugar. Até as garrafas foram consertadas! Mas estavam vazias de novo. E depois insistia em dizer que não era bruxa!

Talvez deuses também façam mágicas com seus super poderes.

E, com um olhar carinhoso, Isthar pegou aquela garrafa bonita e brilhante e deu para Inanna. A menina não entendeu nada. Porque agora tinha que abrir aquela garrafa?

A deusa disse: - Se você a abrir nunca mais poderá engarrafar seus momentos no tempo. Tem certeza de que quer saber o que está aí dentro?

E a menina, que estava arrependida de seu desejo de engarrafar seus momentos, resolveu abrir.

A deusa sorria enquanto observava os pensamentos passando correndo pela cabeça da menina. Até pensamento conseguia ler!

E de repente, Inanna fechou os olhos e com muita força abriu a garrafa. Ouviu uma explosão com cheiro de doce! Era o melhor momento de sua vida! A garrafa chamava-se presente. E esse momento e tantos outros presentes nunca mais foram engarrafados, porque Inanna descobriu algo muito valioso: - sensações não têm valor se não forem lembranças.

 

 

A Menina e o Bicho

 

Consiglieri Pedroso, Contos Populares Portugueses (1910)

 

Era uma vez um homem que tinha três filhas.

Eram todas muito amigas dele, mas havia uma que ele estimava mais.

Foi um dia à feira e perguntou às filhas o que é que elas queriam de lá. Uma delas disse:

– Um chapéu e umas botas!

A outra disse também:

– Um vestido e um xaile!

Mas a que ele estimava mais não lhe disse nada.

O homem, muito admirado, perguntou:

– Ó minha filha, tu não queres nada?

– Não quero nada, disse ela. Quero que meu pai tenha saúde!

– Tu hás-de também pedir uma coisa, seja o que for, que eu trago-ta! respondeu o pai.

Ela, para que o pai a deixasse, disse então:

– Quero que meu pai me traga um corte de goraz em campo verde.

O homem foi para a feira, comprou todas as coisas que as filhas lhe tinham pedido, e não fazia senão procurar o corte de goraz em campo verde. Mas não o encontrou. Era coisa que não havia. Por isso vinha muito triste para casa, porque era a filha que ele mais estimava.

Quando vinha andando, aconteceu-lhe ver luzir uma luz no caminho, porque já era noite.

Foi andando, andando, até chegar àquela luz.

Era um pastor, que estava ali numa cabana. O homem chegou-se a ele e perguntou:

– Sabe-me dizer que palácio é aquele, e se me podiam dar agasalho!

O pastor respondeu muito admirado:

– Oh!, senhor, mas... naquele palácio não habita ninguém; aparece lá uma coisa, e todos têm medo de lá estar!

– Deixá-lo, disse o homem, não me hão-de comer, e como não tem ninguém, vou lá dormir esta noite!

Foi. Encontrou tudo iluminado e muito rico e, entrando mais para dentro, viu uma mesa posta. Quando se ia a chegar à mesa, ouviu uma voz dizer:

– Come e vai-te deitar naquela cama que ali está, e pela manhã levanta-te e leva o que está em cima daquela mesa, que é o que a tua filha te pediu, mas, ao fim de três dias, hás-de ma trazer aqui.

O homem ficou muito contente por levar à filha o que ela tinha pedido, mas ao mesmo tempo ficou triste pelo que a voz lhe tinha dito.

Deitou-se e ao outro dia levantou-se, foi direito à mesa e viu o corte de goraz em campo verde; agarrou nele e foi para casa.

Apenas chegou, começaram as filhas de roda dele:

– Meu pai, que é que nos trouxe? Deixe ver.

O pai deu-lhes tudo quanto trazia.

A outra filha, a que ele estimava mais, perguntou-lhe só se ele tinha saúde. O pai respondeu-lhe:

– Minha filha, venho contente e ao mesmo tempo triste! Aqui tens o teu pedido.

A filha respondeu-lhe:

– Oh! meu pai, eu tinha-lhe pedido isto, porque era coisa que não havia; mas porque é que vem tão triste?

– Porque tenho de levar-te ao fim de três dias aonde me deram isto!

E contou tudo o que lhe tinha acontecido no palácio e o que a voz lhe tinha dito. A filha, quando ouviu tudo, respondeu:

– Não esteja triste, meu pai, que eu vou, e há-de ser o que Deus quiser!

Assim foi. Ao fim de três dias o pai levou-a ao palácio encantado.

Estava tudo iluminado, a mesa posta e duas camas feitas.

Quando entraram, ouviram uma voz dizer:

– Come e deixa-te estar três dias com a tua filha, para ela não ter medo.

O homem esteve os três dias no palácio. No fim, foi-se embora, ficando a filha só.

A voz falava com ela todos os dias, mas não se via ninguém.

Ao fim de uns poucos dias, a menina ouviu cantar um passarinho no jardim. A voz disse-lhe:

– Tu ouves o passarinho a cantar?

– Oiço, sim, disse a menina; é alguma novidade?

– É tua irmã mais velha que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

– Eu quero, sim; e tu deixas-me Ir?

– Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

– Volto, sim! – disse a menina.

A voz deu-lhe então um anel, para ela se não esquecer, e disse-lhe:

– Olha que ao fim de três dias vai um cavalo branco buscar-te; há-de bater três pancadas: a primeira é para te vestires, a segunda é para te despedires e a terceira é para te montares. Se às três não estiveres em cima do cavalo, ele vem-se embora e deixa-te lá!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias, foi o cavalo branco bater três pancadas. À primeira a menina começou a vestir-se, à segunda despediu-se e à terceira montou a cavalo.

A voz tinha dado à menina um caixote de dinheiro para levar ao pai e às irmãs, e por isso elas não queriam que ela tornasse para o palácio encantado, porque já estava multo rica.

Mas a menina lembrou-se do que tinha prometido, e apenas se viu em cima do cavalo foi-se embora.

No fim de certo tempo tornou o passarinho a cantar muito contente no jardim. A voz disse-lhe:

– Tu ouves o passarinho a cantar?

– Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade?

– É a outra tua irmã que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

– Eu quero, sim; e tu deixas-me ir?

– Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

– Volto, sim, disse a menina.

A voz disse, então:

– Olha que se ao fim de três dias não vieres, ficas lá, e serás a rapariga mais desgraçada que há no mundo!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias veio o cavalo branco. Deu a primeira pancada, e a menina vestiu-se; deu a segunda, e a menina despediu-se; deu a terceira, e montou a cavalo e foi para o palácio.

Passados tempos tornou o passarinho a cantar no jardim, mas muito triste, muito triste.

A voz disse-lhe:

– Tu ouves o passarinho?

– Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade? É, sim, é o teu pai que está para morrer, e não morre

sem se despedir de ti!

– E tu deixa-me ir? perguntou a menina, muito triste.

– Deixo, sim, mas desta vez é que tu não voltas!

– Volto, sim, disse a menina.

A voz disse-lhe:

– Não voltas, não, que as tuas irmãs não te deixam vir! E tu e mais elas, serão as raparigas mais desgraçadas deste mundo, se não voltares ao fim de três dias!

A menina foi, o pai estava muito mal e não podia morrer, mas apenas se despediu dela, morreu.

As irmãs, como ela tinha perdido a noite, deram-lhe dormideiras e deixaram-na dormir.

A menina pediu muito que a acordassem antes de vir o cavalo branco.

As irmãs que fizeram? Não a acordaram e tiraram-lhe o anel do dedo.

Ao fim de três dias veio o cavalo. Bateu a primeira pancada, bateu a segunda, bateu a terceira e foi-se embora, e a menina ficou.

Ela andava muito satisfeita com as irmãs, porque não tinha o anel e já não se lembrava de coisa nenhuma.

Daí a uns poucos dias, começou a fortuna a andar para trás, a ela e às irmãs.

Até que uma vez as duas disseram-lhe:

– Mana, tu não te lembras do cavalo branco?

A menina lembrou-se, então, de tudo e disse a chorar:

– Ai. que desgraça a minha! Ai, que me desgraçaram! Que é do meu anel?

As irmãs deram-lhe o anel, e a menina, com muita pena, foi-se logo embora. Chegou ao palácio encantado, mas viu tudo muito triste, muito escuro e muito fechado.

Foi direita ao jardim e encontrou um bicho muito grande, estendido no chão. O bicho, apenas a viu, disse-lhe:

– Retira-te, tirana, que me dobraste o meu encanto! Agora serás a rapariga mais desgraçada do mundo, tu e as tuas irmãs!

O bicho estava a acabar e, assim que disse isto, morreu. A menina voltou para as irmãs, muito triste e a chorar multo, meteu-se em casa sem comer nem beber, e dali a dias morreu também.

As irmãs, essas ficaram cada vez mais pobres, por terem sido a causa disto tudo.

 

CONTOS DE TODOS OS TEMPOS

 

 

 O BOI CARDIL

 

Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, (1883)

 

Um rei tinha um criado, em quem depositava a maior confiança, porque era o homem que nunca em sua vida tinha dito uma mentira. Recebeu o rei um presente de boi muito formoso, a que chamavam o boi Cardil; o rei tinha-o em tanta estimação que o mandou para uma das suas tapadas acompanhado do criado fiei para tratar dele. Teve uma ocasião uma conversa com um fidalgo, e falou da grande confiança que tinha na fidelidade do seu criado. O fidalgo riu-se:

– Porque te ris? – Perguntou o rei.

– É porque ele é como os outros todos, que enganam os amos.

– Este não!

– Pois eu aposto a minha cabeça como ele é capaz de mentir até ao rei.

Ficou apostado. Foi o fidalgo para casa, mas não sabia como fazer cair o criado na esparrela e andava muito triste. Uma filha nova e muito formosa, quando soube a causa da aflição do pai, disse:

– Descanse, meu pai, que eu hei-de fazer com que ele há-de mentir por força ao rei.

O pai deu licença. Ela vestiu-se de veludo carmesim, mangas e saia curta, toda decotada, e cabelos pelos ombros e foi passear para a tapada; até que se encontrou com o rapaz que guardava o boi Cardil. Ela começou logo:

– Há muito tempo que trago uma paixão, e nunca te pude dizer nada.

O rapaz ficou atrapalhado e não queria acreditar naquilo, mas ela tais coisas disse e jeitinhos deu que ele ficou pelo beiço. Quando o rapaz já estava rendido, ela exigiu-lhe que, em paga do seu amor, matasse o boi Cardil. Ele assim fez e deu-se por bem pago todo o santíssimo dia.

A filha do fidalgo foi-se embora, e contou ao pai como o rapaz tinha matado o boi Cardil; o fidalgo foi contá-lo ao rei, fiado em que o rapaz havia de explicar a morte do boi com alguma mentira. O rei ficou furioso quando soube que o criado lhe tinha matado o boi Cardil, em que punha tanta estimação. Mandou chamar o criado.

Veio o criado, e o rei fingiu que nada sabia; perguntou-lhe

– Então como vai o boi?

O criado julgou ver ali o fim da sua vida e disse:

Senhor! pernas alvas

E corpo gentil,

Matar me fizeram

Nosso boi Cardil.

O rei mandou que se explicasse melhor; o moço contou tudo. O rei ficou satisfeito por ganhar a aposta, e disse para o fidalgo:

– Não te mando cortar a cabeça como tinhas apostado, porque te basta a desonra de tua filha. E a ele não o castigo porque a sua fidelidade é maior do que o meu desgosto.

 

 

Uma Rosa da Campa de Homero

Conto de Hans Christian Andersen 

 

Em todas as canções do Oriente soa o amor do rouxinol pela rosa. Nas noites calmas, claras de estrelas, o cantor alado faz uma serenata à sua odorosa flor.

Não longe de Esmirna, sob os altos plátanos, para onde o mercador puxa os camelos carregados que levantam orgulhosamente os pescoços altos e pisam desajeitados a terra, que é santa, vi um roseiral florido. Pombas bravas voavam entre os ramos altos das árvores e as suas asas cintilavam, quando um raio de sol tombava sobre elas, como se fossem de madrepérola.

No roseiral havia uma flor entre todas a mais bonita e era para esta que cantava o rouxinol as suas mágoas de amor. Mas a rosa estava silente, nem uma gota de orvalho havia, como lágrima de compaixão, nas suas pétalas. Curvava-se com o caule para baixo sobre umas pedras.

- Jaz aqui o maior cantor da terra! - disse a rosa. - Quero perfumar a sua campa. Sobre ela quero derramar as minhas pétalas, quando a tempestade as arrancar. O cantor da Ilíada tornou-se terra nesta terra, donde broto... Eu, uma rosa da campa de Homero, sou demasiado sagrada para florir para o pobre rouxinol!

E o rouxinol cantou até morrer.

O condutor de camelos chegou, com os seus camelos carregados e os seus escravos negros. O filhinho dele encontrou o pássaro morto. Enterrou-o na campa do grande Homero. E a rosa agitou-se ao vento. Veio a noite, a rosa fechou completamente as pétalas e sonhou... que era um belo dia de sol. Chegava uma multidão de estrangeiros, de francos. Faziam uma viagem de peregrinação, à campa de Homero. Entre os estrangeiros havia um cantor do Norte, da terra das neblinas e das auroras boreais. Arrancou a rosa, premiu-a num livro e levou-a consigo para outra parte do mundo, para a sua pátria distante. E a rosa murchou de pena e ficou no livro fechado, que ele abriu em casa, dizendo:

- Eis uma rosa da campa de Homero!

Ora vejam, isto sonhou a flor que acordou e estremeceu ao vento. Uma gota de orvalho caiu das suas pétalas na campa do cantor e o sol ergueu-se, o dia tornou-se quente e a rosa resplandeceu ainda mais bela do que antes - estava na sua Ásia quente. Ouviram-se então passos, vieram estrangeiros, francos, que a rosa vira no seu sonho e entre os estrangeiros havia um poeta do Norte. Este arrancou a rosa, premiu um beijo na sua boca fresca e levou-a consigo para a terra de neblinas e auroras boreais.

Como uma múmia repousa agora o cadáver da flor na sua Ilíada e como em sonho ouve ela abrir o livro a dizer: "Eis uma rosa da campa de Homero!".

 

 

 

Um Mundo Fantástico

Marcele Ferreira de Oliveira

 

Um Mundo Fantástico

Dona Dulce tem 3 filhos: Kayki, Rayela e Lua.

Kayki é o mais velho, ele tem 20 anos e esta na faculdade, Rayela tem 15 anos e está no ginásio, e Lua é a mais nova, tem 11 anos.

Íris, a vizinha de Lua, é dona da biblioteca Cantinho de Luz, esse nome é porque Íris costuma dizer que ler é uma luz, que é muito importante ler.

Íris gosta muito de Lua, ou melhor, de Lu.

Lua, sua mãe e sua irmã foram ler livros na biblioteca assim que chegaram de um passeio, e Lu perguntou a Íris onde estavam seus livros preferidos: Escola de Magia.

-No segundo corredor e na terceira prateleira. Respondeu Íris.

Lua ficou tão distraída que nem percebeu sua irmã ir para a outra sessão de livros que era em outra sala.

Lua olhou e não viu sua irmã, ela ficou desesperada, começou a andar pela biblioteca olhando para os lados, andou até a outra sessão e encontrou sua irmã.

Lua abraçou a irmã que pediu desculpa por sair sem avisar.

Rayela levou Lua para a D. Dulce que estava conversando com Íris.

Lua estava indo embora, e quando estava para sair Íris chamou ela bem alto, e deu um livro para Lua.

-Toma Lu, eu vi como você gosta dos livros Escola de Magia então, toma.

-Um livro da Escola de Magia, muito obrigada Íris, eu amei.

Lua chegou a sua casa animada, foi à cozinha pegou um suco gostoso e sentou no sofá para ler o livro.

-Pronto, agora eu posso ler o meu livro.

Escola de Magia

Ellen estava procurando o seu colar quando Miguel pergunta:

-Ellen onde está o Leandro?

-O Leandro, pra que quer saber?

-Preciso falar com ele agora. É uma coisa muito importante que ele precisa saber.

-Não sei onde ele está.

-Vem comigo procurar ele.

-Claro, mas aonde a gente vai procurar?

-No Salão de jogos!!!!! Falaram os dois em coro.

-Ele adora jogar, deve estar lá. Falou Ellen com um sorriso no rosto.

-Tomara, vamos.

Eles Foram até o Salão de Jogos e quando chegaram, à porta estava trancada.

Do nada Michael aparece por ali e começa a implicar com Ellen e com Miguel.

-Olha os perdedores.

-Ninguém ta falando com você Michael. Diz Miguel com cara de quem não sabia o que estava fazendo.

-Miguel segura minha mão.

Ellen pega sua varinha e diz um feitiço que seu Tio havia lê ensinado para ir para qualquer lugar:

-Plissem Petim, Ocos Iopas nos leve ao pátio da escola, agora!!!!!!!

Eles foram parar no pátio e não encontram Leandro, mais viram Daniel e perguntaram se Leandro havia passado por ali...

-Lua vem almoçar, a comida esta pronta!

-Já vou mãe!!!

Lua comeu, ficou satisfeita, e disse:

-Que delicia.

Lua foi dormir um pouco, ela tinha acordado muito cedo naquele dia para ir visitar seu tio que mora bem longe, em Guatin, no interior, viajar cedo e voltar quase 2 horas deixou Lu muito cansada.

Para ela, acordar cedo e voltar tarde é muito difícil.

Sua mãe a acordou dizendo:

-Filha, está passando um filme muito legal na televisão, você não quer assistir?

-Não mãe.

Lua não conseguiu voltar a dormir e então resolveu ser levantar, logo depois um grupo de crianças a chamaram para brincar.

Eles pularam corda, brincaram de amarelinha, pique bandeirinha, pique pega e de pique esconde.

Eles se divertiram tanto que nem notaram a noite chegando.

-O dia passou de pressa, né gente? Disse uma menina chamada Juliane.

-É mesmo já esta na hora da janta!!!!! Falou Mariano.

-Agora a gente não vai poder brincar mais. Falou Ana bem desanimada.

-Tive uma idéia!!!!!! Disse Lua.

Lua convidou os amigos para assistir DVD depois que todos jantassem, e todo mundo topou.

Ela jantou e depois assistiu um DVD com seus amigos, quando eles foram embora, Lua conversou com sua mãe e depois foi dormir.

A mãe de Lua arrumou a cama e ajeitou o travesseiro e depois Lua deitou e dormiu.

-Boa noite filha. Disse dona Dulce.

Quando Dona Dulce apagou as luzes e fechou a porta Lua desapareceu.

A menina acordou num castelo estranho, era dia naquele lugar, Lua não podia ficar parada e começou a andar pelo castelo.

-Que lugar é esse??? Perguntava-se Lua a cada passo que dava.

Lua estava andando pelo castelo quando ouviu um barulho.

Ela estava se aproximando de uma porta e algo a cutucou pelas costas.

-Aaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!

-Calma calma!

-Quem é você???? Perguntou Lua assustada.

-Eu sou o Frederico mais me chama de Fred. Disse um menino com cabelo meio loiro, meio castanho, com olhos azuis e, meio moreno.

-Eu me chamo Lua. Respondeu docemente, mas com cara de quem tinha visto um fantasma.

Eles conversaram um pouco e ficaram amigos.

Fred disse a Lua com cara de riso:

-Nossa você se assustou mesmo quando cheguei perto!!!!

Em quanto ele ria, Lua se aproximou de uma janela e disse.

-Olha só, tem alguém lá em baixo!!!!!!

-É meu irmão, ele veio comigo aqui. Respondeu Fred confiante.

-E o que você esta esperando, vamos sair desse lugar.

Eles correram e chegaram ao irmão de Fred, e ele disse:

-Lua, esse é meu irmão, ou melhor, um dos meus irmãos.

-Você tem mais irmãos?

-Claro, venha vou te mostrar. Só que tem um problema.

-Qual?

-Problema, que problema mano?????Falou o irmão de Fred.

-Aqui tem várias estradas e eu não to lembrando qual é a estrada que leva a gente até a minha casa. Calma.

-Como é que é, cara eu to num lugar que eu não conheço com um bando de gente que não faço a mínima idéia de quem são e você me diz pra ficar calma.

-Ta, eu vou dar um jeito. Disse Fred muito triste, mas tentando disfarçar.

-Mano, lembra aquela pedra brilhosa que a gente achou perto de casa?

-Lembro, por quê?

-Eu a botei na estrada que leva a gente pra casa.

-Genial, e se eu não me engano é aquela pedra ali, não é?

-É sim, vamos embora.

Eles correram o mais rápido que podiam e chegaram à casa de Fred.

O irmão de Fred entrou correndo e quando Fred ia entrar Lua o chamou.

-Fred, antes de a gente entrar eu queria te pedir desculpas por gritar com você.

-Tudo bem. Vamos entrar.

Fred abriu a porta e disse.

- Lua, meus irmãos.

-Puxa!!!!!...Eles... Eles...

-Eles o que Lua? Disse Fred com um jeito de quem já sabia o que Lua ia dizer.

-Eles são muitos mesmo!!!

-Que nada são apenas 10.

-10!!!

-É, vou lê apresentar eles.

-Claro, quero muito conhecê-los.

-Meninos venham cá!!!!!!!!!!!!!

-O menorzinho é o André, aquele que tava com a gente, o outro mais alto é o Roberto, o outro é o Antônio.

-Olá. Disseram todos em conjunto.

-Você não tem irmã não?

-Tenho, são aquelas ali.

-Ta vendo aquela menina alta ali?

-Alta?O Antônio é mais alto do que ela.

-Eu sei. Continuando aquela ali é a Giselle, a outra a Mariana, e por ultimo é a Alice.

-Mano posso Falar com você? Perguntou Roberto.

-Claro, sem problema. Lua vai conversando com as meninas e daqui a pouco eu volto, ta?

-Tudo bem.

-Mano, a Lua é linda cabelos castanhos, longos, soltos, olhos cor mel, simpática você tem sorte em.

-Roberto, eu encontrei a Lua no castelo, eu ainda não sei o que ela estava fazendo lá, qual é a família dela eu não sei nada.

-Pergunta a ela. Falou Antônio.

-Gente, eu não gosto da Lua, nem a Lua de mim, ta bom. Respondeu Fred muito bravo.

Enquanto Fred conversava com os irmãos Lua se entendia com as meninas.

-Lua, você tem sorte. Disse Alice.

-Por quê?Perguntou Lu.

-Por causa do Fred, ele tem cabelos castanhos tipo tigela, tem olhos azuis, é corajoso. Tudo de bom.

-Eu não o conheço direito e ele não gosta de mim.

-Como você sabe, olha ele vindo aí, puxa conversa com ele. Falou Mariana empurrando Lua.

-Não são 10?

-O que?

-Seus irmãos não são 10?

-São sim!!!

-Então cadê o resto dos seus irmãos?

-Há cabeça a minha, você deve estar falando do Eduardo, do Gabriel, da Daniela, e da Melissa. Mas eles gostam de ir pro campo com o papai pra ajudar ele e também pra ficar com a natureza.

-Mas você disse que eram 10, falta um.

-Aqui têm muito barulho, meus irmãos estão brincando na sala, vamos lá pra fora?

-Vamos.

Fred foi com Lua para o quintal e continuaram a conversa.

-Eu sei, essa é a Laura só que há essa hora ela deve estar com o Christian.

-Mas quem é Christian??????Perguntou Lu

-Ora, namorado dela, o Christian é muito bonito, mas não gosta de sair ele fica sentado no quintal olhando as motos passarem, é muito esquisito.

-E aí o que você estava fazendo naquele castelo?

-É um castelo abandonado eu tinha ido brincar com meu irmão e resolvi olhar se avia alguma novidade, mas, e você? Perguntou Fred.

-Não me lembro, eu só me lembro de ir dormir e acordar naquele castelo.

Lua explicou tudo e ficou muito triste.

-O que ouve?

-Sinto saudades da minha família.

-Como é a sua família????

-Muito diferente da sua, eu só tenho dois irmãos e você tem 10.

-Tenho sorte, eu nunca me sinto sozinho, como se chama a sua mãe, e os seus irmãos?

-Minha mãe se chama Dulce, e minha irmã se chama Rayela.

-Você disse que tinha dois irmãos e só disse um.

-Esse é o Kayki meu irmão mais velho.

Fred pensou um pouco e resolveu levá-la até um lugar que conhecia perto de uma cidade.

-Esse lugar é lindo!!! Falou Lua admirada.

-É. Minha mãe me trazia quando eu era pequeno, também, eu tinha 5 anos, o Antônio devia ter 4 e há Laura 8.

-Devia ser bom.

-E era a gente era pequeno e não dava muito trabalho, aqui tinha um lago cercado por areia, tipo uma miniatura de praia.

-Fred, me desculpa outra vez por gritar com você hoje de manhã.

-Tudo bem Lu, posso te chamar assim????

-Pode.

Lua distraída pisou em cima de um galho, e um cachorro chegou seguido por 6 crianças.

-Olá. Falaram Fred e Lua um pouco assustados.

-Oi. Respondeu um dos meninos.

-Meu nome é Fred e essa é minha amiga Lua.

-Meu nome é Felipe e esses são meus amigos, Junior, Emília, Frank, Paola e Talíta e aquele ali é o meu cachorro Tok.

-Eu sou do Paraná, mas venho aqui quase sempre para ficar com meu avô. Falou Talíta.

-Que Legal Talíta. Disse Lua.

-Me chama de Talí.

Eles ficaram amigos e Fred resolveu perguntar.

-Vocês moram na cidade?

-Sim, nós todos, e vocês?

-Bom eu moro no campo, mas ela não.

-Onde ela mora então?

Eles explicaram tudo aos novos amigos, que resolveram ajudar.

-Vamos a minha casa. Minha mãe preparou um lanche, e fez vários sanduíches e vocês podem comer com a gente.

-Craro, assim nos contam mais. Disse Junior.

-Vai ser muito bom. Falou Paula.

-Craro, vai ser mesmo.

-Craro???Não é claro não? Corrigiu Lua.

-O Junior troca o L pelo R e o R pelo L. Explicou Felipe.

-Desculpa, mas não posso andei muito para chegar aqui, minha mãe deve estar preocupada. Disse Fred.

-Sua mãe deve estar fazendo comida porque já são 11 horas e 55 minutos. Disse Emília

-Vocês não entendem, eu tenho muitos irmãos, minha mãe não tem muito dinheiro para comprar comida. No mínimo a gente come feijoada ou arroz, feijão e farofa.

-Bom... Leve meus sanduíches para seus irmãos, assim terão o que comer. Disse Felipe querendo ajudar.

Rapidamente ele foi a sua casa e embrulhou todos os sanduíches, depois pegou uma sacola, botou os sanduíches e Fred os levou para casa.

Ao chegar à casa de Fred, Laura disse ao irmão.

-Fred, nossos irmãos foram brincar e até agora não voltaram.

-Já sei o que vai trazer eles de volta, mais só se estiverem perto.

Fred abriu o saco com os sanduíches e colocou em cima da mesa.

Os seus irmãos sentiram o cheiro do presunto, da mortadela e do queijo, eles estavam com muita fome e vieram correndo comer.

Quando voltaram Laura viu que Roberto havia machucado a perna e estava mancando tentando disfarçar.

Laura perguntou o que havia acontecido.

-Eu explico. Falou Giselle.

-A gente estava brincando lá na floresta e tinha um buraco, mais a gente não sabia e então eu e o André estávamos correndo atrás do Roberto e ele passou na frente de uma moita e botou o pé dentro do buraco e torceu.

-Estão muito errados de não terem falado comigo e sim escondido de mim.

-Desculpa a gente Laura. Disseram todos juntos.

-Mais uma coisa, a gente também tinha ido brincar lá na quadra da antiga escola e o André, a Alice e eu nos machucamos. Falou Giselle.

-Se machucaram, como????? Perguntou Laura indignada.

-O André tropeçou numa pedra grande e ralou o joelho, eu arranhei o braço na parede e a Alice fez um machucado na mão com um espinho de uma planta.

Depois das explicações e os pedidos de desculpa Lua e Laura resolveram trabalhar juntas para fazer os curativos e dar os remédios.

Logo anoiteceu e todos foram dormir, Fred pegou um cochonete e um travesseiro para dormir e deixou Lua ficar com a cama.

No meio da noite Fred acordou e não viu Lua, ele andou por toda parte e achou ela naquele lugar perto da cidade.

-Lua, o que você está fazendo aqui?????

-Sinto falta da minha família, dos meus amigos, da minha casa.

-Não se preocupe.

-Como não me preocupar, eu to sozinha aqui.

-Mas você tem a mim.

-E a nós. Uma voz veio de trás das arvores e apareceu Felipe com as outras crianças.

-Valeu gente. Disse Lua mais animada.

Derrepente um tipo de nave emite uma luz muito forte e faz todos desmaiarem.

-O que aconteceu, onde eu estou? Disse Lua um pouco tonta.

Lua se viu num lugar, com muitos computadores e coisas estranhas que ela nunca tinha visto.

-Socorro, tem alguém ai???? Gritou Lua.

Eu. Falou um menino, com roupas estranhas e cabelo com um tipo de gel.

-Quem é você? Perguntou Lua tentando se levantar.

-Não se mexa você ainda esta muito fraca. Falou ele.

-Meu nome é Eduard Nevas Silva. Continuou o garoto.

-Não precisava ser o nome todo, há, eu me chamo Lua.

-Prazer por conhecê-la, e me chama de Edu. Respondeu gentilmente

-Meus amigos desmaiaram e se machucaram você pode ajudar?????

-Claro que posso.

Ele apertou um botão e varias camas surgiram no meio do nada, então Edu pegou todos e colocou em camas confortáveis, fez pequenos curativos e deu muitos remédios, passaram duas semanas e todos acordaram e pediram explicações a Lua e ao tal de Eduard.

-Todos nós agradecemos por você ter cuidado da gente esse tempo, mais o que a gente ta fazendo aqui??? Perguntou Fred.

-Desculpa, esqueci de me apresentar, sou Eduard, mais me chamem de Edu, eu preciso da ajuda de vocês aqui.

-Da gente, cara, desculpa, mais nós não somos espiões, não temos super poderes, nem nada, por que a gente?????? Perguntou Felipe.

Eu não escolhi, aqui é a cidade de Lonipólis, uma cidade abaixo da de vocês, paralela, aqui era um lugar muito bonito, todos eram felizes, até eu com meus pais, o rei e a rainha éramos felizes.

-Então você é príncipe, isso explica o nome chique, mas não vejo nada de mal nisso. Disse Lua

-E não tem mesmo, só que um dia perto do meu aniversário um homem muito mal chamado Délfim capturou os meus pais, todo mundo diz que é tolice tentar resgatá-los, mas eu preciso. Falou ele tão tristemente.

-Amo muito meus pais e, depois todo mundo tem medo do bruxo Délfim, tudo é triste e eu não posso fazer nada.

-Claro que pode, tem que ter confiança e acreditar nos seus amigos, eles vão te ajudar. Falou Talí.

-Não vão, eles tem medo de Délfim, falam que eu precisaria de um exercito de outro mundo, e eu levei a sério.

-Então aquela nave com luz forte é sua??? Perguntou Paola.

-Bem, vocês tão vendo que eu sou normal, como vocês, só que a tecnologia daqui é muito avançada.

-Por isso essas coisas esquisitas??? Perguntou Frank

-É.

-Me diz uma coisa, aquela nave é sua sim ou não??? Disse Paola.

-É do meu pai, eu vi vocês conversando e achei que poderiam me ajudar, como vocês confiam um no outro eu achei que poderia confiar em vocês.

-Claro, concorda comigo não é Fred? Falou Lua botando a mão no ombro de Edu.

-Pode sim. Respondeu Fred.

-Mas, por que você usou aquela nave com luz forte???? Pergunto Frank.

-Vocês iriam falar e me perguntar o que aconteceu, eu não tinha tempo para isso, a gente só pode ficar aqui hoje, amanhã a gente vai para outro lugar, ninguém pode ver vocês.

-Vamos ter que passar a noite inteila sem sair daqui??? Perguntou Junior.

-Não, vocês podem sair, só tomem cuidado com os guardas de Délfim.

-Nós vamos te ajudar amanha de manhã, já é noite. Falou Emilia.

-Valeu.

-Bom, daqui a pouco é noite, eu vou procurar algum lugar pra gente dormir. Falou Fred.

-Mas, eu vou servir vocês, devem usar roupas limpas e do nosso estilo para não serem reconhecidos, devem querer comida, quarto, esse tipo de coisa.

-Obrigada Edu. Falou Lua.

-Como vamos saber qual é a nossa roupa???? Perguntou Felipe.

-Cada roupa terá a inicial dos seus nomes.

Horas depois Fred chegou perto de Lua e disse:

-É... Você quer sair comigo para conhecer o lugar já que a gente vai ficar aqui um tempo, eu achei...

-Desculpa Fred, já marquei com o Edu.

- Claro, é cidadão local, conhece tudo, vá com Deus ou será que você prefere vá com o Edu.

Fred foi embora e deixou flores muito bonitas e uma caixa de bombons com formato de coração e um bilhete escrito:

Lua,

Você é minha melhor amiga, desde que está aqui mudou minha vida para melhor.
Você me ensinou que quando a gente tropeça temos que nos levantar e colocar o curativo no machucado, assim todos nós podemos seguir em frente.

Assinado: Fred.

Quando Edu chegou Lua disse que não queria mais ir, que ela tinha tropeçado e devia fazer o curativo.

Fred chateado não conseguiu dormir e foi para o quintal, lá viu Lua.

-Você não devia estar com o Edu, Lua?????

-Não, tente entender, quando eu estava frágil você me fortaleceu, quando eu tropecei, foi você que me levantou, quando eu queria esquecer tudo, foi você que me ajudou a encarar. Fred ninguém vai tomar o seu lugar.

-Obrigada Lua.

Foi ali que começou o romance de Lua e de Fred.

No dia seguinte, todos acordaram cedo e planejaram um plano para ajudar Edu.

-Eles não podem ver a gente!!!! Falou Felipe

-Você tem razão, eu dei uma olhada por aí e percebi que existem alguns guardas lá na porta, meia dúzia de guardas mais muito grandes e fortes. Falou Lua.

-Eu tenho um plano mais vai precisar de muito cuidado, topam???? Falou Edu.

-Claro que topamos. Falou Talí.

-Lá tem alguns lasers, Lua e eu vamos descer de corda para desligar o alarme aí vocês entram...

E assim foi, desligaram os alarmes e pegaram a chave, soltaram os pais de Edu e conseguiram acabar com Délfim mostrando o valor da amizade e do amor.

-Então isso é um adeus a todos. Falou Edu.

-Eu sei, que pena, mais sinto saudades de casa. Falou Lua.

-Você vai voltar para sua casa, eu tirei você de lá então eu mando de volta. Adeus!!!!!!!

Um grande raio levou todos a suas casas, principalmente Lua.

-Mãe, que bom ver você.

-Filha, o que houve, eu acabei de botar você na cama.

-Eu sei, deixa pra lá.

Era como se nada tivesse acontecido, foi um sonho, talvez.

Mas uma coisa é certa, Lua nunca se esquecerá do seu sonho maravilhoso, e de seus grandes amigos.

FIM

 

Palavras da autora: foi tudo realidade, tudo aconteceu com Lua.

As crianças eram reais, mas eram de outro mundo, no fim o valor da amizade valeu muito e fez tudo voltar ao normal.

 

O Soldadinho de Chumbo

 

Conto de Hans Christian Andersen

 

Numa loja de brinquedos havia uma caixa de papelão com vinte e cinco soldadinhos de chumbo, todos iguaizinhos, pois haviam sido feitos com o mesmo molde. Apenas um deles era perneta: como fora o último a ser fundido, faltou chumbo para completar a outra perna. Mas o soldadinho perneta logo aprendeu a ficar em pé sobre a única perna e não fazia feio ao lado dos irmãos.
Esses soldadinhos de chumbo eram muito bonitos e elegantes, cada qual com seu fuzil ao ombro, a túnica escarlate, calça azul e uma bela pluma no chapéu. Além disso, tinham feições de soldados corajosos e cumpridores do dever.
Os valorosos soldadinhos de chumbo aguardavam o momento em que passariam a pertencer a algum menino.
Chegou o dia em que a caixa foi dada de presente de aniversário a um garoto. Foi o presente de que ele mais gostou:
— Que lindos soldadinhos! — exclamou maravilhado.
E os colocou enfileirados sobre a mesa, ao lado dos outros brinquedos. O soldadinho de uma perna só era o último da fileira.
Ao lado do pelotão de chumbo se erguia um lindo castelo de papelão, um bosque de árvores verdinhas e, em frente, havia um pequeno lago feito de um pedaço de espelho.
A maior beleza, porém, era uma jovem que estava em pé na porta do castelo. Ela também era de papel, mas vestia uma saia de tule bem franzida e uma blusa bem justa. Seu lindo rostinho era emoldurado por longos cabelos negros, presos por uma tiara enfeitada com uma pequenina pedra azul.
A atraente jovem era uma bailarina, por isso mantinha os braços erguidos em arco sobre a cabeça. Com uma das pernas dobrada para trás, tão dobrada, mas tão dobrada, que acabava escondida pela saia de tule.
O soldadinho a olhou longamente e logo se apaixonou, e pensando que, tal como ele, aquela jovem tão linda tivesse uma perna só.
“Mas é claro que ela não vai me querer para marido”, pensou entristecido o soldadinho, suspirando.
“Tão elegante, tão bonita… Deve ser uma princesa. E eu? Nem cabo sou, vivo numa caixa de papelão, junto com meus vinte e quatro irmãos”.
À noite, antes de deitar, o menino guardou os soldadinhos na caixa, mas não percebeu que aquele de uma perna só caíra atrás de uma grande cigarreira.
Quando os ponteiros do relógio marcaram meia-noite, todos os brinquedos se animaram e começaram a aprontar mil e uma. Uma enorme bagunça!
As bonecas organizaram um baile, enquanto o giz da lousa desenhava bonequinhos nas paredes. Os soldadinhos de chumbo, fechados na caixa, golpeavam a tampa para sair e participar da festa, mas continuavam prisioneiros.
Mas o soldadinho de uma perna só e a bailarina não saíram do lugar em que haviam sido colocados.

Ele não conseguia parar de olhar aquela maravilhosa criatura. Queria ao menos tentar conhecê-la, para ficarem amigos.
De repente, se ergueu da cigarreira um homenzinho muito mal-encarado. Era um gênio ruim, que só vivia pensando em maldades.
Assim que ele apareceu, todos os brinquedos pararam amedrontados, pois já sabiam de quem se tratava.
O geniozinho olhou a sua volta e viu o soldadinho, deitado atrás da cigarreira.
— Ei, você aí, por que não está na caixa, com seus irmãos? — gritou o monstrinho.
Fingindo não escutar, o soldadinho continuou imóvel, sem desviar os olhos da bailarina.
— Amanhã vou dar um jeito em você, você vai ver! - gritou o geniozinho enfezado.
Depois disso, pulou de cabeça na cigarreira, levantando uma nuvem que fez todos espirrarem.
Na manhã seguinte, o menino tirou os soldadinhos de chumbo da caixa, recolheu aquele de uma perna só, que estava caído atrás da cigarreira, e os arrumou perto da janela.
O soldadinho de uma perna só, como de costume, era o último da fila.
De repente, a janela se abriu, batendo fortemente as venezianas. Teria sido o vento, ou o geniozinho maldoso?
E o pobre soldadinho caiu de cabeça na rua.
O menino viu quando o brinquedo caiu pela janela e foi correndo procurá-lo na rua. Mas não o encontrou. Logo se consolou: afinal, tinha ainda os outros soldadinhos, e todos com duas pernas.
Para piorar a situação, caiu um verdadeiro temporal.
Quando a tempestade foi cessando, e o céu limpou um pouco, chegaram dois moleques. Eles se divertiam, pisando com os pés descalços nas poças de água.
Um deles viu o soldadinho de chumbo e exclamou:
— Olhe! Um soldadinho! Será que alguém jogou fora porque ele está quebrado?
— É, está um pouco amassado. Deve ter vindo com a enxurrada.
— Não, ele está só um pouco sujo.
— O que nós vamos fazer com um soldadinho só? Precisaríamos pelo menos meia dúzia, para organizar uma batalha.
— Sabe de uma coisa? — Disse o primeiro garoto. —Vamos colocá-lo num barco e mandá-lo dar a volta ao mundo.
E assim foi. Construíram um barquinho com uma folha de jornal, colocaram o soldadinho dentro dele e soltaram o barco para navegar na água que corria pela sarjeta.
Apoiado em sua única perna, com o fuzil ao ombro, o soldadinho de chumbo procurava manter o equilíbrio.
O barquinho dava saltos e esbarrões na água lamacenta, acompanhado pelos olhares dos dois moleques que, entusiasmados com a nova brincadeira, corriam pela calçada ao lado.
Lá pelas tantas, o barquinho foi jogado para dentro de um bueiro e continuou seu caminho, agora subterrâneo, em uma imensa escuridão. Com o coração batendo fortemente, o soldadinho voltava todos seus pensamentos para a bailarina, que talvez nunca mais pudesse ver.
De repente, viu chegar em sua direção um enorme rato de esgoto, olhos fosforescente e um horrível rabo fino e comprido, que foi logo perguntando:
— Você tem autorização para navegar? Então? Ande, mostre-a logo, sem discutir.
O soldadinho não respondeu, e o barquinho continuou seu incerto caminho, arrastado pela correnteza. Os gritos do rato do esgoto exigindo a autorização foram ficando cada vez mais distantes.
Enfim, o soldadinho viu ao longe uma luz, e respirou aliviado; aquela viagem no escuro não o agradava nem um pouco. Mal sabia ele que, infelizmente, seus problemas não haviam acabado.
A água do esgoto chegara a um rio, com um grande salto; rapidamente, as águas agitadas viraram o frágil barquinho de papel.
O barquinho virou, e o soldadinho de chumbo afundou.
Mal tinha chegado ao fundo, apareceu um enorme peixe que, abrindo a boca, engoliu-o.
O soldadinho se viu novamente numa imensa escuridão, espremido no estômago do peixe. E não deixava de pensar em sua amada: “O que estará fazendo agora sua linda bailarina? Será que ainda se lembra de mim?”.
E, se não fosse tão destemido, teria chorado lágrimas de chumbo, pois seu coração sofria de paixão.
Passou-se muito tempo — quem poderia dizer quanto?
E, de repente, a escuridão desapareceu e ele ouviu quando falavam:
— Olhe! O soldadinho de chumbo que caiu da janela!
Sabem o que aconteceu? O peixe havia sido fisgado por um pescador, levado ao mercado e vendido a uma cozinheira. E, por cúmulo da coincidência, não era qualquer cozinheira, mas sim a que trabalhava na casa do menino que ganhara o soldadinho no aniversário.
Ao limpar o peixe, a cozinheira encontrara dentro dele o soldadinho, do qual se lembrava muito bem, por causa daquela única perna.
Levou-o para o garotinho, que fez a maior festa ao revê-lo. Lavou-o com água e sabão, para tirar o fedor de peixe, e endireitou a ponta do fuzil, que amassara um pouco durante aquela aventura.
Limpinho e lustroso, o soldadinho foi colocado sobre a mesma mesa em que estava antes de voar pela janela. Nada estava mudado. O castelo de papel, o pequeno bosque de árvores muito verdes, o lago reluzente feito de espelho. E, na porta do castelo, lá estava ela, a bailarina: sobre uma perna só, com os braços erguidos acima da cabeça, mais bela do que nunca.
O soldadinho olhou para a bailarina, ainda mais apaixonado, ela olhou para ele, mas não trocaram palavra alguma. Ele desejava conversar, mas não ousava. Sentia-se feliz apenas por estar novamente perto dela e poder amá-la.
Se pudesse, ele contaria toda sua aventura; com certeza a linda bailarina iria apreciar sua coragem. Quem sabe, até se casaria com ele…
Enquanto o soldadinho pensava em tudo isso, o garotinho brincava tranqüilo com o pião.
De repente como foi, como não foi — é caso de se pensar se o geniozinho ruim da cigarreira não metera seu nariz —, o garotinho agarrou o soldadinho de chumbo e atirou-o na lareira, onde o fogo ardia intensamente.
O pobre soldadinho viu a luz intensa e sentiu um forte calor. A única perna estava amolecendo e a ponta do fuzil envergava para o lado. As belas cores do uniforme, o vermelho escarlate da túnica e o azul da calça perdiam suas tonalidades.
O soldadinho lançou um último olhar para a bailarina, que retribuiu com silêncio e tristeza. Ele sentiu então que seu coração de chumbo começava a derreter — não só pelo calor, mas principalmente pelo amor que ardia nele.
Naquele momento, a porta escancarou-se com violência, e uma rajada de vento fez voar a bailarina de papel diretamente para a lareira, bem junto ao soldadinho. Bastou uma labareda e ela desapareceu. O soldadinho também se dissolveu completamente.
No dia seguinte. a arrumadeira, ao limpar a lareira, encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor.
Da pequena bailarina de papel só restou a minúscula pedra azul da tiara, que antes brilhava em seus longos cabelos negros.

 

O Príncipe do Reino Estranho

 

José Leon Machado

 

No tempo em que as flores sorriam, havia uma princesa que estava em idade de casar. O rei, seu pai, conferenciou com a rainha sobre o assunto à mesa de jantar enorme e farta. A filha não costumava descer dos seus aposentos para as refeições, pois não queria engordar. Sempre que se aproximava a hora, Astromila, a sua criada particular, subia a alta torre do castelo com uma bandeja de prata cravejada de safiras, esmeraldas e rubis, onde se evidenciava meio copo de água e num prato de ouro maciço uma folha de alface com um fio de azeite. Dizia a criada para si própria, não fosse perder a cabeça, que nem os grilos comiam tão pouco. Mas era por este motivo que a princesa tinha tanto orgulho na sua cintura, que ela, com as suas próprias mãos finas e curtas, podia facilmente rodear. Parecia uma flor: a face sorridente e o cabelo comprido em caracóis dourados.

Dizia pois o rei à rainha enquanto comia metade de um pudim:

– O rei D. Fuas do Reino Estranho tem um filho mancebo. E se lhe propuséssemos o casamento com a nossa filha?

À rainha não lhe agradava muito a ideia.

– Se o filho for como o pai, não será bom nem para o nosso reino nem para a nossa filha. D. Fuas é o rei mais malvado da cristandade. E tem mau hálito.

– Então o que propõe a minha senhora e rainha? – perguntou o rei com falsa cortesia, farto das dúvidas da esposa, que vinham ao de cima sempre que era necessário decidir sobre o que quer que fosse da política doméstica e, consequentemente, do reino.

– Que se demande um príncipe garboso e educado, herdeiro de um reino pacífico, desenvolvido e rico.

– E quanto ao mau hálito?

– Contanto que cumpra os outros requisitos, isso será um defeito de pouca importância.

Ficaram, nos dias seguintes, de enviar emissários aos reinos vizinhos a procurar um príncipe disponível que fosse conveniente à formosura da princesa.

Uma tarde, saiu a princesa a dar um passeio com a sua criada. Levavam cada qual uma cestinha, onde guardavam as flores mais sorridentes que iam encontrando. Andavam neste divertimento, quando surgem dois jovens cavaleiros, um gentil e bonito, que denotava importância e fidalguia, e o outro menos garboso que, pelos modos e tratos, parecia seu criado. O mais gentil perguntou-lhes se aquele era o caminho para a cidade. A princesa ficou tão fascinada que lhe faltaram as palavras para responder. Teve de ser Astromila a dizer que iam no caminho certo, o que fez com que o cavaleiro perguntasse se a sua senhora era muda.

– Não – respondeu a criada com alguma graça. – Ela só está espantada com o tamanho da crina do seu cavalo.

– Então, bela donzela, certamente poderá dizer-me o seu nome para que este feliz encontro fique para sempre na minha memória – pediu ele voltando-se para a princesa.

– Eu sou a Belaflor.

O cavaleiro fez-lhe uma vénia de cima do seu corcel enquanto se apresentava:

– Eu sou o príncipe Gundesindo, do Reino Estranho, e este é Ildefredo, meu criado.

Estiveram ali a trocar palavras próprias do namoro e, porque a criada avisasse que se fazia tarde, despediram-se com um adeus de boca que quase foi um beijo. Seguiu o príncipe e o criado pelo caminho real em direcção à cidade e seguiu a princesa com a criada por um atalho para recuperar o tempo perdido.

Chegadas ao castelo, a princesa descobriu com tristeza que todas as flores que levava na cesta tinham perdido o sorriso. Os pais, ao jantar, ordenaram que ela descesse e se sentasse com eles à mesa. Enquanto a princesa comia a folha de alface, disseram-lhe que iam para velhos, não tinham filho varão que sucedesse no trono e por isso estava na hora de lhe arranjar noivo. Dentro de alguns dias, logo que os emissários aos reinos vizinhos regressassem, escolheriam o pretendente que mais lhe conviria.

A princesa quis saber se tinha ela própria alguma palavra a dizer quanto à escolha do seu futuro marido.

O pai calou-se, mas a mãe disse que, embora isso não fosse costume, que quem escolhia o noivo de uma princesa eram os pais, eles teriam em consideração a sua opinião, pois não queriam obrigá-la a casar com quem não gostasse.

– Pois então, quero anunciar-vos – disse ela em tom mais ou menos solene – que já escolhi aquele que será o meu marido e o meu rei.

A mãe ficou com o copo de água no ar e o pai, que no momento desmanchava à dentada uma perna de borrego, deixou a gordura sujar-lhe o bigode. A rainha poisou o copo sem beber e perguntou:

– E quem é ele?

– É o príncipe Gundesindo do Reino Estranho.

A mãe quase ficava histérica de tantos gritos que deu e ao pai quase lhe dava um enfarte devido à estridência dos mesmos gritos.

– Guardas! – chamou o rei depois de se recompor. – Encerrem a princesa na torre do castelo e que não saia de lá sem minha ordem.

Os guardas cumpriram de imediato a ordem.

No dia seguinte, o príncipe Gundesindo compareceu no castelo e pediu uma audiência com o rei. Este recebeu-o na sala do trono um pouco contrariado, mas, como era uma visita diplomática, tinha que engolir e calar. Na troca de cumprimentos, perguntou-lhe como estava D. Fuas, o pai. O príncipe disse-lhe que estava bastante velho e doente e que este o queria ver casado antes que Deus o levassem para o outro mundo. Correndo a notícia de que no Reino Florido havia uma princesa em idade de casar e que os pais procuravam noivo, D. Fuas decidira enviá-lo de embaixada a propor a união por matrimónio dos dois reinos.

O rei desviou um nadinha a coroa da cabeça, coçou onde mais lhe convinha e disse-lhe que ia ponderar no assunto. Voltasse ele ao castelo dentro de sete dias e lhe daria despacho.

O príncipe fez uma vénia e saiu às arrecuas, como era regra do protocolo.

Ficou hospedado por seis noites numa estalagem da cidade e todos os dias saía pelos bosques próximos à procura de Belaflor. Porque nunca a encontrou, começava a temer o dia que se aproximava para o rei lhe dar resposta, que ele desejava fosse negativa, pois decidira correr mundo até encontrar a donzela que lhe roubara o coração com uma só mirada. Não se queria casar com uma princesa que nunca vira.

Ildefredo, o criado, que nem sempre acompanhava o príncipe nas buscas tresloucadas e suspirosas pelos bosques, numa tarde que ficou pela cidade, deu de caras com a criada de Belaflor. Esta, que tinha ido comprar agulhas e linhas para os bordados da princesa, tentou escapar-se por entre a multidão que atravancava as ruas. Mas o criado foi sair-lhe numa rua mais à frente.

– Foges de mim? – perguntou-lhe com ar ofendido.

– Não é conveniente que alguém nos veja – respondeu-lhe olhando para todos os lados.

– Mas se anda na rua um ror de gente!

– Esperemos que ninguém me reconheça.

– E de que tens medo? De mim?

– De ti? Oh, não. Não tenho medo ti – disse sorrindo.

Ildefredo, muito galante, pois não lhe era indiferente o bom porte da criada, disse-lhe com alguma comoção:

– As minhas noites e os meus dias têm sido difíceis. Desde aquele dia no bosque que me não sais do pensamento. Precisava de te ver.

– Pois cá me tens – disse ela em tom de desafio, com as mãos nas ancas.

Como a resposta fosse desconcertante, o criado desviou o assunto da conversa:

– O príncipe, meu senhor, gostava de saber onde vive Belaflor, a tua senhora.

– Toda a gente sabe onde vive Belaflor.

– E onde isso é?

– No castelo, onde é que haveria de ser?

– No castelo? E que faz ela no castelo?

– Belaflor é a princesa.

O criado ficou sem fala.

– Diz ao teu príncipe que ela o espera, ansiosa. Mas que não demore.

Antes que Ildefredo pudesse reagir, Astromila tinha desaparecido na multidão.

Quando o príncipe regressou das suas buscas, o criado contou-lhe o que acontecera. Gundesindo ficou de tal forma entusiasmado que quis naquele momento ir ao castelo. Mas o criado, com sensatos conselhos, convenceu-o a esperar pela recepção no dia seguinte, onde o rei lhe daria resposta.

– E se ele disser que não?

– Se disser que não, raptamos a princesa – sugeriu o criado.

– Não podemos correr esse risco – respondeu o príncipe.

Enquanto eles conjecturavam o que poderia ou não acontecer e o que deveriam ou não fazer, o rei e a rainha discutiam mais uma vez à mesa do jantar o futuro da princesa. Por aqueles dias, todos os emissários, menos um, regressaram dos reinos vizinhos e não conseguiram encontrar um príncipe em idade de casar. Havia príncipes, e muitos. Mas, ou eram meninos de mama, ou demasiado imberbes.

O rei começava a convencer-se de que, face à escassez de pretendentes, talvez a melhor decisão a tomar fosse casar a filha com Gundesindo, herdeiro do Reino Estranho. Afinal, na audiência, não lhe pareceu que o rapaz tivesse a torpeza e a malvadez do pai. Mas a rainha não concordava. Entendia que deveriam esperar até que chegasse o último emissário. E só no caso de ele vir de mãos a abanar é que poderiam ponderar na remota possibilidade de darem a mão da filha a Gundesindo.

Na audiência do dia seguinte, a rainha fez questão de estar presente, ao lado do rei. Ouviram queixas, pendências e petições de uma dúzia de cortesãos, governadores e alcaides do reino e a tudo foi dado despacho conforme o bom senso do rei, a qualidade do peticionário e a importância do assunto. A audiência chegou ao fim e o príncipe Gundesindo não se fizera anunciar. O rei, que estava com fome, embora achasse um ultraje à sua dignidade a falta do príncipe a uma audiência marcada, ficou todavia satisfeito, pois considerava o assunto encerrado sem ter que decidir sobre ele.

A essa hora, porém, já Belaflor ia longe, bem agarrada às costas do príncipe, que guiava o cavalo pela floresta, à frente de Ildefredo, o criado, que levava agarrada a si Astromila. Com receio da resposta negativa do rei, Gundesindo decidira assaltar o castelo. Belaflor e Astromila já os esperavam. Com o pretexto de que tinham ordens do rei para acompanhar a princesa à sala do trono, ludibriaram os guardas e conseguiram escapar-se.

Casaram-se dez dias depois, na catedral do Reino Estranho. Os pais de Belaflor, quando souberam, não ficaram muito satisfeitos, mas acabaram por se adaptar às circunstâncias. Com a morte de D. Fuas, alguns meses mais tarde, Gundesindo tornou-se rei. Belaflor estava muito feliz, tanto mais que ficara grávida, e os piores receios dos pais não se realizaram. O príncipe não tinha o mau feitio nem o mau hálito de D. Fuas, embora cheirasse mal dos pés, como toda a gente.

 

 

O Patinho Feio

Conto de Hans Christian Andersen 

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Estava muito agradável no campo. O ar rescendia a Verão; o milho estava amarelo; a aveia estava pronta a ser ceifada; as medas de feno nos prados pareciam pequenas colinas de erva e a cegonha passeava por cima delas com as suas longas pernas vermelhas. A toda a volta dos campos havia bosques e florestas com fundos lagos de água fresca. Sim, estava mesmo muito agradável no campo. E, brilhando ao sol, podia ver-se uma velha mansão rodeada por um fosso. Grandes folhas de azedas cresciam nas paredes até à água; algumas eram tão grandes que uma criança podia ficar de pé debaixo delas. À sombra podia-se até pensar que se estava numa florestazinha secreta e primitiva.

 

Era aí que uma pata chocava os seus ovos no ninho. Porém, já estava a ficar bastante farta, porque os patinhos nunca mais apareciam; quanto a visitas, quase não as tinha; os outros patos preferiam nadar no fosso a ir ter com ela debaixo das grandes folhas para conversar.

Por fim, os ovos começaram a estalar, um a seguir ao outro.

— Pip, pip!

O ninho ficou cheio de avezinhas que deitavam as cabeças fora das cascas.

— Quac, quac! — disse a mãe. — Depressa, depressa! E as criaturinhas saíram o mais depressa que puderam e olharam à sua volta, no abrigo de folhas verdes; e a mãe deixou-as olhar à vontade, porque o verde faz bem aos olhos.

— Como o mundo é grande! — disseram os pequenos.

É claro que agora tinham muito mais espaço do que dentro dos ovos.

— Pensam que o mundo é só isto, seus patetas? — perguntou a mãe. — Ora! O mundo estende-se muito para além do outro lado do jardim, mesmo até ao campo do vigário. Embora, verdade seja dita, eu nunca tenha lá estado. Já cá estão todos, não estão? — Levantou-se do ninho. — Não, tu ainda não. Ainda falta o ovo maior. Quanto tempo demorará ainda? Estou mesmo farta disto, se querem saber.

E lá tornou a deitar-se.

— Bem, que tal vão as coisas? — perguntou uma velha pata que veio visitá-la.

— Este ovo está a demorar um tempo horrível — disse a mãe pata. — Não há meio de estalar! Mas olhe para os outros! São os patinhos mais bonitos que já vi, tal e qual o pai, aquela peste, que nunca vem visitar-me!

— Deixe lá ver o ovo — disse a velha pata. — Ah! Acredite no que lhe digo, isso é um ovo de peru. Uma vez aconteceu-me a mesma coisa e nem calcula o trabalho que tive com os miúdos! Como eram perus, tinham medo da água, e não consegui metê-los lá. Deixe ver. É, é um ovo de peru. Deixe-o ficar e vá ensinar os outros a nadar.

— Bem, vou aguentar um pouco mais — respondeu a pata. — Já aqui estou há tanto tempo que mais vale acabar o trabalho.

— Está bem, faça como quiser — respondeu a velha pata, e foi-se embora.

Por fim, o grande ovo estalou.

—Pip, pip! — disse o jovem, saindo cá para fora.

Mas que grande e que feio que ele era! A mãe olhou para ele.

— Que grande patinho! — pensou. — Será mesmo um peru? Bem, já vamos ver; há-de ir para a água, nem que eu tenha de o empurrar.

No dia seguinte, o tempo estava lindo, e a mãe pata saiu com todos os filhos e desceu até ao fosso, onde mergulhou.

— Quac, quac! — chamou ela.

E, um atrás do outro, os patinhos saltaram para a água. Ficaram com as cabeças debaixo de água, mas vieram logo à tona, e em breve nadavam afanosamente. As suas patinhas mexiam-se naturalmente, e lá estavam todos — até o feio cinzento nadava com os outros.

— Não, isto não é um peru! — exclamou a mãe. — Que bem que ele usa as patas e que direito que nada. É meu filho, isso não há dúvida. Realmente, é bem bonito, se virmos bem. Quac, quac! Venham comigo, meninos; venham conhecer o mundo e as outras aves da quinta; mas fiquem perto de mim, para ninguém os pisar. E cuidado com o gato!

E lá foram para o pátio da quinta. Aí havia um barulho horrível e grande agitação, porque duas famílias discutiam por causa da cabeça de uma enguia — e afinal quem a apanhou foi o gato.

— O mundo é assim — disse a mãe pata.

Ficou com água no bico, porque também ela teria gostado de apanhar a cabeça da enguia.

— Vá, usem as pernas; despachem-se e façam uma vénia à velha pata que está ali! E a pessoa mais importante da quinta; os antepassados dela vieram da Espanha e, como vêem, tem um pedacinho de pano vermelho atado a uma pata. Isso é uma coisa muito especial: significa que ninguém a pode matar e que tanto os homens como os animais têm de a tratar com respeito. Venham! Não metam os pés para dentro! Um patinho bem educado anda com os pés bem afastados, como o pai e a mãe. Vá! Façam uma vénia e digam: «Quac!».

Os patinhos fizeram o que ela lhes disse, mas os outros patos do pátio olharam para eles e disseram em voz alta:

— Lá vamos ter de aturar estes, como se já não fôssemos bastantes! E, meu Deus!, que patinho tão esquisito aquele! Não o queremos com certeza por aqui.

E um pato esvoaçou em direcção ao patinho cinzento e deu-lhe uma bicada no pescoço.

— Deixa-o em paz — disse a mãe. — Ele não está a incomodar ninguém.

— Pois não, mas é muito grande e tem um ar esquisito — respondeu o pato que o tinha bicado. —Tem de ser metido na ordem.

— Bela família — comentou a velha pata com o paninho vermelho à volta da perna. — Os patinhos são todos bonitos, excepto aquele, não pode ser. Se ao menos a mãe pudesse tornar a fazê-lo!

— Isso é impossível, Vossa Senhoria — disse a mãe pata. — É verdade que não é bonito, mas tem bom feitio e nada tão bem como os outros. Atrevo-me até a dizer que, quando for crescido, é capaz de vir a ser mais bonito e talvez, com o tempo, um pouco mais pequeno. Ficou tempo de mais dentro do ovo e foi isso que lhe estragou o aspecto. — Ajeitou-lhe a penugem do pescoço e alisou-lhe uma penita ou outra. — Além disso — acrescentou —, é um pato, por isso não tem muita importância se é bonito ou feio. É saudável, tenho a certeza, e há-de vingar neste mundo.

— Seja como for, os outros patinhos são encantadores — retorquiu a velha pata. — Bom, estejam à vontade, e se encontrarem uma cabeça de enguia podem trazer-ma.

Isto foi o primeiro dia; depois, a sina do patinho cinzento piorou. Que infeliz se sentia por ser tão feio! Era perseguido por todos. Os patos tentavam dar-lhe bicadas; as galinhas também; e a rapariga que dava de comer aos animais empurrava-o com o pé. Até os irmãos e as irmãs estavam contra ele e diziam:

— Feio! Era bem feito que o gato te apanhasse!

A mãe também dizia em voz baixa:

— Quem me dera que estivesses longe...

 

E então ele foi-se embora. Primeiro, voou por cima da sebe — e os passarinhos nos arbustos voaram alarmados.

«É por eu ser tão feio», pensou o patinho, fechando os olhos.

Mas continuou o seu caminho. Por fim, chegou aos charcos onde vivem os patos bravos e ficou lá deitado toda a noite, porque estava muito cansado e triste.

De manhã, os patos bravos apareceram e observaram o seu novo companheiro.

— Que espécie de criatura és tu? — perguntaram.

O patinho virou-se para cada um e cumprimentou-os o mais amavelmente que pôde.

— És mesmo feio, lá isso és! — disse um pato bravo. — Mas isso pouco importa, desde que não cases com nenhuma das nossas filhas.

Pobrezinho do patinho. A ideia de casar nem sequer lhe tinha vindo à cabeça. Tudo o que queria era deitar-se e descansar nos juncos e beber um pouco da água do charco.

Ali ficou durante dois dias, até que apareceram dois gansos selvagens — dois jovens machos. Também tinham nascido há pouco, mas eram muito vivos e descarados.

— Olá, amigo — disseram. — És tão feio que gostamos de ti. Que tal vires connosco quando voarmos para mais longe? Num charco perto daqui há umas lindas gansas, belas raparigas, com um «quac!» que vale a pena ouvir. Com o teu aspecto esquisito pode ser que tenhas sorte com elas.

Nesse momento ouviu-se «bang!, bang!» e ambos os alegres gansos caíram mortos nos juncos. A água ficou vermelha de sangue. Outra vez «bang!, bang!» — e um bando de gansos selvagens levantou voo dos juncos. Era uma grande caçada. Os desportistas estavam a toda a volta do charco; alguns estavam mesmo empoleirados nas árvores. Fumo azul subia como nuvens dentro e fora dos ramos escuros e ficava a pairar sobre a água. Os cães faziam tchac!, tchac!, pela lama, esmagando os juncos. O pobre patinho estava aterrorizado; quando tentava precisamente esconder a cabeça debaixo da asa um cão enorme e assustador parou em frente dele com a língua de fora e os olhos a brilharem de uma maneira horrível. Encostou o focinho ao patinho, arreganhou os dentes aguçados e depois — tchac!, foi-se embora sem lhe tocar.

— Oh, graças a Deus! — suspirou o patinho. — Sou tão feio que até o cão pensa duas vezes antes de me morder. E ficou muito quieto enquanto ouvia os tiros, um após outro, guincharem e troarem pelos juncos. O dia já ia longo quando o barulho parou; mas a pobre criatura nem então se atreveu a mexer-se. Por fim, levantou a cabeça, espreitou cautelosamente em redor e apressou-se a fugir do charco tão depressa quanto pôde. Correu por campos e prados, mas o vento soprava tão forte contra ele que era difícil avançar.

 

Perto da noite, chegou a um casinhoto miserável; estava em tal estado que nem sabia para que lado havia de cair, de modo que continuava de pé. O vento soprava com tanta força que o patinho teve de se sentar para não ser levado por ele, mas o vento parecia ficar cada vez mais forte. Então notou que a porta já não tinha uma dobradiça e estava pendurada de tal modo que ele conseguia esgueirar-se lá para dentro, e foi isso mesmo que fez.

No casinhoto vivia uma velhota com um gato e uma galinha. O gato, a quem ela chamava Filhinho, sabia arquear as costas e fazer ronrom; também fazia faíscas, mas só quando lhe faziam festas ao contrário. A galinha tinha umas pernitas curtas e por isso chamava-se Pinta-Pernas-Curtas. Punha muitos ovos, e a velhota gostava dela como se fosse sua filha.

Quando amanheceu, repararam logo no estranho pequeno visitante. O gato começou a fazer ronrom, e a galinha a cacarejar.

— O que é que aconteceu? — perguntou a velhota, olhando a toda a volta.

Mas já não via muito bem, de modo que tomou o pequeno recém-chegado por uma pata adulta.

— Ora isto é que é sorte! — exclamou ela. — Agora vou ter ovos de pata... desde que não seja um pato. Bem, veremos...

E o patinho ficou à experiência durante três semanas, mas não apareceram ovos.

O gato era o senhor da casa, e a galinha a senhora. Passavam a vida a dizer «Nós e o mundo...», porque pensavam que eram metade do mundo e, claro, a metade melhor. O patinho achava que podia haver outras opiniões sobre o assunto, mas a galinha não queria ouvir falar nisso.

— Sabes pôr ovos? — perguntou. — Não? Então, faz o favor de guardar as tuas opiniões para ti próprio!

O gato perguntou:

— Sabes arquear as costas e fazer ronrom ou soltar faíscas? Não? Então o melhor que tens a fazer é ficares calado quando as pessoas sensatas estão a falar.

De maneira que o patinho se sentava a um canto e aborrecia-se. Vinham-lhe à ideia pensamentos sobre o ar livre e o sol, e depois uma saudade extraordinária de flutuar na água. Por fim, não pôde deixar de falar nisso à galinha.

— Que ideia tão disparatada! — exclamou ela. — O teu mal é não teres nada que fazer; por isso é que tens essas fantasias. Põe mas é uns ovos ou tenta fazer ronrom que isso passa-te.

— Mas é tão delicioso flutuar na água — disse o patinho. — É tão bom baixar a cabeça e mergulhar até ao fundo!

Deve ser óptimo! — disse a galinha sarcasticamente. — Não deves estar bom da cabeça! Pergunta ao gato, que é a pessoa mais inteligente que conheço, se ele gosta de flutuar na água ou de mergulhar até ao fundo. Não faças caso da minha opinião; pergunta à nossa dona, a velhota: não há ninguém mais sábio no mundo inteiro. Achas que ela quer flutuar ou meter a cabeça dentro de água?

— Não compreendes... — disse o patinho tristemente.

— Bem, se nós não te compreendemos, ninguém compreenderá. Nunca saberás tanto como o gato ou a velhota, para já não falar de mim. Não tenhas peneiras, miúdo, e agradece as coisas boas que te têm acontecido. Não encontraste um quarto quente e companheiros elegantes, com quem podes aprender muito se prestares atenção? Mas tu só dizes disparates; nem sequer és uma companhia alegre. Acredita que o que te digo é para teu bem. Vá, faz um esforço e põe uns ovos ou, pelo menos, aprende a fazer ronrom e a deitar faíscas.

— Acho que o melhor é ir por esse mundo fora — respondeu o patinho.

— Então vai — exclamou a galinha.

E o patinho lá foi. Boiou na água e mergulhou; mas parecia-lhe que os outros patos não faziam caso dele por ele ser feio.

Até que chegou o Outono: as folhas do bosque ficaram castanhas e amarelas; o vento apanhava-as e fazia-as rodopiar como loucas; até o céu parecia gelado; as nuvens pairavam, pesadas com granizo e neve, e o corvo, empoleirado numa sebe, gritava «crá, crá» por causa do frio. Só de olhar para aquilo ficava-se logo a tremer. Foi um tempo difícil também para o patinho.

Uma tarde, com o céu avermelhado pelo pôr do Sol, um bando de grandes aves maravilhosas ergueu-se dos juncos. O patinho nunca tinha visto aves tão belas. Eram de um branco brilhante, com longos pescoços graciosos — na verdade, eram cisnes. Emitindo um estranho som, abriram as esplêndidas asas e voaram para longe, para terras mais quentes e lagos que não gelavam. Voaram até bem alto e o patinho feio ficou muito excitado; andava à roda, à roda, na água, e chamou-os com uma voz tão alta e estranha que até ele próprio se assustou. Oh, nunca esqueceria aquelas aves maravilhosas, aquelas aves felizes! Assim que a última desapareceu, mergulhou mesmo até ao fundo e, quando voltou de novo à superfície, estava excitadíssimo. Não sabia como se chamavam as aves; não sabia de onde tinham vindo nem para onde voavam — mas sentia-se mais atraído por elas do que por qualquer outra coisa.

No Inverno ficou ainda mais frio. O patinho tinha de nadar às voltas na água para esta não gelar, mas cada noite a parte sem gelo se tornava mais pequena. Depois, tinha de bater com os pés a toda a hora, para quebrar a superfície; por fim, acabou por ficar estafado. Parou e depressa gelou completamente.

De manhã cedo apareceu um camponês. Vendo a ave, foi até lá, partiu o gelo com os socos de madeira e levou-a para casa, para a mulher. Pouco tempo depois, o patinho reanimou-se. As crianças queriam brincar com ele, mas ele julgava que queriam fazer-lhe mal e, assustado, voou para dentro da selha do leite. O leite salpicou a sala toda; a mulher deu um grito e deitou as mãos à cabeça; depois, o patinho voou para dentro da cuba da manteiga, depois para o barril da farinha, e depois saiu. Meu Deus, que espectáculo! A mulher, ainda aos gritos, atirou-lhe o atiçador da lareira; as crianças, rindo e guinchando, caíam umas por cima das outras, tentando apanhar o patinho. Felizmente, a porta estava aberta; lá foi ele a correr para os arbustos e para a neve recém-caída e aí ficou meio entontecido.

Mas seria demasiado triste contar-vos todas as dificuldades e infelicidades por que ele teve de passar durante aquele Inverno cruel. Um dia, estava a tentar aconchegar-se entre os juncos do charco quando o Sol começou a enviar novamente raios quentes; as cotovias cantavam; que maravilha! Tinha chegado a Primavera. O patinho ergueu as asas. Pareciam mais fortes do que antes, e levaram-no velozmente para longe; antes de perceber o que estava a acontecer, encontrou-se num lindo jardim cheio de macieiras em flor, com lilases perfumados que pendiam dos seus longos ramos mesmo até um riacho sinuoso. E então, mesmo em frente dele, saindo das sombras das folhas, apareceram três magníficos cisnes brancos, agitando as penas enquanto deslizavam pela água. O patinho reconheceu as maravilhosas aves e sentiu uma estranha tristeza.

— Vou voar até àquelas nobres aves, mesmo que me matem à bicada por me atrever a aproximar-me, feio como sou. Mas não me importo... é melhor ser morto por umas criaturas tão esplêndidas do que apanhar bicadas de patos e galinhas e pontapés da rapariga da quinta ou ter de aguentar outro Inverno como o último.

Voou para a água e nadou em direcção aos magníficos cisnes. Estes viram-no e vieram ter com ele a toda a velocidade, agitando a plumagem.

—Vá, matem-me — disse o pobre patinho curvando a cabeça mesmo até à água enquanto esperava pelo fim.

Mas o que é que viu ele reflectido em baixo? Observou-se bem — já não era uma desajeitada ave feia e cinzenta. Era igual às orgulhosas aves brancas ali ao pé: era um cisne!

Não interessa nascer num terreiro de patos quando se sai de um ovo de cisne.

Sentiu-se feliz por ter sofrido tantas dificuldades, porque agora dava valor à sua boa sorte e ao lar que finalmente tinha encontrado. Os majestosos cisnes nadaram à sua volta e acariciaram-no com admiração com os bicos. Umas criancinhas apareceram no jardim e atiraram pão para a água e a mais pequenina gritou alegremente:

— Há mais um!

E as outras disseram, encantadas:

— E verdade, apareceu mais um cisne!

Bateram palmas e dançaram de contentamento; depois foram a correr contar aos pais. Deitaram mais pão e bolo para a água e todos disseram:

— O novo é o mais bonito de todos. Olhem que belo que é, aquele novo!

E os cisnes mais velhos curvaram as cabeças diante dele.

Ele sentia-se muito envergonhado e escondeu a cabeça debaixo de uma asa; não sabia o que fazer. Estava quase feliz de mais, porque um bom coração nunca é orgulhoso nem vaidoso. Lembrava-se dos tempos em que tinha sido perseguido e desprezado, e agora ouvia toda a gente dizer que era a mais bela de todas aquelas maravilhosas aves brancas. Os lilases curvaram os ramos até à água para o saudarem; o Sol enviou o seu calor amigo, e a jovem ave, com o coração cheio de alegria, agitou as penas, ergueu o pescoço esguio e exclamou:

— Nunca pensei que alguma vez pudesse sentir tamanha felicidade quando era o patinho feio!

 

  O Gato das botas

Conto de Charles Perrault

 

O-Gato-de-Botas

Ilustração de Gustave Doré

Era uma vez um moleiro que tinha três filhos. Um dia, chamou-os para lhes dizer que ia repartir por eles todos os seus bens.

Ao mais velho deu o moinho, ao do meio deu o burro e ao mais novo deu o gato.
O filho mais novo ficou muito triste porque o pai não tinha sido justo para com ele.

Mas, surpresa das surpresas, o gato começou a falar!

- Dá-me um saco e um par de botas.
O rapaz ficou muito espantado e obedecendo ao pedido do gato no dia seguinte, lá foi comprar um saco e umas botas.
- Aqui estão meu amigo! disse ele.

O gato calçou as botas, pegou no saco e lá foi floresta fora. Como era muito esperto, não demorou muito a apanhar uma lebre bem gordinha, que a pôs dentro do saco.

Com o pesado saco às costas, o gato dirigiu-se ao castelo do rei e ofereceu-lhe a lebre, dizendo:

- Magestade, venho da parte do meu amo, o marquês de Carabás, trago-lhe esta linda lebre de presente.

O rei ficou muito impressionado e contente com aquela atitude e disse:
- Diz ao teu amo que lhe agradeço muito!

Daí em diante o gato repetiu aquele gesto várias vezes, levando vários presentes ao rei e dizendo sempre que era uma oferta do seu amo.

Um dia, diz o gato a seu amo:

- Senhor, tomai banho neste rio que eu trato de tudo.

O gato esperou que a carruagem do rei passasse junto ao rio onde o seu amo tomava banho e pôs-se a gritar:

- Socorro! Socorro! O meu amo, o marquês de Carabás, está a afogar-se! Ajudem-no!
O rei mandou logo parar a carruagem e ajudou o marquês, dando-lhe belas roupas e convidando-o a passear com ele e com a filha, a princesa, na carruagem real.

O gato desata então a correr à frente da carruagem. Pela estrada fora, sempre que via alguém a trabalhar nos campos, pedia-lhes que dissessem que trabalhavam para o marquês de Carabás.

O rei estava cada vez mais impressionado!

O gato chega por fim ao castelo do gigante, onde todas as coisas eram grandes e magníficas.

O gato pede para ser recebido pelo gigante e pergunta-lhe:

- É verdade que consegues transformar-te num animal qualquer?
- É! disse o gigante. 

Então o gato pede-lhe que se transforme num rato. E assim foi.

O gato que estava atento, deu um salto, agarrou o rato e comeu-o.

O rei, a princesa e o marquês de Carabás chegam ao castelo do gigante, onde são recebidos pelo gato:

- Sejam bem vindos à propriedade do meu amo! diz o gato.

O rei nem queria acreditar no que os seus olhos viam:

- Tanta riqueza! Tem que casar com a minha filha, senhor marquês - diz o rei.

E foi assim que, graças ao seu gato, o filho de um moleiro casou com a princesa mais bela do reino.

 

O menino que não sabia abraçar

 

Fernanda Macahiba

 

Era uma vez um menino que não sabia abraçar. Ele morava com os pais numa cidade muito grande. Nessa cidade as pessoas usavam os braços e as mãos para fazer um monte de coisas

Para escrever, dirigir, limpar a casa, fazer comida, digitar textos, carregar as coisas... Essas pessoas sempre estavam com muita pressa e ocupavam tanto os braços e as mãos que não sobrava tempo para abraçar.

Em dia de festa de aniversário, eles cantavam parabéns e batiam palmas. Depois as crianças iam brincar e os pais corriam para arrumar as coisas e não encontravam tempo para carinhos.

Quando o menino tirava notas boas na escola, os professores sempre o elogiavam, mas as mãos e os braços estavam ocupados, carregando livros ou escrevendo na lousa.

O tempo foi passando e ele acabou aprendendo que os braços e as mãos serviam para muitas coisas.

Mas sentia uma falta não sei de quê. Uma dorzinha no coração, uma saudade de algo que não conhecia. Quando ficava triste de verdade, dançava músicas agitando os braços e um pouco de alegria chegava em seu coração.

Um dia, a família do menino precisou mudar de cidade. A escola e os amigos eram diferentes. Ele conheceu uma menina que vivia abraçando os outros e não entendia bem aquilo. Ela era tão pequenininha, mas tinha braços do tamanho do mundo. Abraçava até gente grande.

Certa vez, quando ela tentou enrolar aqueles braços nele, o menino sentiu algo esquisito. Não conseguia se mover e ficou quietinho, sem jeito.

Ela achava que aquele menino era tímido demais e nem adivinhou que ele nunca tinha abraçado alguém.

O menino passou a olhar com curiosidade para ela, que chegava todo dia sorrindo e já ia enrolando os braços nas pessoas. Primeiro na mãe, depois no porteiro da escola, na professora, na faxineira, nos amigos e nele.

Começou a ter com medo. Contou tudo para os pais, que ficaram preocupados com o que estava ocorrendo na escola.

As outras crianças não se importavam com a mania daquela menininha. Aliás, aquilo parecia contagioso. Todos começaram a imitá-la. De uma hora para a outra, enrolaram os braços uns nos outros e parecia que havia mais sorrisos pelo caminho. Talvez fosse uma doença estranha.

Entretanto, seus pais estavam sempre muito ocupados para conhecer a menina.

Um dia, o pai do menino saiu correndo do trabalho e sofreu um acidente no trânsito. No hospital, os médicos estavam cuidando de tudo.

O menino sentiu a maior tristeza do mundo dentro dele. Os dias passaram e seu pai ainda continuava no hospital. Sempre com os braços ocupados, pensava. Agora com gesso e ataduras. Ele sentava-se ao seu lado e sentia que aquela dorzinha tinha se transformado numa dorzona dentro do coração. Ficava com os braços caídos ao lado do corpo e não sabia direito o que fazer com eles.

A mãe resolveu mandá-lo de volta à escola. Chegando lá, ficou sozinho, num cantinho da sala, e começou a chorar bem baixinho aquela dorzinha que foi crescendo e crescendo e virando dorzona.

Sentiu alguém chegando perto e quando percebeu, aqueles bracinhos se enrolaram e abraçaram. E pela primeira vez na vida, o menino ergueu os braços e os enrolou na menina.

E chorou toda dor que sentia. Todo medo de ficar sem o pai. Ela ficou quietinha, só ouvindo aquela dor indo embora junto com as lágrimas que não paravam de cair.

De repente, seus olhos se encontraram. Ele entendeu para que serviam os braços. Serviam para ajudar o outro a não sentir solidão, para consolar, acalmar, aliviar e compartilhar a dor e também a amizade.

E os dois saíram abraçados pela escola. Os professores olhavam espantados para o menino que não sabia abraçar.

Lá no portão, a mãe o estava esperando no carro e, quando olhou no banco do passageiro, viu o pai.

Abriu um sorriso e jogou-se nos braços dele, assustando-o. Percebeu, pela primeira vez, que havia um braço livre que não estava com gesso e com nenhuma outra coisa ‘importante’. Sentiu uma vontade estranha subindo pelo coração, explodindo em choro e sorrisos. A mãe se juntou a eles e a menina também.

Nunca mais o menino que não sabia abraçar ficou sem um abraço.

E a partir desse dia, todos entenderam que há muitas utilidades para nossos braços e mãos, mas a principal delas é para sentir que, mesmo estando em duas ou três pessoas, podemos ser apenas um.

 

O Sapo Envergonhado

 

José Leon Machado

 

Era uma vez um sapo que vivia no seu charco feliz e despreocupado. Tinha o seu nenúfar particular, onde se postava a apanhar banhos de sol e a comer moscas que distraidamente violavam o seu espaço aéreo. Uma vez por outra, partilhava o nenúfar com uma fêmea do charco. Coaxava a tarde toda para ela e oferecia-lhe as moscas varejeiras mais suculentas que conseguia caçar. A fêmea ficava encantada e agradecia-lhe com um piscar de olhos e um coaxar lento e sedutor. Era uma bela vida.

Mas um dia a paz terminou.

Perto do charco, vivia uma menina que se chamava Clarinda. A madrasta fazia-lhe  a vida negra. Quando o pai, que era carvoeiro, saí para o monte para fazer carvão, a madrasta obrigava-a a trabalhar arduamente. Era ela que cozinhava, arrumava a casa, dava de comer aos animais e cavava a horta. Passava o dia a trabalhar enquanto a madrasta se sentava à lareira a fazer meia.

O pior nem era o trabalho, que esse, que se saiba, nunca matou ninguém. Era antes a forma como a madrasta a tratava. Passava o dia a chamar por ela para que lhe fosse buscar isto e aquilo, estava sempre a dizer que a menina era uma desleixada e uma preguiçosa e que não servia para nada. Chegava mesmo a bater-lhe com um mata-moscas que costumava ter ao pé.

A Clarinda andava desgostosa e o pai, quando chegava a casa e a via assim, perguntava-lhe que tinha. Mas ela, que era boa, não queria dizer mal da madrasta e por isso encolhia os ombros e ficava silenciosa a arrumar a loiça do jantar.

– O que tu tens de arranjar é um príncipe – dizia-lhe o pai. – Tiravas-nos a todos da miséria em que vivemos e tornavas-te numa princesa. E, quem sabe, até poderias vir a ser rainha.

A madrasta ria-se e dizia:

– Ela rainha? Há-de ser rainha quando eu for imperadora.

E ria de tal modo, que a Clarinda estava à espera de a ver transformar-se em bruxa e sair pela janela em cima da vassoura de varrer a casa. Mas isso nunca aconteceu e a Clarinda olhava para a sua vida e concluía que, a menos que fizesse alguma coisa, seria cada vez pior.

E foi então que começou a imaginar que um príncipe, montado no seu cavalo branco, se haveria de perder na floresta e bateria à porta. Apaixonar-se-ia por ela e levá-la-ia consigo para o palácio. Esperou tanto que acabou por pensar que a floresta onde vivia era demasiado longe de qualquer palácio onde vivesse um príncipe que pudesse ali perder-se.

Lembrou-se entretanto das histórias que a mãe lhe contava acerca de príncipes transformados em sapos por bruxas malévolas. Quem sabe se, entre os sapos que por aí povoavam os charcos, não haveria um que era um príncipe?

Um dia à tarde, depois de arrumar a loiça do almoço, disse à madrasta que ia regar a horta, pegou no cântaro de barro e dirigiu-se ao charco onde costumava ir buscar água para a rega. Ao aproximar-se do charco, viu aquele nosso sapo conhecido em cima do nenúfar. Ele estava quase a apanhar um moscardo e ficou muito contrariado com a presença da menina, pois o insecto, com a agitação do ar, fugiu. O sapo mergulhou na água lodosa e foi caçar moscas para outro lado.

A Clarinda passou a ir ao charco sempre que podia e, para evitar sobressaltar a bicharada, aproximava-se com pezinhos de lá. Sentava-se numa pedra e ficava a apreciar o sapo em cima do nenúfar a caçar insectos. Havia outros sapos, é certo, mas era aquele, pelo seu tamanho, pela sua perícia e pelo coaxar afinado que lhe chamava mais a atenção. Ela acabou por se convencer de que ele era realmente um príncipe encantado.

A Clarinda estava tão convencida de que aquele sapo era um príncipe encantado que começou a tentar apanhá-lo para lhe dar um beijo. O sapo passou a viver em constante sobressalto, como medo de ser apanhado e acabar na panela, pois sabia que há gente que gosta de patas de rã estufadas.

De noite, a menina sonhava com o príncipe sapo. De dia começou a descurar as suas tarefas, a ponto de a madrasta passar a tratá-la ainda mais mal. Dizia que, se ela assim continuasse, que haveria de dá-la em casamento ao velho corcunda que via no Bosque dos Aflitos. Mas ela estava tão convencida de que tinha encontrado o seu príncipe, que qualquer ameaça passava por ela como a brisa matinal.

A sua principal preocupação era arranjar forma de apanhar o sapo para lhe dar o beijo do verdadeiro amor. Mas ele era demasiado esquivo e, quando a Clarinda estava quase a apanhá-lo, atirava-se à água e mergulhava para o fundo. O sapo, por causa disso, perdeu cor e emagreceu bastante. Pensava até seriamente em mudar-se para outro charco, pois naquele começava a ser impossível ter-se uma vida sossegada. E as queixas não eram apenas dele. A presença da criatura humana junto do charco tinha afectado a vida de toda a comunidade sapal.

Como os protestos se avolumavam, a comunidade decidiu reunir em assembleia para discutir e deliberar o que fazer. Um dos sapos mais velhos sugeriu que talvez a criatura humana pensasse que o nosso sapo era um príncipe encantado. E deu-lhe de conselho que se deixasse apanhar e beijar por ela. Quando a humana visse que ele não era mais do que um simples batráquio, haveria de deixá-lo em paz e tudo voltaria à normalidade.

O nosso sapo, embora com algum receio de ir parar a uma panela, deixou-se apanhar no dia seguinte. Sentiu a mão gretada e áspera da menina sobre o dorso liso e pegajoso e fechou os olhos com tremuras nervosas.

– Que querido que ele é! – exclamou a Clarinda.

O sapo encolheu-se todo. Estava pronto para o sacrifício. Só esperava que não fosse muito doloroso.

– Não sejas envergonhado – disse a Clarinda. – Um sapo tão catita como tu não precisa de corar diante de uma menina.

O sapo, se soubesse como, gostaria de explicar àquela humana que não era vergonha o que sentia, mas medo.

A Clarinda afagou-o mais uma vez, aproximou o sapo dos lábios e deu-lhe um beijo. O visado achou aquilo nojento e foi por pouco que não vomitou as moscas que tinha comido ao almoço.

Nesse instante, apareceu um jovem muito bem posto em cima de um cavalo baio e perguntou:

– Que faz a menina com esse sapo na mão? Não me diga que o vai beijar!

– Já beijei – disse ela.

– E que aconteceu? – quis saber o jovem.

– Apareceu-me um belo príncipe.

O jovem riu-se, ela riu-se também e logo se apaixonaram.

A Clarinda libertou o sapo, que saltou logo para o charco, feliz por ter escapado à beijoquice. O jovem acompanhou a menina a casa e prometeu visitá-la sempre que podia. Dois anos depois, casaram e foram muito felizes. Ele não era um príncipe daqueles verdadeiros, filho de rei e de rainha a viver num palácio cheio de guardas e de criados a quem poderia mandar fazer o que lhe apetecesse. Era filho de um mercador. Mas para a Clarinda era um príncipe e isso é o que importa.

Quanto ao sapo, voltou à rotina de que muito gostava. Ficara contente por saber que afinal era um sapo. Não lhe agradava nada viver o resto dos seus dias longe do charco, das moscas suculentas e do seu nenúfar.

 

O Leão e o Ratinho

 

                                                                                        Esopo

 

Um leão, cansado de tanto caçar, dormia espichado à sombra de uma boa árvore. Vieram uns ratinhos passear em cima dele e ele acordou.

Todos conseguiram fugir, menos um, que o leão prendeu embaixo da pata.
Tanto o ratinho pediu e implorou que o leão desistiu de esmagá-lo e deixou que fosse embora.

Algum tempo depois, o leão ficou preso na rede de uns caçadores. Não conseguia se soltar, e fazia a floresta inteira tremer com seus urros de raiva.

Nisso, apareceu o ratinho. Com seus dentes afiados, roeu as cordas e soltou o leão.

 

Uma boa ação ganha outra.