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LIVROS & LETRAS

 

Fábulas de todos os tempos

 

Fábulas de Leonardo Da Vinci (Século XV)

 

 

 A Parreira e a Velha Árvore

 

 

Uma parreira, a fim de sentir-se mais segura, apoiou-se fortemente numa velha árvore. Suas companheiras, agarradas às estacas que o vinhateiro havia colocado com essa finalidade, perguntaram:

- Por que você escolheu uma velha árvore para se apoiar? E se ela morrer, que vai fazer você?

A parreira, tranquila e satisfeita com sua escolha, não tomou conhecimento das companheiras. Agarrou-se ainda mais fortemente ao velho tronco, certa de que viveria mais tempo que todas as outras vinhas.

Porém a árvore vivera muitos anos. Era tão velha que não aguentava mais. Estremecia ao menor sopro de vento e muitos de seus galhos já estavam secos e mortos. Um dia, finalmente, caiu com grande estrondo e ficou deitada na grama. A tola parreira, sempre envolvendo-a, caiu ao chão junto com ela.

Leonardo da Vinci

Fábulas de Leonardo Da Vinci (Século XV)

 

 

 A Água

 

 

Certo dia, um pouco de água desejou sair de seu lugar habitual, no lindo mar, e voar para o céu.

Então a água pediu ajuda ao fogo. O fogo concordou e, com seu calor, transformou a água em vapor, tornando-a mais leve que o ar.

O vapor partiu para o céu, subindo cada vez mais alto, até finalmente atingir a camada mais fria e mais rarefeita da atmosfera. Então as partículas de água, enregeladas de frio, tornaram a se unir e voltaram a ser mais pesadas que o ar. E caíram sob a forma de chuva. Não se limitaram a cair, mas jorraram como uma cascata em direcção á terra.

A arrogante água foi sugada pelo solo seco e, pagando caro por sua arrogância, ficou aprisionada na terra.

Leonardo da Vinci

 

 

 A Águia

 

 

Certo dia uma águia olhou para baixo, do alto do seu ninho, e viu uma coruja.

- Que estranho animal! - pensou consigo mesma. Certamente não se trata de um pássaro.

Movida pela curiosidade, abriu suas grandes asas e pôs-se a descer voando em círculos.

Ao aproximar-se da coruja perguntou:

- Quem é você? Como é seu nome?

- Sou a coruja - respondeu o pobre pássaro em voz trémula, tentando esconder-se atrás de um galho.

- Há, há! Como você é ridícula! - riu a águia - sempre voando em torno da árvore. Só tem olhos e penas! Vamos ver - acrescentou, pousando num galho - vamos ver de perto como você é. Deixe-me ouvir sua voz. Se for tão bonita quanto sua cara vou ter que tapar os ouvidos.

Enquanto isso a águia tentava, por meio das asas, abrir caminho por entre os galhos para apanhar a coruja.

Porém um fazendeiro havia colocado, entre os galhos da árvore, diversos ramos cobertos de visgo, e também espalhara visgo nos galhos maiores.

Subitamente a águia viu-se com as asas presas à árvore, e quanto mais lutava para se desvencilhar, mais grudadas ficavam suas penas.

A coruja disse-lhe:

- Águia, daqui a pouco o fazendeiro vai chegar, apanhar você e trancá-la numa grande gaiola. Ou talvez a mate para vingar-se pelos cordeiros que comeu. Você, que passou toda a sua vida no céu, livre de qualquer perigo, tinha alguma necessidade de vir até aqui para caçoar de mim?

 

Leonardo da Vinci

A Amoreira

 

 

A pobre amoreira não suportava mais aquilo. Agora, que seus galhos estavam novamente carregados de amoras, os insolentes melros bicavam e estragavam todos os ramos com o bico e com as patas.

- Por favor - suplicou a amoreira, dirigindo-se ao melro mais importuno - poupe ao menos minhas folhas! Sei que vocês gostam muito dos meus frutos, que são seus preferidos. Porém não me privem da sombra de minhas folhas, que me protegem contra os raios do Sol. E não me estraguem com as patas, não arranquem minha casca macia.

A essas palavras o melro, ofendido, respondeu:

- Silêncio, sua mal-educada! Você não sabe que a natureza fez você produzir essas frutas apenas para me alimentar? Não sabe, sua estúpida, que quando chegar o inverno você vai servir apenas para alimentar o fogo?

Ao ouvir essas palavras a amoreira pôs-se a chorar baixinho.

Algum tempo depois o insolente melro caiu numa armadilha preparada por um homem. A fim de construir uma gaiola para o pássaro, o homem cortou os galhos de uma sebe, e coube à amoreira fornecer a madeira para as barras da gaiola.

- Oh! Melro, disse a amoreira - ainda estou aqui. Quando você era livre vinha me importunar, e agora são meus galhos que impedem sua liberdade. Ainda não fui consumida pelo fogo, como você disse que ia acontecer. Você não me viu queimada, mas eu estou vendo você prisioneiro.

Leonardo da Vinci

  A Andorinha

 

 

A andorinha, com gritos de alegria, voltou para seu antigo ninho.

Primeiro limpou-o e arrumou-o, e em seguida pôs ovos. Depois chocou-os. Finalmente, quanto os filhotes nasceram, começou a voar para um lado e para outro, indo e vindo do ninho, a fim de alimentar sua grande família.

Seu companheiro, em contrapartida, voava o tempo todo. Voava enquanto a andorinha arrumava a casa, enquanto os ovos estavam sendo chocados, e continuou voando todos os dias, de manhã à noite, sem um instante de repouso.

- Por que é que você está sempre voando? - perguntaram-lhe um dia.

- Porque não gosto de trabalhar - foi a resposta.

Leonardo da Vinci

A Aranha e as Abelhas

 

 

Certo dia uma aranha encontrou um local onde havia muitas moscas. Imediatamente pôs mãos à obra, tecendo uma teia. Escolheu dois galhos como apoio e começou a trançar para lá e para cá, entre um e outro galho. Tecendo seu fio de prata, construiu sua teia. Quando terminou o trabalho escondeu-se atrás de uma folha.

A espera foi breve. Logo uma mosca curiosa viu-se presa à teia. A aranha precipitou-se e devorou a mosca.

Porém uma vespa, pousada numa flor, a tudo assistira. Imediatamente voou para cima da aranha e furou-a com uma ferroada.

 

Leonardo da Vinci

 

A Aranha e as Uvas

 

 

Uma aranha observou durante dias a fio os movimentos dos insetos, e notou que as moscas ficavam em torno de um grande cacho de uvas muito doces.

- Já sei o que fazer - disse ela para si mesma.

Subiu para o alto da parreira e, por meio de um tênue fio, desceu até o cacho de uvas, onde instalou-se num pequenino espaço entre duas frutas.

De dentro do esconderijo começou a atacar as pobres moscas que vinham em busca de alimento. Matou muita delas, pois nenhuma suspeitava que houvesse ali uma aranha.

Porém em breve chegou a época da colheita.

O fazendeiro foi para o campo, colheu o cacho de uvas e atirou-o para dentro de uma cesta, na qual se viu espremido junto com os outros cachos.

As uvas foram a armadilha fatal para a aranha impostora, que morreu exatamente como as moscas que enganara.

 

Leonardo da Vinci

A Aranha e o Buraco da Fechadura

 

 

Após ter explorado a casa toda, por dentro e por fora, uma aranha resolveu esconder-se no buraco da fechadura.

Que esconderijo ideal! Pensou ela. Quem jamais havia de imaginar que ela estava ali? E além disso podia espiar para fora e ver tudo o que acontecia.

Ali em cima, disse ela para si mesma, olhando para o alto da porta:

- Vou fazer uma teia para moscas - ali em baixo, acrescentou, observando a soleira - farei outra para besourinhos. Aqui, ao lado da porta, vou armar uma teiazinha para os mosquitos.

A aranha estava exultante. O buraco da fechadura proporcionava-lhe uma nova e maravilhosa sensação de segurança. Era tão estreito, escuro, e era revestido de ferro. Parecia-lhe mais inexpugnável que uma fortaleza, mais garantido que qualquer armadura.

Imersa nesses deliciosos pensamentos, a aranha ouviu o som de passos que se aproximavam. Correu de volta para o fundo de seu refúgio.

Porém a aranha esquecera-se de que o buraco da fechadura não havia sido feita para ela. Sua legítima proprietária, a chave, foi colocada na fechadura e expulsou a aranha.

 

Leonardo da Vinci

 

A Árvore e a Vara

 

 

Uma árvore que crescia lindamente, erguendo em direção ao céu sua copa de tenras folhas, reclamou da presença de uma vara de madeira velha e seca que estava ao seu lado.

- Vara, você está perto demais de mim. Não pode chegar mais para lá?

A vara fingiu nada ouvir e não deu resposta.

Em seguida a árvore virou-se para a cerca de espinhos que a circundava.

- Cerca, você não pode ir para outro lugar? Você me irrita.

A cerca fingiu nada ouvir e não deu resposta.

- Linda árvore - disse um lagarto, levantando sua sábia cabecinha para olhar para a árvore - você não vê que a vara está mantendo você reta? Não percebe que a cerca está protegendo você contra as más companhias?

 

Leonardo da Vinci

A Borboleta e a Chama

 

 

Uma borboleta multicor estava voando na escuridão da noite quando viu, ao longe, uma luz.

Imediatamente voou naquela direcção e ao se aproximar da chama pôs-se a rodeá-la, olhando-a maravilhada. Como era bonita!

Não satisfeita em admirá-la, a borboleta resolveu fazer o mesmo que fazia com as flores perfumadas. Afastou-se e em seguida voou em direcção à chama e passou rente a ela.

Viu-se subitamente caída, estonteada pela luz e muito surpresa por verificar que as pontas de suas asas estavam chamuscadas.

- Que aconteceu comigo? - pensou ela.

Mas não conseguiu entender. Era impossível crer que uma coisa tão bonita quanto a chama pudesse causar-lhe algum mal. E assim, depois de juntar um pouco de forças, sacudiu as asas e levantou vôo novamente.

Rodou em círculo e mais uma vez dirigiu-se para a chama, pretendendo pousar sobre ela. E imediatamente caiu, queimada, no óleo que alimentava a brilhante e pequenina chama.

- Maldita luz - murmurou a borboleta agonizante - pensei que ia encontrar em você a felicidade e em vez disso encontrei a morte. Arrependo-me desse tolo desejo, pois compreendi, tarde demais, para minha infelicidade, o quanto você é perigosa.

- Pobre borboleta - respondeu a chama - eu não sou o Sol, como você tolamente pensou. Sou apenas uma luz. E aqueles que não conseguem aproximar-se de mim com cautela são queimados.


Moral da Estória:

Esta fábula é dedicada àqueles que, como a borboleta, são atraídos pelos prazeres mundanos, ignorando a verdade. Então, quando percebem o que perderam, já é tarde demais.

Leonardo da Vinci

A Castanheira – I

 

 

Um dia uma velha castanheira viu um homem subindo numa figueira.

O homem puxava os galhos em sua direcção e arrancava os figos maduros, comendo-os um por um, mordendo-os com seus fortes dentes.

Os galhos da castanheira murmuraram:

- Oh, figueira, você deve muito menos à Mãe Natureza do que eu! Está vendo o que ela fez por mim? Como preparou e protegeu bem meus filhos queridos! Vestiu-os primeiro com um vestido bem fino sobre o qual colocou um capa de pele dura, mas forro macio. E não satisfeita por ter me feito esta gentileza, construiu para cada um deles uma casinha bem resistente, e mobiliou-a com espinhos grossos e duros para protegê-los contra as mãos dos homens.

Quando a figueira e os figos ouviram isso, puseram-se a rir, e depois de rir um bom momento, a figueira respondeu:

- Mas será que você realmente conhece os homens? Nada disso adianta, pois eles farão tudo para tirar de você todos os seus frutos. Armados de varas, de paus e de pedras, baterão nos seus galhos para que todos os frutos caiam no chão. E uma vez caídos, vão pisar em cima deles ou esmagá-los com pedras para fazê-los sair de dentro de suas casinhas, tão bem protegidas pelos espinhos. E seus filhos ficarão amassados, quebrados e mutilados.
Porém o meu fruto é colhido com delicadeza e só sou tocada por mãos.

Leonardo da Vinci

A Castanheira – II

 

 

Em um jardim cercado por um alto muro, diversas árvores frutíferas moravam juntas. Durante a primavera todas ficavam cobertas de flores e no verão ficavam carregadas de frutos. Havia também uma castanheira.

- Porque hei-de ficar escondida neste jardim? - pensou, certo dia, a castanheira - Vou espichar meus galhos até à estrada para que todos possam ver como meus frutos são bons.

E assim, pouco a pouco, foi espichando seus mais lindos galhos por cima do muro para que todos pudessem vê-los.

Porém quando os ramos ficaram cobertos de castanhas, os passantes começaram a apanhá-las, e quanto não conseguiam alcançar os galhos, puxavam-nos para baixo com varetas, e, se não tivessem varetas, atiravam pedras.

Em pouco tempo a castanheira, maltratada e apedrejada, perdeu tanto os frutos quanto a folhagem, e seus pobres galhos quebrados ficaram pendurados para fora do muro.

 

Leonardo da Vinci

 

A Clematite

 

 

Plantada à sombra de uma sebe, a clematite prendia seus verdes braços em torno do tronco e dos galhos de uma árvore.

Ao chegar ao topo, olhou em volta e viu outra sebe cercando o lado oposto do caminho.

- Oh, como eu gostaria de ir até lá! pensou a clematite - aquela sebe é maior e mais bonita do que esta aqui.

E pouco a pouco, estendendo os braços, aproximou-se cada vez mais da sebe oposta. Finalmente alcançou-a, atingiu um dos galhos e pôs-se alegremente a prender-se em torno dele.

Porém pouco depois alguns viajantes que vinham passando pelo caminho viram-se diante daquele galho de clematite impedindo a passagem. Pegaram o galho, arrancaram-no da cerca e atiraram-no dentro da vala. A avidez da clematite impediu que ela percebesse o perigo.

 

Leonardo da Vinci

 

A Cotovia

 

 

Era uma vez um velho eremita que morava numa floresta com apenas um companheiro, um pássaro chamado cotovia.

Um dia dois mensageiros foram procurar o velho eremita para pedir-lhe que os acompanhasse ao palácio de seu amo, que estava gravemente enfermo.

O velho, seguido pela cotovia, partiu com os mensageiros e fizeram-no entrar imediatamente no quarto do homem doente. Quatro médicos balançavam a cabeça, fazendo comentários em voz baixa entre si.

-Não ha mais nada a fazer, murmurou o que parecia ser o mais importante-Infelizmente ele está morrendo.

O velho eremita em pé junto à porta, observava a cotovia, que pousara no peitoril da janela e olhava fixamente para o doente.

-Ele vai viver, disse o eremita.

- Mas como pode este camponês fazer uma afirmação dessas? exclamaram os médicos em coro.

O doente abriu os olhos, viu a cotovia olhando-o fixamente e esboçou um sorriso. Pouco a pouco a cor foi voltando ao seu rosto, suas forças retornaram e, para assombro de todos os presentes disse: - estou me sentindo um pouco melhor.

Tempos depois, o nobre do palácio, totalmente recuperado, foi à floresta para agradecer ao eremita.

-Não agradeça a mim, disse o eremita. -Foi o pássaro quem o curou. A cotovia, acrescentou ele, é um passaro muito sensivel. Ao ser colocada junto a uma pessoa doente, se ela virar a cabeça e não olhar para o doente, isso significa que não há esperança. Mas se olhar para o doente, como olhou para o senhor, quer dizer que o paciente não vai morrer. Na realidade a cotovia, através do olhar ajuda a recuperação.

Assim como a sensivel cotovia, o amor da virtude não olha para coisas vís, sombrias, mas procura tudoi o que é nobre e honrado. O pássaro habita o bosque florido, e a virtude habita o coração nobre.

 

Leonardo da Vinci

 

A Figueira

 

 

Era uma vez uma figueira que não dava frutos. Todos passavam por ela sem olhá-la.

Durante a primavera as folhas cresciam, mas quando chegava o verão, e as outras árvores estavam carregadas de frutos, nada aparecia em seus galhos.

- Eu gostaria tanto que me apreciassem! - suspirou a figueira - queria só produzir frutos como as outras árvores!

Tentou e tornou a tentar até que, em certo verão, viu-se carregada de figos. O Sol fez os figos crescerem e incharem, tornando-os doces e perfumados.

Todos repararam nisso. Jamais alguém tinha visto uma figueira tão carregada de frutos. E imediatamente houve uma correria para ver quem colhia mais figos. Subiram pelo tronco. Curvaram os galhos mais altos com varas compridas e o peso das pessoas fez com que alguns ramos ficassem partidos. Todos tentavam roubar os deliciosos figos, e em breve a pobre figueira viu-se toda torta e quebrada.


Moral da Estória:

Portanto, àqueles que querem chamar a atenção pode acontecer, para sua desgraça, receberem mais do que desejam.

 

Leonardo da Vinci

 

A Formiga e o Grão de Trigo

 

 

Um grão de trigo, deixado sozinho no campo após a colheita, esperava pela chuva a fim de esconder-se novamente sob a terra.

Uma formiga viu o grão, colocou-o nas costas e partiu penosamente em direcção ao distante formigueiro.

À medida que andava, o grão de trigo parecia pesar cada vez mais sobres suas costas cansadas.

- Por que você não me deixa aqui? - perguntou-lhe o grão de trigo.

A formiga respondeu:

- Se eu deixar você para trás, podemos não ter provisões para o inverno. Em nosso formigueiro há muitas formigas e cada um de nós deve levar para o celeiro todo o alimento que encontrar.

- Mas eu não fui feito só para ser comido - objetou o grão de trigo - sou uma semente, cheia de vida, e meu destino é dar origem a uma planta. Ouça, cara formiga, vamos fazer um pacto.

A formiga, contente por poder descansar um pouco, colocou o grão de trigo no chão e perguntou:

- Que pacto?

- Se você me deixar aqui no campo - respondeu o grão de trigo - em vez de me levar para o formigueiro, eu darei a você, daqui a um ano, cem grãos de trigo exatamente iguais a mim.

A formiga olhou para o grão de trigo com ar incrédulo.

- Sim, cara formiga. Creia no que estou lhe dizendo. Se você desistir de mim agora eu lhe darei cem de mim, cem grãos de trigo para o seu celeiro.

A formiga pensou:

- Cem grãos em troca de um só... Mas isso é um milagre!

- E como é que você vai fazer isso? - perguntou ela.

- Isso é um mistério - respondeu o grão de trigo - é o mistério da vida. Cave um buraquinho, enterre-me dentro dele e volte dentro de um ano.

No ano seguinte a formiga voltou. O grão de trigo transformara-se numa nova planta carregada de sementes, cumprindo, portanto, sua promessa.

 

Leonardo da Vinci

 

 

 A Lagarta

 

 

Imóvel sobre uma folha, a lagarta olhou em torno e viu todos os insetos em contínua movimentação. Alguns cantando, outros saltando, outros ainda correndo e voando. Pobre criatura, era a única que não tinha voz e que não sabia nem correr nem voar.

Com grande esforçou começou a mover-se, mas tão lentamente que quando passou de um folha para outra sentiu-se como se tivesse dado a volta ao mundo.

No entanto não tinha inveja de ninguém. Sabia que era uma lagarta e que as lagartas precisam aprender a tecer finos fios, com grande habilidade, até construírem uma casinha para si mesmas.

E então pôs-se a trabalhar.

Dentro em breve a lagarta estava envolvida num macio casulo de seda, separada de todo o resto do mundo.

- E agora? - pensou ela.

- Agora espere - respondeu uma voz - tenha um pouco de paciência e você verá.

Quando chegou o momento a lagarta acordou, e não era mais uma lagarta. Saiu do casulo com duas lindas asas brilhantes e coloridas, e imediatamente voou bem alto no céu.

 

Leonardo da Vinci

 

A Leoa

 

 

Os caçadores, armados com espadas e afiadas lanças, aproximaram-se em silêncio. A leoa, amamentando os filhotes, farejou-os e percebeu o perigo.

Porém era tarde. Os caçadores estavam ali, prontos para atacar.

À vista das armas, a leoa, aterrorizada, quase fugiu correndo. Mas se fizesse isso deixaria seus filhotes à mercê dos caçadores. Resolveu defender seus filhos. Baixou os olhos, a fim de não ver as ameaçadoras espadas de ferro que enchiam de medo seu coração, e, tomando um impulso desesperado, saltou para o meio dos caçadores.

Sua grande coragem salvou-a.

 

Leonardo da Vinci

A Língua e os Dentes

 

 

Era uma vez um menino que tinha o mau hábito de falar mais que o necessário.

- Que língua! - suspiraram os dentes certo dia - nunca fica parada, nunca sossega!

- Por que é que vocês estão resmungando? - perguntou a língua em tom arrogante - vocês, os dentes, são meros escravos, e seu trabalho resume-se em mastigar o que eu decidir. Não temos nada em comum, e não permitirei que vocês se metam em meus negócios.

E então o menino continuou falando, algumas vezes de maneira imprópria, e sua língua sentia-se muito feliz, aprendendo novas palavras a cada dia.

Porém um dia o menino comportou-se mal e permitiu à sua língua contar uma grande mentira. Os dentes obedeceram ao coração, fecharam-se e morderam a língua.

A partir desse dia a língua tornou-se tímida e prudente, e passou a pensar duas vezes antes de falar.

Leonardo da Vinci

 

A Navalha

 

 

Era uma vez uma navalha de excelente qualidade, que morava numa barbearia. Um dia em que a loja estava vazia ela resolveu dar uma voltinha. Soltou-se do cabo e saiu para apreciar o lindo dia de primavera.

Quando a navalha viu o reflexo do Sol em si mesma, ficou surpresa e encantada. A lâmina de aço lançava uma luz tão brilhante que, subitamente, com excessivo orgulho, a navalha disse a si mesma:

- E eu vou voltar para aquela loja de onde acabei de fugir? É claro que não! Os deuses não podem querer que uma beleza tal como a minha seja desonrada desta maneira. Seria loucura ficar aqui cortando as barbas ensaboadas daqueles camponeses, repetindo sem cessar a mesma tarefa mecânica! Será que minha beleza foi realmente feita para um trabalho desses? Certamente não! Vou esconder-me num local secreto e passar o resto da vida em paz.

E em seguida foi procura um esconderijo onde ninguém a visse.

Passaram-se meses. Um dia a navalha teve vontade de respirar ar fresco. Saiu cautelosamente de seu refúgio e olhou para si mesma.  Ai, que acontecera? A lâmina estava horrorosa, parecendo uma serra enferrujada, e não refletia mais a luz do Sol.

A navalha ficou muito arrependida pelo que havia feito, e lamentou amargamente a irreparável perda, dizendo:

- Oh, como teria sido melhor se eu tivesse conservado em forma a minha linda lâmina, cortando barbas ensaboadas! Minha superfície teria permanecido brilhante e minha borda afiada! Agora aqui estou eu, toda corroída e coberta de uma horrível ferrugem! E não há nada a fazer!


Moral da Estória:

O triste fim da navalha é o mesmo que sucede às pessoas inteligentes que preferem ser preguiçosas a usar seus talentos. Essas pessoas, assim como a navalha, perdem o brilho e a parta afiada de seu intelecto, sendo logo corroídas pela ferrugem da ignorância.

Leonardo da Vinci

 

A Neve

 

 

No cume de uma montanha muito alta havia uma pedra. E na borda da pedra havia um floco de neve.

A neve olhou para o Universo em torno e pôs-se a pensar consigo mesma:

- As pessoas devem achar que sou convencida e presunçosa, e é verdade! Como pode um pedacinho de neve, um mero floco de neve, como eu, permanecer aqui no alto sem sentir vergonha? Qualquer pessoa que olhe para esta montanha pode ver que todo o resto da neve está mais embaixo. Um pequenino floco de neve, como eu, não tem direito a alturas tão vertiginosas, e chego a merecer que o Sol faça comigo o mesmo que fez ontem com meus companheiros, derretendo-me com um simples olhar. Mas vou escapar á justa ira do Sol descendo para um nível mais apropriado para alguém tão pequeno como eu.

Ao dizer isto, o pequenino floco de neve, rígido de frio, atirou-se do alto da pedra e rolou para baixo do cume da montanha. Porém quanto mais rolava maior se tornava. Em breve transformou-se numa grande bola de neve e depois em avalanche. Finalmente parou numa colina, e a avalanche era tão grande quanto a colina que ficava por baixo dela.

E por isso, quando chegou o verão, essa foi a última neve a ser derretida pelo Sol.

Leonardo da Vinci

A Noz e o Campanário

 

 

Um corvo pegou uma noz e levou-a para o topo de um alto campanário. Segurando a noz com as patas começou a bicá-la para abri-la. Porém subitamente a noz rolou para baixo e desapareceu numa fresta do muro.

- Muro, meu bom muro - suplicou a noz, percebendo que estava livre do bico do corvo - pelo amor de Deus, que foi tão bom para você, fazendo-o alto e forte, e enriquecendo-o com esses belos sinos de tão belo som, salve-me, tenha pena de mim! Meu destino era cair entre os velhos ramos de meu pai - prosseguiu a noz - permanecer no rico solo coberto de folhas amarelas. Por favor, não me abandone! Quando eu estava sendo atacada pelo terrível bico daquele corvo feroz, fiz um voto. Prometi que, se Deus me permitisse escapar, eu passaria o resto de minha vida dentro de uma frestinha.

Os sinos, num doce murmúrio, avisaram o campanário que tomasse cuidado porque a noz podia ser perigosa. Porém o muro, teve compaixão e decidiu abrigá-la, deixando-a ficar onde havia caído.

Porém dentro em breve a noz começou a abrir e a estender raízes nas frestas da pedra. Em seguida as raízes forçaram caminho por entre os blocos de pedra e surgiram galhos que saíam pela fresta. Os galhos cresceram, tornaram-se mais fortes e estenderam-se para o alto, acima do topo da torre. E as raízes, grossas e enroscadas, começaram a fazer buracos nos muros, empurrando para fora todas as velhas pedras.

O muro percebeu, tarde demais, que a humildade da noz e seu voto de ficar escondida numa fresta não eram sinceros. E arrependeu-se de não ter dado ouvido aos sinos.

A nogueira continuou a crescer e o muro, o pobre muro, desmoronou e ruiu.

Leonardo da Vinci

 

A Ostra e o Camundongo

 

 

Uma ostra viu-se, juntamente com um grande número de peixes, dentro da casa de um pescador, pouco distante do mar.

- Vamos todos morrer - pensou a ostra ao ver seu companheiros espalhados pelo chão, quase asfixiados.

Um camundongo veio passando.

- Escute, camundongo! - disse a ostra - será que você pode fazer favor de me levar para o mar!

O camundongo olhou para a ostra: era grande e bonita. Devia ser deliciosa.

- Certamente - respondeu o camundongo, decidido a comê-la - mas você precisa abrir sua concha, porque assim, fechada desse jeito, não posso carregá-la.

A ostra abriu cautelosamente a concha e o camundongo imediatamente meteu o focinho para abocanhá-la. Porém, em sua pressa, enfiou demais a cabeça e a ostra fechou-se, prendendo o roedor pelo pescoço. O camundongo deu um grito. Um gato ouviu, veio correndo e devorou-o.

Leonardo da Vinci

 

A Ostra e o Caranguejo

 

 

Uma ostra estava apaixonada pela Lua. Sempre que a Lua cheia brilhava no céu ela passava horas olhando-a boquiaberta.

Um caranguejo viu, de seu posto de observação, que durante a Lua cheia a ostra ficava completamente aberta, e decidiu comê-la.

Na noite seguinte, quando a ostra se abriu, o caranguejo colocou um pedregulho dentro da concha.

A ostra, imediatamente, tentou fechar-se novamente, porém o pedregulho impediu que assim o fizesse.

 

Moral da Estória:

Isso acontece a qualquer pessoa que abra a boca para contar seus segredos. Há sempre um ouvido à escuta.

Leonardo da Vinci

 

 O Lírio

 

 

Nas verdes margens do rio Ticino um belo lírio mantinha-se reto e alvo em sua haste, mirando o reflexo de suas brancas pétalas na água. A água ansiava possuir o lírio.

A cada ondulação da superfície passava a imagem da linda flor branca. E o desejo da água voltava-se para as ondulações que ainda estavam por vir.

E assim todo o rio começou a estremecer e a correnteza tornou-se rápida e turbulenta. A água não conseguiu arrancar o lírio, que mantinha-se firme no alto de sua forte haste, e então atirou-se furiosamente contra a margem, que foi arrastada pela inundação.

E junto com a margem foi-se a linda e solitária flor.

Leonardo da Vinci

 

A Pulga e o Carneiro

 

 

Certo dia, uma pulga que morava no pêlo macio de um cachorro, sentiu um agradável cheiro de lã.

- Que será isso?

Deu um salto e viu que o cachorro adormecera encostado à pele de um carneiro.

- Esta pele é exactamente o que preciso - disse a pulga - é mais espessa e mais macia, e principalmente mais segura. Não corro o risco de ser encontrada pelas patas e pelos dentes do cachorro, que a toda hora me procuram. E a pele do carneiro deve ser, certamente, mais agradável.

Então, sem mais pensar, a pulga mudou-se de casa, saltando das costas do cachorro para a pele do carneiro. Porém a lã era espessa, tão espessa que era difícil atravessá-la para chegar até a pele. Tentou e tornou a tentar, separando pacientemente os fios, procurando laboriosamente um caminho. finalmente atingiu as raízes dos pelos, mas eles eram tão juntos que ficavam praticamente encostados uns nos outros. A pulga não encontrou sequer um furinho através do qual pudesse atingir a pele do animal.

Cansada, banhada em suor e profundamente desapontada, a pulga resignou-se a voltar para o cachorro. Porém o cachorro não estava mais lá.

Pobre pulga! Chorou dias a fio de arrependimento por seu erro.

Leonardo da Vinci

 

A Raposa e a Pega

 

 

Certo dia uma raposa esfomeada viu-se debaixo de uma árvore sobre a qual estava pousado um bando de barulhentas pegas.

Escondendo-se para não ser vista, a raposa pôs-se a observar. Notou que os pássaros mantinham-se constantemente em busca de alimento e não temiam sequer pousar sobre cadáveres de animais a fim de bicá-los.

- Vou fazer uma experiência - disse a raposa para si mesma.

Cautelosamente, no maior silêncio, deitou-se no chão e permaneceu imóvel, de boca aberta, como se estivesse morta.

Breve uma pega a viu e imediatamente vôou para o chão.

Aproximou-se da raposa e, pensando que ela estava morta, pôs-se a bicar-lhe a língua.
Porém a pega deveria ter sido mais prudente, pois a raposa a apanhou.

Leonardo da Vinci

A Rede

 

 

Naquele dia, como todos os dias, a rede subiu carregada de peixes. Carpas, barbos, lampreias, trutas, enguias e muitos, muitos outros peixes foram para as cestas dos pescadores.

Lá no fundo da água do rio, os sobreviventes, assustados e com medo, não ousavam se mexer. Famílias inteiras já haviam sido enviadas para o mercado. Diversos cardumes tinham caído na rede e terminado na frigideira. Que fazer?

Um grupo de jovens peixes promoveu uma reunião atrás de uma pedra e decidiu se revoltar.

- É uma questão de vida ou morte - disseram eles - todos os dias essa rede afunda na água, cada vez num local diferente, para nos aprisionar e nos levar embora de nosso lar. Vai acabar nos matando a todos, e o rio ficará sem peixe algum. Nossos filhos têm direito à vida e precisamos fazer alguma coisa para livrá-los deste flagelo.

- E que podemos fazer? - perguntou uma truta que seguira os conspiradores.

- Destruir a rede - responderam os outros em coro.

As enguias encarregaram-se de rapidamente espalhar a notícia dessa corajosa decisão e convocaram todos os peixes para um encontro na manhã seguinte, numa pequena enseada protegida por altos salgueiros.

No dia seguinte, milhões de peixes de todos os tamanhos e idades reuniram-se para declarar guerra à rede.

A liderança foi entregue a uma sábia e velha carpa, que por duas vezes conseguira escapar da prisão, mordendo as malhas da rede.

- Ouçam com atenção - disse a carpa - a rede é da largura do rio, e todas as malhas têm um chumbo preso por baixo, para que a rede afunde. Dividam-se em dois grupos. Um dos grupos suspenderá os pesos de chumbo e os carregará até a superfície, e o outro segurará as malhas por cima com firmeza. As lampreias vão serrar com os dentes a corda que mantém a rede esticada entre as duas margens. As enguias vão partir já, para fazer uma inspeção e nos informar em que local a rede foi lançada.

As enguias partiram. Os peixes formaram grupos ao longo das margens. Os barbos encorajavam os mais tímidos, relembrando-lhes o triste fim de tantos amigos e exortando-os a não terem medo de ficarem presos na rede, porque daquele dia em diante nenhum homem seria mais capaz de arrastá-la para a margem.

As enguias retornaram, missão cumprida. A rede fora lançada a uma milha dali.

Então todos os peixes, como uma frota gigantesca, partiram atrás da velha carpa.

- Tomem cuidado - disse a carpa - pois a correnteza pode arrastar vocês para dentro da rede. Sigam devagar e usem bem as nadadeiras.

E então viram a rede, cinzenta e sinistra.

Os peixes, acometidos de súbita fúria, nadaram para atacar.

A rede foi suspensa por baixo, as cordas que a seguravam foram cortadas, as malhas foram rasgadas. Mas os peixes, enfurecidos não largavam mais sua presa. Cada um segurava na boca um pedaço de malha e abanando fortemente as caudas e as nadadeiras, puxavam de todos os lados a fim de rasgar e destruir a rede. E a água parecia estar fervendo enquanto os peixes finalmente libertavam o rio daquele perigo.

Leonardo da Vinci

A Serpente e os Pássaros

 

 

Não havia mais tantos pássaros no bando quanto anteriormente. Cada dia um deles desaparecia misteriosamente, sem ninguém notar como. O líder do bando não conseguia encontrar explicação alguma.

Certa manhã, em vez de voar na frente, colocou-se em último lugar, a fim de poder vigiar seus companheiros.

Voaram, como sempre, em direção a uma floresta distante. Ao passarem por cima de uma colina o líder notou que o ordenado bando separou-se, como se atingido por um forte vento. A maioria dos pássaros tornou a formar uma fila ordenada. Porém dois dos mais jovens prosseguiram numa rota diferente, como se atraídos por alguma força invisível.

E subitamente o líder viu a serpente. Era muito comprida e tinha diversos anéis.

Todas as manhãs ficava escondida na grama, à espera da passagem do bando. Então abria a boca e aspirava com força, sugando os pássaros para dentro de sua boca.

Tendo descoberto o perigo, o sábio líder, desse dia em diante, conduziu o bando por outra rota e a serpente nunca mais apanhou nenhum deles.

Leonardo da Vinci

   A Toupeira

 

 

Uma toupeira estava passeando em baixo da terra ao longo das longas galerias subterrâneas que sua família havia escavado durante muitos anos de trabalho.

Andou para a frente e para trás, subiu ao último andar e desceu até o porão como se enxergasse perfeitamente bem. Na realidade, assim como todas as toupeiras, ela tinha olhos muito pequeninos e não via quase nada.

Finalmente chegou a um caminho que não conhecia e prosseguiu adiante!

- Pare! - gritou uma voz vinda do andar inferior - essa galeria conduz ao exterior e é perigosa!

Porém a toupeira continuou a subir até chegar a um monte de terra.

Levantou o focinho e emergiu. Porém a brilhante luz do Sol cegou-lhe os olhos e ela correu de volta para a escuridão de seu abrigo.

Leonardo da Vinci

    As Chamas

 

 

As chamas brilhavam há mais de um mês na fornalha do soprador de vidro, onde eram feitos vidros e garrafas.

Um dia viram aproximar-se uma vela colocada num castiçal fino e brilhante. Imediatamente, com um desejo ardente, as chamas tentaram aproximar-se da linda vela.

Uma delas, saltando da brasa que a alimentava, virou-se de costas para a fornalha e, passando através de uma pequenina fresta, atirou-se para cima da vela, devorando-a sofregamente.

Porém a ávida chama logo consumiu a pobre vela e, não desejando morrer com ela, tentou voltar para a fornalha de onde havia fugido.

Porém não conseguiu desgrudar-se da cera amolecida e, em vão, gritou para as outras chamas, pedindo socorro.

A chama rebelde transformou-se numa sufocante fumaça, e deixou todas suas irmãs resplandecentes, com a perspectiva de uma vida longa e brilhante.

Leonardo da Vinci

 

As Chamas e o Caldeirão

 

 

Entre as cinzas mornas uma brasa ainda brilhava. Com muito cuidado, muita economia, usava o restante de suas forças, alimentando-se apenas para manter-se viva.

Porém chegou a hora de preparar a sopa no fogo, e então puseram lenha na lareira. Um fósforo, com sua pequenina chama, reavivou a brasa que já parecia morta. E uma língua de fogo lambeu a madeira acima da qual havia sido colocado o caldeirão.

Animado pela madeira seca, o fogo começou a crescer, expulsando o ar adormecido entre as toras e brincando com os pedaços de madeira. E divertiu-se correndo por baixo e por cima da lenha, dando voltas em torno, espalhando-se cada vez mais.

Em seguida as labaredas começaram a projetar-se da madeira, abrindo muitas janelas das quais saiam chuveiros de brilhantes fagulhas. Sombras escuras dançavam na cozinha.

Enquanto isso as chamas tornavam-se cada vez mais alegres, brincando com o ar em torno e começando uma cantiga que era um doce crepitar.

Em seguida, vendo que crescera além da madeira, o fogo começou a mudar. Geralmente humilde e quieto tornou-se orgulhoso e prepotente, achando que concedera o dom da chama àqueles pedaços de lenha.

Começou a soprar nuvens de fumaça e a encher a lareira de explosões e chuvas de fagulhas. Decidido a voar até o céu, atirou para o alto suas grandes chamas... E extinguiu-se no fundo negro do caldeirão.

Leonardo da Vinci

 

As Garças

 

 

O rei era um bom rei, porém tinha muitos inimigos. As garças, leais e fiéis, estavam preocupadas. Havia sempre a possibilidade, principalmente à noite, dos inimigos cercarem o palácio e aprisionarem o rei.

- Que devemos fazer? - pensaram elas - os soldados, que deveriam estar de guarda, estão dormindo. Não podemos confiar nos cães, pois estão sempre caçando e sempre cansados. Nós é que temos que guardar o palácio e deixar nosso rei dormir em paz.

Então as garças decidiram tornarem-se sentinelas. Dividiram-se em grupos, e cada grupo zelava por uma área, com mudanças de guarda em horas determinadas.

O grupo maior postou-se no prado que cercava o palácio. Outro grupo colocou-se do lado de fora de todas as portas. E o terceiro decidiu ficar no quarto do rei, a fim de vigiá-lo o tempo todo.

- E se nós adormecermos? - perguntaram algumas garças.

- Temos um modo de evitar adormecermos - respondeu a mais velha de todas - cada uma de nós vai ficar segurando uma pedra com o pé que estiver levantado enquanto permanecermos paradas. Se uma de nós dormir, a pedra cairá e o barulho a acordará.

Todas as noites, desde então, as garças vigiam o palácio, mudando a guarda de duas em duas horas. E nenhuma, ainda, deixou cair a pedra.

Leonardo da Vinci

O Arminho

 

 

Uma raposa estava almoçando quando um elegante arminho passou.

- Gostaria de almoçar? - perguntou a raposa, que já comera o bastante.

- Não, obrigado - respondeu o arminho - já almocei.

- Há, há! - riu a raposa - vocês, os arminhos, são os animais mais vaidosos do mundo, comem apenas uma vez por dia e preferem ficar sem se alimentar a sujar a pele.

Nesse momento surgiram alguns caçadores. A raposa, rápida como um relâmpago, escondeu-se num buraco em baixo da terra e o arminho, com igual rapidez, correu para seu abrigo.

Porém o Sol derretera a neve e o abrigo se transformara num lamaçal. O arminho, branco como a neve, teve medo de escorregar na lama e, hesitando, parou. Os caçadores apanharam-no.


Moral da Estória:

A moderação controla todos os vícios. O arminho era excessivamente vaidoso em relação a sua aparência e por isso perdeu a liberdade.

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  O Avarento

 

 

A todo instante o sapo abria a boca e engolia um pouco de terra.

- Por que você está tão magro? - perguntou-lhe, certo dia, uma joaninha.

- Porque estou sempre com fome - respondeu o sapo.

- Mas você só come terra! - exclamou o lindo inseto - por que não come a vontade?

- Porque um dia - respondeu o avarento - até a terra pode acabar.

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   O Camelo

 

 

O camelo, de joelhos, esperava pacientemente que seu dono terminasse de carregá-lo.

Um saco, dois sacos, três, quatro...

- Quando será que vai parar? - perguntou a si mesmo o camelo.

Finalmente o dono estalou a língua e o camelo pôs-se em pé.

- Vamos! - disse o dono, puxando a rédea. Mas o camelo não se moveu.

- Vamos! - repetiu o dono, puxando a corda. Porém o camelo fincou as patas no chão e permaneceu no mesmo lugar.

- Compreendo - disse o dono. E, suspirando, retirou dois sacos das costas do camelo.

- Acho que isto é um peso justo - murmurou o camelo para si mesmo - e imediatamente pôs-se a andar.

Caminharam o dia todo em bom ritmo, e o dono achou que deviam chegar à aldeia. Mas em determinado momento o camelo parou.

- Coragem - disse-lhe o dono - faltam apenas algumas milhas para chegarmos. A única resposta do camelo foi deitar-se no chão.

- Minhas pernas me dizem - pensou consigo mesmo - que já andamos o bastante por hoje.

E o dono viu-se forçado a descarregar o camelo e acampar ao seu lado no deserto.

Leonardo da Vinci

O Camponês e a Vinha

 

 

O fazendeiro gosta muito de mim - pensou a vinha enquanto o camponês sustentava-a com um grande número de estacas e apoiava todos os seus galhos com outros suportes - preciso recompensá-lo com minhas uvas.

Então a vinha pôs-se a trabalhar com diligência e produziu uma linda safra de uvas.

Após a colheita, porém, o fazendeiro subitamente retirou todos os apoios e estacas e empilhou-os num canto. Sem mais nada que a sustentasse, a pobre vinha caiu no chão.

O fazendeiro cortou as estacas com a machadinha, levou-as para casa e atirou-as na lareira.

Então a vinha percebeu que o fazendeiro não ligava absolutamente para ela. Só cuidara dela enquanto lhe interessava.

Leonardo da Vinci

O Camundongo, a Fuinha e o Gato

 

 

Certa manhã, o camundongo não pôde sair de casa. Estava cercado.

Uma fuinha esfomeada estava à espera do lado de fora. Através de um buraquinho o camundongo viu-a observando atentamente a entrada, pronta para atacá-lo.

O pobre camundongo, vendo-se diante de um terrível perigo, tremia de medo.

Porém subitamente um gato saltou em cima da fuinha, abocanhou-a e devorou-a.

- Muito obrigado, grande Júpiter! - exclamou o camundongo com um suspiro ao observar a cena através de seu posto de observação - de bom grado lhe oferecerei uma parte de meu alimento.

E deu ao gato uma parte de seu alimento. Mas, tendo escapado de um perigo, esqueceu-se totalmente do outro. O gato, sendo um gato, devorou-o também.

Leonardo da Vinci

  O Caranguejo

 

 

Um caranguejo notou que diversos peixinhos preferiam, ao invés de se aventurarem pelo rio a fora, nadar prudentemente em torno de uma pedra.

A água era límpida como ar, e os peixes nadavam tranquilos, gozando tanto a sombra quanto a luz do Sol.

O caranguejo esperou a chegada da noite, e ao certificar-se de que ninguém o veria, escondeu-se em baixo da pedra de seu esconderijo, como um ogre em sua caverna, ficou à espreita, e quando os peixinhos passaram perto, atacou-os e devorou-os.

- Isso não está certo - resmungou a pedra - não quero ajudar você a matar esses pobres inocentes.

O caranguejo não deu ouvidos à pedra. Satisfeito e feliz, continuou a atacar os peixinhos, que tinham um sabor delicioso.

Porém um dia houve uma enchente inesperada. O rio avolumou-se e empurrou a pedra com toda a força. A pedra rolou pelo leito do rio e esmagou o caranguejo que se escondia em baixo dela.

Leonardo da Vinci

O Cedro

 

 

Era uma vez um cedro que sabia o quanto era bonito.

Ficava no centro do jardim e era mais alto que todas as outras árvores. O arranjo absolutamente simétrico de seus galhos fazia-o parecer um grande candelabro.

- Como seria eu se produzisse frutos? - pensou ele - seria certamente a árvore mais bonita do mundo.

E então começou a observar as outras árvores e tentou imitá-las. Finalmente, bem no alto do cedro, surgiu um lindo fruto.

- Agora preciso alimentá-lo - pensou o cedro consigo mesmo - preciso ajudá-lo a crescer.

E o fruto começou a crescer e a inchar até tornar-se grande demais. O topo do cedro não conseguiu mais suportar-lhe o peso e começou a curvar-se. E quando o fruto amadureceu, o topo, que fora o orgulho e a alegria da árvore, ficou pendurado com um ramo partido.

Leonardo da Vinci

O Cedro e as Outras Árvores

 

 

No meio de um jardim, junto a muitas outras árvores, havia um lindo cedro. Crescia a cada ano que passava, e seus galhos superiores eram muito mais altos que os das outras árvores.

- Tirem daí essa castanheira - disse o cedro, inflado de orgulho ante sua própria beleza. E a castanheira foi removida.

- Levem embora aquela figueira - disse o cedro - ela me incomoda. E a figueira foi arrancada.

- Tirem as macieiras - prosseguiu o cedro, erguendo alto sua bela cabeça. E as macieiras se foram.

Assim, o cedro fez com que uma a uma todas as outras árvores do jardim fossem arrancadas, até ficar sozinho, dono do grande jardim.

Porém um dia houve uma forte ventania. O lindo cedro lutou com todas as forças, agarrando-se à terra com suas longas raízes. Porem o vento, sem outras árvores para detê-lo, dobrou e feriu cruelmente o cedro e finalmente, com grande estrondo, derrubou-o ao chão.

Leonardo da Vinci

 

 

O Cisne

 

 

O cisne arqueou seu pescoço flexível em direção à água e mirou longamente seu reflexo.

Compreendeu o motivo de seu cansaço e do frio que invadia seu corpo, fazendo-o tremer como se fosse inverno. Soube, com absoluta certeza, que sua hora era chegada, e que devia preparar-se para a morte.

Suas penas ainda eram tão alvas como em seu primeiro dia de vida. As estações do ano e o tempo haviam passado sem deixar marca alguma em sua plumagem branca como a neve. Agora podia partir; sua vida terminaria em plena beleza.

Endireitando seu lindo pescoço, nadou lenta e majestosamente em direção a um salgueiro sob o qual habituara-se a descansar quando fazia calor. Anoitecia, e o pôr-do-sol coloria de vermelho e roxo as águas do lago.

No grande silêncio que caía em torno o cisne pôs-se a cantar.

Jamais, até então, encontrara tons tão cheios de amor pela natureza, pela beleza do céu, da água e da terra. Sua doce canção atravessou os ares com um leve toque de melancolia até, finalmente, sumir, lenta, muito lentamente, com os últimos rios de luz no horizonte.

- É o cisne - disseram os peixes, os pássaros e todos os animais dos bosques e dos prados.

Profundamente emocionados, disseram:

- O cisne está morrendo.

Leonardo da Vinci

 

O Crocodilo e o Mangusto

 

 

Um crocodilo matou um homem que dormia sob uma palmeira e em seguida pôs-se a chorar amargamente.

- Veja disse um mangusto a seu filho - o crocodilo é um cínico, porque está chorando e daqui a pouco vai devorar sua vítima.

E de fato, dentro em breve o crocodilo começou tranquilamente a comer o homem.

Após a refeição adormeceu, à margem do rio, de boca aberta, a fim de que um passarinho amigo seu pudesse entrar dentro de sua boca e pegar com o bico os restos de comida que ficavam entre os dentes.

Com a digestão auxiliada pelo prestimoso passarinho, o crocodilo adormecido abriu mais ainda suas poderosas mandíbulas.

Então o mangusto disse ao filho:

- Agora observe com atenção e aprenda. O crocodilo possui uma forte armadura e seus flancos são protegidos contra mim. Mas vou mostrar como se mata um traidor.

E, dando uma corrida, atirou-se para dentro da boca do crocodilo e mordeu-lhe a garganta.

O crocodilo acordou sobressaltado e pôs-se a rolar pelo chão, urrando de dor. Finalmente, liquidado pelo mangusto, permaneceu inerte, morto, de barriga para cima.

Leonardo da Vinci

 

O Falcão e o Pato

 

 

Sempre que partia à caça de patos, o nobre falcão ficava furioso. Os patos quase sempre conseguiam fazê-lo de tolo, mergulhando sob a água na última hora e permanecendo submersos por mais tempo do que ele podia pairar no ar à espera.

Certa manhã, o falcão resolveu tentar novamente. Depois de rodar em círculos durante algum tempo, para analisar a situação e escolher atentamente o pato que pretendia apanhar, a nobre ave de rapina atacou-o com a velocidade de um raio. Mas o pato foi mais rápido e mergulhou a cabeça.

- Desta vez eu vou atrás de você - gritou o falcão enfurecido. E mergulhou também.

O pato, vendo o falcão debaixo d'água, tomou um impulso com o rabo, subiu a superfície, abriu as asas e começou a voar. As penas do falcão estavam encharcadas e ele não conseguiu voar.

Os patos sobrevoaram-no dizendo:

- Adeus, falcão! Nós podemos voar no seu céu, mas na nossa água você afunda!

Leonardo da Vinci

 

O Íbis

 

 

Um jovem íbis endiabrado, após ter aprendido a correr e a voar, não parava quieto. Estava continuamente procurando alimento e comia tudo o que encontrava.

Porém, certa manhã, o jovem íbis ficou no ninho. Estava com febre e com uma terrível dor de estômago.

Sua mãe, assustada, correu para vê-lo, olhou para ele, tocou-o com o bico e com as patas para ver se estava quente e disse:

- Já sei. Você comeu alguma coisa que não devia, porque você é guloso demais, e foi isso o que fez mal a você.

Em seguida a essas palavras a mãe íbis vôou para o poço e encheu o papo de água. Voltando para o ninho, com seu longo bico aplicou-lhe um clister.

Leonardo da Vinci

O Jumento e o Gelo

 

 

Era uma vez um jumento que estava muito cansado e sentiu-se sem forças para ir até o estábulo.

Isso aconteceu no inverno, e fazia muito frio. Todas as ruas estavam cobertas de gelo.

- Vou ficar aqui - disse o jumento, deitando-se no chão.

Um pequenino pardal voou para junto dele e murmurou-lhe ao ouvido:

- Jumento, você não está na rua, mas sim sobre um lago congelado. Seja prudente!

O jumento estava cansado. Não tomou conhecimento do aviso. Bocejos e adormeceu.

O calor de seu corpo começou aos poucos a derreter o gelo, que, finalmente, estalou e partiu-se.

Ao ver-se dentro d'água, o jumento acordou aterrorizado. E enquanto nadava na água gelada, arrependeu-se por não ter ouvido o conselho do pardal amigo.

Leonardo da Vinci

  O Leão

 

 

Os filhotes não haviam ainda aberto os olhos. Estavam há três dias juntinho a mãe leoa, movendo-se apenas para tatear em busca de leite, sem nada ver ou ouvir.

Um pouco afastado, o leão observava-os orgulhosamente.

Subitamente pôs-se em pé e, sacudindo a linda juba, soltou um rugido que parecia um trovão.

Imediatamente os filhotes abriram os olhos, enquanto que todos os animais selvagens da floresta fugiram aterrorizados.

Assim como o leão acorda seus filhos com um grito alto, também o elogio desperta a virtude adormecida de nossos filhos. Encoraja-os a estudar e a lutar pela honra, e afasta tudo o que é indigno deles.

Leonardo da Vinci

O Leão e o Cordeiro

 

 

Certo dia deram como alimento a um leão enjaulado um pequeno cordeiro.

O cordeiro era tão humilde e inocente que não teve medo do leão, e em vez disso aproximou-se bem dele, como se fosse sua mãe, com olhar de ternura e admiração.

O leão, desarmado por tanta inocência, não teve coragem de matar o cordeiro. Resmungando, desistiu de satisfazer sua fome.

Leonardo da Vinci

Os Tordos e a Coruja

 

Estamos livres! Estamos livres! - gritaram os tordos certo dia, vendo que um homem apanhara a coruja - agora a coruja não vai mais nos assustar. Agora dormiremos em paz.

De fato, a coruja caíra numa armadilha e o homem a colocara dentro de uma gaiola.

- Vamos ver a coruja na prisão! - disseram os tordos, voando e cantando em volta da gaiola de sua inimiga.

Porém o homem capturara a coruja com outra finalidade, a de apanhar os tordos. A coruja aliou-se imediatamente a seu captor, que prendeu-a pelo pé e colocava-a diariamente em cima de uma estaca, bem à vista. A fim de poderem ver a coruja, os tordos voaram para as árvores próximas, nas quais o homem escondera gravetos cobertos de visgo. E assim como a coruja, os tordos também perderam a liberdade.


Moral da Estória:

Esta fábula é dirigida a todos os que se alegram quando um opressor perde a liberdade. Pois o conquistado logo se torna aliado ou instrumento do conquistador, enquanto que todos aqueles que nele confiam sucumbem a outro senhor, perdem a liberdade, e frequentemente também suas vidas.

Leonardo da Vinci

O Lobo

 

 

Certa noite, atraído pelo cheiro de um rebanho de carneiros, o lobo saiu cautelosamente da floresta. Andando em passos lentos, pisando com todo o cuidado para evitar qualquer barulho que pudesse acordar o cachorro adormecido, aproximou-se do aprisco.

Porém uma pata desatenta pisou numa tábua, a tábua rangeu e o cachorro acordou. O lobo teve que fugir, esfomeado e sem alimento. E assim, por causa de uma pata desatenta, todo o animal foi prejudicado.

Leonardo da Vinci

O Loureiro e a Murta

 

 

Dois camponeses, com seus machados, aproximaram-se de uma pereira.

- Pereira! - gritou o loureiro - eles vão ferir você!

E realmente os camponeses puseram-se a golpear, com seus machados, o tronco da árvore.

- Pereira! - exclamou a murta - o que é isto? Que foi feito do seu orgulho quando seus galhos estavam cobertos de frutos?

- Agora - acrescentou o loureiro - você não poderá mais nos fornecer sua sombra.

A pereira, mortalmente ferida, murmurou:

- Vou-me embora com estes camponeses. Estão cortando meus galhos e vão me levar para o estúdio de um famoso escultor. Ele vai me entalhar sob a forma do deus Júpiter e depois serei levada para um templo construído especialmente para mim, e todos os homens virão me adorar. E você, loureiro, e você, murta, frequentemente encontrarão seus ramos quebrados e desfolhados, porque as pessoas virão buscá-los a fim de coroar-me e honrar-me, como convém a um deus.

O Macaco e o Filhote de Passarinho

 

 

Certo dia um jovem macaco vinha saltando de galho em galho quando viu um ninho cheio de filhotes de passarinho. Encantado, aproximou-se e estendeu a mão para pegá-los, mas como eles já sabiam voar, fugiram todos, deixando no ninho apenas o menor.

Feliz como um rei, o macaquinho levou o passarinho para casa e achou-o tão lindo que pôs-se a beijá-lo e acariciá-lo, apertando-o contra seu peito.

- Cuidado para não machucá-lo - disse a mãe macaco.

- Mas eu gosto dele! - respondeu o macaquinho - gosto tanto dele!

E continuou a beijar o filhote de passarinho, a brincar com ele e a abraçá-lo até que, finalmente, esmagou-o.


Moral da Estória:

Esta fábula é dedicada àqueles que não conseguem castigar seus próprios filhos, e mais tarde sofrem as consequências.

O Olmo e a Figueira

 

 

Uma figueira, carregada de figos que ainda não haviam amadurecido, olhou para uma árvore que lhe fazia sombra e viu que ela não tinha frutos.

- Quem é você para ousar impedir que meus figos recebam Sol?

- Sou o olmo - respondeu a árvore.

- E não tem um só fruto! - prosseguiu a figueira - você não tem vergonha de ficar em pé na minha frente? Mas espere só esses meus filhos crescerem, e aí você vai ver. Cada um vai tornar-se uma árvore e todos juntos vamos formar uma floresta e cercar você.

E realmente os figos amadureceram. Porém, quando estavam maduros, passou um batalhão de soldados. Subiram na árvore para apanhar os figos, quebrando os galhos e as folhas. Não sobrou nem um só fruto, e a pobre figueira ficou estragada e mutilada.

O olmo teve pena e disse:

- Oh, figueira, teria sido melhor para você não ter tido filhos! Você não teria tido tantas falsas esperanças. É por isso que você agora se encontra nesse estado.

O Papel e a tinta

 

 

Certo dia uma folha de papel que estava em cima de uma mesa, junto com outras folhas exatamente iguais a ela, viu-se coberta de sinais. Uma pena, molhada de tinta preta, havia escrito uma porção de palavras em toda a folha.

- Porque você não me poupou dessa humilhação? - disse, furiosa, a folha de papel para a tinta.

- Espere! - respondeu a tinta - eu não estraguei você. Eu cobri você de palavras. Agora você não é mais apenas uma folha de papel, mas sim uma mensagem. Você é a guardiã do pensamento humano. Você se transformou num documento precioso!

E, realmente, pouco depois, alguém foi arrumar a mesa e apanhou as folhas para jogá-las na lareira. Mas subitamente reparou na folha escrita com tinta, e então jogou fora todas as outras, guardando apenas a que continha uma mensagem escrita.

  O Pavão

 

 

O fazendeiro saiu e fechou a porteira do terreiro.

Tencionava voltar logo, mas passaram-se dias e ele não aparecia.

Os animais do terreiro estavam com fome e com sede. Até mesmo o galo deixou de cantar.

Todos mantiveram-se imóveis, à sombra de uma árvore, para não desperdiçarem suas forças.

Apenas o pavão pôs-se de pé, cambaleante, abriu como um leque sua cauda multicor e pôs-se a andar de um lado para o outro.

- Mamãe - perguntou um pintinho para a galinha - por que o pavão abre a cauda assim, todos os dias?

- Porque ele é vaidoso, filhinho. E a vaidade é um defeito que só desaparece com a morte.

O Pelicano

 

 

Enquanto o pelicano foi buscar alimento, uma cobra, escondida entre os galhos, dirigiu-se para o ninho.

Os filhotes dormiam tranquilamente.

A cobra aproximou-se, e com um brilho de maldade nos olhos, deu início a matança. Uma mordida venenosa em cada um, e as pobres criaturinhas passaram directamente do sono à morte.

Satisfeita, a cobra voltou para seu esconderijo a fim de observar a reação do pelicano.
Dentro em pouco o pássaro estava de volta.

À vista de tal carnificina começou a chorar, e seu lamento era tão desesperado que todos os habitantes da floresta ouviram e se entristeceram.

- Que sentindo tem minha vida sem vocês? - disse o pobre pássaro, olhando para os filhotes mortos - quero morrer com vocês!

E pôs-se a bicar o próprio peito, bem no lugar do coração. O sangue jorrou da ferida e escorreu para cima dos filhotes que a cobra matara.

Porém de repente o pelicano agonizante teve um sobressalto. Seu sangue morno devolvera a vida aos filhotes. Seu amor ressuscitara-os. Então, finalmente feliz, morreu.

O Pessegueiro

 

 

Um pessegueiro olhou para a castanheira a seu lado e invejou os galhos carregados de sua companheira.

- Por que esta árvore dá tantos frutos, pensou ele - e eu produzo tão poucos? Isto não é justo. Vou tentar fazer o mesmo.

- Não tente - disse-lhe um jovem pé de ameixas que lera o pensamento do pessegueiro - você não reparou na grossura dos galhos da castanheira? Não vê o tamanho do tronco? Cada um de nós deve dar aquilo que é capaz. Pense em produzir bons pêssegos. O importante é a qualidade, e não a quantidade.

Porém o pessegueiro, cego de inveja, não lhe deu ouvidos. Pediu a suas raízes que sugassem mais alimento do solo, que seus veios transportassem mais seiva, que seus ramos dessem mais flores e que as flores se transformassem em frutas até que, ao chegar a época da colheita, ele estivesse carregado de cima a baixo.

Mas quando os pêssegos amadureceram, seu peso aumentou, e os galhos não conseguiram sustentá-los. O tronco também não agüentou aqueles galhos tão carregados de frutas. Com um gemido, o pessegueiro curvou-se. E então, num grande estrondo, o tronco quebrou e caiu. E os pêssegos apodreceram ao pé da castanheira.

O Pintassilgo

 

 

Ao voltar para o ninho, trazendo no bico uma minhoca, o pintassilgo não encontrou seus filhotes. Alguém os havia levado embora durante sua ausência.

Começou a procurá-los por toda parte, chorando e gritando.

A floresta inteira ecoava seus gritos, mas ninguém respondia.

Dia e noite, sem comer nem dormir, o pintassilgo procurou seus filhotes, examinando todas as árvores e olhando dentro de todos os ninhos.

Certo dia, um pássaro lhe disse:

- Acho que vi seus filhotes na casa do fazendeiro. O pintassilgo voou, cheio de esperança, e logo chegou à casa do fazendeiro.

Pousou no telhado, mas lá não havia ninguém. Voou para o pátio, ninguém.

Então, levantando a cabeça, viu uma gaiola pendurada do lado de fora de uma janela. Os filhotes estavam presos lá dentro.

Ao verem a mãe subindo pela grade da gaiola, os filhotes começaram a piar, suplicando-lhe que os libertasse.

O pintassilgo tentou quebrar as grades com o bico e com as patas, mas foi em vão.

Em seguida, com um grito de grande tristeza, voou novamente para a floresta.

No dia seguinte o pintassilgo voltou para junto da gaiola dentro da qual seus filhotes estavam presos. Fitou-os longamente, com o coração carregado de tristeza.

Em seguida alimentou-os um a um, através das grades, pela última vez.

Levara-lhes uma erva venenosa, e os passarinhos morreram.

- Antes a morte - disse o pintassilgo - do que perder a liberdade.

O Rato, a Doninha e o Gato

 

 

Certa manhã, um ratinho não podia deixar sua toca, porque uma doninha faminta esperava do lado de fora. Ele sabia que estava correndo um perigo enorme, e tremia de medo. Mas, de repente, um gato surgiu do nada e pulou sobre a doninha, segurando-a com os dentes. Em instantes, ela estava morta, sendo devorada em seguida pelo felino.

- Céus, muito obrigado - disse o rato, que viu toda a cena pela abertura da toca - em gratidão, vou sair e oferecer um pouco de minha comida para você.

E assim foi feito. Mas, aliviado por ter escapado de um perigo, o tolo se esqueceu de outro. O gato, por ser um gato, acabou devorando-o também.

O Riacho

 

 

Um riacho da montanha, esquecendo-se de que devia sua água à chuva e a pequenos córregos, resolveu crescer até ficar do tamanho de um rio.

Pôs-se então a atirar-se violentamente de encontro às suas margens, arrancando terra e pedras a fim de alargar seu leito.

Mas quando a chuva acabou, a água diminuiu. O pobre riacho viu-se preso entre as pedras que arrancara de suas margens e foi forçado a, com grande esforço, encontrar outro caminho para descer até o vale.

 

Moral da Estória:

Quem tudo quer tudo perde.

  O Salgueiro e a Abóbora

 

Era uma vez um pobre salgueiro que jamais tivera a alegria de ver seus ramos erguendo-se alto em direção ao céu. Em primeiro lugar havia uma vinha enroscada em seu tronco, e havia também outras parasitas. Sempre acontecia algo que o impedia de crescer e frequentemente ele se via quebrado e mutilado.
Juntando todas as suas forças, o salgueiro pôs-se a sonhar e depois a pensar na melhor maneira de livrar-se daquela escravidão.
Pensou e tornou a pensar em cada uma das plantas que o cercavam e nas necessidades peculiares a cada uma delas, de modo a encontrar finalmente, uma que nunca precisasse apoiar-se nos ramos de um pobre salgueiro.
Ruminou esses pensamentos dia após dia até que finalmente teve uma idéia e encontrou uma solução.
- Sim, é claro... A abóbora!
Radiante, o salgueiro agitou os ramos. A abóbora era realmente a companheira ideal, pois era mais apta a dar apoio aos outros que a apoiar-se em alguém. Uma vez feita a escolha, o salgueiro estendeu seus ramos em direção ao céu, na esperança de que algum pássaro amigo o visse. Nesse exato momento veio vindo uma pega. Imediatamente o salgueiro chamou-a e disse:
- Querido pássaro, espero que você não tenha esquecido a ajuda que lhe dei há alguns dias atrás, naquela manhã em que um malvado falcão queria devorá-la, e você escondeu-se nos meus galhos. E espero que se lembre de todas as vezes em que você descansou em mim, quando suas asas estavam cansadas, e de quanto já se divertiu brincando em meus ramos com suas companheiras. Por tudo isso, querido pássaro, espero que você não recuse o favor que vou lhe pedir. É o seguinte: suplico-lhe que procure uma abóbora e peça-lhe que lhe dê algumas sementes. E eu direi a essas sementes que não tenham medo de mim. Quando seus brotos crescerem eu os tratarei como se fossem meus próprios filhos. Imploro-lhe - acrescentou o salgueiro - que escolha cuidadosamente as palavras. Convença a abóbora a lhe dar as sementes e persuada as sementes a virem amigavelmente com você. Você é mestra em belas palavras, amiga pega, e não preciso ensinar-lhe o que deve dizer. Se você me fizer esse grande favor, terei o maior prazer em deixar você construir seus ninhos em meus ramos e em cuidar dele e de toda a sua família sem lhe cobra nada.
Em seguida a pega fez um pacto com o salgueiro e ele prometeu formalmente não deixar ficarem em seus ramos nem serpentes nem doninhas.
Então a pega baixou a cabeça, ergueu o rabo e mergulhou da árvore jogando todo o peso de seu corpo sobre as asas. Atravessando o ar com rápidas batidas de asas e usando o rabo como se fosse um leme para virar à direita e à esquerda, encontrou finalmente uma abóbora.
- Meus cumprimentos - disse a pega para a abóbora - e minhas saudações.
Acrescentou muitas outras palavras amáveis e delicadas e terminou pedindo as sementes tão desejadas pelo salgueiro.
Quando obteve as sementes voltou para junto da árvore amiga, que a recebeu com alegria.
- Agora você precisa plantá-las - disse o salgueiro.
A pega voou depressa para o chão, escavou a terra aos pés do salgueiro, pegou as sementes com o bico e plantou-as uma a uma em volta do tronco.
Em breve as sementes brotaram e os pequenos pés de abóbora nasceram e continuaram a crescer, espalhando novos galhos que aos poucos aprisionaram todos os ramos no salgueiro. Além disso, as grandes folhas dos pés de abóbora impediam que a árvore pudesse ver toda a beleza do céu e do Sol.
Como se isso tudo não bastasse, quando as abóboras cresceram, seu peso puxou para baixo, em direção à terra, os pequenos brotos das pontas do salgueiro, machucando-os e estragando-os. O salgueiro tentou em vão remexer-se e agitar-se para se livrar das abóboras. Durante dias contorceu-se, convicto de que estava se libertando. Estava tão desesperado que nem chegou a perceber que as abóboras estavam presas a ele com tantos nós que ninguém jamais conseguiria soltá-las.
Ao ver o vento passar o salgueiro gritou de dor e pediu socorro.
O vento ouviu e soprou com mais força.
Então o tronco, privado de alimento pelas abóboras, partiu-se em dois até à raiz. Uma parte do salgueiro caiu para um lado e a outra metade para o lado oposto. Chorando de infelicidade o salgueiro chegou à conclusão de que não nascera sob uma boa estrela.

O Salgueiro e a Vinha

 

 

O salgueiro é uma árvore de crescimento rápido e vigoroso. Seus ramos crescem a olhos vistos e logo tornam-se mais longos que os de qualquer outra árvore.

Um dia, porém, a fim de ter companhia, o salgueiro resolveu casar com a vinha.

- Você está louco! - disse-lhe uma amiga - nós, os salgueiros, somos feitos para crescer mais depressa que qualquer outra árvore. O que é que você vai fazer com uma vinha pendurada em você?

Porém, mesmo assim, houve o casamento. O salgueiro juntou-se à vinha, ou melhor, permitiu-lhe agarrar-se a seu tronco.

Porém a vinha produziu lindos cachos de uva, ao passo que o salgueiro não dá frutos. E então, certo dia, quando o fazendeiro descobriu a vinha enrolada no salgueiro, resolveu podar ambos, temendo que o salgueiro arrancasse a vinha do chão.

E assim, ano após ano, os belos ramos do salgueiro foram podados pelo cuidadoso fazendeiro, e a árvore, decepada e mutilada, passou a ser apenas um apoio para os cachos de uva de sua afortunada companheira.

 

  O Testamento da Águia

 

 

Há muitos anos atrás, uma águia majestosa morava sozinha no cume de uma alta montanha. Um dia sentiu que a hora de sua morte aproximava-se. Com um possante grito chamou pelos filhos, que moravam mais abaixo. Quando viu todos reunidos, olhou para eles, um a um, e disse-lhes:

- Cuidei de vocês e criei-os de maneira a que pudessem olhar diretamente para o Sol. Deixei morrer de fome seus irmão que não suportavam enfrentar o Sol. Por esse motivo, vocês merecem voar mais alto que todos os outros pássaros. Qualquer um que deseje preservar sua vida não atacará os ninhos de vocês. Todos os animais temerão e vocês jamais farão mal aos que os respeitarem. Deixem-nos comer os restos de suas presas.

Agora estou prestes a deixá-los. Porém não morrerei aqui em meu ninho. Voarei para bem alto, até onde minhas asas conseguirem me levar. Irei em direção ao Sol a fim de me despedir. Os fogosos raios do Sol queimarão minhas velhas penas. Cairei em direção à terra e finalmente para dentro d'água.

Porém milagrosamente surgirei novamente da água, rejuvenescida e pronta a iniciar nova existência. É essa a sina das águias, é nosso destino.

A essas palavras a águia levantou vôo. Majestosa e solenemente vôou em torno da montanha onde estavam seus filhos. Depois, subitamente, subiu em direção ao Sol que queimaria suas velhas asas cansadas.

Leonardo da Vinci

 

O Touro

 

 

Um touro fugido vinha devastando os rebanhos. Os pastores não tinham mais coragem de levar os animais para o pasto por causa daquele enorme animal selvagem que sempre aparecia de repente, atacando de cabeça baixa e dando chifradas em tudo o que via pela frente.

Os pastores sabiam, no entanto, que o touro odiava a cor vermelha, e um dia resolveram preparar-lhe uma armadilha.

Envolveram com um pano vermelho o tronco de uma grossa árvore e em seguida esconderam-se.

Logo o touro apareceu, soprando pelas ventas.

Ao ver o tronco vermelho, baixou a cabeça para atacar e, com um grande estrondo, enterrou os chifres na árvore, tornando-se prisioneiro.

 

O Unicórnio

 

 

Os caçadores falavam do unicórnio como uma misteriosa criatura.

- Será um animal ou um espírito? - perguntavam-se a si mesmos.

Na verdade, o estranho cavalinho com um chifre no meio da testa aparecia ora num lugar, ora em outro, porém jamais alguém conseguira apanhá-lo de surpresa.

- Feroz e estranho - disse um caçador - talvez seja um enviado do inferno, que está aqui para nos espionar.

- Não, é bonito demais para ser um mau espírito. Deve ser um anjo, retorquiu o outro.

Uma jovem, sentada ali perto, debaixo de uma árvore, fiando lã, ouviu em silêncio e sorriu.

Conhecia bem o unicórnio, sabia tudo sobre ele. Ele era seu amigo.

E de fato, quando os homens foram embora, o animal surgiu atrás de um arbusto e correu para junto da moça. Deitou-se a seu lado, apoiou o focinho em seu colo e olhou-a com expressão de amor.

Após o primeiro encontro, tornou-se tão manso quanto um animal doméstico, estendendo o focinho para dar um beijo.

Porém esse estranho amor foi sua ruína.

Os caçadores perceberam o que estava acontecendo e, um dia, sem que a moça soubesse, ficaram de tocaia e apanharam o inocente unicórnio.

 

O Ursinho e as Abelhas

 

 

Um filhote de urso estava passeando pela floresta quando viu um buraco no tronco de uma árvore.

Olhando mais de perto, reparou que uma porção de abelhas entravam e saíam constantemente do buraco. Algumas permaneciam em frente à entrada como se estivessem montando guarda. Outras chegavam voando e entravam. Outras ainda saíam e sumiam pela floresta a dentro.

Cada vez mais curioso, o ursinho pôs-se em pé nas patas traseiras, meteu o focinho no buraco, farejou e depois enfiou uma pata.

Quando retirou a pata ela estava lambusada de mel.

Porém mal começara a lambê-la quando um enxame de abelhas enfurecidas saiu do buraco e atacou-o, mordendo-lhe o focinho, as orelhas, a boca, todo ele.

O ursinho tentou defender-se, mas se enxotava as abelhas para um lado elas voltavam e atacavam pelo outro. Enfurecido, tentou vingar-se através de golpes pelos dois lados. Porém, querendo atingir a todas, não conseguiu derrubar nenhuma. Finalmente rolou pelo chão até que, vencido pelo medo e pela dor das picadas, voltou correndo e chorando para junto de sua mãe.

 

O Vinho de Maomé

 

 

Certo dia colocaram vinho, este divino suco da uva, dentro de uma magnífica taça de ouro que estava a mesa de Maomé.

- Oh, que honra! - pensou o vinho - que glória para mim estar à mesa de Maomé!

Porém, subitamente ocorreu-lhe outro pensamento e ele disse consigo mesmo:

- Mas que honra é essa, e que glória? Por que estou tão satisfeito? Nada disso é verdade. Escute, chegou a hora de minha morte. Dentro em breve deixarei minha linda casa, esta magnífica taça de ouro, para entrar na escura caverna do corpo humano. E uma vez lá dentro, meu suco doce e perfumado será transformado em água.

Oh, céus! - gritou desesperado - façam justiça, vinguem-me por tal ofensa! Não é justo que me desprezem assim! Júpiter, pai Júpiter - orou o vinho - mesmo que esta terra produza as melhores e mais lindas uvas do mundo, fazei com que elas não se transformem em vinho!

Júpiter ouviu a prece do vinho e decidiu atendê-la.

Quando Maomé terminou de beber o conteúdo da taça de ouro, Júpiter fez com que todos os vapores do vinho lhe subissem à cabeça e ele ficou embriagado. E enquanto estava sob o efeito do vinho, Maomé comportou-se como um louco, fazendo bobagens uma atrás da outra. Quando finalmente ficou novamente sóbrio, baixou uma lei proibindo a seus seguidores que tomassem vinho.

Desse dia em diante, a vinha, com suas gostosas frutas, foi deixada em paz.

Leonardo da Vinci

 

Os Pássaros e seus Instintos

 

 

Era uma vez dois ninhos no mesmo jardim. Um ficava num cipreste e o outro numa oliveira.

Um dia o passarinho que morava no cipreste roubou um ovo do que morava na oliveira e juntou-o aos ovos que estava chocando.

Passado algum tempo os ovos de ambos os ninhos abriram e os filhotes nasceram. Cresceram e tornaram-se cobertos de penas, e finalmente chegou o grande dia de seu primeiro vôo.

Um após o outro, os filhotes que moravam na oliveira atiraram-se ao espaço, deram uma volta e voltaram felizes para seu ninho.

Um após o outro, os filhotes que moravam no cipreste atiraram-se ao ar e voaram pelo jardim. Porém um deles, em vez de voltar para o cipreste, voou para o ninho que ficava na oliveira.

Era o passarinho que nascera do ovo roubado, voltando instintivamente para sua verdadeira mãe.

Leonardo da Vinci