MITOS E MITOLOGIA MITOLOGIA BABILÓNICA
O PAÍS Babilónia, a mais importante e a
maior cidade da antiguidade, situava-se a 32° 30' lato N. e 42° lO' longo E.,
à margem esquerda do Eufrates. Nos idiomas não-semitas da Caldéia, era
chamada Ka-Dingirra, "A Porta dos Deuses", nome que os semitas
traduziram para Babilu, Babili, donde a voz hebréia Babel. A tradição judia
ligava esta última forma à raiz balal, "confundir", em lembrança
da Confusão das línguas, que se teria operado depois do dilúvio, no local
onde mais tarde se teria erguido a cidade. Conforme a tradição local, porém,
Babilónia já existia quando ocorreu o dilúvio; o primeiro rei humano, Aloros,
nasceu em Babilónia. Inicialmente sede de um principado da
Caldeia setentrional, Babilónia tomou-se a principal cidade do país e centro
de dinastias que sem cessar lutaram contra Elam e Assíria. Por volta do VII
século a.C. tomou-se, sob Nabucodonosor e seus sucessores, a capital de um
imenso império, que, mais tarde, seria destruido pelos persas. Na época do
seu maior esplendor, Babilónia cobria área considerável; era, dizia
Aristóteles, mais um pais que cidade; o recinto exterior, chamado Imgur-Bel,
"Bel abençoou", formava um quadrado de mais de 520 km2; abrangia
campos cultivados; a parte central da cidade tinha o nome de Niviti-Bel,
"Morada de Bel" e estendia-se por mais de 69 km2; a cidade,
propriamente dita, onde se situava o palácio real e onde se agrupavam os
principais templos, ficava no lugar da actual HilIah-el-Feiha, pequena cidade
sem maior expressão. A cidade era cortada pelo Eufrates. A RELIGIÃO A religião babilónica parece
depender estreitamente dos sumerianos. Os babilónios pertenciam ao grupo
semita, mas contavam com importantes elementos estrangeiros, representados,
principalmente, por aquele povo que se convencionou chamar
"asiânicos"; estes, se não foram autóctones, em todo o caso são os
primeiros que conhecemos na Asia Anterior; caracterizavam-se pela língua,
pela religião e pelo tipo físico. Os babilónios falavam uma língua
acadiana (dos acadianos, povo da Babilónia antes da invasão assiria; a região
primitiva desse povo chamava-se Acad), que, com pequenas diferenças
(principalmente na prosódia), era a língua falada na Mesopotâmia do Norte;
na época sargânida essa língua foi suplantada pela dos arameus; havia,
portanto, duas línguas que vicejavam lado a lado: o arameu, empregado mais
comumente, e o assírio-babilônico, tradicional, reservado para actas
oficiais e escrito sobre tabuinhas de argila (o arameu era escrito com tinta,
em materiais perecíveis: daí a sua raridade); o acadiano era escrito em
caracteres cuneiformes, ao passo que o arameu usava sinais alfabéticos. A religião babilónica era naturista,
isto é, adorava as forças vitais. O homem era a medida das coisas; as forças
vitais, portanto, eram representadas sob formas de espíritos de fertilidade
e de fecundidade, encarnados num casal, bem como nas famílias humanas. Um
jovem deus, que tinha os atributos e poderes do pai, representava papel não
bem definido, pois ora era filho da deusa, ora seu amante, ora as duas coisas
ao mesmo tempo. Essa religião é, propriamente, asiânica e pouco dista das
primitivas religiões indo-europeias; havia, a seguir, deuses especializados:
o do Grão, o da Floresta, o da Vinha, o da Fonte etc… e espíritos inferiores,
demónios, para explicar o mal que atingia a Humanidade. O POEMA DA CRIAÇÃO A narração da Criação é a obra-prima
da literatura babilónica: dão-lhe o nome de Enuma elish, que são as duas primeiras
palavras da tabuinha (o poema está contido em sete tabuinhas) que o inicia e
que significam "Quando no alto…"; esse poema chegou até nós mais ou
menos completo, através de cópias que remontam ao IX século a.C. O poema da Criação tem por tema
essencial a glorificação do deus da Babilônia, Marduc, que se tornou, ao
menos teoricamente, o chefe do panteão babilônio. No início, diz a narração,
havia somente o Caos, aquoso, com Apsu e Tiamat, que representavam,
respectivamente, as águas doces e salgadas; "então o céu ainda não tinha
nome e a terra ainda não tinha nome..." foi então que esses príncipes
começam a se organízar e, do casal primitivo, nascem Lahmu e sua companheira,
Lahamu, dos quais nada se sabe, mas que constituem, apenas, uma das etapas da
Criação. Desse casal, um pouco mais tarde, nascem Mumu, depois Anshar e
Quísar, isto é, a totalidade do céu e da terra; deles, enfim, nasce a tríade
que forma a cabeça do panteão babilônio, Anu, o deus dos céus, Enlil, o
senhor do ar (que não tarda em se tornar também da terra) e Ea, o deus das
águas, do abismo que cerca o mundo. Sem que se saiba por quê e de que
maneira, o poema refere que os deuses da tríade e aqueles que dela tinham
nascido, se tornam insuportáveis a Apsu e a Tiamat, talvez porque eles
representem a ordem, antítese do Caos inicial; talvez Apsu e Tiamat tivessem
o desejo de ficar livres da própria descendência. Os jovens deuses, advertidos,
reagem; Ea, graças a seu poder mágico, se torna senhor de Apsu, que ele
condena à morte, e de Mumu, que aprisiona. O furor de Tiamat não conhece
limites; dá à luz onze monstros terríveis que enfrentam seu inimigos; um
desses monstros é Quingu, que se torna seu esposo; entretanto o tempo passa e
nasce um filho a Ea, Marduc (a tradição assíria atribuirá ao seu deus Assur
tudo que a tradição babilónica refere a Marduc); desde o nascimento, este
deus é um prodígio: "O sábio dos
sábios, o mais sábio dos deuses; no seio do abismo nasceu Marduc; sua
estatura era esplêndida, brilhante o fulgor dos seus olhos; seu nascimento
foi o de um macho, ele fecundou desde o início... Tem quatro olhos e quatro
orelhas..." Durante os preparativos de Tiamat, Marduc cresceu; os
deuses declaram-se impotentes para dominar Tiamat, inclusive Anu e Ea, cujos
sortilégios haviam dominado Apsu. Todos os deuses, então, salvo Tiamat e o
exército de Quingu, investem contra Tiamat; reúnem-se, para organizar a
defesa, num banquete, onde bebem para ganhar coragem. "O vinho suculento dissipa seus temores, seu coração se dilata,
falam em altas vozes..." Propõem, finalmente, que Marduc se
apresente como campeão dos deuses; ele consente, mas, tão prudente como o
pai, estabelece condições; terá autoridade sobre os demais deuses e ninguém
poderá ir ao encontro das suas decisões; os deuses consentem e cada um lhe dá
a arma que fazia a sua força e, para lhe provar o poder, surge a prova da
veste: "Então os deuses puseram
uma veste no meio deles/ E a Marduc, o primeiro nascido, dizem:/
"Ordena que seja destruído ou criado, e assim será feito./ Abre a boca:
a veste será destruída;/ Dá nova ordem e a veste se encontrará
intacta."/ Marduc, então, falou, e a veste foi destruída./ Falou de
novo, e a veste se reformou." A seguir Marduc prepara suas armas,
os quatro ventos, o raio, o furacão, e o combate começa; as armas mágicas de
Tiamat não funcionam a contento e Marduc lança sobre ela uma rede; Tiamat
abre a boca para vomitar chamas e Marduc se aproveita para nela precipitar um
dos quatro ventos e fura o corpo estufado do monstro; sobre o cadáver Marduc
canta um hino de vitória; corta o corpo em duas partes, como o do peixe
fechado (isto é, a ostra), e de uma faz o firmamento e de outra a terra; no
firmamento estabelece o domínio dos deuses da primeira tríade. Quingu, que
fora preso, cede as tabuinhas do destino, que estavam com ele. A parte seguinte está mutilada; sob
pretexto de descrever a organização de Marduc, o poema refere os
conhecimentos astronômicos da época. Depois a narrativa segue seu curso e
Marduc propõe criar um ser que se chamará "homem"; ele lhe imporá o
serviço dos deuses "enquanto estes repousam"; mas a criação do
homem exige sangue, e Quingu é sacrificado; depois Marduc separa os deuses em
dois colégios, os deuses do céu e os do mundo subterrâneo. Reconhecidos, os deuses
lhe oferecem o Esagil, templo da Babilónia e cada um, em lhe dando seu nome,
lhe outorga um título. Esse poema era recitado na festa
mais importante de Babilónia, o Dia do Ano Novo. O DILÚVIO A
tradição do dilúvio tinha curso na Mesopotâmia, mas não se referia a Marduc
mas sim a Um-napisti; a narração foi inserida no poema de Gilgamés, e este a
escuta da boca de Um-napisti; a narração mais completa constitui a tabuinha
XI da epopeia: Há muito existia a cidade Shurupak (hoje Fara), sobre o
Eufrates, quando os deuses resolveram submergir a terra por meio de um
dilúvio. Ea, que assistia no conselho dos deuses, advertiu Um-napisti;
aproximou-se da sua cabana feita de ramos e de Iodo seco e diz à meia voz: "Muro, muro, escuta I Homem de
Shurupak, constrói um barco, abandona tuas riquezas para salvar tua vida;
faze com que a semente de vida suba num barco de dimensões calculadas".
Ea dá as medidas do barco, mas, antes de se pôr a trabalho, Um-napisti
pergunta ao deus: "Que direi aos
que me interrogarem sobre o trabalho que pretendo fazer?" A
resposta que deverá dar é que Enlil está zangado com ele e irá, então,
habitar os domínios de Ea; dividida em compartimentos, a barca está em
condições de navegar; celebra-se uma festa para recompensar os trabalhadores;
depois Um-napisti põe na barca sua família e seus bens. E logo começa a
chover; relâmpagos, trovões e chuva torrencial; as nuvens escurecem tudo;
então, "nos céus, os deuses
atemorizam-se com o dilúvio, fogem, sobem ao céu de Anu; agacharam-se como
cães temerosos, deitaram-se no solo. A deusa Istar grita como mulher grávida:
"Que se transforme em lama aquele dia no qual proferi más palavras na
Assembléia dos deuses!... Por que decretei a perda de minha gente? Criei-os
para que como pequeninos peixes encham o mar?" Seis dias e seis
noites o vento soprou e o furacão desencadeado roncou sem cessar; quando ele
se calou, Um-napisti abriu a janela e percebeu uma ilha; era o monte Nisir,
sobre o qual a barca se deteve; ao cabo de seis dias de imobilidade, ele
soltou uma pomba que logo retornou, depois uma andorinha que fez o mesmo,
enfim um corvo que não regressou; então fez que os animais saíssem do barco e
ofereceu um sacrifício. "Os
deuses sentiram o bom odor do sacrifício, e como moscas se agruparam ao redor
do sacrificador." Istar se interpõe e afirma que os deuses querem a
sua parte do sacrifício, menos Enlil, que, sem refletir, havia desencadeado o
dilúvio. Chega Enlil, vê a barca e lamenta que alguém tenha escapado; Ninurta
sugere: "Quem senão Ea poderia ter
prevenido esses que escaparam?" Ea responde: "Não lhe, revelei a decisão dos grandes deuses, apenas o
favoreci com um sonho; o resto foi iniciativa dele mesmo, Um-napisti".
Então Enlil decidiu que Um-napisti e sua mulher seriam imortais e habitariam bem
longe, na embocadura dos rios. OS MITOS DE ZU E DO DRAGÃO LABU Ao ciclo de Nipur pertencem os dois
mitos seguintes, o do homem-pássaro, lu, com instintos de ladrão, e o do
dragão Labu. Zu aproveita-se do instante em que Enlil se entregava a cuidados
corporais, "enquanto se lava com
água pura e abandonou o trono e depôs sua tiara", insígnia do
poder, para apoderar-se das tabuinhas do destino; os deuses reúnem-se e
decidem perseguir o ladrão; como no Enuma alish, os deuses acovardam-se
diante de Zu e seus acólitos; entretanto um deus (que deve ser um
rei-divinizado), Lugal-banda, decide capturar Zu no curso de um banquete para
o qual o convida com esposa e filho. A mesma situação se encontrará no mito
hitita da grande serpente Iluianka; sem coragem de atacar o inimigo de
frente, convida-o para um banquete e o embriaga. Uma versão babilónica mais recente
faz de Marduc o vencedor de lu, e o deus, na ocasião, recebe o nome de "quebrador do crânio do pássaro
Zu". O mito do dragão Labu expõe como o deus
Enlil desenhou no céu a imagem de um dragão; a imagem se animou e os deuses
foram tomados de pavor; somente um ousa medir-se com o temível animal; mata-o
e o sangue do dragão goteja durante anos e dias. O POEMA DA QUEDA A
lenda da queda pertence ao ciclo de Enlil. O nome não se adapta bem ao
assunto; propriamente, não se refere à "queda do homem" assim como
o refere a Bíblia. O primeiro que traduziu essa lenda e lhe deu o nome de
"O poema da queda" foi S. Langdon. Em resumo, o mito diz o seguinte
(ele é tremendamente obscuro, mas as ideias gerais podem ser bem
apreendidas): "Enlil teve relações
com Ninlil e uma outra deusa; desse comércio nasceu grande descendência;
essa descendência, sobre a terra, teve consequências diversas, mas todas
benéficas: provocaram a chuva, a cheia, a fertilidade do solo, a fecundidade
das famílias e dos rebanhos". A LENDA DE NINURTA Ninurta,
filho de Enlil, travou longa e encamiçada luta contra várias pedras; outras,
porém, eram partidárias do deus. Naquela época as pedras ainda não tinham
nome; logo que Ninurta se viu vencedor, preocupou-se em dar nome às pedras,
isto é, quis logo assegurar-lhes existência própria, pois, segundo as concepções
mesopotâmicas, todo ser destituído de nome não existia. Como recompensa dos
serviços que recebera das pedras, fez delas pedras nobres, que serviriam,
doravante, para ornar os palácios e os templos dos deuses: os mármores, o
lápis-lazúli, o alabastro, o cristal de rocha etc. As pedras, porém, que se
tinham encarniçado contra ele, transformaram-se em pedras vulgares, sem
importância alguma. A EXALTAÇÃO DE ISTAR A
realeza de Anu foi talvez a mais longa; corresponde à aurora da civilização e
sem dúvida aos tempos proto-históricos; daí a circunstância de não possuirmos
quase nenhuma prova da sua supremacia. Mas o clero de Uruk, lugar do culto de
Anu, conservou-nos a história da "exaltação de Istar". Preso aos
encantos de Istar, Anu desejava, há muito tempo, pô-la em pé de igualdade
com ele; consulta, então, os deuses sobre a oportunidade de reabilitar sua
amante; o "conselho de família" das divindades é unânime a lhe
sugerir que regularize sua situação com a formosa deusa. Anu, então, eleva
Istar até junto do seu trono; seu nome de casamento será Antu, a forma
feminina do nome do esposo, como Nin-lil é a forma feminina de Enlil. Depois
dessa exaltação, Ismr, a sumeriana Inin, ocupa lugar de destaque no céu,
junto de Anu e se identifica com o planeta Vênus. A REALEZA DOS INFERNOS Os infernos aparecem nos primitivos
mitos. Um deles fazia parte das tabuinhas cuneiformes encontradas em
Tell-Amarna, no Alto Egipto; isto prova, com a tradução de outros poemas,
notadamente o de Gilgamés, descoberto em território hitita, a larga
popularidade de que gozava a literatura babilónica no mundo antigo. A
narração explica como Nergal foi associado ao domínio dos infernos. A deusa
Eresquigal, irmã de Istar, neles reinava; parece, não obstante o epiteto de
"rainha", que ela era, apenas, uma prisioneira do aralu, nome pelo
qual eram os infernos conhecidos, chamados, também "a vasta terra"
ou "o país do qual não se retoma". Um dia os deuses quiseram se
reunir num grande banquete; pediram a Eresquigal que mandasse um
representante, já que ela não podia se afastar dos infernos. A deusa envia,
então, como seu delegado, Namtar, o Destino, demónio da Peste. Quando Namtar
se apresentou diante dos deuses reunidos, todos se ergueram, honrando,
destarte, aquela que o enviara; todos menos um, o deus Nergal. Namtar, ao
voltar para os infernos, queixou-se amargamente a Eresquigal e esta o reenviou
novamente, exigindo que o deus que a não honrara lhe fosse entregue. Quando
Namtar voltou para junto dos deuses, Nergal lá não mais se encontrava e ele
não pôde executar sua missão; mas os deuses preveniram Nergal e este tomou a
ofensiva. Auxiliado por uma escolta de demônios, dirige-se para os infernos,
coloca guardas em todas as portas, a fim de que a volta não oferecesse
dificuldades; penetra nos infernos, precipita-se sobre Eresquigal e pega-a
pelos cabelos; arranca-a do trono e prepara-se para matá-la. A soberba
Eresquigal implora ao vencedor que a poupe, oferece-lhe partilhar o seu leito
e o trono. Nergal aceita e transforma-se, assim, em deus dos infernos. A DESCIDA DE ISTAR AOS INFERNOS Os infernos são o local onde se
desenrola a lenda célebre de Istar e Tamuz, que foi um dos seus amantes; mas
esta lenda parece ser a fusão de dois mitos anteriores, que nada tinham em
comum; um deles tratava de Dumuzi-Tamuz, deus agrário, cuja morte anual é
seguida da ressurreição, ou, sem invocar a morte do deus, o outro relata a
história do deus que partilha sua existência com duas deusas: uma vida
subterrânea quando a natureza está adormecida, outra terrestre quando retoma
a primavera; a esse mito se junta a descida de Istar aos infernos, com o
fito de trazer Tamuz-Adônis à luz do dia. O presente mito é o seguinte: Sem
fazer menção de Tamuz, Istar resolve descer aos infernos; logo que chega à
porta, parlamenta com o guardião. Eresquigal, feliz com essa nova presa,
ainda que fosse sua irmã, ordena que a deixem entrar. À medida que Istar
transpõe cada uma das sete portas dos infernos, o porteiro lhe arrebata um
dos seus ornamentos: a coroa, os brincos das orelhas, os colares, o
porta-seios de metal precioso, a cinta composta de amuletos feitos com
"pedras de parto", os braceletes dos braços e dos artelhos e,
finalmente, as "suas vestes de pudor". E Istar aparece nua diante
da rainha dos infernos; tomada de furor, "sem mesmo refletir, Istar
lança-se sobre ela". Então Eresquigal ordena que seu ministro Namtar
lance contra ela, como matilhas desaçaimadas, a multidão dos males. Durante
esse tempo, sobre toda a terra, a vegetação definhava e não reverdecia; os
animais não se reproduziam, o marido não buscava a esposa para os atos amorosos,
a esposa não se importava com o marido. Os deuses, aterrados, querem libertar
Istar, e Ea cria uma personagem que será sacrificada; essa figura vai
procurar Eresquigal e lhe pede que lhe dê de beber dum determinado odre, cuja
água, sem dúvida, era reservada aos deuses. "A deusa Eresquigal, ao
ouvir tais palavras, bate nas coxas, morde o dedo." Maldiz o mensageiro
que não terá por alimento senão "os alimentos das valetas e a água dos
condutos de esgoto da cidade". Como conclusão, forçada sem dúvida pelo
pedido do mensageiro, cujo sentido real nos escapa, Eresquigal manda que
derramem sobre Istar as águas vivificantes e ela é reconduzida de volta
através das sete portas, onde, em cada uma, lhe são devolvidos os adornos e
as vestes. A EPOPEIA DE GILGAMÉS No começo dos tempos reinava
Gilgamés, rei de Uruk. Construiu a cidade, os palácios, os templos, as
portas e as muralhas. Bom administrador, seu jugo era pesado a seus súditos, de
modo especial a sua família, mulheres e filhas. Rogam, então, à deusa Aruru,
divindade da fecundação, que criasse um ser que o tivesse ocupado: destarte
seus súditos e familiares descansariam. Aruru medita sobre a criatura que irá
animar e, lançando argila no solo, amassa-a e anima-a com sopro vital. Criou,
assim, Enquidu, homem selvagem, com o corpo coberto de pêlos, cabeleira de
mulher, que ignora tudo da civilização; come erva como as gazelas, bebe onde
os animais bebem; é um bruto e toda li força monstruosa de Gilgamés, mais
divina que hurilana (Gilgamés tem dois terços de divindade e um terço de
humanidade, pois sua mãe era a deusa Nin-Sun), será pouca para o dominar.
Entretanto ele é mais que um animal, pois livra os brutos das armadilhas
que os caçadores armavam; estes, desesperados, referem o ocorrido a Gilgamés,
que ordena levar uma moça ao lugar onde o monstro costumava beber; quando ele
aparecesse ela deveria despir-se e seduzi-lo com seus encantos. Assim
aconteceu; a moça tirou a roupa, revelando seus encantos. O monstro ficou
extasiado e durante uma semana inteira só se ocupou com ela; a moça era uma
hierodula (U cortesã sagrada") do templo de Istar, e, como bem podemos
imaginar, o iniciou na civilização; cortaram-lhe os cabelos, rasparam-lhes
os pêlos, ungiram-no com azeite; prova o pão, alimento que ignorava, e o
vinho, com que se embriaga; finalmente a hierodula o conduz a Gilgamés, que
havia sido advertido por sonhos assaz incoerentes. A primeira entrevista é
tempestuosa e ambos se engalfinham por causa de uma deusa que queria se unir
a Gilgamés; este é mais forte e consegue subjugar Enquidu, que se toma seu
amigo; empreen"u dem, então, expedições. A primeira tem por fito o país
dos cedros, onde irão combater o gigante Humbaba, que odiava o Sol (Sarnas),
sem que se saiba a razão. Os anciã os da cidade tentam dissuadir os dois
heróis de empreender essa expedição, cujos peri~os eles nem imaginam; a deusa
Nin-Sun, por seu turno, suplIca à noiva do Sol que vele por seu filho. O
reino de Humbaba é um lugar de terror, o monstro é um gigante que vomita
fogo; começa o combate e Gilgamés arremete contra o adversário oito furacões;
imóvel no meio do turbilhão, o guarda dos cedros pede graça, mas eles
cortam-lhe a cabeça. À volta triunfal dessa expedição, Istar, que habita o
templo em companhia de suas hierodulas, apaixona-se por Gilgamés, que acabara
de sair do palácio, coroado e vestido com trajes novos; a fim de seduzi-lo,
exibe diante de seus olhos o magnifico porvir que lhe está destinado: terá um
carro de lápis-lazúIi e de ouro, rodas de ouro e tabuleiros de pedras
preciosas; todos se prosternarão diante dele quando entrar no templo, todos
se prosternarão quando sair; em suma, ela lhe oferece a divinização. Gilgamés
recusa com grosseria e toda essa passagem destoa do que se diz anteriormente
de Gilgamés, terror das mulheres da cidade; ele lhe lembra os numerosos
amantes: TamUz e sua morte, o pássaro colorido cujas asas ela quebrara, o
leão, o garanhão, o pastor e o jardineiro que ela metamorfoseara em animais,
"e a mim também — diz Gilgamés — depois de me teres amado assim me
tratarás". Istar, furiosa, ascende aos céus a fim de queixar-se ao pai
Anu, pedindo-lhe que mate Gilgamés. Anu, como Aruru e como os deuses em geral
nesses poemas, não age diretamente; cria um touro celeste que centenas de
homens não podem deter. Contudo, Gilgamés o vence e Istar, que assistiu do
alto do terraço do seu templo ao combate, amaldiçoa Gilgamés. Enquidu, em
resposta, arranca um membro do touro e lança-o à cabeça da deusa e lhe diz:
"Se te apanho, ligarei estas entranhas ao redor do teu pescoço "
Istar e suas sacerdotisas choram a morte do touro, enquanto Gilgamés faz' dos
seus cornos um recipiente que conterá a reserva de óleo para as unções
sagradas. Em a noite imediata, Enquidu vê, em sonhos (istà é, em realidade
para os mesopotâmios) o conselho dos deuses, entre os quais Enlil, que, não
obstante Sarnas, condena Enquidu à morte por causa do assassínio de Humbaba e
por causa da morte do touro, ainda que ambos os feitos devessem ser
atribuídos a Gilgamés. A punição começa; Enquidu, presa de violenta febre,
lamenta sua breve existência de bruto e amaldiçoa a hierodula que o iniciou
na vida dos
civilizados; Sarnas censura sua ingratidão, mas, como a maldição fora proferida,
ele se vê obrigado a ratificá-la e a infeliz cortesã sagrada é mudada em
cadela. Enquidu morre e Gilgamés se desola: "Capturamos e ferimos o
touro celeste, matamos Humbaba, que habitava nas florestas de cedro! Qual é,
agora, o sono que de ti se apoderou? Tornaste-te sombra e já não me ouves
mais!" Tomado de pânico ao pensar que também ele deveria morrer,
Gilgamés lembra-se de um longínquo antepassado, Um-napisti, "Dia de
Vida", o único homem que fora poupado pelo dilúvio e que vivia nos
confins do mundo,. ele e a mulher, ambos gozando do dom da imortalidade;
resolve ir procurá-lo e saber como poderia alcançar, também, a imortalidade.
Atinge, primeiro, o monte Masu, o monte onde o Sol tem a sua morada nocturna,
e que era guardado por homens-escorpiões, de talhe gigantesco; estes
constatam que Gilgamés é mais deus que humano e lhe descrevem a rota
tenebrosa que deverá percorrer; percorre-a e chega junto duma árvore
maravilhosa "bela de se ver, cujos frutos são de lápis-lazúli"; é a
uva negra, o herói achava-se na Síria; continuando sua derrota, alcança, não
longe do mar, uma mulher chamada Siduri, que é qualificada de
"taberneira" ou, antes, de produtora de vinho; esta, sabendo do
motivo da viagem de Gilgamés, o dissuade de maneira formal: "A vida que procuras,
não a encontrarás jamais!" Essa vida é apanágio dos deuses, a morte
pertence ao homens; destarte, ela o convida a divertir-se e a passar bem
enquanto aguarda a hora fatal. Entretanto Siduri lhe indica onde encontrar o
bateleiro de Um-napisti, pois estão perto da terra que ele habita; esse
bateleiro se chama Ursanábi, "servidor-dos-dois-terços", isto é, de
Ea (Anu é 60, Ea 40, isto é, 2/3 de Anu) e acede em levar o estrangeiro para
junto do seu senhor. Mas deverão atravessar as Aguas da Morte: "Tuas
mãos nunca deverão tocar as Aguas da Morte -diz o barqueiro e se algum dos
teus ramos cair na água, deves abandoná-lo imediatamente e usar outro, para
que nem uma gota molhe teus dedos; portanto, faze seis remos, a travessia é
longa e exige vinte arpéus.Chegados junto de Um-napisti, Gilgamés lhe expõe o
motivo da viagem e lhe pergunta como conseguiu escapar ao dilúvio; vem,
então, a narrativa do dilúvio (v. O dilúvio), e o velho lhe diz que seu
intento é vão e irrealizável; como pode Gilgamés esperar que a assembleia dos
deuses se reúna expressamente para lhe outorgar a imortalidade? Ele não
passa de um pobre mortal e Um-napisti prova isto mandando que se assente e
fique sem dormir seis dias e sete noites. Gilgamés assenta-se e logo
adormece; ao acordar recebe provisões para a viagem, uma veste nova, mágica,
que jamais envelhecerá. No último instante, entretanto, Um-napisti, pela
intercessão da mulher, revela ao viajante que uma planta espinhosa está
escondida no fundo do mar; essa planta confere a juventude. Então, como os
pescadores de pérolas, Gilgamés liga pedras aos pés e mergulha; no fundo das
águas encontra a planta maravilhosa; ensanguenta as mãos, mas consegue
arrancá-la e volta com ela à superfície. "O nome dessas planta — diz
Gilgamés — é o Ancião-Tornado-Jovem; dela comerei e encontrarei minha
juventude." Então, quando percorre o caminho de
volta, sedento, detém. — se para beber numa fonte de águas frescas; resolve
banhar-se; uma serpente, atraída pelo odor da planta, a arrebata, bem como
Enlil, despojado das tábuas do destino quando fazia suas abluções (v. Os
mitos de Zu e do dragão Labu); é por isso que a serpente, mudando de pele
anualmente, toma o aspecto de jovem. Cheio de mágoa Gilgamés, em companhia do
bateleiro de Um-napisti, que o seguira fielmente, volta para Uruk e se
consola mostrando-lhe as muralhas da cidade e quanto elas eram limitadas. Mas Gilgamés não podia sossegar;
quer, ao menos, saber de Enquidu onde é a região dos infernos. Enquidu, num
sonho, lhe indica os meios de vir ter com ele; Gilgamés, porém, faz tudo ao
contrário do que lhe fora indicado pelo amigo; nada mais lhe resta, agora,
senão o evocar, pois Gilgamés não poderá mais descer para junto dos mortos.
Pede, contudo, a Enlil, mas não é o seu reino; este volta-se para Sin, que,
por sua vez, se dirige a Ea, o qual, mais avisado procura Nergal, o senhor
dos infernos, e obtém que o espírito de Enquidu retome por alguns momentos.
Gilgamés enche o amigo de perguntas; este hesita em responder, tanto a
verdade é pungente; os mortos acham-se dispostos em categorias; os que
morreram em combate, têm o apoio dos seus; aqueles que não receberam
sepultura, aqueles que não têm quem lhes traga as oferendas fúnebres, erram
por toda parte à cata de alimento; ele mesmo, para se alimentar, colhe os
restos lançados à rua. Assim termina o poema, que gozou de grande fama na
antigüidade. OS MITOS DE ADAPA E DE ETANA Nos poemas heróicos de cunho
didático, como o de Gilgamés, pode-se também incluir o de Adapa, filho de Ea,
o pescador que diariamente fornecia o peixe necessário ao santuário. Certa
feita, quando pescava no Golfo, um golpe do Vento-do-Sul, subitamente,
virou-lhe a barca; cheio de cólera, Adapa maldiz o Vento-do-Sul e grita:
"Quebrarei tuas asas!" Foi o suficiente para que as asas do
Vento-do-Sul ficassem quebradas. Ao cabo de sete dias, o deus Anu percebeu
que o Vento não mais soprava; inquiriu a causa e lhe responderam:
"Adapa, o filho de Ea, quebrou as asas do Vento-do.Sul". Anu manda
Adapa ao seu trono para o julgar. O caso é grave e Ea dá a seu protegido
conselhos para que se livre da dificuldade; supondo que Anu o queira
envenenar, aconselha-o a não aceitar alimento algum; indica-lhe os deuses que
encontrará no seu caminho e dita-lhe a atitude que deverá tomar para com cada
um deles. Adapa executa as prescrições de Ea; apresenta-se com vestes de luto
e encontra à porta de Anu dois deuses, Tamuz e Gizida, ambos divindades da
fertilidade, que, segundo outros textos, são vistos nos infernos quando da
sua morte anual. Esses deuses perguntam a Adapa: "Por que essas vestes
de luto?" "Por Tamuz e Gizida -responde-ihes Adapa -que, sobre a
terra, pereceram." Favoravelmente impressionados, os deuses deixam-no
passar. Adapa se justifica junto de Anu que decide oferecer-lhe o
"alimento da vida"; mas ele recusa e aceita somente novas vestes e
o óleo para as unções. Destarte, perdeu a ocasião de se tornar imortal. O poema de Etana narra o seguinte: o
herói, desejoso de facilitar os partos à sua esposa, dirige-se ao deus Sarnas
a fim de obter dele a "pedra de partos", que vimos figurar na
cintura de Istar, quando da sua descida aos infernos. Sarnas aconselha a
Etana de ir a uma montanha, onde encontrará ajuda necessária. Lá o herói
encontra uma serpente e uma águia, que se tinham associado a fim de fazerem
presa em comum. Mas a águia é perjura; mau grado as advertências dos seus
filhotinhos, devora OS filhotes da serpente, sua sócia; esta, a conselho de
Samas, esconde-se na carcaça de um touro morto; quando a águia vem para a
despedaçar, a serpente a enlaça e, não obstante as súplicas e promessas da
antiga sócia, corta-lhe as asas e as garras e a abandona, para que morra de
fome. Sobrevem, então, Etana, que alimenta a águia; logo que a ave ficou
restabelecida, prontifica-se levar Etana ao céu, onde obterá de Istar o
precioso amuleto para os partos, que ele tanto deseja. Etana trepa no dorso
da águia e esta começa a subida; a terra sempre e cada vez mais fica menor a
seus olhos; a viagem se prolonga e a moradia de Istar, situada mais alto que
a residência de Anu, se revela inacessivel; águia e homem caem ao solo; o
homem não pode se igualar aos deuses. Para
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