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MITOS E MITOLOGIA

MITOLOGIA Egípcia

(Fonte:”Dicionario de mitologia”, de Tassilo Orpheu Spalding)

 

O MITO DA GUERRA DE HORO CONTRA OS ADVERSÁRIOS DE RE

 

 

São poucas as narrações acompanhadas de mitos e lendas divinas que possuímos, e isto se deve, naturalmente, ao facto de serem elas orais; quando eram escritas, de preferência figura­vam em rolos de papiro, os quais, cuidadosamente enrolados, fica­vam guardados nas bibliotecas dos templos.

Somente em épocas mais recentes é que começaram a gravar os textos desse gênero nos muros dos templos, a fim de lhes assegurar conservação indefinida c, sem dúvida, para permitir aos fiéis que tomassem conhecimento das façanhas do deus local.

Existe um naos (palavra grega que significa "templo" ou "capela"), proveniente de um templo do Baixo Egipto (encontrado em El-Arish), cujas paredes relatam os acontecimentos que assina­laram os reinados dos deuses Su e Geb. Esse texto refere, entre outras, as lutas desses deuses contra Apófis e seus asseclas, demorando-se especialmente nos episódios que se desenrolaram na região onde se erguia o templo ao qual o naos era destinado.

O exemplo mais típico de um relato mitológico nos é forne­cido por um texto ptolemaico de Edfu. Sobre a face interior do recinto que cerca o santuário, está gravada a narração das guerras que o Horo Behedti, o deus local, deveu sustentar contra os adversários do deus solar; a narrativa é ilustrada, de distância a distância, com magníficos relevos, onde são evocados os princi­pais episódios da luta. O texto, que se estende por toda a parede, de cima até embaixo, conta, minuciosamente, no estilo empolado e redundante que os letrados da época gostavam de usar, as peripécias dessa guerra divina. Para dar a esse texto aparências de um documento histórico, o redactor colocou sua narrativa num quadro que bem poderia convir aos anais.

Considera.se que os acontecimentos se desenrolaram no ano 363 do reinado de Ré-Haracti. Enquanto o deus-rei fazia no seu navio uma viagem de inspecção pela Núbia, soube que seus ini­migos levantaram contra ele o estandarte da revolta. Os conjurados, naturalmente, estão aliados com os esbirros de Apófis; o grupo, por todos os meios, quer se opor à ação de Ré, o deus-sol, que preside à boa marcha do Universo.

Ré, posto a par da conjura, por seu filho Horo Behedti, isto é, o Horo de Edfu, o encarrega, da missão de desbaratar os ini­migos. De feito, Horo logo consegue uma primeira vitória na Núbia; este fato alegra muitíssimo o coração de Ré. Mas os revoltosos se agrupam no Egipto, e Horo se vê obrigado a perse­gui-los por todo o vale do Nilo, através de mil dificuldades. Suce­dem-se, então, as vitórias de Horo. Após cada derrota, o inimigo reaparece sob forma diferente; ora é Set, ora é Apófis, ora um ser monstruoso como o hipopótamo ou o crocodilo. Por onde quer que passe, Horo realiza façanhas de vulto; Tot, logo em se~ida, leva a boa nova a Ré. Mas Horo prossegue na sua cam­panha vitoriosa através do Baixo Egito, e por fim expulsa o ini­migo para além do Mar Vermelho, acabando por fazê-lo fugir para a Asia. O Egito, finalmente, está livre das forças do mal; os deuses, então, retomam novamente a barca solar a fim de continuarem a derrota; Ré-Haracti retorna para a Núbia; Horo volta a ocupar seu lugar no templo de Edfu.

Essa narrativa, para nós monótona e sem maior interesse, deveria encantar o clero do templo de Edfu e sem dúvida edifi­cava os adoradores do deus; ao mesmo tempo, as alusões mito­lógicas instruíam o povo acerca da verdadeira natureza do deus local: além disso, acentuava o carácter pacificador da divindade que adoravam; por último, explicava grande número de topónimos. Com efeito, qualquer façanha de Horo ou dos seus súdi­tos, deu margem a um jogo de palavras que explicava não só o nome do local ou do santuário, mas também a própria natureza da região. Esses quebra-cabeças, expostos de maneira pouco natural, se sucedem com tanta frequência que tornam a leitura do mito de Horo bem mais fastidiosa que as demais do mesmo género.

Finalmente, não podemos olvidar que a narração procura explicar alguns emblemas que faziam parte da temática sagrada, como o símbolo do disco alado. É ele uma das formas do deus-falcão "com plumagem variegada"; essa personagem aparece inúmeras vezes no decurso da narrativa; quando, após a vitória final, sob aquela aparência, ele entra em Edfu, Ré decide que doravante esse motivo será colocado, como imagem protectora e apotropaica, em todos os lugares onde ele se detiver. Essa é a razão pela qual, em todos os templos do Egipto, o motivo do disco alado orna a cornija que encima os portais.

É bem possível Que o fundo desse mito seja mais antigo do que a versão que nos foi conservada em Edfu. Já quiseram ver nele a interpretação mitológica do tema da vitória do rei sobre os povos bárbaros; os asiáticos, destarte, seriam aí repre­sentados por génios tifónios, inimigos do deus solar.

Na versão ptolemaica, alguns quiseram ver alusão velada aos sentimentos de xenofobia que os egípcios experimentavam com relação aos persas e aos gregos que, sucessivamente, tinham ocupado o país; sob aparências mitológicas, os egípcios queriam deixar bem claro que os deuses, um dia, os haveriam de expulsar do país.

 

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