MITOS E MITOLOGIA MITOLOGIA
Egípcia
O MITO DO NASCIMENTO DIVINO DO REI Já na mais remota antiguidade criam os egípcios que o rei era
de essência superior a dos simples mortais. O faraó era a encarnação terrestre do Horo celeste, o
deus-rei; admitiam, da mesma forma, que o faraó tinha a protecção especial
dos deuses tutelares dos dois reinos primitivos: Necabit ou Necbet, a deusa-abutre
do Alto Egito e Uadjit (Edjo), a deusa-serpente do Baixo Egipto. A partir da V dinastia, certamente sob influência da
doutrina heliopolitana, os reis insistiram especialmente sobre sua origem
solar. Ainda que conservassem os antigos títulos, proclamavam-se
"Filhos de Ré", isto é, Filhos do Deus Sol. O
conto de Quéops e dos mágicos, narração que parece remontar ao Império
Médio, refere-nos, sob forma de lenda, o modo pelo qual os reis da V dinastia
vieram ao mundo. Esses príncipes, destinados a inaugurar nova linhagem real,
teriam nascido por obra e graça do deus solar e de uma mulher, esposa de um
sacerdote de Ré, senhor de Saquebu (localidade próxima de Heliópolis); teriam
nascido graças ao auxílio das deusas hábeis na arte de parturejar e que eram
conduzidas pelo deus Cnum, o deus-oleiro. A medida que as deusas obstetras
recebem os trigémeos, dão-lhes nomes que relembram as circunstâncias particulares
em que o parto se produziu. Parece que a narração popular tem por fito
evidenciar que o príncipe herdeiro nasce da união do deus solar, incorporado
ou encarnado no rei reinante, com a rainha sua esposa; destarte, realmente,
ele é o filho carnal de Ré. Há
duas versões a respeito desse assunto, ambas datando da XVIII dinastia, onde
os quadros que representam o episódio vêm acompanhados de textos assaz
explicativos e reproduzem um verdadeiro diálogo entre os actores dessa
espécie de drama sagrado. Uma das versões, Que se vê sob o pórtico central
do templo de Deir el-Bahari, refere-se ao nascimento da rainha Hatxepsut; a
outra, esculpida num dos compartimentos do templo c;ie Luxor, ilustra a vinda
ao mundo de Amenófis III; mas, conforme um fragmento de inscrição da XII
dinastia, a composição do texto deve remontar ao Império Médio. Nos relevos da XVIII dinastia, na verdade não é Ré que
desempenha o papel de procriador, mas sim Amon. Tal substituição nada tem de
estranho, pois na teologia tebana evoluída, Amon havia assumido a maior parte
das atribuições e funções do deus solar, entre outras a de pai do rei. Na
descrição que se segue, portanto, basta substituir o nome de Amon pelo de Ré
para restabelecer o estado de coisas inicial. Na primeira cena, Amon
participa ao colégio divino sua intenção de engendrar um príncipe destinado
a ocupar, um dia, o trono do Egipto. Tot desempenha o papel de mensageiro das
ordens divinas, e introduz na câmara nupcial a rainha que espera o divino
esposo que a fecundará. No correr da entrevista teogámica, Amon manifesta
seu desejo à rainha e fixa de antemão o nome e o destino do príncipe que irá
nascer. A seguir Amon se dirige para junto de Cnum, o deus-carneiro, o qual,
entre suas variadas atribuições, tem aquela de modelar os corpos e infundir
a vida; insiste junto ao deus para que dê ao filho que irá procriar um corpo
de beleza ultradivina. O deus logo se põe ao trabalho; sentado diante do tomo
de oleiro, fabrica o corpo do menino, ao mesmo tempo que lhe atribui o ca
(ka), isto é, a alma material, que, aparentemente, não é senão uma réplica do
corpo carnal. O momento do nascimento se aproxima; o deus Tot vem felicitar a
rainha pela sublime missão que lhe foi confiada e que ela, segundo tudo
indica, levará a bom termo; a seguir, conduzida por Cnum e por Hecat, a deusa
com cabeça de rã, a Qual facilita os partos, dirige-se para a câmara dos
partos, onde o feliz acontecimento não tarda a se realizar. A rainha, sentada num grande e magnífico leito, segura o
menino com gesto afectuoso. Ao seu redor desvelam-se deusas e gênios
encarregados de lhe prestar auxílio e de lhe valer em qualquer emergência;
das atitudes ressalta o caráter mágico da missão que as deusas e os génios
cumprem. Bes e Tuéris, protectores titulados das mulheres em
trabalho de parto, exercem suas funções com desvelo. A deusa Hator, deusa-mãe por excelência, faz, então, sua
entrada solene na sala de parto; toma o recém-nado nos braços e o apresenta a
Amon, o pai, que o contempla com complacência e bondade, augurando-lhe
glorioso e próspero porvir. A seguir o menino é conduzido para a sala que lhe foi destinada,
os seus compartimentos privados, onde a mãe o espera. E logo ele é confiado, assim como as catorze hipóstases do
seu ca (isto é, suas faculdades personificadas), aos bons cuidados das amas,
que são as "Hators". Entretanto, Amon continua a velar pelo destino
do filho. No decorrer de nova entrevista com Tot, à qual assistem o menino e
seu inseparáve1 ca, ele lhe dá novas instruções. Sem dúvida, essas instruções
ao deus da Escrita e da Ciência se referem à educação e ao futuro daquele
menino que será o senhor dos Dois Países. Na cena final participam Anúbis, Cnum e a deusa dos Anais.
Parece que o fim dessa entrevista é fixar o destino glorioso do futuro rei. Do exposto deduz-se com toda clareza que os egípcios,
sabendo que o nascimento de um faraó era igual ao de outro qualquer menino,
desejavam, conscientes da natureza supra-humana do príncipe real, dar ao
evento um carácter mais sublime, divino mesmo, a fim de que permanecessem bem
nítidas as diferenças existentes entre um simples mortal e o filho de um faraó.
Nos outros mitos, comumente, emprestava-se aos deuses comportamento
inspirado nas atitudes humanas; aqui, ao contrário, apresentavam um episódio
bem humano da carreira real sobre um plano quase teológico. Para
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