MITOS E MITOLOGIA MITOLOGIA
SUMERIANA
O PAÍS Sumer, Sumere ou Suméria era a longa faixa de terra da
Mesopotâmia (palavra grega que significa "Entre rios", isto é, o
Tigre e o Eufrates) que terminava no Golfo Pérsico. Muito menos isolada que o
Egipto, essa planície era a passagem entre o Mediterrâneo e o Oriente. A
Mesopotâmia antiga permaneceu desconhecida, praticamente, até o fim do século
XIX; as escavações arqueológicas a redescobriram. Toda a terra que medeia entre os rios, Mesopotâmia em
sentido estrito, é formada pelas aluviões do Tigre e Eufrates, e sua parte
meridional, muito baixa, é aberta sobre o mar. Os dois rios não desempenham a
mesma função que o Nilo no Egipto: suas cheias são brutais, desiguais, e quando
transbordam causam verdadeiras catástrofes. A zona mais próxima ao Golfo Pérsico foi habitada por povos
de origem ainda desconhecida, que se estabeleceram no vale do Eufrates,
provavelmente no início do V milenário a.C. Esse povo criou uma das mais antigas
civilizações históricas. A sua história prolonga-se até todo o III milenário
e só desapareceu quando Sumet foi conquistada pelos elamitas e semitas
amorreus. À grande região da Mesopotâmia a Bíblia dava o nome de
Aram-Nacharam, "Síria entre rios"; hoje compreende o Iraque, e
Bagdade é sua capital. Confina ao N. com a Turquia, a O. com a Síria francesa
e a Transjordânia, ao S. com a Arábia Saudita e a L. com a Pérsia, atuallrã.
Os rios Tigre e Eufrates, que banham toda essa região, correm do noroeste para
sueste; reúnem-se pouco acima da actual Basra, e deságuam no Golfo Pérsico.
A Assíria, velho país de Assur, estendia-se ao N., ao longo do Tigre;
Babilónia, a antiga Sumer, e Acádia, corriam para o S., entre o Eufrates e o
Tigre, descendo até o Golfo Pérsico. A MITOLOGIA SUMERIANA Os mitos de Suméria são cosmológicos e procuram investigar
a origem do povo, da raça, da sociedade. P- mitologia subjectiva: representa
aquele estágio em que a reflexão humana, pela primeira vez, tomou
conhecimento dos fenómenos psíquicos, internos, e do mundo exterior em
função do Homem como ser racional; é, sem dúvida, a mais antiga
"reflexão humana" que conhecemos. Os elementos que a mitologia de Suméria utiliza são terrenos
e familiais; o mito, sob plano cosmológico, quer, apenas, pôr em evidência os
caracteres que formaram a base da sociedade sumeriana. Procura explicar a
diversidade entre o estável e o instável, entre o que é duradouro .ao lado do
que é fugaz ou efémero, entre o que é seco (os desertos) e o que é húmido (as
terras férteis e os grande terrenos paludosos, vestígios, ainda, do dilúvio,
paisagem intimamente ligada às concepções do povo), entre a terra firme e os
grandes rios selvagens que correm eternamente; depois vem o mar, último,
talvez, em ordem cronológica, mas o primeiro elemento de espanto para o povo
sumeriano, o mar, figura misteriosa e temível; ele representa a eterna luta
entre a água (doce ou salgada) e a terra firme. Por essa razão, como não
poderia deixar de ser, os mitos da Suméria preocupavam-se com os vegetais,
ao passo que ignoram a descoberta e o uso dos metais. O panteão sumeriano é, portanto, o reflexo das famílias
organizadas em grupo social. Era imenso; é verdade que a maioria
representava pequenos deuses locais que foram, ou assimilados ou esquecidos;
os grandes deuses, porém, eram adorados em todas as cidades, ou em quase
todas; muitos chegaram até a figurar no panteão babilónio. As grandes cidades
da Suméria eram independentes, não havia governo central que as unificasse,
mas cada uma tinha o seu rei e os seus deuses próprios; estes, em outra
cidade, eram os mesmos, mas às vezes com nome diverso ou com atributos
diferentes. Segundo a concepção comum a todos os mesopotâmios, os
deuses haviam criado os homens para o seu serviço; além de construir templos
e oferecer sacrifícios, o homem deveria respeitar as leis, das quais as
divindades eram as protectoras e as guardiãs; os deuses, por seu turno, nada
deviam ao homem; com a criação haviam esgotado o elemento providencial; não
eram obrigados a recompensar o bem; tudo que acontecesse de catastrófico, de
mau, ou simplesmente de desagradável, era sinal de que os deuses não estavam
satisfeitos com o homem. Usavam os deuses dos demônios para atormentar os
homens; contavam-se por legiões: "fantasmas", "homens da
noite", "os arrebatadores", "os devoradores de
crianças" etc. Não se sabe precisamente qual o papel representado pelos "génios
bons". Os mesopotâmios, em geral, viviam em perpétuo temor; não
conheceram aquela doçura e optimismo que a civilização egípcia cultivou com
tanto empenho; e depois da morte, nenhuma esperança lhes sorria. A sua ideia
sobre a morte confirma o aspecto severo e terrível da concepção religiosa que
aceitavam. Morto o homem, restava-lhe, apenas, uma espécie de espectro, um
espírito muito vago, que teria de partir para regiões misteriosas, onde
viveria uma vida diminuída, numa eterna penumbra. "Quando os deuses
criaram a Humanidade, aos homens atribuíram a morte, mas a vida guardaram
para eles mesmos." Que resta, então, ao homem senão desejar a vida mais
longa possível? Uma idade avançada era particular favor dos deuses. O PANTEÃO SUMERIANO O
panteão sumeriano é encabeçado por An, o deus-céu, Enlil, o Senhor-Vento, e
uma deusa, Nin-ur-sag, "A Senhora da Montanha", conhecida, também,
sob outros nomes. Enlil
passou para o culto da Babilônia; seu nome semita é Bel, que significa
"senhor". Seu domínio era a terra; em Sumer, o principal local de
culto de Enlil era Nipur, grande e antiga cidade; já na época arcaica, os
reis de Lagash (outra importante cidade de Sumer) o chamavam de "rei dos
deuses"; tinha os epítetos de "Sábio" e "Ajuizado". Enqui,
talvez o Senhor-da-Terra, aparece às vezes como filho de Enlil; tinha o
domínio das águas, exceto do mar (as águas doces eram chamadas, no seu
conjunto, apsu). Nin-tu,
Nin-mah ou Aruru eram outros nomes para Nin-ur-sag. Namu era a deusa do mar
(pelo menos seu nome se escrevia com o ideograma utilizado para designar
"o mar"); Nintura, Utu e Eresquigal completavam o quadro dos
"Grandes deuses", chamados Anunáqui. Os mitos relatam o nome de
Ninsiquila, filha de Enqui. O MITO DA "ARVORE CÓSMICA". O
mito da "árvore" que unia a terra ao céu é, sem dúvida, um dos mais
antigos; parece, porém, que desapareceu muito cedo da mitologia sumeriana. A
árvore gish-gana do apsu ("O Abismo Primordial") erguia-se acima de
todos os países; é o símbolo do mastro ou viga que une as duas regiões
visíveis: Céu-Terra. Se o templo era o símbolo da árvore cósmica, à porta
desse erguia-se outro símbolo, uma estaca ou um mastro "que tocava o
céu". O rei de Isin, Ishme-Dágan, chamará o templo de Lagash "O
Grande Mastro do País de Sumer". A expressão e o símbolo desaparecerão
com o correr dos séculos, mas perdurará a concepção mitológica de um local
sagrado, algures, em Sumer, que seria o ponto de união entre o Céu (região
dos deuses) e a Terra (região dos homens). Em Nipur a cidade santa de Sumer,
onde reside Enlil, a grande torre de degraus se chamava Dur-an-qui,
"Laço Que Une o Céu à Terra", isto é, o lugar que faz comunicar a
Terra com o Céu. Na Bíblia nós temos um evidente reflexo dessa concepção; é o
trecho onde Jacó sonha com uma escada que, apoiando-se na terra, tocava com o
cimo o céu e os anjos de Deus subiam e desciam pela escada (Gên., XXVIII,
10-22). NASCIMENTO DO MAR, TERRA E CÉU A deusa Namu é chamada
“A mãe que deu nascimento ao Céu e à Terra"; aliás, ela é
designada freqüentes vezes como a "Mãe de todos os deuses" e mais
especificamente "A mãe de Enqui", o deus responsável pelo mundo no
qual vivem os homens. A criação do cosmos se fez por emanações sucessivas; do
Mar primordial nasceram a Terra e os Céus. Os dois elementos, Terra e Céu,
"os gêmeos", no início ainda estavam unidos e se interpenetravam.
Enlil os separou, talvez com um sopro, já que seu nome significa "Senhor
Vento". Há
um poema sumeriano que relata como a Enxada (ou Enxadão) foi criada; nesse
texto se alude à sucessiva criação do mundo: "O senhor Enlil decidiu
produzir o que era útil,/ O senhor, cujas decisões são imutáveis,/ Enlil, que
fez germinar da terra a semente do país,/ Imaginou separar o Céu da Terra,/
Imaginou separar a Terra do Céu..." Outro poema vê nessa separação inicial dos elementos a obra
de duas divindades, An e Enlil: "Quando o Céu foi
separado da Terra,/ Quando a Terra foi separada do Céu,/ Quando o nome do
Homem foi determinado,/ Quando An arrancou o Céu,/ Quando Enlil arrancou a
Terra..." Há outra tradição que atribui a separação dos elementos
primordiais a uma divindade ou Demiurgo. O Paraíso Um
longo texto sumeriano, conhecido sob o nome de Mito do Paraíso ou Mito de
Dilmum, refere o início dos tempos, quando o deus Enqui e sua esposa, "A
Virgem Pura", viviam sozinhos num mundo virgem e cheio de delícias, que
se situava em Dilmum, região mítica. Nada
existia além do par divino; em Dilmum nascerá não só a água doce e o Sol, mas
também a vida. Esse mito parece ter afinidade com o Paraíso bíblico onde o
primeiro casal, Adão e Eva, também vivia no meio de delícias, antes da
desobediência. O CASAMENTO DIVINO Enqui, no Paraíso, depois que a água doce tornou férteis as
terras, fecundou "A Virgem", que assumiu, então, o nome de
"Senhora do País". Essa deusa era Nintu; logo que ficou grávida e
o parto se aproximou, tomou o nome de Nin-hur-sag. O primeiro filho do casal
divino era uma deusa, Ninmu; Enlil une-se à Ninmu e gera outra filha, a
deusa Nin-curra, da qual teráem seguida outra filha, Utu; e as uniões entre o
deus-pai e as filhas prosseguiriam se Nin-hur-sag não aconselhasse a Utu recusar
as solicitações do pai, a não ser que dele recebesse, antes, os presentes
nupciais, pepinos, maçãs e uvas. Enqui consegue os pepinos, as maçãs e as uvas
e Utu deve entregar-se aos ardores amorosos do deus; mas o acto não se
consuma. Nin-hur-sag utiliza o sêmen de Enqui para criar oito plantas
diferentes que o deus vê crescer nos pântanos, sem saber o que significam e
para que servem. Contudo, come-as. Nin-hur-sag, então, amaldiçoa Enqui e
desaparece. A desaparição de Nin-hur-sag consterna os grandes deuses, os
Anunáqui, que não sabem como proceder. Apresenta-se, nessa conjuntura, a
Raposa, que se oferece para ir buscar Nin-hur-sag, se a recompensa for
compensadora. Enlil promete dar-lhe como paga árvores frutíferas e grande
glória: todos se referirão à Raposa com grandes elogios. Há muitas lacunas
nesse texto mítico; não sabemos, portanto, qual o meio que a Raposa usou para
reconduzir a deusa. Sabemos, porém, que Enqui, moribundo. tinha ao seu lado a
solícita Nin. -hur-sag. O deus indica oito partes do seu corpo; a deusa
confessa que, para curá-lo, deu à luz algumas divindades. Enqui determina a
sorte dessas divindades; a última delas, En-shag, será o protetor da cidade
mítica de Dilmum. O DILÚVIO A
tradição do dilúvio, comum a muitos povos, também o é à civilização
sumeriana. Essa narrativa, em forma de epopeia, chegou até nós muito
mutilada; mas o mito, na sua essência, é o seguinte: Por
razões desconhecidas, pois falta essa parte do poema, a Assembléia dos deuses
delibera destruir a Humanidade por meio de um dilúvio. Mas o rei de Shurupac,
Zi-u-sudra, foi escolhido para servir de pai às futuras gerações de homens;
um deus, então, o adverte da decisão da Assembléia divina. Zi-u-sudra
constrói a arca na qual conservará "o sémen da Humanidade";
fecha-se na arca e começa a chover; a chuva dura sete dias e sete noites;
morreram todos os homens, menos o rei Zi-u-sudra, que, após o dilúvio, começa
a participar da vida divina; dão-lhe como residência a cidade de Dilmum. A CRIAÇÃO DO HOMEM Os deuses criaram os Homens, já afirmamos, para que eles
fizessem o trabalho e desempenhassem as funções que, de outra maneira, teriam
de ser executadas pelas próprias divindades. A criação do homem, destarte, é
algo de necessário. Encontramos, aqui, outra notável semelhança com o relato
bíblico, onde o trabalho é uma maldição: "Comerás teu pão com o suor do
teu rosto". Para os sumerianos, os deuses não trabalhavam: os homens
trabalhavam por eles; esse dolce far
niente fazia com que gozassem plenamente a vida divina, sem trabalhos, o
que os distinguia dos humanos. Diz o mito que os grandes deuses Anunáqui sentiam fome e
não podiam comer, sentiam sede e não podiam beber, pois o Homem ainda não
fora criado. O deus An criara os Anunáqui "sobre a montanha do Céu e da
Terra", mas nenhum desses era capaz de prover, já não se diz a
subsistência de todos, mas a sua mesma. Ashnam (a deusa do Grão) ainda não
fora criada, Utu (deusa da Tecelagem) tampouco fora formada, assim como
Lahar, o deus do gado. Eles não tinham, ainda, nome. Isto é o que se chama
"Doutrina do nome", comum também em Babilônia. Resume-se no
seguinte princípio fundamental: a coisa só existe quando tiver nome; essa
"Doutrina" parece ser também da Bíblia: Quando Deus criou os
animais fez que viessem diante de Adão para que este lhes impusesse, um nome
(Gên., lI, 19). Criaram, então, os deuses, Ashnam e Lahar: o grão e o gado
crescerão juntos, mas os deuses permanecem insatisfeitos, pois não há quem
cuide do gado e recolha o grão. Então o Homem recebe o sopro vital.
Concluiu-se o Cosmos. A obra da Criação está completa. Deduz-se desse mito,
que a única função do Homem é trabalhar para os deuses. Para
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