MITOS E MITOLOGIA MITOLOGIAS
HURRITA E HITITA
A REGIÃO De cada lado da Mesopotâmia, planície fértil situada entre
o Tigre e o Eufrates, erguem-se dois maciços montanhosos; um, a Este, é o
platô do Irã, bordado de cadeias com verdadeiros degraus; o segundo, a
oeste, é o platô da Asia Menor, com 1 000 a 1 300 m de altitude, separado
pelo Tauro e pelo Amano da Alta Síria, prolongamento natural da Mesopotâmia
em direcção do norte-oeste. É região áspera, inóspita, açoitada por ventos
furiosos e castigada com grandes frios, praticamente isolada da costa, ao
norte e ao sul, por montanhas abruptas. Essas duas regiões, a Anatólia e a
Alta Síria, foram o domínio dos hititas e dos hurritas, dos quais faziam
parte os mitanianos, habitantes do Mitâni. Ainda que hurritas e hititas, em
épocas precedentes ao período histórico, tenham sido verdadeiros parentes,
contudo, sempre se encontraram em competição, quando a luta pela
sobrevivência os levou a combater perpetuamente na Alta Síria, o país de Canaã,
que compreendia a Fenícia e a Palestina e se estendia como um corredor entre
a Asla e o Egipto. Os habitantes dessa região eram misturados, bem como os mesopotâmios;
assiânicos, semitas e indo-europeus. Durante muito tempo os hititas foram chamados heteus, por
causa do nome que tinham na tradução grega da Bíblia, feita pelos Setenta:
Chettaios, que na Vulgata passou para Hethaeus; o nome hitita também deriva
da Bíblia: Hittin. Mas os assírios conheceram esse povo sob o nome de Hatti e
os egípcios, de Ht', porque não escreviam as vogais (cf. Gên., XXIII, 3-20;
XXV, 9; XLIX, 29-32; Exodo, 111, 8-9, XIII, 5; XXIII, 23; XXXIII, 2; XXXIV,
11; Juízes, 111, 5; I Reis, IX, 20-21; XI, 1; Josué, III, 10; IX, 1; XI, 3;
XII, 8; XXIV, u; Números, XIII, 30; I Samuel, XXVI, 6; 11 Samuel, XI, 3;
XXIII, 39). A língua hitita é de origem indo-europeia, mesclada com elementos
acadianos. Os hurritas apareceram muito cedo no horizonte histórico da
Mesopotâmia, antes de 2300 a.C. Nessa época já estavam instalados a Este do
Tigre; já constituíam importante factor político no tempo do rei de Agade,
Naram-Sin (2270-2223); ignoramos, porém, toda a sua história ou quase toda;
no século XV, uma dinastia ariana congrega os pequenos estados hurritas num
vasto império, que se estende do Tigre ao Mediterrâneo. Os hurritas foram os
intermediários entre os babilónios e os hititas; estes jamais tiveram
contactos directos com Babilónia. Nas campanhas dirigidas contra os Estados
hurritas politicamente organizados, os hititas levaram, segundo nos referem
os textos analíticos do rei hitita Hatusil I (1650-1620), prisioneiros entre
os quais sacerdotes e vasta presa composta de estátuas roubadas aos templos.
Este episódio parece marcar o início da influência religiosa hurrita sobre
os hititas. Depois o grande centro hurrita da Cilícia, o Kizzuwatna, entrará
na órbita da influência hitita, na época de Supiluliuma (por volta de 1350),
e a civilização hitita mescla-se profundamente com traços característicos da
sociedade hurrita, principalmente nos domínios religioso e social. Durante esses séculos, enquanto elaboram sua consciência
política, os hurritas estão em contacto imediato com a Mesopotâmia, para
eles fonte de toda civilização. O século XIII assiste, destarte, à elaboração de um sincretismo
religioso que tentava ordenar as diversas divindades do Oriente Próximo
antigo, da Mesopotâmia ao Mediterrâneo, numa só e única teologia, onde
divindades hurritas, sumerianas e cananéias teriam seu lugar. Considerável número de textos hurritas foram encontrados no
Oriente Próximo, na região do Tigre e do Eufrates, no Mediterrâneo. A maioria
desses documentos, constituídos de textos religiosos e mágicos, provém dos
arquivos reais dos reis hititas de Hatusas (hoje Boghaz-Koy, na Turquia).
Esses textos, escritos em língua muito imperfeitamente conhecida, do tipo
chamado "aglutinante", e que não se liga nem às línguas
indo-europeias nem às línguas semitas, são de difícil interpretação; mas,
felizmente, inúmeros textos hurritas foram traduzidos para o hitita, hoje
língua perfeitamente conhecida; daí o conhecimento que temos de alguns mitos
hurritas. Explica-se, assim, também, porque no título do presente trabalho
pus primeiro o adjectivo "hurrita". A RELIGIÃO Quando se estuda a religião hitita, à luz dos textos de
Boghaz - Keui (ou Koy), percebemos que a expressão "os mil deuses do
país de Hati", que os escribas usam com frequência, não é mera
hipérbole. A confusão do panteão hitita é inextricável. A alta antiguidade não fazia distinção entre um país e seus
deuses; quando um reino era anexado, os deuses do país vencido se integravam
no panteão do vencedor. A origem desse modo de proceder era um sentimento
complexo: conciliar as forças estrangeiras dos deuses alienígenas, não
enfrentar a sua cólera e o desejo de captar, para seu proveito, as potências
emanadas das divindades estrangeiras. Desde a época de Eannadu, que reinou em Lagash nos primeiros
séculos do III milenário, o norte da Mesopotâmia era conhecido sob o nome de
Subaru; essa região engloba os futuros territórios da Assíria e do Mitâni,
isto é, a região situada entre o Zagros e o Eufrates. No panteão hitita-hurrita, os primeiros deuses que aparecem
são mitanianos; seguem-se as divindades arianas e por último os deuses dos
países vizinhos. Os deuses mitanianos propriamente ditos são Tesup e sua
companheira Hepa (Hebe ou Hepit); os arianos são: Nltra, Varona, Indra, Os
Nasatia; os deuses dos países vizinhos são: Assur, Zababa, lsara (variedade
da Istar babilônica), Anu, Antum, Enlil, Ninlil, Sin, Sarnas, Istar, Ea,
Danquina, Nergal e Ninegal. Os
deuses proto-hititas são representados por Catisapi, Vasezel, Tetesapi,
Irbitiga, Santa, Tarunza, Suwasuna, Vandu Iasala. Além dessas divindades, os hititas e hurritas cultuavam com
grande empenho o Grande Deus e a Granqe Deusa. Vejamos o que nos dizem os
textos sobre algumas dessas divindades. Tesup e Hepa: Tesup é um deus elementar, deus dos
cumes, do raio e da tempestade; secundariamente, da chuva generosa e da
fertilidade; compara-se ao deus Adad, com o qual tem muitas afinidades. Hepa
é sua companheira, deusa da fertilidade e da fecundidade, como Istar; com Tesup
ela forma o par divino por excelência. Isara, espécie de Istar, era representada
pelo escorpião; nela os mitanianos viam a "Senhora do Juramento". Anu era
deus da Babilônia e de Sumer, divindade do céu. Enlil, também
deus babilónio, era o deus da terra. Sin, deus-lua, também babilônio, era o
senhor do juramento. Sarnas, lstar, deusa da fecundidade e da fertilidade e
Ea tinham as mesmas funções e atributos que em Babilónia. Ninegal era
divindade do mundo inferior. Nisaba era a deusa dos cereais, uma espécie
de Cères hitita. O MITO DE ASERTU Asertu
(que parece ser a mesma divindade semita do oeste, Asirtu), quis seduzir o
Grande Deus (isto é, Tesup); este repele as solicitações amorosas da deusa.
Asertu, então, atribui ao Grande Deus a tentativa de querer violentá-la. O
Grande Deus vai em busca do marido da deusa e lhe expõe a verdade. Esse mito
seria de escasso interesse se não fosse a reprodução da história de José, no
Egito, e da mulher de Putifar (Gên., XXXIX, 1-20) e não lembrasse o famoso
conto egípcio "Os dois irmãos", O MITO DA GRANDE SERPENTE A serpente Iluianca, através de peripécias pouco
inteligíveis, entra em luta com o Grande Deus, inimigos que eram há muito
tempo. Depois que a serpente Iluianca o atacou, o deus queixa-se amargamente
e quer que a castiguem. Então o deus Inara prepara uma grande festa e enche
bilhas e bilhas com diversas bebidas; enfeita-se e convida a Grande Serpente
a sair da sua cova e vir comer e beber; e a serpente Iluianca veio com seus
filhotes; comeram e beberam, esvaziaram todas as bilhas e aplacaram a
vontade de beber; de sorte que não puderam mais entrar na cova. Então
aproveitaram a ocasião e amarraram a Grande Serpente; o Grande Deus,
auxiliado de outras divindades, a exterminou. Esse mito parece ser uma
réplica da história de Tiamat, o Caos (um dragão) e da Grande Serpente que o
deus Asar vigiava, na literatura babilónica. O MITO DE TELEPINO O mito de Telepino lembra eloquentemente o de Tamuz e as
consequências, funestas para os homens, da descida de Istar aos infernos. Telepino (deus da vegetação) havia desaparecido e toda a
terra periclitava; no fogão morriam as chamas, nos santuários os deuses, nos
estábulos os cordeiros, nos campos os bois e vacas. A ovelha não procurava
mais o macho, a vaca não buscava o touro. As árvores perdiam as folhas, os
grãos não germinavam. Secavam-se os prados, as fontes não corriam. Reinava a
fome no país; homens e deuses morriam por falta de alimento. O Grande deus
Sol deu uma festa e para ela convidou todos os outros deuses; comeram, mas
não puderam aplacar a fome; beberam, mas continuaram sequiosos (parece que
se deve compreender que tanto o alimento como a bebida perderam suas qualidades
próprias). Então o Grande deus disse ao filho: "Telepino não está mais
na terra; irritou-se e conduziu tudo com ele. E os grandes e os pequenos
deuses gritam que é preciso ir procurá-lo". O deus-Sol mandou a águia
como mensageira rápida: "Vai e perscruta as altas montanhas, os vales, os
desfiladeiros; procura; investiga o abismo das águas". A águia partiu
mas não encontrou nada; voltou e referiu isto ao deus-Sol: "Não
encontrei Telepino, o deus todo-poderoso". O Grande deus disse à Daína
dos deuses: "Que devemos fazer? Morreremos de fome". A Dama dos deuses
lhe disse: "Faze antes isto. Vai tu mesmo e procura Telepino". Ele
foi à cidade, bateu à porta, mas Telepino não estava em casa. Então quebra a
tranca e a casa. Voltou sem o encontrar. Após uma segunda exploração, tão
infrutífera quanto a primeira, a Abelha sai em busca de Telepino. A Dama dos
deuses diz à Abelha: "Vai e procura Telepino e quando o tiveres
encontrado, pica-o nas mãos e nos pés, para que ele se erga. Lava-o, em
seguida, enxuga-o, torna-o puro e traze-o aqui". Telepino foi encontrado,
voltou, e tudo retoma seu curso normal. Há, no poema, evidente imitação do poema babilônico, quando
a desolação se espalha por sobre a terra com a descida de Istar aos infernos. Para
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