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Quando Chegar a Hora
Quando eu, feliz!
morrer, oiça, Sr. Abbade,
Oiça isto que
lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á
vontade,
Olhe: eu mesmo
lh'a meço...
O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas...
O cão pode lá
ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das
sachas,
Que m'a venha
elle abrir.
E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a
Alléluia!
Não me diga orações, que eu não
tenho peccados:
A minha alma é
dia!
Será meu confessor o vento, e a luz do raio
A minha
Extrema-Uncção!
E as carvalhas (chorae o poeta,
encommendae-o!)
De padres farão.
Mas as aguias, um dia, em bando como astros,
Virão
devagarinho,
E hão-de exhumar-me o corpo e
leval-o-ão de rastros,
Em tiras, para o
ninho!
E ha-de ser um deboche, um pagode, o demonio,
N'aquelle dia,
ai!
Aguias! sugae o sangue a vosso
filho Antonio,
Sugae! sugae!
sugae!
Raro têm de comer. A pobreza
consome
As aguias,
coitadinhas!
Ao menos, n'esse dia, eu matarei a
fome
A essas
desgraçadinhas...
De que serve, Sr. Abbade! o nosso pacto:
Não me lembrei,
não vi
Que tinha feito com as aguias um
contrato,
No dia em que
nasci.
António Nobre, in 'Só'
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