Evangelho de Pedro, Evangelhos Apócrifos

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Primeiro Evangelho

Evangelho de Pedro – A Infância de Cristo segundo Pedro

Segundo Evangelho de Pedro

A Crucificação de Cristo

Este é considerado o quinto Evangelho, escrito por Pedro, segundo relatos feitos por Nossa Senhora. Publicado pela primeira vez em 1677, conta com verões em grego, latim, armênio e árabe.

A infância de Cristo

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, Deus único.

Com o auxílio e a ajuda do Deus todo poderoso, começamos a escrever o livro dos milagres de nosso Salvador, Mestre e Senhor Jesus Cristo, que se intitula o Evangelho da Infância, conforme narrado por Maria, sua mãe, na paz do Nosso Senhor e Salvador. Que assim seja.

Palavras de Jesus no Berço

Encontramos no livro do grande sacerdote Josefo que viveu no tempo de Jesus Cristo, e que alguns chamam de Caifás, que Jesus falou quando estava no berço e que disse a sua mãe Maria:

– Eu, que nasci de ti, sou Jesus, o filho de Deus, o Verbo, como te anunciou o anjo Gabriel, e meu Pai me enviou para a salvação do mundo.

Viagem a Belém

No ano de 309 da era de Alexandre, Augusto ordenara que todos fossem recenseados em sua cidade natal. José partiu, então, conduzindo Maria, sua esposa. Vieram a Jerusalém, de onde se dirigiram a Belém para inscreverem-se no local onde ele havia nascido. Quando estavam próximos a uma caverna, Maria disse a José que sua hora havia chegado e que não poderia ir até a cidade.

– Entremos nesta caverna – disse ela.

O sol estava começando a se pôr. José apressou-se em procurar uma mulher que assistisse Maria no parto e encontrou uma anciã que vinha de Jerusalém.

Saudando-a, disse-lhe:

– Entra na caverna onde encontrarás uma mulher em trabalho de parto.

A Parteira de Jerusalém

Após o pôr-do-sol, José chegou com a anciã à caverna e eles entraram. Eis que a caverna estava resplandecendo com uma claridade que superava a de uma infinidade de labaredas e brilhava mais do que o sol do meio-dia. A criança, enrolada em fraldas e deitada numa manjedoura, mamava no seio da mãe. Ambos ficaram surpresos com o aspecto daquela claridade e a anciã disse a Maria:

– És tu a mãe desta criança?

Ao responder afirmativamente Maria, disse-lhe:

– Não és semelhante às filhas de Eva.

Respondeu Maria respondeu:

– Assim como entre as crianças dos homens não há nenhuma que seja semelhante ao meu filho, assim também sua mãe não tem par entre todas as mulheres.

A anciã disse então:

– Senhora e ama, vim para receber uma recompensa que perdurará para todo o sempre.

Maria lhe disse, então:

– Põe tuas mãos sobre a criança.

Quando a anciã o fez, foi purificada. Ao sair, ela disse:

– A partir deste momento, eu serei a serva desta criança e quero consagrar-me a seu serviço, por todos os dias da minha vida.

A Adoração dos Pastores

Em seguida, quando os pastores chegaram e acenderam o fogo, entregando-se à alegria, as cortes celestes apareceram, louvando e celebrando o Senhor, a caverna parecia-se com um templo augusto, onde reis celestiais e terrestres celebravam a glória e os louvores de Deus por causa da natividade do Senhor Jesus Cristo. E esta anciã hebréia, vendo estes milagres resplandecentes, rendia graças a Deus, dizendo:

– Eu te rendo graças, ó Deus, Deus de Israel, porque os meus olhos viram a natividade do Salvador do mundo.

Circuncisão

Quando chegou o tempo da circuncisão, isto é, o oitavo dia, época na qual o recém-nascido deve ser circuncidado segundo a lei, eles o circuncidaram na caverna e a velha anciã recolheu o prepúcio e colocou-o em um vaso de alabastro, cheio de óleo de nardo velho. Como tivesse um filho que comercializava perfumes, Maria deu-lhe o vaso, dizendo:

– Muito cuidado para não vender este vaso cheio de perfume de nardo, mesmo que te ofereçam trezentos dinares.

E este é o vaso que Maria, a pecadora, comprou e derramou sobre a cabeça e sobre os pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, enxugando-os com seus cabelos.

Quando dez dias se haviam passado, eles levaram a criança para Jerusalém e, ao término da quarentena, eles o apresentaram no templo do Senhor, oferecendo por ele as oferendas prescritas pela lei de Moisés, que diz:

– Toda criança do sexo masculino que sair de sua mãe será chamada o santo de Deus.

Apresentação no Templo

O velho Simeão viu o menino Jesus resplandecente de claridade como um facho de luz, quando a Virgem Maria, cheia de alegria, entrou com ele em seus braços. Uma multidão de anjos rodeava-o, louvando-o e acompanhando-o, assim como os satélites de honra seguem seu rei. Simeão, pois, aproximando-se rapidamente de Maria e estendendo suas mãos para ela, disse ao Senhor Jesus:

– Agora, Senhor, teu servo pode retirar-se em paz, segundo tua promessa, pois meus olhos viram tua misericórdia e o que preparaste para a salvação de todas as nações, luz de todos os povos e a glória de teu povo de Israel.

A profetisa Ana também estava presente, rendia graças a Deus e celebrava a felicidade de Maria.

Adoração dos Magos

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Aconteceu que, enquanto o Senhor vinha ao mundo em Belém, cidade da Judéia, Magos vieram de países do Oriente a Jerusalém, tal como havia predito Zoroastro, e traziam com eles presentes: ouro, incenso e mirra. Adoraram a criança e renderam-lhe homenagem com seus presentes. Então Maria pegou uma das faixas, nas quais a criança estava envolvida, e deu-a aos magos que receberam-na como uma dádiva de valor inestimável. Nesta mesma hora, apareceu-lhes um anjo sob a forma de uma estrela que já lhes havia servido de guia, e eles partiram, seguindo sua luz, até que estivessem de volta a sua pátria.

A Chegada dos Magos à sua Terra

Os reis e os príncipes apressaram-se em se reunir em torno dos magos, perguntando-lhes o que haviam visto e o que havia feito, como haviam ido o como haviam voltado e que companheiros eles haviam tido então durante a viagem. Os magos mostraram-lhes a faixa que Maria lhes havia dado. Em seguida, celebraram uma festa, acenderam o fogo segundo seus costumes, adoraram a faixa e a jogaram nas chamas. As chamas envolveram-na.

Ao apagar-se o fogo, eles retiraram o pano e viram que as chamas não haviam deixado nele nenhum vestígio. Eles se puseram então a beijá-lo e a colocá-lo sobre suas cabeças e sobre seus olhos, dizendo:

– Eis certamente a verdade! Qual é pois o preço deste objeto que o fogo não pode nem consumir nem danificar?

E pegando-o, depositaram-no com grande veneração entre seus tesouros.

A Cólera de Herodes

Herodes, vendo que os magos não retornavam a visitá-lo, reuniu os sacerdotes e os doutores e disse-lhes:

– Mostrai-me onde deve nascer o Cristo.

Quando responderam que era em Belém, cidade da Judéia, Herodes pôs-se a tramar, em seu espírito, o assassinato do Senhor Jesus. Então um anjo apareceu a José, durante o sono, e disse-lhe:

– Levanta-te, pegue a criança e sua mãe e foge para o Egito.

Quando o galo cantou, José levantou-se e partiu.

Fuga para o Egito

Enquanto ele refletia sobre o caminho que ele devia seguir, a aurora o surpreendeu. A correia da sela se havia rompido ao se aproximarem de uma grande cidade, onde havia um ídolo, ao qual os outros ídolos e divindades do Egito rendiam homenagem e ofereciam presentes. Sempre que Satã falava pela boca do ídolo, os sacerdotes relatavam o que ele dizia aos habitantes do Egito e de suas margens.

Um sacerdote tinha um filho de trinta anos que estava possuído por um grande número de demônios. Ele profetizava e anunciava muitas coisas. Quando os demônios se apossavam dele, rasgavam suas roupas e ele corria nu pela cidade, jogando pedras nos homens.

A hospedaria dessa cidade ficava perto deste ídolo. Quando José e Maria lá chegaram e se hospedaram, os habitantes ficaram profundamente perturbados e todos os príncipes e sacerdotes dos ídolos se reuniram ao redor desse ídolo, perguntando-lhe:

– De onde vem esta agitação universal e qual é a causa deste pavor que se apoderou de nossos país?

O ídolo respondeu:

– Esse assombro foi trazido por um Deus desconhecido, que é o Deus verdadeiro, e ninguém a não ser ele é digno das honras divinas, pois ele é o verdadeiro Filho de Deus. À sua aproximação, esta região tremeu. Ela se emocionou e se assombrou e nós sentimos um grande temor por causa do seu poder.

Neste momento, esse ídolo caiu e quebrou-se, tal como os outros ídolos que estavam no país. Sua queda fez acorrerem todos os habitantes do Egito.

A Cura do Menino Endemoninhado

O filho do sacerdote, acometido do mal que o afligia, entrou no albergue insultando José e Maria, já que os outros hóspedes haviam fugido. Como Maria havia lavado as fraldas do Senhor Jesus e as estendera sobre umas madeiras, o menino possuído pegou uma das fraldas e colocou-a sobre sua cabeça. Imediatamente os demônios fugiram, saindo pela boca, e foram vistos sob a forma de corvos e serpentes. O menino foi curado instantaneamente pelo poder de Jesus Cristo e se pôs a louvar o Senhor que o havia libertado e rendeu-lhe mil ações de graça.

Quando seu pai viu que ele havia recobrado a saúde, exclamou, admirado:

– Meu filho, mas o que te aconteceu e como foste tu curado?”

O filho respondeu:

– No momento em que me atormentavam, eu entrei na hospedaria e lá encontrei uma mulher de grande beleza, que estava com uma criança. Ela estendia sobre umas madeiras as fraldas que acabara de lavar. Eu peguei uma delas e coloquei-la sobre minha cabeça e os demônios fugiram imediatamente e me abandonaram.

O pai, cheio de alegria, exclamou:

– Meu filho, é possível que essa criança seja o Filho do Deus vivo que criou o céu e a terra e, assim que passou por nós, o ídolo partiu-se, os simulacros de todos os nossos deuses caíram e uma força superior à deles destruiu-os.

Os Temores da Sagrada Família

Assim se cumpriu a profecia que diz:

– Chamei o meu filho do Egito.

Quando José e Maria souberam que esse ídolo se havia quebrado, foram tomados de medo e de espanto e diziam:

– Quando estávamos na terra de Israel, Herodes queria que Jesus morresse e, com esta intenção, ele ordenou o massacre de todas as crianças de Belém e das vizinhanças. É de se temer que os egípcios nos queimem vivos, se eles souberem que esse ídolo caiu.

Os Salteadores

Eles partiram e passaram nas proximidades do covil de ladrões, que despojavam de suas roupas e pertences os viajantes que por ali passavam e, após tê-los amarrado, os arrastavam pelo deserto. Esses ladrões ouviram um forte ruído, semelhante ao do rei que saiu de sua capital ao som dos instrumentos musicais, escoltado por grande exército e por uma numerosa cavalaria. Apavorados, então, deixaram ali todo o seu saque e apressaram-se em fugir. Os cativos, levantando-se, cortaram as cordas que os prendiam e, tendo retomado sua bagagem, iam retirar-se, quando viram José e Maria que se aproximavam e perguntaram-lhes:

– Onde está este rei cujo cortejo, com seu barulho, assustou os ladrões a ponto de eles terem e nos libertado?

José respondeu:

– Ele nos segue.

A Endemoninhada

Chegaram em seguida a outra cidade, onde havia uma mulher endemoninhada. Quando ela ia buscar água no poço durante a noite, o espírito rebelde e impuro apossava-se dela. Ela não podia suportar nenhuma roupa, nem morar em uma casa. Todas as vezes que a amarravam com cordas e correntes, ela as partia e fugia nua para locais desertos. Ficava nas estradas e perto de sepulturas, perseguindo e apedrejando aqueles que encontrava no caminho, de forma que ela era, para seus pais, motivo de luto.

Maria viu-a e foi tomada de compaixão. Imediatamente Satã a deixou e fugiu sob a forma de um jovem rapaz, dizendo:

– Infeliz de mim, por tua causa, Maria, e por causa do teu filho!

Quando essa mulher foi libertada da causa de seu tormento, olhou ao seu redor e, corando por sua nudez, procurou seus pais, evitando encontrar as pessoas. Após haver vestido suas roupas, ela contou ao seu pai e aos seus o que lhe havia acontecido. Como eles fizessem parte dos habitantes mais distintos da cidade, hospedaram em sua casa José e Maria, demonstrando por eles um grande respeito.

A Jovem Muda

No dia seguinte, José e Maria prosseguiram sua viagem. À noite chegaram a uma cidade onde estava sendo celebrado um casamento. Mas, em decorrência das ciladas do espírito maligno e dos encantamentos de alguns feiticeiros, a esposa ficara muda, de forma que ela não podia mais falar. Quando Maria entrou na cidade, trazendo nos braços o filho, o Senhor Jesus, aquela que havia perdido o uso da palavra avistou-o e imediatamente pegou-o em seus braços. Abraçou-o, apertando-o junto ao seu seio e cobrindo-o de carinho. Imediatamente o laço que travava sua língua partiu-se e seus ouvidos se abriram. Ela começou a glorificar e a agradecer a Deus que a havia curado. Naquela noite, houve uma grande alegria entre os habitantes dessa cidade, pois acreditavam todos que Deus e seus anjos haviam descido no meio deles.

Outra Endemoninhada

José e Maria passara três dias nesse lugar, onde foram recebidos com grande veneração e esplendidamente tratados. Munidos de provisões para a viagem, partiram dali e chegaram a uma outra cidade. Como ela era próspera e seus habitantes tinha boa reputação, eles pernoitaram lá. Havia nessa cidade uma boa mulher. Um dia em que ela havia descido até o rio para lavar-se, um espírito maldito, assumindo a forma de uma serpente, havia se jogado sobre e cingido o seu ventre. Todas as noites estendia-se sobre ela. Quando essa mulher viu Maria e o Senhor Jesus que ela trazia contra o seio, rogou à Santa Virgem que lhe permitisse segurar e beijar a criança. Maria consentiu, e assim que a mulher tocou a criança, Satã abandonou-a e fugiu. Desde então ela não mais o viu. Todos os vizinhos louvaram o Senhor e a mulher recompensou-os com grande generosidade.

Uma Leprosa

No dia seguinte, essa mulher preparou água perfumada para lavar o menino Jesus e após o haver lavado, guardou essa água. Havia lá uma jovem cujo corpo assava, coberto pela lepra branca. Lavou-se ela com essa água e foi imediatamente curada. O povo dizia então:

– Não resta dúvida de que José e Maria e essa criança sejam Deuses, pois eles não podem ser simples mortais.

Quando eles se preparavam para partir, essa jovem, que havia sido curada da lepra, aproximou-se deles e rogou-lhes que lhe permitissem acompanhá-los.

Um Menino Leproso

Eles consentiram e ela foi com eles. Chegaram a uma cidade, onde havia o castelo de um poderoso príncipe. Foram até lá e se hospedaram nele. A jovem, aproximando-se da esposa do príncipe, encontrou-a triste e chorando. Perguntou-lhe, então, qual a causa daquele pesar:

– Não te espantes de me ver entregue à aflição. Estou em meio a uma grande calamidade, que não ouso contar a ninguém.

A jovem tornou:

– Se me confessares qual é teu mal, talvez encontres remédio junto a mim.

A esposa do príncipe disse-lhe:

– Não revelarás este segredo a ninguém. Casei-me com um príncipe cujo império, semelhante a um império de um rei, estende-se por vastos estados e, após haver vivido por muito tempo com ele, ele não teve de mim nenhum descendente. Finalmente, eu concebi, mas trouxe ao mundo uma criança leprosa. Após havê-lo visto, ele não quis reconhecê-lo como seu filho e me disse para matar a criança ou entregá-la a uma ama para que a criasse num local tão afastado, para que não mais ouvíssemos sobre ela. Além disso, ele me mandou pegar o que é meu, pois não queria me ver mais. Eis porque me entrego à dor, deplorando a calamidade que sobre mim se abateu. Choro por meu marido e por meu filho.

A jovem respondeu-lhe:

– Pois não te disse que eu tenho para ti o remédio que te havia prometido? Eu também fui atingida pela lepra, mas fui curada por uma graça de Deus, que é Jesus, o filho de Maria.

A mulher perguntou-lhe, então, onde estava esse Deus do qual falava. A jovem respondeu-lhe:

– Ele está bem aqui, nesta casa”.

Perguntou a princesa:

– Como pode ser isso, onde está ele?

A jovem respondeu:

– Aqui estão José e Maria. A criança que está com eles é Jesus e foi ele quem me curou dos meus sofrimentos.

– E por que meio pôde ele te curar? Não vais me contar? – quis saber a princesa.

A jovem explicou:

– Recebi de sua mãe a água na qual ele havia sido lavado, espalhei-la então sobre meu corpo e minha lepra desapareceu.

A esposa do príncipe ergueu-se, então, e recebeu José e Maria.

Preparou para José um magnífico festim, para o qual muitas pessoa foram convidadas. No dia seguinte, ela pegou água perfumada a fim de lavar o Senhor Jesus e ela lavou, com essa mesma água, o seu filho, que ela havia trazido consigo, e logo ele se curou da lepra.

Ela se pôs a cantar louvores a Deus e a render-lhe graças, dizendo-lhe:

– Feliz da mãe que te gerou, ó Jesus! A água com a qual o teu corpo foi lavado cura os homens que têm tua natureza.

Ela ofereceu presentes a Maria e dela despediu-se, tratando-a com grande deferência.

Um Feitiço

Chegaram a outra cidade onde deviam pernoitar. Foram à casa de um homem recém-casado que, atingido por um malefício, não podia desfrutar sua esposa. Após haverem eles passado a noite perto do homem, o encantamento quebrou-se. Quando o dia amanheceu, preparavam-se para prosseguir a viagem, mas o esposo impediu-os de partir e preparou-lhes um grande banquete.

A História de um Mulo

No dia seguinte partiram e, ao se aproximarem de uma outra cidade, viram três mulheres que se afastavam de um túmulo, a verter em lágrimas. Maria, tendo-as visto, disse à jovem que os acompanhava:

– Pergunta-lhes quem são elas e qual a desgraça que se lhes abateu.

Elas não responderam mas puseram-se a interrogá-la, dizendo:

– Quem sois vós, e para onde ides? Pois o dia está terminando e a noite se aproxima.

A moça respondeu:

– Somos viajantes e procuramos uma hospedaria para passar a noite.

As mulheres disseram:

– Acompanhai-nos e passai a noite em nossa casa.

Eles seguiram essas mulheres e foram levados a uma casa nova, ornada e decorada por diversos móveis. Era inverno e a jovem moça, tendo entrado no quarto dessas mulheres, encontrou-as chorando e se lamentando. Ao lado delas, coberta por uma manta de seda, encontrava-se um mulo com forragem à sua frente. Elas davam-lhe de comer e o beijavam.

A jovem disse então:

– Ó, minha senhora, como é belo este mulo!

Elas responderam chorando:

– Este mulo que estás vendo é nosso irmão, que nasceu de nossa mãe. Nosso pai deixou-nos com sua morte grandes riquezas e nós só tínhamos este irmão, para quem tentávamos encontrar um casamento conveniente. Porém, mulheres dominadas pelo espírito da inveja, lançaram sobre ele, sem que soubéssemos, encantamentos. E uma certa noite, um pouco antes do amanhecer, estando fechadas as portas da nossa casa, encontramos nosso irmão transformado em mulo, tal qual o vês hoje. Entregamo-nos à tristeza, visto que não tínhamos mais nosso pai para consolar-nos. Consultamos todos os sábios do mundo, todos os magos e os feiticeiros, tentamos de tudo, mas nenhum deles nada pôde fazer por nós. Eis porque sempre que nosso coração está a ponto de explodir de tristeza. Nós nos levantamos e vamos, junto com a nossa mãe que aqui está, ao túmulo de meu pai e, após haver chorado, retornamos para cá.

Volta a Ser Homem

Ao ouvir tal coisas, a jovem disse:

– Tende coragem e parai de chorar, pois a cura de vossos males está muito próxima, em vossa morada. Eu era leprosa, mas após haver visto essa mulher e a criança que está com ela e que se chama Jesus, e após haver derramado sobre meu corpo a água com a qual a sua mãe o havia lavado, eu me curei. Eu sei que ele pode pôr um fim à vossa desgraça. Levantai-vos, aproximai-vos de Maria, conduzi-o aos vossos aposentos, revelai-lhe o segredo que acabais de me contar e suplicai-lhe piedade.

Ao ouvirem tais palavras proferidas pela jovem, elas se apressaram em ter com Maria. Levaram o multo até o quarto e lhe disseram, chorando:

– Maria, Nossa Senhora, tem compaixão de tuas servas, pois nossa família está desprovida de seu chefe e não temos um pai ou um irmão que nos proteja. Este mulo que aqui vês é nosso irmão. Algumas mulheres, com seus encantamentos, reduziram-no a este estado. Rogamos-te, pois, que tenhas piedade de nós.

Maria, comovida e chorando como as mulheres, ergueu o menino Jesus e colocou-o sobre o dorso do mulo, dizendo:

– Meu filho, cura este mulo através do teu grande poder e faze com que este homem recobre a razão, da qual foi privado.

Nem bem essas palavras haviam saído dos lábios de Maria e o mulo já havia retomado a forma humana, mostrando-se sob os traços de um belo rapaz. Não lhe restava nenhuma deformidade. Ele, sua mãe e suas irmãs adoraram Maria e, erguendo o menino acima de suas cabeças, beijaram-no, dizendo:

– Feliz de tua mãe, ó Jesus, Salvador do mundo! Felizes os olhos que gozam da felicidade da tua presença.

As Bodas

As duas irmãs disseram à mãe:

– Nosso irmão retomou a forma primitiva, graças à intervenção do Senhor Jesus e aos bons conselhos dessa jovem, que nos sugeriu recorrer a Maria e ao seu filho. Agora, já que nosso irmão não está casado, pensamos que seria conveniente que ele desposasse essa moça.

Após haverem feito este pedido a Maria e haver ela consentido, fizeram para as bodas preparativos esplêndidos. A dor transformou-se em alegria e o choro cedeu espaço ao riso. Elas só fizeram cantar e regozijar-se, enfeitadas com magníficas vestimentas e jóias preciosas. Ao mesmo tempo, entoavam cânticos de louvor a Deus, dizendo:

– Ó, Jesus, Filho de Deus, que transformaste nossa aflição em contentamento e nossas lamúrias em gritos de alegria!

José e Maria lá permaneceram por dez dias. Ao partirem, receberam demonstrações de veneração de parte de toda a família, que despediu-se deles chorando muito, principalmente a moça que se desfazia em lágrimas.

Os Salteadores

Chegaram, em seguida, a um deserto. Como lhes haviam dito que era infestado de ladrões, prepararam-se para atravessá-lo durante a noite. Eis que, de repente, avistaram dois ladrões que dormiam e, perto deles, muitos outros ladrões, seus companheiros, que também estavam entregues ao sono. Esses dois ladrões chamavam-se Titus e Dumachus.

O primeiro disse ao outro:

– Eu te peço que deixes estes viajantes irem em paz, para que nossos companheiros não os vejam.

Tendo Dumachus recusado, Titus disse-lhe:

– Dou-te quarenta dracmas e fica com meu cinto como penhor.

Deu-lhe o cinto e, ao mesmo tempo, pediu que não desse alarme. Maria, vendo esse ladrão tão disposto a servi-los, disse-lhe:

– Que Deus te proteja com sua mão direita e que ele te conceda a remissão de teus pecados”.

O Senhor Jesus disse a Maria:

– Daqui a trinta anos, ó minha mãe, os judeus me crucificarão em Jerusalém e estes dois ladrões serão postos na cruz ao meu lado: Titus à minha direita e Dumachus à minha esquerda. Neste dia, Titus me precederá no Paraíso.

Quando ele assim falou, sua mãe respondeu-lhe:

– Que Deus afaste de ti semelhante desgraça, ó meu filho!

Foram dar, em seguida, em uma cidade, cheia de ídolos. Quando eles se aproximavam, ela foi transformada em um monte de areia.

A Sagrada Família em Mataréia

Foram ter, em seguida, a um sicômoro, que chamam hoje de Mataréia, e o Senhor Jesus fez surgir neste lugar uma fonte, onde Maria lavou sua túnica. O bálsamo que produz esse país vem do suor que escorreu pelos membros de Jesus.

A Sagrada Família em Mênfis

Foram então a Mênfis e, tendo visitado o faraó, permaneceram três anos no Egito, onde o Senhor Jesus fez muitos milagres, que não estão consignados nem no Evangelho da Infância, nem no Evangelho Completo.

A volta para Nazaré

Depois de três anos, eles deixaram o Egito e voltaram para a Judéia. Quando já estavam próximos, José teve medo de entrar lá, porque acabara de saber que Herodes estava morto e que seu filho Arquelaus havia lhe sucedido. Um anjo de Deus apareceu-lhe, porém, e disse-lhe:

– José, vai para a cidade de Nazaré e estabelece ali tua residência.

A Peste em Belém

Quando chegaram a Belém, havia uma proliferação de doenças graves e difíceis de serem curadas, que atacavam os olhos das crianças e lhes causavam a morte. Uma mulher, que tinha um filho atacado por esse mal, levou-o a Maria e encontrou-a banhando o Senhor Jesus.

A mulher disse-lhe:

– Maria, vê meu filho que sofre cruelmente.

Maria, ouvindo-a, disse-lhe:

– Pegue um pouco desta água com a qual eu lavei meu filho e espalha-a sobre o teu.

A mulher fez como lhe havia recomendado Maria e seu filho, depois de uma forte agitação, adormeceu. Quando acordou, estava completamente curado.

A mulher, cheia de alegria, foi até Maria, que lhe disse:

– Rende graças a Deus por ele haver curado o teu filho.

Outro Menino Agonizante

Essa mulher tinha uma vizinha cujo filho fora atingido pela mesma doença e cujos olhos estavam quase fechados. Ele gritava e chorava noite e dia. Aquela cujo filho havia sido curado disse-lhe:

– Por que não levas teu filho a Maria, como eu fiz, quando o meu estava prestes a morrer e ele foi curado pela água do banho de Jesus?

A mulher foi pegar também daquela água e, assim que ela derramou sobre seu filho, ele foi curado. Levou então seu filho em perfeita saúde para Maria, que lhe recomendou que rendesse graças a Deus e que não contasse a ninguém o que havia acontecido.

O Menino no Forno

Havia na mesma cidade duas mulheres casadas com um mesmo homem e cada uma delas tinha um filho doente. Uma se chamava Maria e seu filho, Cleofás. Essa mulher levou seu filho a Maria, mãe de Jesus, e ofereceu uma bela toalha, dizendo-lhe:

– Maria, recebe de mim essa toalha e, em troca, dá-me uma das tuas fraldas.

Maria consentiu e a mãe de Cleofás confeccionou, com essa fralda, uma túnica, com a qual vestiu seu filho. Ele ficou curado e o filho de sua rival morreu no mesmo dia, o que causou profundo ressentimento entre essas duas mulheres.

Elas se encarregavam, em semanas alternadas, dos trabalhos caseiros e, um dia em que era vez de Maria, a mãe de Cleofás, ela estava ocupada aquecendo o forno para assar pão. Precisando de farinha, deixou seu filho perto do forno. Sua rival, vendo que a criança estava sozinha, pegou-a e jogou-a no forno em brasa e fugiu. Maria retornou logo em seguida, mas qual não foi o seu espanto, quando ela viu seu filho no meio do forno, rindo, pois ele havia subitamente esfriado, como se jamais houvesse sido aquecido. Ela suspeitou que sua rival o havia jogado ali. Tirou-o de lá, levou-o até a Virgem Maria e contou-lhe o que havia acontecido.

Maria disse-lhe:

– Cala-te, pois eu receio por ti se divulgares tais coisas!

Em seguida, a rival foi buscar água no poço e, vendo Cleofás brincando e percebendo que não havia ninguém por perto, pegou a criança e jogou-a no poço. Alguns homens que haviam vindo para tirar água viram a criança sentada na água, sem nenhum ferimento, e por meio de cordas tiraram-na de lá. Ficaram tão admirados com essa criança que renderam-lhe as mesmas homenagens devidas a um Deus.

Sua mãe, chorando, carregou-o até Maria e disse-lhe:

– Minha senhora, vê o que minha rival fez ao meu filho, jogando-o no poço. Ah, ela acabará, por certo, causando-lhe a morte!

Maria respondeu-lhe:

Deus punirá o mal que te foi feito.

Alguns dias depois, a rival foi buscar água no poço e seus pés enroscaram-se na corda e ela caiu nele. Quando acorreram, acharam-na com a cabeça partida. Ela morreu, portanto, de uma forma funesta.

A palavra do sábio se cumpre em si:

– Cavaram um poço e jogaram a terra em cima, mas caíram no poço que eles mesmos haviam preparado.

Um Futuro Apóstolo

Uma outra mulher da mesma cidade tinha dois filhos, os dois doentes. Um morreu e o outro estava agonizando. Sua mãe tomou-o nos braços e levou-o até Maria.

Aos prantos, disse-lhe:

– Minha senhora, vem em meu auxílio e tem piedade de mim. Eu tinha dois filhos, acabo de perder um e vejo o outro a ponto de morrer. Imploro a misericórdia do Senhor.

E pôs-se a gritar:

– Senhor, tu és pleno em clemência e compaixão! Tu me deste dois filhos, me levaste um deles, pelo menos deixa-me o outro.

Maria, testemunha da sua extrema dor, sentiu pena e disse-lhe:

– Coloca teu filho na cama de meu filho e cobre-o com suas roupas.

Quando a criança foi colocada na cama, ao lado de Jesus, seus olhos já cerrados pela morte abriram-se e, chamando sua mãe em voz alta, pediu-lhe pão. Quando lhe deram, comeu-o.

Então sua mãe disse:

– Maria, eu sei que a virtude de Deus habita em ti, a ponto de teu filho curar as crianças que o tocam.

A criança que assim foi curada é o mesmo Bartolomeu se quem se fala no Evangelho.

Uma Leprosa

Havia ainda no mesmo lugar uma leprosa que foi ter com Maria, mãe de Jesus, dizendo-lhe:

– Minha senhora, tem piedade de mim”.

Maria quis saber:

– Que ajuda pedes tu? Queres ouro, prata ou queres te curar da lepra?

A mulher respondeu:

– Que podes fazer por mim?”

Maria disse:

– Espera um pouco, até que eu tenha banhado e posto meu filho na cama.

A mulher esperou e Maria, após o haver deitado, estendeu à mulher um vaso cheio de água do banho do seu filho e disse-lhe:

– Pega um pouco desta água e espalha-a sobre o teu corpo.

Assim que a doente obedeceu, curou-se e ela rendeu graças a Deus.

Outra Leprosa

Ela partiu em seguida, após haver permanecido três dias junto de Maria, e foi para uma cidade onde morava um príncipe, que havia desposado a filha de um outro príncipe. Quando ele viu sua esposa, porém, percebeu entre seus olhos as marcas da lepra sob a forma de uma estrela e o seu casamento foi declarado nulo e não válido.

Essa mulher, vendo o desespero da princesa, perguntou-lhe a causa dessas lágrimas.

A princesa respondeu-lhe:

– Não me interrogues, pois a minha desgraça é tanta que eu não posso revelá-la a ninguém.

A mulher insistia em saber, dizendo que talvez conhecesse algum remédio.

Ela viu então as marcas da lepra entre os olhos da princesa.

– Eu também fui atingida por essa doença. Fui a Belém para tratar de negócios e lá entrei numa caverna onde vi uma mulher chamada Maria. Ela carregava uma criança que se chamava Jesus. Vendo-me atingida pela lepra, ela teve pena de mim e me deu um pouco da água na qual havia lavado o corpo de seu filho. Eu espalhei essa água sobre meu corpo e fui imediatamente curada.

A princesa disse-lhe então:

– Levanta-te, vem comigo e mostra-me Maria.

Ela foi, levando ricos presentes. Quando Maria a viu, disse:

– Que a misericórdia do Senhor Jesus esteja sobre ti.

Ela lhe deu um pouco da água na qual havia lavado seu filho. Assim que a princesa espalhou-a sobre o próprio corpo, ela se viu curada e rendeu graças ao Senhor, assim como todos os que ali estavam.

O príncipe, ao saber que sua esposa havia sido curada, recebeu-a, celebrou um segundo casamento, e rendeu graças a Deus.

Uma Jovem Endemoninhada

Havia, no mesmo lugar, uma jovem que Satã atormentava. O espírito maldito aparecia-lhe sob a forma de um dragão, que queria devorá-la. Ele já havia sugado todo o sangue, de maneira que ela se parecia com um cadáver. Todas as vezes em que ele se jogava sobre ela, ela gritava e, juntando as mãos sobre a cabeça, dizia:

– Desgraça, desgraça de mim, pois não existe ninguém que possa livrar-me deste horrível dragão. Seu pai, sua mãe e todos aqueles que a cercavam, testemunhas de sua infelicidade, entregavam-se à aflição e derramavam lágrimas, principalmente quando a viam chorar e gritar:

– Irmãos e amigos, não existirá ninguém que possa libertar-me deste monstro?

A princesa, que havia sido curada da lepra, ouvindo a voz dessa infeliz, subiu até o telhado de seu castelo e viu-a com as mãos unidas acima da cabeça, a verter copiosas lágrimas. Todos aqueles que a rodeavam estavam desolados.

Ela perguntou se a mãe dessa possuída vivia ainda. Quando lhe responderam que o seu pai e sua mãe estavam ambos vivos, ela disse:

– Tragam sua mãe até mim.

Quando esta chegou, ela lhe perguntou:

– É tua filha que está assim possuída?

A mãe, tendo respondido que sim, chorou, mas a princesa disse-lhe:

– Não revela o que vou te contar. Eu já fui uma leprosa, mas Maria, a mãe de Jesus Cristo, me curou. Se queres que tua filha tenha a mesma felicidade, leva-a a Belém e implora com fé a ajuda de Maria. Eu creio que voltarás cheia de alegria, trazendo tua filha curada.

Imediatamente a mãe levantou-se e partiu. Foi procurar Maria e expôs-lhe o estado de sua filha. Maria, após tê-la ouvido, deu-lhe um pouco da água, na qual ela havia lavado seu filho Jesus, e disse-lhe para derramá-la sobre o corpo da possuída.

Em seguida deu-lhe uma fralda do menino Jesus, acrescentando:

– Pega isto e mostra-o a teu inimigo, todas as vezes em que o vir.

Dizendo isso, despediu-as com suas bênçãos.

Outra Possessa

Após haver deixado Maria, elas retornaram à sua cidade. Quando veio o tempo no qual Satã costumava atormentá-la, ele lhe apareceu sob a forma de um grande dragão. Ao ver a sua aparência, a jovem foi tomada pelo pavor, mas sua mãe disse-lhe:

– Não temas, minha filha! Deixa que ele se aproxime mais de ti e mostre-lhe esta fralda que nos deu Maria e veremos o que ele poderá fazer.

Quando o espírito maligno, que havia tomado a forma de um dragão, estava bem perto, a doente, tremendo de medo, colocou sobre sua cabeça a fralda e desdobrou-a. De repente, dela saíram chamas que se dirigiam à cabeça e aos olhos do dragão.

Ouviu-se, então, uma voz que gritava:

– Que há entre ti e mim, ó Jesus, filho de Maria? Onde encontrarei um abrigo que me livre de ti?

Satã fugiu apavorado, abandonando essa jovem e nunca mais apareceu. Ela se viu curada e, grata, rendeu graças a Deus, assim como todos os que haviam presenciado esse milagre.

Judas Iscariotes

Havia nessa mesma cidade uma outra mulher cujo filho era atormentado por Satã. Ele se chamava Judas e sempre que o espírito maligno apoderava-se dele, ele tentava morder todos os que estavam à sua volta. Se estivesse sozinho, mordia suas próprias mãos e membros. A mãe desse infeliz, ouvindo falar de Maria e de seu filho Jesus, foi com seu filho nos braços até Maria.

Nesse meio tempo, Tiago e José haviam trazido o menino Jesus para fora da casa, para que pudesse brincar com as outras crianças. Eles estavam sentados fora da casa e Jesus com eles. Judas aproximou-se também e sentou-se à direita de Jesus e, quando Satã começou a agitá-lo como sempre o fazia, ele tentou morder Jesus. Como não podia alcançá-lo, dava-lhe socos no lado direito, de forma que Jesus começou a chorar. Nesse momento, entretanto, Satã saiu dessa criança sob a forma de um cão enraivecido.

Essa criança era Judas Iscariotes, que mais tarde trairia Jesus. O lado em que ele havia batido foi o lado que os judeus trespassaram com a lança.

As Estatuazinhas de Barro

Quando o Senhor Jesus havia completado o seu sétimo ano, ele brincava um dia com outras crianças de sua idade. Para divertir-se, eles faziam com terra molhada diversas imagens de animais, de lobos, de asnos, de pássaros, cada um elogiando seu próprio trabalho e esforçando-se para que fosse melhor que o de seus companheiros. Então o Senhor Jesus disse para as crianças:

– Ordenarei às figuras que eu fiz que andem e elas andarão.

As crianças perguntaram-lhe se ele era o filho do Criador e o Senhor Jesus ordenou às imagens que andassem e elas imediatamente andaram. Quando ele mandava voltar, elas voltavam. Ele havia feito figuras de pássaros que voavam, quando ele ordenava que voassem, e que paravam, quando ele dizia para parar. Quando ele lhes dava bebida e comida, eles comiam e bebiam.

Quando as crianças foram embora e contaram aos seus pais o que haviam visto, eles disseram:

– Fugi, daqui em diante, de sua companhia, pois ele é um feiticeiro! Deixai de brincar com ele!

As Cores do Tintureiro

Certo dia, quando brincava e corria com outras crianças, o Senhor Jesus passou em frente à loja de um tintureiro, que se chamava Salém. Havia nessa loja tecidos que pertenciam a um grande número de habitantes da cidade e que Salém se preparava para tingir de várias cores. Tendo Jesus entrado na loja, pegou todas as fazenda e jogou-as na caldeira. Salém virou-se e, vendo todas as fazendas perdidas, pôs-se a gritar e a repreender Jesus, dizendo:

– Que fizeste tu, ó filho de Maria? Prejudicaste a mim e a meus cidadãos. Cada um pediu uma cor diferente e tu apareceste e puseste tudo a perder.

O Senhor Jesus respondeu:

– Qualquer fazenda que queiras mudar a cor, eu mudo.

Ele se pôs a retirar as fazendas da caldeira e cada uma estava tingida da cor que desejava o tintureiro. Os judeus, testemunhando esse milagre, celebraram o poder de Deus.

Jesus na Carpintaria

José ia por toda a cidade, levando com ele o Senhor Jesus. Chamavam-no para que fizesse portas, arcas e catres e o Senhor Jesus estava sempre com ele. E sempre que a obra de José precisava ser mais comprida ou mais curta, mais larga ou mais estreita, o Senhor Jesus estendia a mão e ela ficava exatamente do jeito que queria José, de forma que ele não precisava retocar nada com sua própria mão, pois ele não era muito hábil no ofício de marceneiro.

Uma Encomenda do Rei

Um dia, o rei de Jerusalém mandou chamá-lo e disse:

– Eu quero, José, que me faças um trono segundo as dimensões do lugar onde costumo sentar-me. José obedeceu e, pondo mãos à obra, passou dois anos no palácio para elaborar esse trono.

Quando ele foi colocado no lugar onde deveria ficar, perceberam que de cada lado faltavam dois palmos à medida fixada.

Então o rei ficou bravo com José, que temendo a raiva do monarca, não conseguiu comer e deitou-se em jejum.

O Senhor perguntou-lhe qual era a causa do seu receio e ele respondeu:

– É que a obra na qual trabalhei durante dois anos está perdida.

O Senhor Jesus respondeu-lhe:

– Não tenhas medo e não percas a coragem. Pegue este lado do trono e eu o outro, para que possamos dar-lhe a medida exata.

José fez o que havia lhe pedido o Senhor Jesus e cada um puxou para um lado. O trono obedeceu e ficou exatamente com a dimensão desejada.

Os assistentes, vendo esse milagre, ficaram estupefatos e deram graças a Deus.

Esse trono fora feito com uma madeira do tempo de Salomão, filho de Davi, e que era notável por seus nós, que representavam várias formas de figuras.

Os Meninos

Num outro dia, o Senhor Jesus foi até a praça e vendo as crianças que se haviam reunido para brincar, juntou-se a elas. Essas, tendo-o visto, esconderam-se e o Senhor Jesus foi até uma casa e perguntou às mulheres que estavam à porta, onde as crianças haviam ido. Como elas responderam que não havia nenhuma delas na casa, o Senhor Jesus disse-lhes:

– Que vocês estão vendo sob este arco?

Elas responderam que eram carneiros com três anos de idade e o Senhor Jesus gritou:

– Saí, carneiros, e vinde em direção ao vosso pastor.

Imediatamente as crianças saíram, transformadas em carneiros, e saltavam ao seu redor.

As mulheres, tendo visto isso, foram tomadas de pavor e adoraram o Senhor Jesus, dizendo:

– Jesus, filho de Maria, nosso Senhor, tu és verdadeiramente o bom Pastor de Israel. Tem piedade de tuas servas que estão em tua presença e que não duvidam, Senhor, que tu vieste para curar e não para perder.

O Senhor respondeu que as crianças de Israel estavam entre os povos como os Etíopes.

As mulheres disseram:

– Senhor, conheces as coisas e nada escapa à tua infinita sabedoria. Pedimos e esperamos a tua misericórdia. Devolve a essas crianças sua antiga forma.

O Senhor Jesus disse, então:

– Vinde, crianças, para que possamos brincar.

Imediatamente, na presença das mulheres, os carneiros retomaram a aparência de crianças.

Jesus Rei

No mês do Adar, Jesus reuniu as crianças e colocou-se como o seu rei. Elas haviam estendido suas roupas no chão para fazê-lo sentar-se sobre elas e haviam colocado sobre sua cabeça uma coroa de flores. Como os satélites que acompanham um rei, elas se haviam enfileirado à sua direita e à sua esquerda. Se alguém passava por lá, as crianças faziam parar à força e diziam-lhe:

– Vem e adora o rei, para que obtenhas uma feliz viagem.

Simão, o Cananeu

Nisso chegaram alguns homens que carregavam uma criança em uma liteira.

Esse menino havia ido até a montanha com seus colegas para apanhar lenha e, tendo encontrado um ninho de perdiz, pôs a mão para retirar os ovos. Uma serpente, escondida no ninho, no entanto, mordeu-o e ele chamou os companheiros para socorrê-lo.

Quando chegaram, eles o encontraram estendido no chão e quase morto. Alguns familiares vieram e levaram-no à cidade. Ao chegaram ao local onde o Senhor Jesus estava sentado em seu trono como um rei, com outras crianças à sua volta, como sua corte, essas foram ao encontro dos que carregavam o moribundo e disseram-lhes:

– Vinde e saudai o rei!

Como eles não queriam aproximar-se por causa da tristeza que sentiam, as crianças traziam-nas à força. Quando estavam na frente do Senhor Jesus, ele perguntou-lhe por que estavam carregando aquela criança.

Responderam que uma serpente a havia mordido e o Senhor Jesus disse às crianças:

– Vamos juntos e matemos a serpente!

Os pais da criança que estava prestes a morrer suplicaram para que os deixassem ficar, mas elas responderam:

– Não ouvistes que o rei disse vamos e matemos a serpente? Devemos seguir suas ordens.

Apesar da sua oposição, eles retornaram à montanha, carregando a liteira. Quando chegaram perto do ninho, o Senhor Jesus disse às crianças:

– Não é aqui que se esconde a serpente?

Eles responderam que sim e a serpente, chamada pelo Senhor Jesus, saiu e submeteu-se a ele.

O Senhor disse-lhe:

– Vai e suga todo o veneno que espalhaste nas veias dessa criança.

A serpente, arrastando-se, sugou todo o veneno que ela havia inoculado e o Senhor, em seguida, amaldiçoou-a e, fulminada, morreu logo em seguida. Depois o Senhor Jesus tocou a criança com sua mão e ela foi curada.

Como ela se pusesse a chorar, o Senhor Jesus disse-lhe:

– Não chores, serás meu discípulo!

Essa criança foi Simão de Cananéia, de quem se faz menção no Evangelho.

Jesus e Tiago

Num outro dia, José havia mandado seu filho Tiago para apanhar lenha e o Senhor Jesus se havia juntado a ele para ajudá-lo. Quando chegaram ao lugar onde ficava a lenha, Tiago começou a apanhá-la e eis que uma víbora mordeu-o e ele se pôs a gritar e a chorar. O Senhor Jesus, vendo-o naquele estado, aproximou-se e soprou o local da mordida. Tiago foi imediatamente curado.

O Menino que Caiu e Morreu

Um dia, o Senhor Jesus estava brincando com outras crianças em cima de um telhado e uma delas caiu e morreu na hora. As outras fugiram e o Senhor Jesus ficou sozinho em cima do telhado. Então os pais do morto chegaram e disseram ao Senhor Jesus: ` – Foste tu que empurraste nosso filho do alto telhado.

Como ele negasse, eles repetiram mais alto:

– Nosso filho morreu e eis aqui quem o matou.

O Senhor Jesus respondeu:

– Não me acuseis de um crime do qual não tendes nenhuma prova. Perguntemos, porém, à própria criança o que aconteceu.

O Senhor Jesus desceu, colocou-se perto da cabeça do morto e disse-lhe em voz alta:

– Zeinon, Zeinon, quem foi que te empurrou do alto do telhado?

O morto respondeu:

– Senhor, não foste tu a causa da minha queda, mas foi o terror que me fez cair.

O Senhor recomendou aos presentes que prestassem atenção a essas palavras e todos eles louvaram a Deus por este milagre.

O Cântaro Quebrado

Maria havia mandado, um dia, o Senhor Jesus tirar água do poço. Quando ele havia cumprido a tarefa e colocava sobre a cabeça o cântaro cheio, ele partiu-se. O Senhor Jesus, tendo estendido o seu manto, levou para sua mãe a água recolhida e ela se admirou e guardou em seu coração tudo o que havia visto.

Brincando com o Barro

Um dia, o Senhor Jesus estava na beira do rio com outras crianças. Haviam cavado pequenas valas para fazer escorrer a água, formando assim pequenas poças. O Senhor Jesus havia feito doze passarinhos de barro e os havia colocado ao redor da água, três de cada lado. Era um dia de Sabbath e o filho de Hanon, o Judeu, veio e vendo-os assim entretidos, disse-lhes:

– Como podeis, em um dia de Sabbath, fazer figuras com lama?”

Ele se pôs, então, a destruir tudo. Quando o Senhor Jesus estendeu as mãos sobre os pássaros que havia moldado, eles saíram voando e cantando. Em seguida, o filho de Hanon, o Judeu, aproximou-se da poça cavada por Jesus para destruí-la, mas a água desapareceu e o Senhor Jesus disse-lhe:

– Vê como está água secou? Assim será a tua vida.

E a criança secou.

Uma Morte Repentina

Certa noite, o Senhor Jesus voltava para casa com José, quando uma criança passou correndo na sua frente e deu-lhe um golpe tão violente que o Senhor Jesus quase caiu. Ele disse a essa criança:

– Assim como tu me empurraste, cai e não levantes mais.

No mesmo instante, a criança caiu no chão e morreu.

Jesus e o Professor

Havia, em Jerusalém, um homem, chamado Zaqueu, que instruía os jovens. Ele disse a José:

– José, por que não me envias Jesus para que ele aprenda as letras?

José concordou e também Maria. Levaram, pois, a criança para o professor e assim que ele o viu, escreveu o alfabeto e pediu-lhe que pronunciasse Aleph. Quando ele o fez, pediu-lhe para dizer Beth. O Senhor Jesus disse-lhe:

– Dize-me primeiro o que significa Aleph e aí então eu pronunciarei Beth.

O professor preparava-se para chicoteá-lo, mas o Senhor Jesus pôs-se a explicar o significado das letras Aleph e Beth, quais as letras de linhas retas, quais as oblíquas, as que tinhas desenho duplo, as que tinham pontos, aquelas que não tinham e porque tal letra vinha antes da outra, enfim, ele disse muitas coisas que o professor jamais ouvira e que não havia lido em livro algum.

O Senhor Jesus disse ao professor:

– Presta atenção ao que vou te dizer!

E pôs-se a recitar clara e distintamente Aleph, Beth, Ghimel, Daleth, até o fim do alfabeto. O mestre ficou admirado e disse:

– Creio que esta criança nasceu antes de Noé.

Virando-se para José, acrescentou:

– Tu o conduziste para que eu o instruísse, mas esta criança sabe mais que todos os doutores.

Depois disse a Maria:

– Teu filho não precisa de ensinamentos.

O Professor Castigado

Conduziram-no, em seguida, a um professor mais sábio e assim que o viu. ordenou:

– Dize Aleph!

Quando o Senhor Jesus disse Aleph, o professor pediu-lhe que pronunciasse Beth. O Senhor Jesus respondeu-lhe:

– Dize-me o que significa a letra Aleph e então eu pronunciarei Beth.

O mestre, irritado, levantou a mão para bater nele, mas sua mão secou instantaneamente e ele morreu. Então José disse a Maria:

– Daqui por diante, não devemos mais deixar o menino sair de casa, pois qualquer um que se oponha a ele é fulminado pela morte.

Jesus, o Mestre

Quando contava doze anos de idade, levaram Jesus a Jerusalém por ocasião da festa e, quando ele terminou, eles voltaram, mas o Senhor Jesus permaneceu no templo, em meio aos doutores, aos velhos e aos mais sábios dos filhos de Israel, que ele interrogava sobre diferentes pontos da ciência, mas também respondia-lhes as perguntas.

Jesus perguntou-lhes:

– De quem é filho o Messias?”

Eles responderam:

– Este é o filho de Davi.

Jesus respondeu:

– Por que então Davi, movido pelo Espírito Santo, chama-o Senhor, quando diz que o Senhor disse ao meu Senhor: senta-te à minha direita para que coloque teus inimigos aos teus pés’?”

Um importante rabino interrogou-o, dizendo:

– Leste os livros sagrados?

O Senhor Jesus respondeu:

– Eu li os livros e o que eles contêm.

Dito isso, explicou-lhes as Escrituras, a lei, os preceitos, os estatutos, os mistérios que estão contidos nos livros das profecias e que a inteligência de nenhuma criatura pode compreender. E o principal entre os doutores disse:

– Eu jamais vi ou ouvi tamanha instrução. Quem credes que seja essa criança?

Jesus e o Astrônomo

Havia lá um filósofo, astrônomo sábio, que perguntou ao Senhor Jesus se ele havia estudado a ciência dos astros. Jesus, respondendo-lhe, expôs o número de esferas e de corpos celestes, sua natureza e sua oposição, seu aspecto trinário, quaternário e sêxtil, sua progressão e seu movimento de leste para oeste, o cômputo e o prognóstico e outras coisas que a razão de nenhum homem escrutou.

Jesus e o Médico

Havia entre eles um filósofo muito sábio em medicina e ciências naturais e quando ele perguntou ao Senhor Jesus se ele havia estudado a medicina, este expôs-lhe a física, a metafísica, a hiperfísica e a hipofísica, as virtudes do corpo, os humores e seus efeitos, o número de membros e de ossos, de secreções, de artérias e de nervos, as temperaturas, calor e seco, frio e úmido e quais as suas influências, quais as atuações da alma no corpo, suas sensações e suas virtudes, a faculdade da palavra, da raiva, do desejo, sua composição e dissolução e outras coisas que a inteligência de nenhuma criatura jamais alcançou. Então o filósofo ergueu-se e adorou o Senhor Jesus, dizendo:

– Senhor, daqui em diante serei teu discípulo e ter servo.

Jesus é Encontrado

Enquanto Jesus assim falava, Maria apareceu, junto com José, pois fazia três dias que procuravam por Jesus. Vendo-o sentado entre os doutores, interrogando-os e respondendo-lhe alternadamente, ela lhe disse:

– Meu filho, por que agiste assim conosco? Teu pai e eu te procuramos e tua ausência causou-nos muita aflição.

Ele respondeu:

– Por que me procuráveis? Não sabíeis que convinha que eu permanecesse na casa de meu Pai? Eles não entendiam as palavras que ele lhes dirigia. Então os doutores perguntaram a Maria se ele era seu filho e tendo ela respondido que sim, eles exclamaram:

– Ó feliz Maria, que deste à luz tal criança.

Ele voltou com os pais para Nazaré e ele lhes era submisso em tudo. Sua mãe conservava todas as suas palavras em seu coração e o Senhor Jesus crescia em tamanho, em sabedoria e em graça diante de Deus e diante dos homens.

Via Oculta

Ele começou desde esse dia a esconder os seus segredos e seus mistérios, até que completou trinta anos, quando seu Pai, revelando publicamente sua missão às margens do Jordão, fez soar, do alto do céu, essas palavras:

– É meu filho bem-amado no qual coloquei toda minha complacência.

Foi quando o Espírito Santo apareceu sob a forma de uma pomba branca.

Doxologia

É a ele que humildemente adoramos, pois ele nos deu a existência e a vida. Ele nos fez sair das entranhas de nossas mães, tomou, por nós, o corpo de homem e nos redimiu, cobrindo-nos com sua misericórdia eterna e concedendo-nos a graça do seu amor e de sua bondade.

A ele, portanto, glória, poder, louvores e domínio por todos os séculos.

Que assim seja!

Segundo Evangelho de Pedro

A Crucificação de Cristo

O Evangelho de Pedro foi descoberto no Alto Egito, sendo que o último ocorreu no ano de 1886, numa localidade chamada de Akhmin. Serapião, bispo de Antioquia (190-211), bem como Orígenes, Eusébio de Cesaréia, Teodoreto de Ciro e Jerônimo faz referência ao Evangelho de Pedro, o qual pode ser datado na primeira metade do século II.

Serapião chega a permitir o uso do Evangelho de Pedro, mas depois se dá conta que se trata de um texto influenciado por doutrinas heréticas de Marcião, gnosticismo e decetismo. Assim ele escreve, concluindo a sua carta apostólica aos cristãos de Rossos: “Assim, digo, pudemos por meio destes manusear o livro em questão, percorrê-lo e comprovar que a maior parte do conteúdo está de acordo com a reta doutrina do Salvador, se bem que se encontrem algumas inovações que submetemos à vossa consideração. É isto que vos escreve Serapião”.

Capítulo 1

DENTRE OS judeus, porém, ninguém lavou as mãos; nem Herodes nem nenhum de seus juízes. E, por não quererem lavar-se, Pilatos levantou-se.

2 Então o rei Herodes mandou que se encarregassem do Senhor, dizendo-lhes: “Executai o que acabo de ordenar que façais com ele”.

Capítulo 2

3 José, o amigo de Pilatos e do Senhor, encontrava. se ali na ocasião. E sabendo que iam crucificá-lo, aproximou-se de Pilatos para pedir o corpo do Senhor para levá-lo à sepultura.

4 Pilatos, por sua vez, mandou um recado a Herodes e pediu-lhe o corpo de Jesus.

5 E Herodes disse: “Irmão Pilatos, mesmo que ninguém o houvesse reclamado, nós mesmo ter-lhe-íamos dado sepultura, pois já se aproxima o Sábado e está escrito na lei que o sol não deve pôr-se sobre um justiçado”. E com isto, entregou-o ao povo no dia anterior ao dos Azimos, sua festa.

Capítulo 3

6 E eles, segurando o Senhor, davam-lhe empurrões e diziam: “Arrastemos o Filho de Deus, já que veio cair em nossas mãos”.

7 Depois vestiram-no de púrpura e fizeram com que se sentasse no tribunal, dizendo: “Julga com eqüidade, ó rei de Israel”.

8 E um deles trouxe uma coroa de espinhos e colocou-a na cabeça do Senhor.

9 Alguns dos presentes., cuspiram-lhe no rosto, enquanto que outros davam-lhe bofetadas na face, e outro. ainda o feriam com um pau. E havia quem lhe batesse dizendo: “Esta é a homenagem que rendemos ao Filho de Deus”.

Capítulo 4

10 Depois, levaram dois ladrões e crucificaram o Senhor no meio deles. Mas ele permanecia calado como se não sentisse dor alguma.

11 E quando prepararam a cruz escreveram em cima: “Este é o rei de Israel”.

12 E, depositadas as vestes diante dele, dividiram-nas em lotes e deitaram os dados sobre elas.

13 Um daqueles malfeitores, porém, repreendeu-os dizendo: “Nós sofremos assim pelas iniqüidades que fizemos; mas este, que veio para ser o Salvador dos homens, em que pode havê-los prejudicado?”

14 E indignados contra ele, ordenaram que não lhe quebrassem as pernas para que morresse entre tormentos.

Capítulo 5

15 Era então meio-dia, e a escuridão tomou conta de toda a Judéia. Foram então tomados pela agitação, temendo que o sol se pusesse, pois Jesus ainda estava vivo, e a lei dizia que “o sol não deve pôr-se sobre um justiçado”,

16 Então um deles disse: “Dá-lhe de beber fel com vinagre” (1). E, fazendo a mistura, deram-lhe a beberagem.

17 E cumpriram tudo, preenchendo a medida das iniqüidades acumuladas sobre suas cabeças.

18 E muitos andavam por ali servindo-se de lanternas, já que pensavam que fosse noite, e caíam por terra.

19 E o Senhor elevou sua voz, dizendo: “Força minha, força minha, tu me abandonaste”. E, dizendo isto, volatilizou-se e subiu ao céu.

20 Naquele mesmo momento, o véu do templo de Jerusalém rasgou-se em duas partes.

Capítulo 6

21 Então tiraram os cravos das mãos do Senhor e o estenderam no chão. E a terra inteira tremeu e um enorme pânico sobreveio.

22 Logo o sol brilhou, e comprovou-se que era a hora nona.

23 Alegraram-se, então, os judeus e entregaram o corpo a José para que lhe desse sepultura, uma vez que este havia sido testemunha de todo o bem que Jesus havia feito.

24 E, pegando o corpo do Senhor, lavou-o, envolveu-o num lençol e colocou-o em sua própria sepultura, chamada de Jardim de José.

Capítulo 7

25 Então, os judeus, os anciãos e os sacerdotes perceberam o mal que haviam acarretado para si próprios e começaram a bater no peito dizendo: “Malditas as nossas iniqüidades! Eis aqui que chega o juízo e o fim de Jerusalém”.

26 Eu, de minha parte, estava sumido na aflição juntamente com meus amigos, e, feridos no mais profundo da alma, mantinham-nos escondidos. Pois éramos tidos como malfeitores e como aqueles que pretendiam incendiar o templo.

27 Por todas essas coisas, jejuávamos e permanecíamos sentados, lamentando-nos e chorando noite e dia até o Sábado.

Capítulo 8

28 Entretanto, reunidos entre si, os escribas, os fariseus e os anciãos ao ouvir que o povo murmurava e batia no peito dizendo: “Quando de sua morte sobrevieram sinais tão assombrosos, como dizer que não foi um justo”.

29 fugiram de medo e foram ter à presença de Pilatos em tom de súplica, dizendo:

30 “Dá-nos soldados para que custodiem o sepulcro durante três dias, pois pode acontecer que seus discípulos venham, retirem o seu corpo e o povo venha a nos fazer algum mal, acreditando que ressuscitou de entre os mortos”.

31 Pilatos, então, entregou-lhes Petrônio e um centurião com soldados para que custodiassem o sepulcro. E com eles foram também até o túmulo os anciãos e os escribas.

32 E, girando uma grande pedra, todos os que ali se encontravam presentes, juntamente com o centurião e os soldados, puseram-se na porta do sepulcro.

33 Além disso, gravaram sete selos e depois de armar uma tenda, puseram-se a fazer a guarda.

Capítulo 9

34 E bem cedo, ao amanhecer o Sábado, uma grande multidão veio de Jerusalém e das redondezas para ver o sepulcro selado.

35 Mas durante a noite que precedia o domingo, enquanto os soldados estavam fazendo a guarda de dois a dois, uma grande voz produziu-se no céu.

36 E viram os céus abertos e dois homens que desciam, tendo à sua volta um grande resplendor, e aproximaram-se do sepulcro.

37 E aquela pedra que haviam colocado sobre a porta rolou com o seu próprio impulso e pôs-se de lado, com o que o sepulcro ficou aberto e ambos os jovens entraram.

Capítulo 10

38 Então, ao verem isto, aqueles soldados despertaram o centurião e os anciãos, já que também estes encontravam-se ali fazendo a guarda.

39 E, estando eles explicando o que acabara de acontecer, viram três homens que saíam do sepulcro, dois dos quais servindo de apoio a um terceiro, e uma cruz que ia atrás deles,

40 E a cabeça dos dois primeiros chegava até o céu, enquanto que a daquele que era conduzido por eles ultrapassava os céus.

41 E ouviram uma voz vinda dos céus que dizia: “Pregas-te para os que dormem?”

42 E da cruz fez-se ouvir uma resposta: “Sim”.

Capítulo 11

43 Então eles passaram a combinar como contariam o ocorrido a Pilatos.

44 E, enquanto se encontravam ainda confabulando entre si, novamente apareceram os céus abertos e um homem desceu e entrou no sepulcro.

45 Os que estavam junto ao centurião, vendo isto, apressaram-se a ir a Pilatos ainda de noite, abandonando o sepulcro que custodiavam. E, cheios de agitação, contaram o quanto haviam visto, dizendo: “Era verdadeiramente o Filho de Deus”.

46 Pilatos respondeu desta maneira: “Eu estou limpo do sangue do Filho de Deus; fostes vós que assim quisestes.

47 Depois, todos se aproximaram e lhe pediram encarecidamente que ordenasse ao centurião e aos soldados que guardassem segredo sobre o que haviam visto.

48 “Pois é preferível — diziam — sermos réus do maior crime na presença de Deus a cair nas mãos do povo judeu e sermos apedrejados”.

49 Então, Pilatos ordenou ao centurião e aos soldados que não dissessem nada,

Capítulo 12

50 Na manhã do domingo, Maria Madalena, discípula do Senhor — amedrontada por causa dos judeus, pois estavam cheios de ira, não havia feito no sepulcro do Senhor o que costumavam fazer as mulheres pelos seus mortos queridos.

51 levou consigo suas amigas e foi até o sepulcro no qual havia sido depositado.

52 Temiam, porém, ser vistas pelos judeus e diziam: “Já que não nos foi possível chorar e lamentar naquele dia em que foi crucificado, façamo-lo agora pelo menos em seu sepulcro.

53 “Mas quem removerá a pedra que foi deixada à porta do sepulcro, para que possamos entrar e sentar junto a ele e fazer o que é devido?

54 “A pedra é muito grande e temos medo de que alguém nos veja. E se isto não nos for possível, ao menos joguemos na porta o que levamos em sua memória; choremos e golpearemos o peito até voltarmos para casa.”

Capítulo 13

55 Foram, então, e encontraram o sepulcro aberto. E nesse instante viram ali um jovem sentado no centro do túmulo, formoso e coberto de vestes alvíssimas, que lhes disse:

56 “A que vindes? A quem buscais? Porventura aquele que foi crucificado? Já ressuscitou e se foi. E se não quiserdes crer, acercai-vos e vede o lugar onde jazia. Não está, pois ressuscitou e se foi para o lugar de onde foi enviado”.

57 Então as mulheres, aterrorizadas, fugiram.

Capítulo 14

58 Esse era o último dia dos Azimos e muitos partiam de volta para suas casas uma vez terminada a festa.

59 E nós, os doze discípulos do Senhor, chorávamos e estávamos escondidos na aflição. E cada um, desgostoso pelo sucedido, retornou para sua casa.

60 Eu, Simão Pedro, de minha parte, e André, meu irmão, pegamos nossas redes e  dirigimo-nos ao mar, indo em nossa companhia Levi o de Alfeu, a quem o Senhor… Fim

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Evangelho de Bartolomeu, Evangelhos Apocrifos

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(Tradução da Versão Latina)

Jerônimo e Epifânio citam o Evangelho de Bartolomeu, onde se registra a conversa de Bartolomeu e Cristo com Belial, começando após a Ressurreição. Adão, o Diabo, o Inferno, Enoch e Elias são mencionados ao longo da narrativa, além de Maria comentar com os apóstolos detalhes da Concepção. Bastante significativo também é o trecho onde Belial comenta sua Queda.

Capítulo 1

DEPOIS QUE Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou de entre os mortos, acercou-se dele Bartolomeu e abordou-o desta maneira: “Desvela-nos, Senhor, os mistérios dos céus.”

2 Jesus respondeu-lhe: “Se não me despojar deste corpo carnal não os poderei desvelar.”

3 Bartolomeu, pois, acercando-se do Senhor, disse-lhe: ‘Tenho algo a dizer-lhe, Senhor.”

4 Jesus, por sua vez, respondeu: “Já sei o que me vais dizer. Dize-me, pois, o que quiseres. Pergunta e eu te darei a razão.”

5 Bartolomeu, então, falou: “Quando ias no caminho da cruz, eu te seguia de longe. E te vi a ti, dependurado no lenho, e aos anjos que, descendo dos céus, te adoraram. Ao sobrevirem as trevas…

6 …eu estava a tudo contemplando. E vi como desapareceste da cruz e só pude ouvir os lamentos e o ranger de dentes que se produziram subitamente das entranhas da terra. Dize-me, Senhor, aonde foste depois da cruz.”

7 Jesus, então, respondeu desta forma: “Feliz de ti, Bartolomeu, meu amado, porque te foi dado contemplar este mistério. Agora podes perguntar-me qualquer coisa que a ti ocorra, porque tudo dar-te-ei eu a conhecer.

8 “Quando desapareci da cruz, desci aos Infernos para dali tirar Adão e a todos que com ele se encontravam, cedendo às súplicas do arcanjo Gabriel.”

9 Então disse Bartolomeu: “E o que significava aquela voz que se ouviu?”

10 Responde-lhe Jesus: “Era a voz do Tártaro que dizia a Belial: ‘A meu modo de ver, Deus se fez presente aqui’.

11 “Quando desci, pois, com meus anjos ao Inferno para romper os ferrolhos e as portas de bronze, dizia ele ao Diabo: `Parece-me que é como se Deus tivesse vindo à terra’. E os anjos dirigiram seus clamores às potestades dizendo: `Levantai, ó príncipes, as portas e fazei correr as cortinas eternas, porque o Rei da Glória vai descer à terra’. E o Inferno disse: ‘Quem é esse Rei da Glória que vem do céu a nós?’

12 “Mas quando já havia descido quinhentos passos, o Inferno encheu-se de turbação e disse: ‘Parece-me que é Deus que baixa à terra, pois ouço a voz do Altíssimo e não o posso agüentar.’

13 “E o Diabo respondeu: ‘Não percas o ânimo, Inferno; recobra teu vigor, que Deus não desce à terra.’

14 “Quando voltei a baixar outros quinhentos passos, os anjos e potestades exclamaram: ‘Alçai as portas ao vosso Rei e elevai as cortinas eternas, pois eis que está para entrar o Rei da Glória’. Disse de novo o Inferno: ‘Ai de mim! Já sinto o sopro de Deus.’

15 “E disse o Diabo ao Inferno: ‘Para que me assustas, Inferno? Se somente é um profeta que tem algo semelhante a Deus… Apanhemo-lo e levemo-lo à presença desses que crêem que está subindo ao céu.’

16 “Mas replicou o Inferno: ‘E quem é entre os profetas? Informa-me. E, por acaso, Enoque, o escritor muito verdadeiro? Mas Deus não lhe permite baixar à terra antes de seis mil anos. Acaso te referes a Elias, o vingador? Mas este não poderá descer até o final do mundo. Que farei? Para nossa perdição, é chegado o fim de tudo, pois aqui tenho escrito em minha mão o número dos anos.’

17 “Belial disse ao Tártaro: ‘Não te perturbes. Assegura bem teus poderes e reforça os ferrolhos. Acredita-me: Deus não baixa à terra.’

18 “Responde o Inferno: ‘Não posso ouvir tuas belas palavras. Sinto que se me arrebenta o ventre e minhas entranhas enchem-se de aflição. Outra coisa não pode ser: Deus apresentou-se aqui. Ai de mim! Aonde irei esconder-me de seu rosto, da força do grande Rei? Deixa-me que me esconda em tuas entranhas, pois fui criado antes de ti.’

19 “Naquele preciso momento, entrei. Eu o flagelei e o atei com correntes que não se rompem, Depois fiz sair a todos os Patriarcas e voltei novamente para a cruz.”

20 “Dize-me, Senhor, disse-lhe Bartolomeu, quem era aquele homem de talhe gigantesco a quem os anjos levavam em suas mãos?”

21 Jesus respondeu: “Aquele era Adão, o primeiro homem que foi criado, a quem fiz descer do céu à terra. E eu lhe disse: `Por ti e por teus descendentes fui pregado na cruz.’ Ele, ao ouvir isso, deu um suspiro e disse: ‘As. sim, rendo-me a ti, Senhor’.”

22 De novo disse Bartolomeu: “Vi também os anjos que subiam diante de Adão e que entoavam hinos.

23 “Mas um destes, o mais esbelto de todos, não queria subir. Tinha em suas mãos uma espada de fogo e fazia sinais somente a ti.

24 “E os demais rogavam que ele subisse ao céu, mas ele não queria. Quando, porém, tu o mandaste subir, vi uma chama que saía de suas mãos e que chegava à cidade de Jerusalém.”

25 E disse Jesus: “Era um dos anjos encarregados de vingar o trono de Deus. E estava suplicando a mim. A chama que viste sair de suas mãos feriu o edifício da sinagoga dos judeus para dar testemunho de mim, por terem eles me sacrificado.”

26 E quando falou isto, disse aos apóstolos: “Esperai-me neste lugar, porque hoje se oferece um sacrifício no paraíso e ali hei de estar para recebê-los.”

27 E disse Bartolomeu: “Qual é o sacrifício que se oferece hoje no paraíso?” Jesus respondeu: “As almas dos justos, que saíram do corpo, vão entrar hoje no Éden e, se eu não estiver lá presente, não poderão entrar.”

28 Bartolomeu respondeu dizendo: “Quantas almas saem diariamente deste mundo?” Disse-lhe Jesus: “Trinta mil.

29 Disse-lhe novamente Bartolomeu: “Senhor, quando te encontravas entre nós ensinando-nos tua palavra, recebi-as sacrifícios no paraíso?” Respondeu-lhe Jesus dizendo: “Em verdade te digo eu, meu amado, que, quando me encontrava entre vós ensinando-vos a palavra, estava simultaneamente sentado junto de meu Pai.”

30 Disse-lhe Bartolomeu: “Quantas almas nascem diariamente no mundo?” Responde-lhe Jesus: “Uma só a mais do que as que saem do mundo.”

31 E dizendo isto, deu-lhes a paz e desapareceu no meio deles.

Capítulo 2

1 Estavam os apóstolos em um lugar chamado Chiltura (Chiruvin, Chritir) com Maria, a Mãe de Deus.

2 E Bartolomeu, acercando-se de Pedro, André e João, disse-lhes: “Por que não pedimos à cheia de graça que nos diga como concebeu ao Senhor e como pôde carregar em seu seio e dar à luz o que não pôde ser gestado?” Mas eles vacilaram em perguntar-lhe.

3 E disse Bartolomeu a Pedro: “Tu, como corifeu e nosso mestre que és, acerca-te dela e pergunta-lhe.”

4 Mas, ao ver todos vacilantes e em desacordo, Bartolomeu acercou-se dela e disse: “Deus te salve, tabernáculo do Altíssimo; aqui viemos todos os apóstolos a perguntar-te como concebeste ao que é incompreensível, e como carregaste em teu seio aquele que não pôde ser gestado, ou como, enfim, deste à luz tanta grandeza.”

5 Mas Maria respondeu: “Não me interrogueis acerca deste mistério. Se começar a falar-vos dele, sairá fogo de minha boca e consumirá toda a terra.”

6 Mas eles insistiram e Maria, não querendo dar-lhes ouvidos, disse: “Oremos.

7 Os apóstolos puseram-se de pé atrás de Maria. Esta disse a Pedro: “E tu, Pedro, quê és chefe e grande pilar, estás de pé atrás de nós? Pois não disse o Senhor que a cabeça do varão é Cristo e a da mulher é o varão?”

8 Mas eles replicaram: “O Senhor plantou sua tenda em ti e em tua pessoa houve por bem ser contido. Tu deves ser nossa guia na oração.”

9 Maria, então, disse-lhes: “Vós sois estrelas brilhantes do céu. Vós sois os que devem orar.”

10 Dizem-lhe: “Tu deves orar, pois que sois a Mãe do Rei Celestial.”

11 Com o que Maria colocou-se diante deles e elevando as mãos aos céus começou a dizer: “O Deus, tu que és o Grande, o Sapientíssimo, o Rei dos séculos, inexplicável, inefável, aquele que com uma palavra deu consistência às magnitudes siderais, aquele que fundamentou em afinada harmonia a excelsitude do firmamento, aquele que separou a obscuridade tenebrosa da luz, aquele que alicerçou em um mesmo lugar os mananciais das águas; tu que deste base à terra, tu que não podendo ser contido nos sete céus, te dignaste a ser contido em mim sem dor alguma, sendo Verbo Perfeito do Pai, por quem todas as coisas foram feitas; da glória, Senhor, a teu magnífico nome, manda-me falar na presença de teus santos após-tolos.”

12 E terminada a oração disse: “Sentemo-nos no chão e vem tu, Pedro, que és o chefe. Senta-te à minha direita e apóia com tua esquerda meu braço. Tu, André, faz o mesmo do lado esquerdo. Tu, João, que és virgem, segura meu peito. E tu, Bartolomeu, põe-te de joelhos atrás de mim e apóia minhas costas para que, ao começar falar, meus ossos não se desarticulem.”

13 E quando fizeram isso, começou a falar desta forma: “Estando eu no templo de Deus, aonde recebia alimento das mãos de um anjo, apareceu-me certo dia uma figura que me pareceu ser angélica. Mas seu semblante era indescritível, e não levava nas mãos nem pão nem cálice, como o anjo que anteriormente tinha vindo a mim.

14 “E eis que de repente, rasgou-se o véu do templo e sobreveio um grande terremoto. Joguei-me por terra, não podendo suportar o semblante do anjo.

15 “Mas ele estendeu-me sua mão e levantou-me. Olhei para o céu e vi uma nuvem de orvalho que aspergiu-me da cabeça aos pés. Mas ele enxugou-me com o seu manto.

16 “E disse-me: ‘Salve, cheia de graça, cálice da eleição.’ Então, deu um golpe com sua mão direita e apareceu um pão muito grande, que colocou sobre o altar do templo. Comeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também.

17 “Deu outro golpe com a ourela esquerda de sua túnica e apareceu um cálice muito grande e cheio de vinho. Bebeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também. E meus olhos viram um cálice transbordante e um pão.

18 “Então disse-me: ‘Ao cabo de três anos, eu te dirigirei novamente minha palavra e conceberás um filho pelo qual será salva toda a criação. Tu és o cálice do mundo. A paz esteja contigo, minha amada, e minha paz te acompanhará sempre.’

19 “E nisto desapareceu de minha presença, ficando o templo como estava anterior-mente.”

20 Mas, ao terminar de falar, começou a sair fogo de sua boca. E, quando o mundo estava para ser destruído, apareceu o Senhor que disse a Maria: “Não desveles este mistério, porque se o fizerdes no dia de hoje sofrerá a criação inteira um cataclismo.” Os após-tolos, consternados, temeram que o Senhor pudesse irar-se contra eles.

Capítulo 3

1 Então (o Senhor) caminhou com eles até o monte Moriá e se sentou no meio deles.

2 Mas como tinham medo hesitavam em perguntar-lhe.

3 E Jesus incitou-os: “Perguntai-me o que quiserdes, pois dentro de sete dias partirei para o meu Pai e já não estarei visível a vós nesta forma.”

4 E eles, vacilantes, lhe dizem: “Permite-nos ver o abismo, como nos prometeste.”

5 E disse-lhes Jesus: “Melhor seria para vós não verdes o abismo; mas, se o quereis, segui-me e o vereis.”

6 E os conduziu ao local chamado Cherudik, que significa “lugar de verdade”,

7 E fez um sinal aos anjos do Ocidente e a terra abriu-se como um livro e o abismo apareceu.

8 E, ao vê-lo, os apóstolos prostraram-se em terra.

9 Mas o Senhor os ergueu dizendo: “Não vos dizia, há pouco, que não vos faria bem verdes o abismo?”

Capítulo 4

1 E, tomando-os de novo, pôs-se a caminho do monte das Oliveiras.

2 E Pedro dizia a Maria: “Oh tu, cheia de graça, roga ao Senhor que nos revele os arcanjos celestiais.”

3 Maria respondeu a Pedro: “Oh tu, pedra escolhida, por acaso não prometeu ele fundar sua Igreja sobre ti?”

4 Pedro insistiu: “A ti, que és um amplo tabernáculo, cabe perguntar.”

5 Disse Maria: ‘Tu és a imagem de Adão e este não foi formado da mesma maneira que Eva. Observa o sol e vê que, tal qual Adão, ele se avantaja em brilho aos demais astros. Observa também a lua e vê como está enodoada pela transgressão de Eva. Porque o Senhor pôs Adão ao Oriente e Eva ao Ocidente, ordenando a ambos que ofereçam a face mutuamente.”

6 E quando chegaram ao cimo do monte o Senhor afastou-se um pouco deles, e Pedro disse a Maria: ‘Tu és aquela que desfez a infração de Eva, transformando-a de vergonha em regozijo.”

7 E, tornando o Senhor, disse-lhe Bartolomeu: “Senhor, mostra-nos o inimigo dos homens para que vejamos quem é e quais são suas obras, já que nem mesmo de ti se apiedou, fazendo-te pender do patíbulo.”

8 E Jesus, fixando nele seu olhar, disse-lhe: “Teu coração é duro. Não te é dado ver isso que pedes.”

9 Então, Bartolomeu, todo agitado, caiu aos pés de Jesus, dizendo: “Jesus Cristo, chama inextinguível, criador da luz eterna, tu que hás dado a graça universal a todos os que te amam e que nos hás outorgado por meio da Virgem Maria o fulgor perene da tua presença neste mundo, concede-nos o nosso desejo.”

10 Quando Bartolomeu acabou de falar, o Senhor ergueu-se, dizendo: “Vejo que é teu desejo ver o adversário dos homens. Mas lembra-te que, ao fitá-lo, não apenas tu mas também os demais apóstolos e Maria caireis por terra e ficareis como mortos.”

11 Mas todos lhe disseram: “Senhor, vejamo-lo!”

12 Então fê-los descer do monte das Oliveiras. E, havendo lançado um olhar enfurecido aos anjos que custodiavam o Tártaro, ordenou a Michael que fizesse soar a trombeta fortemente. Quando este o fez, Belial subiu aprisionado por anjos e atado com correntes de fogo.

13 O dragão tinha de altura mil e seiscentos côvados e de largura, quarenta. Seu rosto era como uma centelha e seus olhos, tenebrosos. Do seu nariz saía uma fumaça mal-cheirosa, e sua boca era como a fauce de um precipício.

14 Ao vê-lo, os apóstolos caíram por terra sobre os rostos e ficaram como que mortos.

15 Mas Jesus acercou-se deles, ergueu-os e infundiu-lhes ânimo. E disse a Bartolomeu: “Pisa com teu próprio pé sua cerviz e pergunta-lhe quais foram suas obras (até agora) e como engana os homens.”

16 Jesus estava de pé com os demais apóstolos.

17 E Bartolomeu, temeroso, ergueu a voz e disse: “Bendito seja desde agora e para sempre o nome de teu reino imortal.” Quando ele acabou de dizer isso, Jesus o exortou de novo: “Anda, pisa a cerviz de Belial.” Então Bartolomeu caminhou apressadamente para Belial e pisou-lhe o pescoço, deixando-o a tremer.

18 E Bartolomeu fugiu assustado, dizendo: “Deixa-me pegar a borda de tuas vestes para que me atreva a aproximar-me dele.”

19 Jesus respondeu-lhe: “Não podes tocar a fimbria das minhas vestes porque não são as mesmas que eu tinha antes de ser crucificado.”

20 Disse-lhe Bartolomeu: “Tenho medo, Senhor, de que,assim como não se compadeceu dos anjos, da mesma maneira me esmague também a mim.”

21 Respondeu Jesus: “Mas por acaso não se acertaram todas as coisas graças à minha palavra e à inteligência de meu Pai? A Salomão se submeteram os espíritos. Vai tu, pois, em meu nome, e pergunta-lhe o que quiseres.”

22 E, ao fazer Bartolomeu o sinal da cruz e orar a Jesus, irrompeu um incêndio e as vestes do apóstolo foram tomadas pelas chamas. Disse-lhe então Jesus de novo: “Pisa-o, como te disse, na cerviz, de maneira que possas perguntar-lhe qual é o seu poder.” Bartolomeu, pois, se foi e pisou-lhe a cerviz, que trazia oculta até as orelhas,

23 dizendo-lhe: “Dize-me quem és tu e qual é teu nome.

24 E ele, Bartolomeu, afrouxou-lhe um pouco as ligaduras e lhe disse: “Conta tudo quanto tens feito.”

25 Respondeu Belial: “A princípio me chamava Satanail, que quer dizer mensageiro de Deus. Mas, desde que não reconheci a imagem de Deus, meu nome foi mudado para Satanás, que quer dizer anjo guardião do Tártaro.”

26 E Bartolomeu falou de novo: “Conta-me tudo sem nada ocultar.”

27 E ele responde: “Juro-te pela glória de Deus que, ainda que quisesse ocultá-lo, ser-me-ia impossível. Está aqui presente aquele que me acusa. E se me fosse possível vos faria desaparecer a todos da mesma maneira que o fiz com aquele que pregou para vós.

    28 “Também fui chamado primeiro anjo porque, quando Deus fez o céu e a terra, apanhou um punhado de fogo e formou-me a mim primeiro.

29 “E o segundo foi Michael, e o terceiro Gabriel, e o quarto Rafael, e o quinto Uriel, o sexto Natanael e assim outros seis mil anjos, cujos nomes me é impossível pronunciar, pois são os lictores de Deus e me flagelam sete vezes a cada dia e sete vezes a cada noite. Não me deixam um momento e são os encarregados de minar minhas forças. Os dois anjos vingadores são estes que estão diante do trono de Deus. Eles foram criados primeiro.

30 “Depois destes foi criada a multidão dos anjos: no primeiro céu há cem miríades; no segundo, cem miríades; no terceiro, cem miríades; no quarto, cem miríades; no quinto, cem miríades; no sexto, cem miríades; no sétimo, cem miríades. Fora do âmbito dos sete céus está o primeiro firmamento, onde residem as potestades que exercem sua atividade sobre os homens.

31 “Há também outros quatro anjos: um é Bóreas, cujo nome é …vroil Cherum, tem na mão uma vara de fogo e neutraliza a força que a umidade exerce sobre a terra, para que esta não chegue a secar.

32 “Outro anjo está no Aquilon e seu nome é Elvisthá.”

Tradução da Versão Latina

Capítulo 1

1 “Etalfatha tem a seu cargo o Aquilon. E ambos — ele e Mauch, que está no Bóreas — mantêm em suas mãos tochas incendiadas e varas de fogo para neutralizar o frio, o frio dos ventos, de maneira que a terra não se resseque e o mundo não pereça.

2 “Cedor cuida do Austro, para que o sol não perturbe a terra, pois Levenior apaga a chama que sai da boca daquele, para que a terra não seja abrasada.

3 “Há outro anjo que exerce domínio sobre o mar e reduz o empuxo das ondas.

4 “O mais não estou disposto a revelar.”

5 Então disse-lhe Bartolomeu o apóstolo: “Anda, dize-me, malfeitor e mentiroso, ladrão desde o berço, cheio de amargura, engano, inveja e astúcia, velho réptil, trapaceiro, lobo rapace, como te arrumas para induzir os homens a deixar o Deus vivo, criador de todas as coisas, que fez o céu e a terra e tudo que neles está contido? Pois és sempre inimigo do gênero humano.”

6 E disse-lhe o Anticristo: “Dir-te-ei. Eis aqui uma roda que sobe do abismo e tem sete facas de fogo. A primeira delas tem doze canais.”

7 E lhe perguntou Bartolomeu: “Quem está nas facas?”

8 Respondeu o Anticristo: “No canal ígneo da primeira faca ficam os inclinados ao sortilégio, à adivinhação e à arte de encantamento, e também os que neles crêem e os buscam, já que por malícia de seu coração buscaram adivinhações falsas. No segundo canal de fogo vão os blasfemos, que maldizem de Deus, de seu próximo e das Escrituras. Também ficam aí os feiticeiros e os que os buscam e lhes dão crédito. Entre os meus encontram-se também os suicidas, os que se lançam à água, ou se enforcam, ou se ferem com a espada. Todos esses estarão comigo. No terceiro canal vão os homicidas, os que se entregam à idolatria e os que se deixam dominar pela avareza ou pela inveja, que foi o que me arrojou do céu à terra. Nos demais canais vão os perjuros, os soberbos, os ladrões, os que desprezam os peregrinos, os que não dão esmolas, os que não ajudam os encarcerados, os que servem com tibieza à Igreja, os caluniadores, os que não amam ao próximo e os demais pecadores que não buscam a Deus ou o servem debilmente. A todos esses eu os submeto ao meu arbítrio.”

9 Disse-lhe então Bartolomeu: “Dize-me, diabo mentiroso e insincero: fazes tu essas coisas pessoalmente ou por intermédio de teus iguais?”

10 Responde-lhe o Anticristo: “Oh se eu pudesse sair e fazer essas coisas por mim mesmo! Em três dias destruiria o mundo inteiro. Desgraçada-mente, porém, nem eu nem nenhum dos que foram arrojados juntamente comigo podemos sair. Temos, todavia, outros ministros mais fracos que, por sua vez, atraem outros colegas aos quais emprestamos nossa vestimenta e mandamos semear insídias que enredem as almas dos homens com muita suavidade, afagando-as, para que se deixem dominar pela embriaguez, a avareza, a blasfêmia, o homicídio, o furto, a fornicação., a apostasia, a idolatria, o abandono da Igreja, o desprezo da Cruz, o falso testemunho, enfim, tudo o que Deus abomina. Isso é o que nós fazemos. A uns os deitamos ao fogo, a outros os lançamos das árvores para que se afoguem; a uns rompemos pés e” mãos, a outros lhes arrancamos os olhos. Estas e outras coisas são o que fazemos. Oferecemos ouro e prata e tudo mais que é cobiçável no mundo e àqueles que não conseguimos que pequem despertos fazemo-los pecar adormecidos.

11 “Também te direi os nomes dos anjos de Deus que nos são contrários. Um deles chama-se Mermeoth, que é o que domina as tempestades. Meus satélites o conjuram e ele lhes dá permissão para que habitem onde queiram; mas ao voltar se incendeiam. Há outros cinqüenta anjos que têm debaixo do seu poder o raio. Quando algum espírito, dentre os nossos, quiser sair pelo mar ou pela terra, esses anjos desferem contra ele uma descarga de pedra. Com isso ateiam o fogo e fazem fender as rochas e as árvores. E quando conseguem dar conosco nos perseguem, obedecendo ao mandato daquele a quem servem. Graças a esse mandato, tu podes exercer poder sobre mim, pelo que me vejo obrigado, muito a meu pesar, a revelar-te o segredo e as coisas que não pensava dizer-te.”

12 Pergunta-lhe de novo Bartolomeu: “Que tens feito e o que continuas fazendo ainda? Revela-me.” Satanás responde: “Tinha pensado não confessar-te todo o segredo, mas, por aquele que preside ao Universo, cuja cruz me lançou ao cativeiro, não posso ocultar-te nada.”

13 E disse o Senhor Jesus a Bartolomeu: “Afrouxa-lhe as ligaduras e ordena-lhe que retorne a seu lugar até a vinda do Senhor. Quanto ao mais, já me encarregarei eu mesmo de revelar-vos a vós. Porque é necessário nascer de novo para que aqueles que passaram pela prova possam entrar no reino dos céus, de onde foi expulso este inimigo por sua soberba, juntamente com aqueles de cujo conselho se servia.”

14 Depois disso, disse o apóstolo Bartolomeu ao Anticristo: “Volta, condenado e inimigo dos homens, ao abismo até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual há de vir julgar a vivos e mortos e ao mundo inteiro por meio do fogo e a condenar-te a ti e a todos os teus semelhantes. Não tentes daqui em diante continuar praticando isso que foste obrigado a revelar.”

Então, Satanás, lançando, como um leão, vozes misturadas com rugidos e gemidos, disse: “Ai de mim, que tenho me servido de mulheres para enganar a tantos e acabei por ser burlado por uma virgem! Agora vejo-me aferrolhado e atado com cadeias de fogo pelo seu Filho e estou ardendo de péssima maneira. O virgindade, que estás sempre contra mim! Ainda não se passaram os sete mil anos. Como, pois, me vi conde-nado a confessar as coisas que acabo de dizer?”

15 Então o apóstolo Bartolomeu, admirando a audácia do inimigo e confiando no poder do Salvador, disse a Satanás: “Dize-me, imundíssimo demônio, a causa pela qual foste banido do mais alto do céu. Pois prometeste revelar-me tudo.”

16 Respondeu o Diabo dizendo: “Quando Deus se propôs formar Adão, pai dos homens, à sua imagem, ordenou a quatro anjos que trouxessem terra das quatro partes do globo e água dos quatro rios do paraíso. Eu estava no mundo naquela ocasião e o homem passou a ser um animal vivente nos quatro rincões da terra onde eu não estava. Então Deus o abençoou porque era sua imagem. Depois vieram render-lhe suas homenagens Michael, Gabriel e Uriel.

17 “Quando voltei ao mundo disse-me o arcanjo Michael: ‘Adora essa figura que Deus fez segundo sua vontade’. Eu me dei conta de que a criatura havia sido feita de barro e disse: `Eu fui feito de fogo e água, e primeiro do que este; eu não adoro o barro da terra.’

18 “De novo me disse Michael: ‘Adora-o, antes que o Senhor se aborreça contigo.’ Eu repliquei: ‘O Senhor não se irritará comigo. Eu vou colocar meu trono contra o dele.’ Então Deus enfureceu-se comigo, mandou abrir as comportas do céu e me arrojou à terra.

19 “Depois que fui expulso, perguntou o Senhor aos demais anjos que estavam às minhas ordens se se dispunham a render-se diante da obra que havia feito com suas mãos. Mas eles disseram: `Assim corno vimos que nosso chefe não dobrou sua cerviz, da mesma maneira não adoraremos um ser inferior a nós.’ Naquele momento mesmo foram eles expulsos corno eu.

20 “E ficamos adormecidos durante um período de quarenta anos. Eu, ao despertar, percebi que dormiam os que estavam abaixo de mim. E os despertei seguindo meu capricho. Depois discuti com eles urna forma de lograr o homem por cuja causa fui expulso do céu.

21 “E, tornada a resolução, descobri corno podia seduzi-lo: tornei em minhas mãos urnas folhas de figueira, enxuguei com elas o suor do meu peito e das minhas axilas e atirei-as ao rio. Eva, então, ao beber daquela água, conheceu o desejo carnal e o ofereceu ao marido. A ambos pareceu doce seu sabor e não se deram conta do amargo de haverem prevaricado. Se não houvessem bebido dessa água jamais poderia eu enredá-los, pois outro meio eu não tinha para poder superá-los senão esse.”

22 Então o apóstolo Bartolomeu pôs-se a orar dizendo: “Oh Senhor Jesus Cristo! Ordena-lhe que entre no Inferno porque se mostra insolente comigo.” E diz Jesus Cristo a Satanás: “Vai, desce ao abismo e fica ali até minha chegada.” E no mesmo instante o Diabo desapareceu.

23 Bartolomeu, então, caindo aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, começou a dizer, banhado em lágrimas: “Abba! Pai! Tu que continuas sendo o único e glorioso Verbo do Pai, por quem foram feitas todas as coisas; tu, a quem quase não te puderam conter os sete céus e que tiveste por bem habitar o seio de uma Virgem; a quem a Virgem gerou e deu à luz sem dor. Tu, Senhor, elegeste aquela a quem verdadeiramente pudeste chamar mãe, rainha e escrava. Mãe, porque por ela te dignaste descer e dela tomaste carne mor-tal. E rainha porque a constituíste rainha das virgens.

24 “Tu que chamaste os quatro rios e eles obedecem tuas ordens e se apressam a servir-te. O primeiro, o rio dos Filósofos, para a unidade da Igreja e da Fé, que foi revelada no mundo. O segundo, o Géon, porque o homem foi feito de terra, ou também pelos dois testamentos. O terceiro, o Tigre, porque aos que cremos no Pai, no Filho e no Espírito Santo, Deus único por quem foram feitas todas as coisas no céu e na terra, nos foi revelada a Trindade sempiterna, que está nos céus. O quarto, o Eufrates, porque tu te dignaste saciar toda alma vivente por meio do banho da regeneração, que representava a imagem dos Evangelhos que correm por toda a órbita da Terra, e que te dignaste anunciar por teus servos, para que, por meio da confissão e da fé, sejam salvos todos os que crêem em teu nome grande e terrível e em teus santos Evangelhos, de maneira que possam alcançar a vida que ainda não possuem.”

25 Disse então Bartolomeu: “È lícito revelar estas coisas a todos os homens?”

26 Disse-lhe Jesus: “Podeis dá-las a conhecer a todos que sejam crentes e observem este mistério que acabo de desvelar-vos. Pois entre os gentios há alguns que são idólatras, ébrios, fornicadores, perjuros, blasfemos, detratores da Igreja, invejosos, maldosos, feiticeiros, malvados, que seguem as artimanhas do inimigo e que odeiam o próximo. Todos esses não são dignos de ouvir esse mistério.

27 “Mas são dignos de ouvi-lo todos os que guardam meus mandamentos, os que recebem em si as palavras de vida eterna que não têm fim, e todos os que têm parte nos céus com os santos, justos e fiéis no reino do meu Pai. Todos aqueles que se hajam conservado imunes ao erro da iniqüidade e hajam seguido o caminho da salvação e da justiça, devem ouvir este mistério. E tu, Bartolomeu, és feliz, juntamente com a tua geração.”

28 Então, Bartolomeu, ao escrever todas essas coisas que ouviu dos lábios de Nosso Senhor Jesus Cristo, mostrou toda a sua alegria no rosto e bendisse o Pai, o Filho e o Espírito Santo, dizendo: “Glória a Ti, Senhor, redentor dos peca-dores, vida dos justos, fé dos crentes, ressurreição dos mortos, luz do mundo, amante da castidade.”

29 Então, batendo no peito, disse: “Eu sou bom, manso e benigno, misericordioso e clemente, forte e justo, admirável e santo, médico e defensor de órfãos e viúvas, remunerador dos justos e fiéis, juiz de vivos e mortos, luz de luz e resplendor da claridade; consolador dos atribulados e cooperador dos pupilos. Alegrai-vos comigo, amigos meus, e recebei meu presente. Hoje vou dar-vos um dom celeste. A todos os que em mim tenham depositado sua aspiração e sua fé, e a vós, estou galardoando com a vida eterna.”

   30 Disse-lhe de novo Bartolomeu: “Senhor, e se alguém comete um pecado carnal, como será julgado?”

31 Responde-lhe Jesus: “É certo que o neófito deve observar tudo aquilo a que o batismo o obriga e, portanto, que guarde castidade e permaneça nela. Mas, se lhe sobrevém a concupiscência carnal, deve casar-se com uma única mulher; de maneira que a mulher não conheça outro marido e este recuse qualquer outra esposa. E se observarem a castidade segundo seu estado e oferecerem seus dízimos à Igreja, da mesma maneira como o fez meu servo Abraão, que sempre acatou meus mandamentos, eu lhes darei o cêntuplo e seu matrimônio estará livre de pecado. E se ocorresse a necessidade de tomar uma segunda mulher ou um segundo marido poderiam fazê-lo contanto que compare-cessem à Igreja, levassem esmola, vestissem o desnudo, dessem comida e bebida ao faminto e ao sedento, dessem hospedagem aos peregrinos, ao invés de os desprezar, visitassem os enfermos, servissem aos encarcerados, dissessem sempre a verdade, recebessem com toda veneração o sacerdote e todo aquele que teme a Deus, e, como disse antes, dessem seus dízimos à Igreja e fizessem as demais boas ações de modo a agradecer a Deus. Entretanto, se alguém houvesse contraído matrimônio já pela terceira vez, seria tido por indigno e peca-dor no reino dos céus junta-mente com o consorte. Mas quem guardar sua virgindade e castidade e for perfeito na Igreja católica, este, seja homem ou mulher, será chamado perfeito no reino dos céus.”

32 Então, Bartolomeu, e com ele os demais apóstolos, pôs-se a glorificar o Senhor Jesus, dizendo: “Glória a ti, pai dos céus, rei da vida eterna, foco de luz inextinguível, sol radiante e resplendor da claridade perpétua, rei dos reis, senhor dos senhores. A ti seja dada a magnificência, a glória, o império, o reino, a honra e o poder, juntamente com o Pai e o Espírito Santo. Bendito seja o Senhor Deus de Israel porque nos visitou e redimiu seu povo da mão de seus inimigos e usou conosco de misericórdia e justiça. Louvai a Nosso Senhor Jesus Cristo todas as nações e crede que ele é o juiz de vivos e mortos e o salvador dos fiéis. O qual vive e reina, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém.”

Aqui terminam as perguntas que o beatíssimo apóstolo Bartolomeu e os demais após-tolos fizeram a Nosso Senhor Jesus Cristo. Fim

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Livro de Tomé, Evangelhos Apocrifos

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Atos do Apóstolo Tomé

(Apostolo Dídimo Judas Tomé, Thomas)

Texto Gnóstico encontrado em Nag Hammad, 1945

    Esses textos foram registrados a partir do diálogo que Jesus teve com Tomé, Matias provavelmente o autor, não assinou o manuscrito. Os textos são considerados originais, e datam do primeiro século.

Capítulo I

         Ditos secretos que o Salvador Transmitiu a Judas Tomé e eu, Matias. Enquanto caminhávamos eu os ouvia conversar e registrei.

         O Salvador disse: “Irmão Tomé,  enquanto tu ainda tens tempo no mundo, ouve-me e eu esclarecerei as suas preocupações.” Dizem que és meus irmão gêmeo e meu verdadeiro amigo; portanto, examina-te e percebe  quem és tu, como vives e o que será de ti.”

        “Já que é chamado de meu irmão, não é conveniente  que conheças a ti mesmo?. Sei que compreendes, porque já sabes que sou o conhecimento da Verdade. Enquanto me acompanhas, apesar de ignorar muitas outras coisas, adquiriste algum conhecimento e será visto como aquele que se conhece, pois aquele que não se conhece, nada conhece; mas aquele que se conhece já atingiu, pelo conhecimento, o reino de Deus”.

        “Então , meu irmão Tomé, percebas a verdade que está oculta, e que outros tropeçam por ignorar!”

Capítulo II

         Tomé disse ao Senhor: “Por isso suplico que responda a minha pergunta antes de tua ascensão. Quando eu tiver-te ouvido sobre as coisas ocultas, poderei, então falar sobre elas. Pois está claro para mim que a Verdade é difícil de ser alcançada na frente de todos”.

         O Salvador respondeu: “Se o que é invisível ainda te é obscuro, como entenderás o que não pode ver? Se encontras dificuldades em te atinar com as manifestações da Verdade visíveis no mundo, como então alcançarás o que é invisível, o que é relacionado com a grandeza louvada e com a plenitude?”

        “Como podereis ser chamado de operários, se sois aprendizes e não chegastes ainda ao auge da perfeição?”

          Tomé respondeu e disse ao senhor:! Fala-nos das coisas que, segundo dizes, não somos capazes de perceber e nos estão ocultas”.

         O Salvador disse: Todos os corpos de homens  e animais são [….] . No entanto, os seres que estão em cima são invisíveis entre as coisas visíveis. Mas são visíveis em sua própria origem e é o seu fruto que os alimenta.

        “Por outro lado, esses corpos visíveis alimentam-se de criaturas como eles, sujeitos assim à transformação. O que estiver sujeito à transformação perecerá e se perderá e não terá mais esperança de vida, pois é um corpo animal. Assim como os corpos de animais perecem, também essas formações perecerão. Não são eles resultados do coito, como os animais?.”

        “Se essa espécie de corpo é também resultado do coito, como produzirá algo diferente dos animais?”

       “Por essa razão, sois crianças até atingirem a perfeição.”

 Capítulo III

         Tomé respondeu: “Mestre, eu te digo que as pessoas que falam sobre o invisível e o difícil de explicar agem como arqueiros tentando acertar um alvo no meio da noite. É claro que eles atiram as flechas como qualquer outro arqueiro, já que miram um alvo; só que nesse caso, o alvo não pode ser visto. Quando a luz surge e expulsa as trevas, então se distinguirá o que cada pessoa fez. Mestre, nossa luz,  trazendo a iluminação.”

         Jesus disse: “É na luz que a luz existe”.

        “Tomé pergunta: “Mestre, por que esta luz visível que brilha sobre nós nasce e se põe?”

         O Salvador responde: “Bem-aventurado Tomé, esta luz visível brilha sobre ti não para manter-te aí, mas para ajuda-te a partir. Quando todos os escolhidos perderem a natureza animal, essa luz se retirará para o domínio da essência e será bem vinda, por conta de seu excelente serviço!”

       Então o Salvador continuou: “Ó insondável amor da luz! Ó fogo amargo que queima nos corpos dos homens e em sua medula, arde dentro deles , dia e noite, queima nos membros dos homens, embriaga suas mentes e perturba suas almas, movendo-se dentro de homens e mulheres, dia e noite, movendo-se secreta ou visivelmente.”

       “Pois os homens estão atiçados e eles atiçam as mulheres e as mulheres atiçam os homens.

       “Por isso se Diz:’ Quem busca a Verdade na verdadeira sabedoria criará em si asas para voas e fugir da paixão que inflama os espíritos humanos. Quem busca, criará em si asas para escapar de qualquer espírito visível’.” FIM

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Evangelho de Nicodemus, evangelhos apocrifos

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(Atos de Pilatos)

Descida de Cristo ao Inferno

(Versão Grega e Latina)

(Narrações Sobre Nosso Senhor Jesus Cristo Compostas no Tempo de Pôncio Pilatos)

Dois textos apócrifos constituem o Evangelho de Nicodemus: Atos de Pilatos e Descida de Cristo ao Inferno. Um é seqüência do outro e o completa, embora escritos em épocas diferentes. Justino, em 150, menciona em seus escritos um texto chamado Atos de Pôncio Pilatos, narrando os acontecimentos posteriores à Crucificação.

Nicodemus narra os episódios da Crucificação e da Ressurreição, mas nada acrescenta  aos Evangelhos canônicos. Curioso é observar que ele cita o local da Crucificação como sendo o horto onde Cristo foi aprisionado, o Getsêmani, situado ao pé do Monte das Oliveiras.

Prólogo

Eu, ANANIAS, protetor, de hierarquia pretoriana, perito em leis, vim através das divinas Escrituras tomar conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e me aproximei dele pela fé, e permiti-me receber o santo batismo; agora sinto-me bem, depois de seguir “a pista das narrações relativas a Nosso Senhor Jesus Cristo, que foram feitas naquela época, e que os judeus deixaram guardadas com Pôncio Pilatos; encontrei-as como estavam, escritas em hebraico, e com o beneplácito divino traduzi-as para o grego, para conhecimento de todos os que invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o reinado de Flávio Teodósio, nosso senhor, no ano 17, e sexto de Flávio Valentino, na nona indicação.

Todos, pois, quantos leiam e traduzam isto para outros livros, lembrem-se e peçam por mim para que o Senhor seja piedoso para comigo e me perdoe os pecados que cometi contra ele.

Paz aos leitores, aos ouvintes e aos seus servidores. Amém.

No ano décimo quinto do governo de Tibério César, imperador dos romanos; no ano décimo nono do governo de Herodes, rei da Galiléia; no oitavo dia das calendas de abril, correspondente ao dia 25 de março; durante o consulado de Rufo e Rubelião; no quarto ano da olimpíada 202; sendo, nessa época, José Caifás o sumo sacerdote dos judeus. Tudo o que Nicodemus narrou com base no tormento da cruz e da paixão do Senhor, transmitiu-o aos príncipes dos sacerdotes e aos demais judeus depois de havê-lo redigido ele mesmo em hebraico.

Capítulo 1

1 Depois de se haverem reunido em conselho os príncipes dos sacerdotes e os escribas, Anás e Caifás e Semes e Dothaim e Gamaliel, Judas, Levi e Neftali, Alexandre e Jairo e os restantes dentre os judeus apresentaram-se diante de Pilatos acusando Jesus de muitos feitos, dizendo: “Sabemos que ele é filho de José o carpinteiro e que nasceu de Maria, e chama-se a si mesmo Filho de Deus e rei; além disso profana o sábado e ainda pretende abolir a lei de nossos pais”, Disse-lhes Pilatos: “E o que ele faz e o que pretende abolir?” Os judeus disseram: “Temos uma lei que proíbe a cura no Sábado; pois bem, este, servindo-se das más artes, curou durante o Sábado coxos, machucados, cegos, paralíticos, surdos e endemoninhados”, Disse-lhes Pilatos: “Se realiza honestamente suas curas, não faz mal algum.” Os judeus replicaram: “Se realizasse suas curas honestamente, não seria mal maior; mas para fazê-las usa a virtude de Belzebu, príncipe dos demônios, expulsa a estes e a todos que lhes são submissos”, Disse-lhes Pilatos: “Isto não é tirar os demônios pela virtude de um espírito imundo, mas sim pela virtude do deus Esculápio”.

2 Os judeus disseram a Pilatos: “Rogamos à tua autoridade que ele seja apresentado diante do teu tribunal para que possa ser ouvido”. Pilatos então chamou-os e disse-lhes: “Dizei-me vós como é que eu, um mero governador, posso submeter nada menos que um rei a interrogatório?” Eles responderam: “Nós não dissemos que é um rei, mas sim que ele mesmo se dá esse título”. Então Pilatos chamou o mensageiro para dizer-lhe: “Que me seja apresentado aqui Jesus, com toda a deferência”. O mensageiro saiu, então, e logo que o identificou, o adorou; depois tirou o manto que levava em suas mãos e estendeu-o no chão, dizendo: “Senhor, passa por cima e entra, que o governador te chama”. Os judeus, vendo o que o mensageiro havia feito, puseram-se a gritar contra Pilatos, dizendo: “Por que te serviste de um mensageiro para fazê-lo entrar, e não de um simples pregoeiro? Sabes que o mensageiro, assim que o viu, passou a adorá-lo e estendeu seu manto sobre o chão, fazendo-o caminhar por cima como se fosse um rei?”

3 Pilatos, então, chamou o mensageiro e lhe disse: “Por que fizeste isso e estendeste o manto sobre o chão, fazendo Jesus passar por cima?” O mensageiro respondeu: “Senhor governador, quando me enviaste a Jerusalém junto com Alexandre eu o vi montando um burro, e os filhos dos hebreus iam aclamando-o com ramos nas mãos, enquanto outros estendiam suas vestes no chão dizendo: `Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito o que vem em nome do Senhor’.”

4 Os judeus então começaram a gritar e disseram ao mensageiro: “Os jovens hebreus clamavam em sua língua, como então te informaste da sua equivalência em grego?” O mensageiro respondeu: “Perguntei a um dos judeus e lhe disse: ‘Que estão gritando em hebraico?’ E ele me traduziu”. Pilatos disse-lhes: “Como soa em hebraico o que eles diziam em altos brados?” Os judeus responderam: “Hosanna membrome; baruchamma; adonai”. Então Pilatos lhes disse: “E o que significa Hosanna e as outras palavras?” Os judeus responderam: “Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito o que vem em nome do Senhor”. Pilatos disse-lhes: “Se vós mesmos dais testemunho das vozes que saíram da boca dos jovens, que falta cometeu o mensageiro?” Eles se calaram. Então o governador disse ao mensageiro: “Sai e faze-o entrar da maneira que lhe aprouver”. Saiu, então, o mensageiro e procedeu da mesma maneira que anteriormente, dizendo a Jesus: “Senhor, entra; o governador te chama”.

5 Mas no momento em que Jesus entrava, os que seguravam os estandartes inclinaram-se e adoraram a Jesus. Os judeus que presenciaram esse gesto de reverência e adoração a Jesus, começaram a gritar desaforos contra os que portavam as bandeiras. Mas Pilatos lhes disse: “Não vos causa admiração ver como eles se inclinaram e adoraram Jesus?” Os judeus responderam a Pilatos: “Nós mesmos vimos como eles se inclinaram e o adoraram”. O governador chamou então os que carregavam as bandeiras e lhes disse: “Por que agistes assim?” Eles responderam a Pilatos: “Nós somos gregos e servidores das divindades, como então iríamos adorá-lo? Saibas que, enquanto estávamos eretos, nossos corpos se inclinaram por eles mesmos e o adoraram”.

6 Então Pilatos disse aos arquissinagogos e anciãos do povo: “Escolhei vós mesmos alguns varões fortes e robustos; que eles segurem os estandartes e vejamos se estes inclinam-se sozinhos”. Então os anciãos escolheram de entre os judeus doze homens fortes e robustos, aos quais obrigaram a sustentar os estandartes em grupos de seis, e ficaram em pé diante do tribunal do governador. Então Pilatos disse ao mensageiro: “Leva-o para fora do pretório e introduze-o novamente da maneira que te aprouver”. E Jesus saiu do pretório acompanhado do mensageiro. Pilatos chamou então aqueles que anteriormente estavam com os estandartes e lhes disse: “Jurei pela saúde de César que, se os estandartes não se dobrarem à entrada de Jesus, cortar-vos-ei as cabeças”. E o governador ordenou nova-mente que Jesus entrasse. O mensageiro observou a mesma conduta do início e rogou encarecidamente a Jesus que passasse por cima de seu manto. E caminhando sobre ele, entrou. Mas no momento de entrar, novamente os estandartes se dobraram e adoraram Jesus.

Capítulo 2

1 Quando Pilatos viu a cena, encheu-se de medo e dispôs-se a deixar o tribunal. Mas enquanto ainda pensava em levantar-se, sua mulher enviou-lhe esta carta: “Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa”. Então Pilatos chamou todos os judeus e lhes disse: “Sabeis que minha mulher é piedosa e que tende mais para o bem do que para segui-los em vossos costumes judeus?” Eles disseram: “Sim, sabemos”. Pilatos disse-lhes: “Pois bem, minha mulher acaba de enviar-me este recado: `Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa’.” Mas os judeus responderam a Pilatos dizendo: “Não te dissemos que é um mágico? Sem dúvida enviou um sono fantástico a tua mulher”.

2 Pilatos então chamou Jesus e lhe disse: “Como é que estes testemunham contra ti? Não dizes nada?” Jesus respondeu: “Se não tivessem poder para isso, não diriam nada, pois cada um é dono da sua boca para falar coisas boas e más: eles verão”.

3 Mas os anciãos dos judeus responderam, dizendo a Jesus: “Que é que nós vamos ver? Primeiro, que tu vieste ao mundo por fornicação; segundo, que o teu nascimento em Belém trouxe como conseqüência uma matança de crianças; terceiro, que teu pai José e tua mãe Maria fugiram para o Egito por encontrarem-se ameaçados na cidade”.

4 Então, alguns dos que ali estavam presentes, e que eram judeus piedosos, disseram: “Nós não estamos de acordo que haja nascido de fornicação, mas sim sabemos que José desposou Maria e que não foi gerado através de fornicação”. Pila tos disse aos judeus que afirmavam a sua origem através de fornicação: “Isto que dizeis não é verdade, posto que os esponsais foram celebrados, segundo afirmam vossos próprios compatriotas”. Então Anás e Caifás disseram a Pilatos: “Todos juntos afirmamos e não cremos que ele tenha nascido de fornicação; estes são prosélitos e seus discípulos”. Pilatos chamou Anás e Caifás e disse-lhes: “Que significa a palavra prosélito?” Eles responderam: “Que nasceram de pais gregos e fizeram-se judeus agora”. Ao que contestaram os que afirmam que Jesus não havia nascido de fornicação (isto é: Lázaro, Astério, Antônio, Tiago, Amnés, Zeras, Samuel, Isaac, Finees, Crispo, Agripa e Judas): “Nós não nascemos prosélitos, mas sim somos filhos de judeus e dizemos a verdade, pois encontrávamo-nos presentes nas bodas de José e de Maria”.

5 Pilatos chamou estes doze que afirmavam não haver Jesus nascido de fornicação e disse-lhes: “Eu os conjuro pela saúde de César, dizei-me, é verdade o que afirmastes, que não nasceu de fornicação?” Eles responderam: “Nós temos uma lei que proíbe jurar, porque é pecado; deixe que estes jurem pela saúde de César que não é verdade o que acabamos de dizer, e seremos réus de morte”. Então Pila tos disse a Anás e Caifás: “Nada respondem a isto?” Eles replicaram: “Tu dás crédito a estes doze que afirmam o nascimento legítimo de Jesus; enquanto isso, todos, em massa, estamos bradando que é filho de fornicação, que é feiticeiro e que se chama a si próprio Filho de Deus”.

6 Então Pilatos ordenou que toda a multidão saísse, à exceção dos doze que negavam a origem da fornicação, e ordenou que Jesus fosse separado. Depois lhes disse: “Por que razão querem dar-lhe a morte?” Eles responderam: “Têm inveja dele por curar no Sábado”. Ao que respondeu Pilatos: “E por uma boa obra querem matá-lo?”

Capítulo 3

1 E, cheio de ira, saiu do pretório e disse-lhes: “Tomo por testemunha o sol de que não encontro nenhuma culpa neste homem”. Os judeus responderam e disseram ao governa-dor: “Se não fosse um malfeitor, não o haveríamos entregado a ti”. E Pilatos disse: “Tomai-o vós e julgai-o segundo vossas leis”. Então os judeus disseram a Pilatos: “Não nos é permitido matar ninguém”. Ao que Pilatos contestou: “A vós sim Deus proibiu de matar mas, e a mim.

2 E, entrando de novo no pretório, chamou Jesus à parte e disse-lhe: “Es o rei dos judeus?” Jesus respondeu: “Dizes isto por conta própria ou pelo que os outros te disseram de mim?” Pilatos replicou: “Mas será que também sou por acaso judeu? Teu povo e os pontífices puseram-te em minhas mãos, que fizeste?” Jesus respondeu: “Meu reino não é deste mundo pois, caso contrário, meus servidores teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui”. Então Pilatos disse: “Logo, tu és rei?” Jesus respondeu: “Tu dizes que eu sou rei; pois para isto nasci e vim ao mundo, para que todo aquele que é da verdade, ouça a minha voz”. Pilatos disse-lhe: “Que é a verdade?” Jesus respondeu: “A verdade provém do céu”. Pilatos disse: “Não há verdade sobre a terra?” E Jesus respondeu a Pilatos: “Estás vendo que os que dizem a verdade são julgados pelos que exercem o poder sobre a terra”.

Capítulo 4

1 E deixando Jesus no interior do pretório, Pila tos foi até os judeus e lhes disse: “Eu não encontro culpa alguma nele”. Os judeus replicaram: “Ele disse: `Eu sou capaz de destruir este templo e reedificá-lo em três dias’.” Pilatos disse: “Que templo?” Os judeus responderam: “Aquele edificado por Salomão em quarenta e seis anos, ele diz que vai destruí-lo e reedificá-lo ao final de três dias”. Pila tos disse: “Eu sou inocente do sangue deste justo; vós vereis”. E os judeus disseram: “Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos”.

2 Então Pilatos chamou os anciãos, os sacerdotes e os levitas e disse-lhes em segredo: “Não agi assim, pois nenhuma das vossas acusações merece a morte, já que elas referem-se às curas e à profanação do Sábado”. Os anciãos, sacerdotes e levitas responderam: “Se alguém blasfema contra César é ou não digno da morte?” Pilatos disse-lhes: “E digno da morte”. Os judeus disseram: “Pois se alguém que blasfema contra César é digno da morte, saiba que este blasfemou contra Deus”.

3 Depois o governador mandou que os judeus saíssem do pretório, e chamando Jesus, disse-lhe: “Que vou fazer contigo?” Jesus respondeu: “Faz como te foi ordenado”. Pila tos disse: “E como me foi ordenado?” Jesus respondeu: “Moisés e os profetas falaram sobre a minha morte e sobre a minha ressurreição”. Os judeus e os ouvintes perguntaram então a Pilatos dizendo: “Por que continuas ouvindo essa blasfêmia?” Pilatos respondeu: “Se estas palavras são blasfêmias, prendei-o por blasfêmia, levai-o à vossa sinagoga e julgai-o segundo a vossa lei”. Os judeus contestaram: “Está escrito em nossa lei que se um homem peca contra outro homem merece receber quarenta açoites menos um; mas diz que se alguém blasfema contra Deus, deve ser apedrejado”.

4 Pilatos disse-lhes: “Tomai-o por vossa conta e castigai-o como quiserdes”. Os judeus replicaram: “Nós queremos que seja crucificado”. Pilatos contestou: “Não merece a crucificação”.

5 Então o governador lançou um olhar ao seu redor sobre a turba de judeus que estava presente e, ao ver que muitos deles choravam, exclamou: “Nem toda a multidão quer que morra”. Os anciãos dos judeus disseram: “Por isso viemos todos em massa, para que morra”. Pilatos perguntou-lhes: “E por que deverá morrer?” Os judeus responderam: “Porque chamou-se a si próprio Filho de Deus e rei”.

Capítulo 5

1 Um certo judeu de nome Nicodemus pôs-se diante do governador e disse: “Rogo-te, bondoso como és, permite-me dizer umas palavras”. Pilatos respondeu: “Fala”. E Nicodemus disse: “Tenho falado nestes termos aos anciãos, aos levitas, à multidão inteira de Israel reunida na sinagoga: ‘Que pretendeis fazer com este homem? Ele opera muitos milagres e prodígios como nenhum outro foi nem será capaz de fazer. Deixai-o em paz e não trameis nada contra ele; se os seus prodígios têm origem divina, permanecerão firmes; porém, se têm origem humana, dissipar-se-ão. Pois também Moisés, quando foi enviado da parte de Deus ao Egito, fez muitos prodígios, previamente assinalados por Deus, na presença do Faraó, rei do Egito. E estavam ali alguns homens a serviço do Faraó, Jamnes e Jambres, os quais operaram, por sua vez, não poucos prodígios como os de Moisés, e os habitantes do Egito tinham Jamnes e Jambres por deuses. Mas como os seus prodígios não provinham de Deus, eles pereceram, bem como os que lhes davam crédito. E agora, deixai livre este homem, pois não é digno de morrer’.”

2 Os judeus disseram então a Nicodemus: “Tu te fizeste discípulo dele e por isso falas em seu favor”. Nicodemus disse-lhes: “Mas então também o governador fez-se discípulo dele porque fala em sua defesa? Não o colocou César neste cargo?” OS judeus estavam com muita raiva e rangiam os dentes contra Nicodemus. Pilatos disse-lhes: “Por que rangeis os dentes contra ele ao ouvir a verdade?” Os Judeus disseram a Nicodemus: “A ti sua verdade e sua parte”. Nicodemus disse: “Amém, amém, que assim seja como haveis dito”.

Capítulo 6

1 Mas um dos judeus adiantou-se e pediu a palavra ao governador. Este lhe disse: “Se queres dizer algo, diz”. E o judeu assim falou: “Eu estive durante trinta e oito anos deitado numa liteira, cheio de dores. Quando Jesus veio, muitos dos que estavam endemoninhados e sujeitos a diversas doenças foram curados por ele. Então alguns jovens compadeceram-se de mim e, pegando-me com liteira e tudo, levaram-me até ele. Jesus, ao ver-me, compadeceu-se de mim e disse-me: `Pega tua maca e anda’. Eu peguei minha maca e comecei andar”. Então os judeus disseram a Pilatos: “Pergunta-lhe que dia era quando foi curado”. E o interessado disse: “Era Sábado”. Os judeus disseram: “Já não te havíamos informado de que curava no Sábado e tirava demônios?”

2 Outro judeu adiantou-se e disse: “Eu era cego de nascença, ouvia vozes, mas não via ninguém, e, ao ver passar Jesus, gritei bem alto: ‘Filho de Davi, apieda-te de mim’. E compadeceu-se de mim, impôs suas mãos sobre os meus olhos e imediatamente recuperei a visão”. E outro judeu adiantou-se e disse: “Estava arqueado e endireitou-me com uma palavra”, E outro disse: “Havia contraído lepra e ele curou-me com uma palavra”.

Capítulo 7

E certa mulher chamada Berenice (Verônica) começou a gritar de longe, dizendo: “Encontrando-me doente com hemorragia, toquei a extremidade de seu manto e a hemorragia que eu vinha tendo por doze anos consecutivos, parou”. Os judeus disseram: “Existe um preceito que proíbe apresentar uma mulher como testemunha”.

Capítulo 8

E alguns outros, muitos homens e mulheres gritavam, dizendo: “Este homem é profeta e os demônios submetem-se a ele”. Pilatos disse aos que afirmavam isto: “Por que também vossos mestres não se submeteram a ele?” Eles responderam:

“Não sabemos”. Outros afirmaram que havia ressuscitado Lázaro do sepulcro, defunto já de quatro dias. Então, cheio de medo, o governador disse à multidão de judeus: “Por que vos empenhais em derramar sangue inocente?”

Capítulo 9

1 E depois de chamar Nicodemus e aqueles doze homens que afirmavam a origem limpa de Jesus, disse-lhes: “Que devo fazer, pois se está forjando um alvoroço entre o povo?” Disseram-lhe: “Nós não sabemos; eles verão”. Convocou de novo Pilatos a multidão de judeus e disse-lhes: “Sabeis que tenho por costume soltar um prisioneiro durante a festa dos Azimos. Pois bem, está preso e condenado um assassino chamado Barrabás, e tenho também este Jesus que está agora na vossa presença, e em quem não encontro culpa alguma. A quem quereis que solte?” Eles gritaram: “A Barrabás”, Pilatos disse-lhes: “Que farei, pois, de Jesus, o chamado Cristo?” Os judeus responderam: “Que seja crucificado!” E alguns dentre eles disseram: “Não és amigo de César se soltas a este, porque chamou-se a si próprio Filho de Deus e rei; se assim procedes, queres a este por rei e não a César”.

2 Pilatos então, encolerizado, disse aos judeus: “Vossa raça é revoltada por natureza e enfrentais vossos benfeitores”. Os judeus disseram: “A quais benfeitores?” Pilatos respondeu: “Vosso Deus tirou-vos do Egito, livrando-vos de uma cruel escravidão; vos manteve sãos e salvos através do mar bem como através da terra, alimentou-vos com maná no deserto e deu-vos codornas, deu-vos de beber água tirada de uma rocha e deu-vos uma lei, e, depois de tudo isso, encolerizastes vosso Deus, fostes atrás de um bezerro fundido, exasperastes vosso Deus e Ele dispôs-se a exterminar-vos; porém, Moisés intercedeu por vós e não fostes entregues à morte. E agora acusais a mim de odiar o imperador”.

3 E, levantando-se do tribunal, dispôs-se a sair. Mas os judeus começaram a gritar, dizendo: “Nós reconhecemos como rei a César e não a Jesus. E ainda mais, os Magos vieram oferecer-lhe dons trazidos do Oriente como para o seu rei; e quando Herodes tomou conhecimento através dessas personagens de que um rei havia nascido, tentou acabar com ele. Mas seu pai José tomou ciência do fato e levou-o juntamente com a mãe, e fugiram todos para o Egito. E quando Herodes soube disso, exterminou os filhos dos hebreus que haviam nascido em Belém”,

4 Quando Pilatos ouviu estas palavras, temeu, e depois de impor silêncio às turbas, já que estavam gritando, disse-lhes: “Então é este aquele a quem Herodes buscava?” Os judeus responderam: “Sim, é este”. Então Pilatos pegou água e lavou suas mãos, de frente para o sol, dizendo: “Sou inocente do sangue deste justo; vós vereis”, E novamente os judeus começaram a gritar: “Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos”.

5 Então Pilatos mandou que fosse corrido o véu do tribunal onde estava sentado e disse a Jesus: “Teu povo desmentiu-te como rei. Por isso decretei que em primeiro lugar sejas flagelado, de acordo com o antigo costume dos reis piedosos, e que depois sejas dependurado na cruz no horto onde foste aprisionado. E Dimas e Gestas, ambos malfeitores, serão crucificados junta-mente contigo”.

Capítulo 10

1 Assim, Jesus saiu do pretório acompanhado dos dois malfeitores. E, em chegando ao lugar convencionado, despojaram-no de suas vestes, enrolaram-no em um lençol e puseram uma coroa de espinhos ao redor de suas têmporas, Dependuraram os dois malfeitores, de maneira semelhante, Enquanto isso, Jesus dizia: “Pai, perdoai-os, porque não sabem o que fazem”, E os soldados repartiram entre si as suas vestes, e todo o povo estava em pé contemplando-o, E os pontífices e também os chefes zombaram dele, dizendo: “Salvou os outros; salve-se, então, a si próprio; se este é o Filho de Deus, que desça da cruz”. Os soldados, por sua vez, aproximavam-se dirigindo-lhe escárnios e oferecendo-lhe vinagre misturado com fel, enquanto diziam: “Tu és o rei dos judeus: salva-te a ti mesmo”. E depois de proferir a sentença, o governador mandou que na forma de um título fosse escrito em cima da cruz a sua acusação em grego, latim e hebraico, de acordo com o que os judeus haviam dito: “Rei dos Judeus”.

2 E um daqueles ladrões que haviam sido dependurados disse-lhe assim: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós”. Mas Dimas, em resposta, repreendeu-o dizendo: “Tu não temes a Deus, ainda que estejas na mesma condenação? E a nós, certamente, ela nos cabe bem, pois recebemos a recompensa justa pelas nossas obras; mas este não fez nada de mal”. E dizia: “Senhor, lembra-te de mim no teu reino”. E Jesus disse-lhe: “Em verdade, em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”.

Capítulo 11

1 Era a hora sexta quando as trevas se fecharam sobre a terra até a nona hora, por haver escurecido o sol; e o véu do templo rasgou-se ao meio. Jesus, então, com voz grave, disse: “Pai, baddach efkid ruel”, que significa: “Em tuas mãos entrego o meu espírito”. E, assim dizendo, entregou sua alma. O centurião, ao ver o que aconteceu, louvou a Deus dizendo: “Este homem era justo”. E a multidão que assistia ao espetáculo, ao contemplar o acontecido, passou a bater no peito.

2 O centurião, por sua vez, transmitiu ao governador o ocorrido. Este, ao ouvi-lo, entristeceu-se assim como sua mulher, e ambos passaram todo aquele dia sem comer nem beber. Depois Pilatos fez chamar os judeus e disse-lhes: “Vistes o que se passou?” Mas eles responderam: “Pois um simples eclipse do sol, como de costume”.

3 Enquanto isso, seus conhecidos permaneciam a distância; e as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galiléia estavam contemplando tudo isto. Mas havia um homem chamado José, senador, vindo de Arimatéia, que esperava o reino de Deus. Aproximou-se, então, de Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Depois foi baixar o cadáver da cruz e envolveu-o num lençol limpo e depositou-o no sepulcro talhado em pedra que ainda não havia sido usado.

Capítulo 12

1 Quando os judeus ouviram dizer que José havia reclamado o corpo de Jesus, começaram a procurá-lo, assim como também aqueles que haviam declarado que Jesus não havia nascido de fornicação, Nicodemus e muitos outros que se haviam apresentado diante de Pilatos para dar testemunho das suas boas obras. E, como todos se houvessem escondido, somente Nicodemus apareceu, porque era varão principal entre os judeus. Assim, Nicodemus disse-lhes: “Como haveis entrado na sinagoga?” Os judeus responderam: “E tu? Como entraste na sinagoga? Posto que és seu cúmplice, seja também sua parte contida no século vindouro”. E Nicodemus disse: “Assim seja, assim seja”. José, por sua vez, apresentou-se de maneira semelhante e disse-lhes: “Por que haveis ficado apreensivos comigo por ter reclamado o corpo de Jesus? Pois sabei que depositei-o no meu novo sepulcro, depois de havê-lo envolvido num lençol branco, e fiz correr a pedra sobre a entrada da gruta. Mas não vos portastes bem com aquele justo, pois que, não contentes em crucificá-lo, também o atravessastes com uma lança”. Os judeus então detiveram José e mandaram que fosse aprisionado até o primeiro dia da semana. Depois disseram-lhe: “Bem sabes que o avançado da hora não nos permite fazer nada contra ti, pois o sábado já está amanhecendo; mas saiba que nem sequer far-se-á o favor de dar-te sepultura, mas sim exporemos teu corpo às aves do céu”. José retrucou: “Esta maneira de falar é a do soberbo Golias que injuriou o Deus vivo e o santo Davi. Pois o Senhor disse através do profeta: `A mim corresponde a vingança e eu retribuirei’. E ainda há pouco, aquele que não é circuncidado segundo a carne, mas é circunciso de coração, tomou água, lavou as mãos de frente para o sol e disse: ‘Sou inocente do sangue deste justo; vós havereis de ver’. Mas vós respondestes a Pilatos: ‘Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos’. Agora, então, temo que a ira do Senhor recaia sobre vós e sobre vossos filhos, como dissestes”. Ao ouvir essas palavras os judeus sentiram seus corações encherem-se de raiva, e, depois de capturar José, detiveram-no e prenderam-no em uma casa onde não havia nenhuma janela; depois selaram a porta onde José estava preso e alguns guardas permaneceram junto dela.

2 E no sábado os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas estabeleceram que no dia seguinte todos deveriam encontrar-se na sinagoga. E bem de madrugada a multidão inteira pôs-se a deliberar que tipo de morte haveriam de dar-lhe. E estando o conselho reunido, ordenaram que o fizessem comparecer com grande desonra. E abriram a porta mas não o encontraram. Então o povo ficou fora de si e todos encheram-se de admiração ao encontrar os selos intactos e a chave em poder de Caifás. Com isto, não se atreveram a pôr as mãos sobre aqueles que haviam falado diante de Pilatos em defesa de Jesus.

Capítulo 13

1 E enquanto estavam ainda sentados na sinagoga, cheios de admiração pelo caso de José, chegaram alguns dos guardas, aqueles a quem os judeus haviam encomendado a Pila tos a custódia do sepulcro de Jesus, e disseram que não foram seus discípulos que o haviam tirado de lá. E foram prestar contas aos arquissinagogos, aos sacerdotes e aos levitas dizendo-lhes o que aconteceu; isto é, como “sobreveio um terremoto e vimos um anjo que descia do céu, que retirou a pedra da boca da gruta, sentando-se depois sobre ela. E brilhou como neve e como relâmpago. Com o que nós, cheios de medo, ficamos como mortos. Então ouvimos a voz do anjo que falava às mulheres que se encontravam junto ao sepulcro: `Não temais, pois sei que buscais a Jesus, o que foi crucificado. Não está aqui; ressuscitou como havia dito; vinde, vede o lugar onde jazia o Senhor. E agora ide rapidamente e dizei aos seus discípulos que ressuscitou de entre os mortos e que está na Galiléia’.”

2 Os judeus então disseram: “A quais mulheres falava ele?” Os da guarda responderam: “Não sabemos quem eram”. Os judeus disseram: “A que horas isto aconteceu?” Os da guarda responderam: “A meia-noite”. Os judeus disseram: “E por que não as detivestes?” Os da guarda responderam: “Ficamos como mortos pelo medo, não acreditando que poderíamos ver de novo a luz do dia, como iríamos detê-las?” Os judeus disseram: “Deus vive e nós não acreditamos”. Os da guarda então responderam: “Vistes tantos sinais naquele homem e não acreditastes? Como ireis dar-nos crédito? E, com razão, haveis jurado pela vida do Senhor, pois Ele também vive”. E os da guarda acrescentaram: “Temos ouvido dizer que prendestes aquele que reclamou o corpo de Jesus, selando a porta, e que ao abri-la Dão o encontrastes. Entregai, pois, José e vos entregaremos Jesus”. Os judeus disseram: “José se foi para a sua cidade”. E os da guarda replicaram: “Também Jesus ressuscitou, como ouvimos do anjo, e está na Galiléia”.

3 Ao ouvir estas palavras os judeus sentiram medo e disseram: “Não deixeis que isto se espalhe porque senão todos inclinar-se-ão diante de Jesus”. E, convocado o conselho, fizeram um depósito de muito dinheiro e deram-no aos soldados, dizendo: “Dizei: `Enquanto dormíamos, seus discípulos vi-eram de noite e o levaram’. E se isto chegar aos ouvidos do governador, persuadi-lo-emos e livra-los-emos de toda responsabilidade”. Eles pegaram o dinheiro e falaram da maneira que lhes havia sido indicada.

Capítulo 14

1 Mas um sacerdote chamado Finees, Adas, o doutor, e Ageu, levita, desceram da Galiléia até Jerusalém e contaram aos arquissinagogos, aos sacerdotes e aos levitas: “Vimos Jesus em companhia de seus discípulos sentado no monte chamado Mamilch, e dizia-lhes: ‘Ide pelo mundo e pregai a todas as criaturas; aquele que crer e for batizado, salvar-se-á; mas aquele que não crer, será condenado. E aqueles que tiverem acreditado, estes sinais os acompanharão: arremessarão demônios em meu nome; falarão em novas línguas; colherão serpentes; e, mesmo que beberem alguma coisa capaz de produzir a morte, não lhes fará dano; imporão suas mãos sobre os enfermos e estes sentir-se-ão bem. E, quando ainda lhes estava falando, vimos que ia subindo ao céu”.

2 Os anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: “Glorificai e confessai ao Deus de Israel se é que ouvistes e vistes o que acabais de dizer”. Os que haviam falado disseram: “O Senhor Deus de nossos pais Abraão, Isaac e Jacob vive, pois que ouvimos isto e o vimos ao ser elevado ao céu”. Os anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: “Viestes para prestar-nos ponta de tudo isto ou para cumprir algum voto feito a Deus?” Eles responderam: “Para cumprir um voto feito a Deus”. Então os anciãos, os pontífices e os levitas replicaram: “Se haveis vindo para cumprir um voto a Deus, qual a razão destas histórias mentirosas que haveis contado diante de todo o povo?” Finees o sacerdote, Adas o doutor e Ageu o levita disseram aos arquissinagogos e levitas: “Se estes fatos que contamos, e dos quais fomos testemunhas oculares, constituem um pecado, aqui nos tendes em vossa presença; fazei conosco o que lhes pareça bom diante de vossos olhos”. Então eles pegaram o livro da lei e fizeram-nos jurar que não mencionariam a ninguém aquelas coisas. Depois deram-lhes de comer e de beber e tiraram-nos da cidade, não sem antes haver-lhes dado dinheiro e haver-lhes dado três homens para que os acompanhassem, e que deveriam levá-los até os confins da Galiléia. E foram-se em paz.

3 E depois que aqueles homens foram para a Galiléia, os pontífices, os arquissinagogos e os anciãos reuniram-se na sinagoga, fechando a porta atrás de si, e demonstrando grande dor, diziam: “Será possível que este portento aconteceu em Israel?” Então Anás e Caifás disseram: “Por que estais tão agitados? Por que chorais? Ou não sabeis que seus discípulos compraram-nos com uma boa quantidade de ouro e deram-lhes instruções para que digam que um anjo do Senhor desceu e removeu a pedra da entrada do sepulcro?” Mas os sacerdotes e anciãos disseram: “Pode ser que os discípulos tenham roubado seu corpo, mas, como sua alma entrou no corpo e está vivendo na Galiléia?” E eles, na impossibilidade de dar-lhes resposta para todas estas coisas, disseram enfim a duras penas: “A nós não nos é permitido acreditar em alguns não circuncidados”.

Capítulo 15

1 Mas Nicodemus levantou-se e pôs-se em pé diante do conselho, dizendo: “Falais perfeitamente. Não desconheceis, ó povo do Senhor, os varões que desceram da Galiléia, homens de recursos, tementes a Deus, inimigos da avareza, amigos da paz. Pois bem, eles disseram sob juramento que viram Jesus no monte Mamilch em companhia de seus discípulos, que estava ensinando todas as coisas que pudessem ouvir da sua boca e que o viram no momento de ser elevado ao céu. E ninguém perguntou-lhes de que maneira foi elevado. Então como ensinava-nos, estava contido no livro das Sagradas Escrituras que Elias foi elevado ao céu e que Eliseu gritou forte-mente, fazendo com que Elias atirasse sua capa sobre o Jordão, e assim Eliseu pôde atravessar o rio e chegar até Jericó. Então os filhos dos profetas saíram ao seu encontro e disseram-lhe: ‘Eliseu, onde está Elias, teu senhor?’ Ele respondeu que havia sido elevado ao céu. E eles disseram a Eliseu: ‘Será que o espírito não o arrancou e o atirou sobre algum monte? Levemos nossos criados conosco e partamos em sua busca’. E convenceram Eliseu, que foi com eles. E andaram buscando-o durante três dias inteiros, sem encontrá-lo, pelo que tiveram conhecimento de que havia sido chamado. E agora dai-me atenção: enviemos uma expedição por todos os confins de Israel e vejamos se porventura Cristo foi chamado por um espírito e foi depois atirado num desses montes”. Esta proposição agradou a todos e enviaram uma expedição por todos os confins de Israel em busca de Jesus e não o encontraram. Encontraram foi José de Arimatéia, mas ninguém atreveu-se a detê-lo.

2 E foram-se a prestar contas aos anciãos e aos sacerdotes e aos levitas, dizendo: “Demos a volta por todos os confins de Israel e não encontramos Jesus, mas encontramos sim José de Arimatéia”. Ao ouvir falar de José, os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas encheram-se de alegria, deram glória a Deus e puseram-se a deliberar de que maneira poderiam entrevistar-se com José. E pegaram um rolo de papel e escreveram o seguinte para José: “Que a paz esteja contigo; sabemos que pecamos contra Deus e contra ti. E temos rogado ao Deus de Israel que permita com que venhas ao encontro de teus pais e de teus filhos. Pois sabes que todos enchemo-nos de aflição quando, ao abrir a porta, não o encontramos. E agora nos apercebemos de que havíamos tomado uma determinação perversa contra ti; mas o Senhor veio em tua ajuda e Ele mesmo encarregou-se de dissipar nosso mau propósito, honorável pai José”.

3 E escolheram, entre todo Israel, sete varões amigos de José, os quais José conhecia, e os arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram-lhes: “Olhai, se ao receber nossa carta ele a ler, sabereis que virá até nós em vossa companhia: porém, se não a ler, entendei que está desgostoso conosco, e, depois de dar-lhe um beijo de paz, voltai aqui”. Em seguida, abençoaram os emissários e os despediram. Então estes chegaram ao lugar onde estava José, e fazendo-lhe uma reverência, disseram-lhe: “A paz esteja contigo”. E ele por sua vez disse: “Que a paz esteja convosco e com todo o povo de Israel”. Então eles lhe entregaram a carta. José aceitou-a, leu-a, beijou-a e louvou a Deus, dizendo: “Bendito o Senhor Deus, que livrou Israel de derramar sangue inocente, e bendito o Senhor que enviou seu anjo e abrigou-me sob as suas asas”. Depois, preparou a mesa e ali comeram, beberam e dormiram.

4 No dia seguinte levantaram-se muito cedo e fizeram suas orações. Depois, José selou sua mula e pôs-se a caminho acompanhado daqueles homens e foram até a cidade santa de Jerusalém. E o povo em massa saiu ao encontro de José, gritando: “Entra em paz”. Ele disse dirigindo-se a todo o povo: “Que a paz esteja convosco”. E eles deram-lhe um beijo, prostrando-se em oração juntamente com José. E ficaram todos fora de si por poder contemplá-lo. Nicodemus hospedou-o em sua casa e em sua honra deu uma grande recepção, convidando Anás, Caifás, os anciãos, os sacerdotes e os levitas. E alegraram-se comendo e bebendo em companhia de José; e, depois de entoar hinos, cada qual foi para sua casa. José, porém, permaneceu com Nicodemus.

5 Mas no dia seguinte, que era sexta-feira, os arquissinagogos, sacerdotes e levitas madrugaram para ir à casa de Nicodemus. Este veio ao seu encontro e disse-lhes: “Que a paz esteja convosco”. E eles por sua vez disseram: “Que a paz esteja contigo e com José, com toda a tua casa e com toda a casa de José”. Então fê-los entrar em sua casa. O conselho estava todo reunido, e José veio sentar-se entre Anás e Caifás. E ninguém se atreveu a dizer-lhe uma palavra. Então José disse: “A quem obedece aquele que me convocou?” Eles fizeram sinais a Nicodemus para que falasse com José. Ele então abriu sua boca e falou-lhe assim: “Sabes que os veneráveis doutores, assim como os sacerdotes e levitas, desejam saber de ti uma coisa”. E José disse: “Perguntai”. Então Anás e Caifás pegaram o livro da lei e colocaram José sob juramento dizendo: “Glorifica e confessa ao Deus de Israel. Sabei que Achar, ao ser conjurado pelo profeta Jesus, não cometeu perjúrio, mas sim anunciou tudo e não ocultou uma só palavra. Tu, pois, também não ocultes de nós nenhuma palavra”. E José disse: “Não ocultar-vos-ei uma só palavra”. Então eles lhe disseram: “Sentimos uma grande contrariedade quando pediste o corpo de Jesus e envolveste-o em um lençol limpo e puseste-o no sepulcro. Por isso detivemos-te num recinto onde não havia nenhuma janela. Deixamos, além disso, as portas trancadas e fechadas a chave e dois guardas ficaram custodiando a prisão onde estavas fechado. Porém, quando fomos abrir, no primeiro dia da semana, não te encontramos e preocupamo-nos ao máximo e foi-se estabelecendo o espanto sobre todo o povo de Deus até ontem. Agora, então, conta-nos o que aconteceu contigo”.

6 E José disse: “Na sexta-feira, à décima hora, encarcerastes-me, e ali permaneci durante o Sábado todo. Mas à meia-noite, enquanto eu estava em pé orando, a casa onde me deixastes fechado ficou suspensa nos quatro ângulos e vi como que um relâmpago de luz diante dos meus olhos. Amedrontei-me, então caí ao chão. Porém, alguém pegou minha mão e levantou-me do lugar onde estava caído. Senti depois que a água derramava-se sobre mim desde a cabeça até os pés e veio às minhas narinas uma fragrância de bálsamo. E aquela personagem desconhecida enxugou-me o rosto, deu-me um beijo e disse-me: `Não temas, José; abre teus olhos e olha para quem te fala’. Então, levantando meus olhos, vi Jesus; mas no meu estreme-cimento supus que era um fantasma e pus-me a recitar os mandamentos. E ele pô-se a recitá-los junto comigo. Como sabeis muito bem, se um fantasma vem ao vosso encontro e ouve os mandamentos, foge rapidamente. Vendo, então, que recitava-os juntamente comigo, disse-lhe: ‘Mestre Elias’. Mas ele disse-me: ‘Não sou Elias’. Eu então disse: ‘Quem sois, Senhor?’ Ele disse-me: ‘Eu sou Jesus, aquele cujo corpo tu pediste a Pilatos e envolveste com um lençol limpo, e puseste um sudário sobre a cabeça, e colocaste em tua gruta nova, e rolaste uma grande pedra à sua entrada’. E eu disse ao que me falava: ‘Mostrai-me o lugar onde te coloquei’. E ele levou-me e mostrou-me o lugar onde eu o colocara; nele estavam estendidos o lençol e o sudário que havia servido para seu rosto. Então reconheci que era Jesus. Depois ele pegou minha mão e deixou-me a portas fechadas dentro da minha casa; em seguida, acompanhou-me até minha cama e disse-me: `Que a paz esteja contigo’. A seguir deu-me um beijo, dizendo-me: `Até que se completem quarenta dias não saias de tua casa; pois eis que vou até a Galiléia ao encontro de meus irmãos’.”

Capítulo 16

1 Quando os arquissinagogos, sacerdotes e levitas ouviram estas palavras dos lábios de José, ficaram como mortos e caíram ao chão. E jejuaram até a nona hora. Então Nicodemus e José puseram-se a animar Anás e Caifás, os sacerdotes e os levitas, dizendo: “Levantai, ficai em pé e robustecei vossas almas, pois amanhã é o Sábado do Senhor”. E com isto levantaram-se, oraram a Deus, comeram, beberam e cada um voltou à sua casa.

2 No sábado seguinte, nossos doutores reuniram-se em conselho, bem como os sacerdotes e levitas, discutindo entre si e dizendo: “Que será esta cólera que se formou sobre nós? Porque, de nossa parte, conhecemos bem seu pai e sua mãe”. Então, Levi o doutor disse: “Conheço seus pais e sei que são tementes a Deus, que não descuidam de seus votos e que três vezes por ano dão seus dízimos. Quando Jesus nasceu, trouxeram-no a este lugar e ofereceram a Deus sacrifícios e holocaustos. E o grande doutor Simeão, ao tomá-lo em seus braços, disse: ‘Agora despeça o teu servo em paz, Senhor, segundo tua palavra; pois meus olhos viram tua salvação, que preparaste para a face de todos os povos; luz para a revelação dos gentios e glória do teu povo de Israel’. E Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: ‘Dou-te boas novas com relação a este menino’. Maria disse: `Boas, senhor?’ E Simeão respondeu: `Boas; olha, este foi colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e para ser um sinal de contradição. Tua própria alma será atravessada por uma espada de forma que os pensamentos de muitos fiquem a descoberto’.”

3 Então disseram a Levi o doutor: “Como sabes tu disto?” Ele respondeu: “Não sabeis que aprendi a lei dos seus lábios?” Os do conselho disseram: “Que-remos ver teu pai”. E fizeram com que o pai de Levi fosse chamado.

E, quando o interrogaram, ele respondeu: “Por que não acreditastes em meu filho? O bem-aventurado e justo Simeão em pessoa ensinou-lhe a lei”. E o conselho disse-lhe: “Mestre Levi, é verdade o que disseste?” Ele respondeu: “E verdade”. E os arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram entre si: “Eia! Enviemos à Galiléia os três homens que vieram trazer ao nosso conhecimento sua doutrina e sua ascensão, e que nos digam de que maneira viram-no elevar-se”. E esta proposição agradou a todos. Enviaram, pois, os três homens que os haviam acompanhado anteriormente até a Galiléia com essa incumbência: “Dizei ao mestre Adas, ao mestre Finees e ao mestre Ageu: ‘Que a paz esteja convosco e com os que estão em vossa companhia’. Tendo havido uma grande discussão neste conselho, viemos para levar-vos a este lugar santo de Jerusalém”.

4 Puseram-se, pois, os homens a caminho da Galiléia e os encontraram sentados e absortos com o estudo da lei. Deram-lhes um abraço de paz. Então disseram os varões galileus a quem haviam ido buscar: “Que a paz esteja em todo Israel”. E disseram os enviados: “Que a paz esteja convosco”. E aqueles disseram de novo: “A que viestes?” Os enviados responderam: “Chama-vos o conselho da santa cidade de Jerusalém”. Quando aqueles homens ouviram que eram procurados pelo conselho, fizeram orações a Deus, sentaram-se à mesa com os enviados, comeram, beberam, levantaram-se e puseram-se tranqüilamente a caminho até Jerusalém.

5 No dia seguinte, o conselho reuniu-se na sinagoga e os interrogaram dizendo: “E verdade que vistes Jesus sentado no monte Mamilch dando instruções aos seus onze discípulos e que presenciastes sua ascensão?” E os homens responderam desta maneira: “Da mesma maneira que o vimos ao ser elevado, assim vos contamos”.

6 Então Anás disse: “Separemo-los uns dos outros e vejamos se suas declarações coincidem”. E foram separados. Depois, em primeiro lugar, chamaram Adas e lhe disseram: “Mestre, como contemplaste a ascensão de Jesus?” Adas respondeu: “Enquanto ainda estava sentado no monte Mamilch e dava instruções aos seus discípulos, vimos uma nuvem que cobriu a todos com sua sombra; depois, a mesma nuvem elevou Jesus até o céu, enquanto que os discípulos jaziam com suas faces na terra”. Em seguida chamaram a Finees, sacerdote, e perguntaram-lhe também: “Como contemplaste a ascensão de Jesus?” E ele falou de maneira semelhante. Interrogaram também a Ageu, que respondeu de maneira semelhante. Então ele disse ao conselho: “Está contido na lei de Moisés: ‘Da boca de dois ou três toda a palavra será firme’.” E o mestre Buthem acrescentou: “Está escrito na lei: ‘E passeava Enoque com Deus, e já não existe, porque Deus levou-o consigo’.” Também o mestre Jairo disse: “Também ouvimos falar da morte de Moisés, mas não o vimos, pois está escrito na lei do Senhor: ‘E Moisés morreu pela palavra do Senhor e ninguém jamais conheceu, até o dia de hoje, seu sepulcro’.” E o mestre Levi disse: “E o que significa o testemunho que o mestre Simeão deu quando viu Jesus: `Eis aqui que este está colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição’?” E o mestre Isaac disse: “Está escrito na lei: ‘Eis aqui que eu envio meu mensageiro diante de ti, o qual preceder-te-á para guardar-te em todo o bom caminho, pois meu nome é nele invocado’.”

7 Então Anás e Caifás disseram: “Haveis citado justa-mente o escrito na lei de Moisés, que ninguém viu a morte de Enoque e que ninguém mencionou a morte de Moisés. Mas Jesus falou a Pilatos, e nós sabemos que o vimos receber bofetadas e cusparadas no rosto; que os soldados cingiram-lhe uma coroa de espinhos; que foi flagelado; que recebeu sentença da parte de Pilatos; que foi crucificado no Calvário em companhia de dois ladrões; que se lhe deu de beber fel e vinagre; que o centurião Longinos abriu seu flanco com uma lança; que José, nosso honorável pai, pediu seu corpo e que, como disse, ressuscitou; que, como dizem os três mestres, viram-no elevar-se ao céu; e, finalmente,que o mestre Levi deu testemunho do que o mestre Simeão disse, e que disse: ‘Eis aqui este que está colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição’.” E todos os doutores disseram em uníssono ao povo inteiro de Israel: “Se esta ira provém do Senhor e é admirável aos nossos olhos, conhecei sem dar margem a dúvidas, ó casa de Israel, que está escrito: `Maldito todo aquele que está preso a um pedaço de madeira’. E outro lugar da escritura menciona: `Deuses que não fizeram o céu e a terra perecerão’.” E os sacerdotes e levitas disseram entre si: “Se sua memória perdurar até Sommos (também conhecido pelo nome de Jobel), sabei que o seu domínio será eterno e que fará nascer para si um novo povo”. Então os arquissinagogos, sacerdotes e levitas exortaram todo o povo de Israel dizendo: “Maldito aquele que adorar qualquer obra saída de mãos humanas e maldito aquele que adorar as criaturas tendo ao lado o Criador”. E o povo em massa respondeu: “Amém, amém”.

8 Depois, a multidão entoou um hino ao Senhor desta forma: “Bendito o Senhor, que proporcionou descanso ao povo de Israel de acordo com o que havia prometido; não caiu no vazio nem uma só de todas as boas coisas que disse ao seu servo Moisés. Que siga ao nosso lado o Senhor nosso Deus da mesma maneira que estava do lado dos nossos pais. Que não nos entregue à perdição para que possamos inclinar nosso coração até Ele, para que possamos seguir todos os seus caminhos e para que possamos praticar os preceitos e critérios que apregoou aos nossos pais. Naquele dia o Senhor será rei sobre toda a terra; não haverá outro ao seu lado; seu nome será unicamente Senhor, nosso rei. Ele nos salvará. Não há semelhante a ti, Senhor; sois grande, Senhor, e grande o teu nome. Cura-nos pela tua virtude e seremos curados; salva-nos, Senhor, e seremos salvos, pois somos tua pequena parte e tua herança. O Senhor não abandonará jamais o seu povo pela magnitude do seu nome, pois começou a fazer de nós o seu povo”.

E todos depois, em coro, cantaram o hino e cada qual foi para casa dando graças a Deus, porque aquele dia permanece por todos os séculos dos séculos. Amém.

Evangelho de Nicodemus

Descida de Cristo ao Inferno

(Versão Grega)

Capítulo 1

ENTÃO JOSÉ disse: “E por que vos admirai de que Jesus tenha ressuscitado? O admirável não é isto; o admirável é que não somente ele ressuscitou, como também devolveu a vida a um grande número de mortos, que há muito não são vistos em Jerusalém. E se não conheceis os outros, conheceis sim, pelo menos, Simeão, aquele que tomou Jesus nos braços, assim como também seus dois filhos, que igualmente foram ressuscitados. Pois a esses, há pouco tempo, nós mesmos demos sepultura, e agora podem contemplar seus sepulcros abertos e vazios, e estão vivos e morando em Arimatéia”. Enviaram, então, algumas pessoas e compro-varam que os sepulcros estavam abertos e vazios. José então disse: “Vamos a Arimatéia e veremos se os encontramos.

2 E levantando-se os pontífices Anás, Caifás, José, Nicodemus, Gamaliel, e outros em sua companhia, foram até Arimatéia onde encontraram aqueles a quem José se havia referido. Fizeram, então, orações e abraçaram-se mutuamente. Depois regressaram a Jerusalém em sua companhia e os levaram até a sinagoga. E, ali postos, fecharam as portas, colocaram o Antigo Testamento dos judeus no centro e os pontífices disseram-lhes: “Que-remos que jureis pelo Deus de Israel e por Adonai, para que assim digais a verdade, de como haveis ressuscitado e quem é aquele que vos tirou de entre os mortos”.

3 Quando os ressuscitados ouviram isto, fizeram sobre suas faces o sinal da cruz e disseram aos pontífices: “Dai-nos papel, tinta e pena”. Trouxeram-lhes e, sentando-se, escreveram da seguinte maneira:

Capítulo 2

1 Oh, Senhor Jesus Cristo, ressurreição e vida do mundo! Dai-nos a graça para fazermos o relato da tua ressurreição e das maravilhas que fizeste no Inferno. Nós estávamos, então, no Inferno em companhia de todos os que haviam morrido desde o princípio. E na hora da meia-noite amanheceu naquelas trevas, algo assim como a luz do sol, e com o seu brilho fomos todos iluminados e pudemos ver-nos uns aos outros. E ao mesmo tempo o nosso pai Abraão, os patriarcas e profetas e todos em uníssono regozijaram-se e disseram entre si: “Esta luz provém de um grande resplendor”. Então o profeta Isaías, ali presente, disse: “Esta luz provém do Pai, do Filho e do Espírito Santo; sobre ela eu profetizei, quando ainda estava na terra, desta maneira: Terra de Zabulão e terra de Neftali, o povo que estava sumido nas trevas viu uma grande luz”.

2 Depois surgiu do meio um asceta do deserto, e os patriarcas perguntaram-lhe: “Quem sois?” Ele respondeu: “Eu sou João, o último dos profetas, aquele que preparou os caminhos do Filho de Deus e pregou a penitência ao povo para remissão dos pecados. O Filho de Deus veio ao meu encontro e, ao vê-lo de longe, disse ao povo: ‘Eis aqui o cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo’. E com minha própria mão batizei-o no rio Jordão e vi o Espírito Santo em forma de pomba que descia sobre ele. E ouvi também a voz de Deus Pai, que assim dizia: ‘Este é meu Filho, o amado, o que me agrada’. E por isso mesmo também enviou-me a vós para anunciar-vos a chegada do Filho de Deus unigênito a este lugar, a fim de que aquele que acreditar nele seja salvo, e quem não acreditar, seja condenado. Por isto recomendo a todos que, enquanto o virdes, adoreis somente a ele, porque esta é a única oportunidade de que dispondes para fazer penitência pelo culto que rendestes aos ídolos enquanto vivíeis no mundo vil de antes e pelos pecados que cometestes; isto já não poderá ser feito em outra ocasião”.

Capítulo 3

Ao ouvir o primeiro a ser criado e pai de todos a instrução que João estava dando aos que se encontravam no inferno, disse Adão ao seu filho Seth: “Meu filho, quero que digas aos pais do gênero humano e aos profetas para onde eu o enviei quando caí no transe da morte”. Seth disse: “Profetas e patriarcas, escutai: meu pai Adão, a primeira das criaturas, caiu uma vez em perigo de morte e enviou-me para fazer orações a Deus muito próximo da porta do paraíso, para que me fizesse chegar por meio de um anjo até a árvore da misericórdia, de onde haveria de tomar do óleo, para com ele ungir meu pai para que assim ele pudesse recuperar-se de sua doença. Assim fiz. E, depois de fazer minha oração, um anjo do Senhor veio e disse-me: ‘Que pedes, Seth? Buscas o óleo que cura os doentes ou a árvore que o distila para a doença do teu pai? Isto não pode ser encontrado agora. Vai, pois, e diz ao teu pai que depois de cinco mil e quinhentos anos, a partir da criação do mundo,haverá de descer o Filho de Deus humanizado; Ele encarregar-se-á de ungi-lo com este óleo, e teu pai levantar-se-á; e, além disso, purifica-lo-á, tanto a ele quanto aos seus descendentes com água e com o Espírito Santo; e então, sim, ver-se-á curado de todas as doenças, porém, por agora, isto é impossível’.”

Os patriarcas e profetas que ouviram isto alegraram-se grandemente.

Capítulo 4

1 E, enquanto estavam todos se regozijando desta forma, Satanás, o herdeiro das trevas, veio e disse ao Inferno: “ó tu, devorador insaciável de todos, ouve minhas palavras: anda por aí um certo judeu, de nome Jesus, que chama-se a si mesmo Filho de Deus; mas, como é um homem puro, os judeus deram-lhe a morte na cruz, graças à nossa cooperação. Agora, então, que acaba de morrer, estejas preparado para que possamos colocá-lo aqui bem aprisionado; pois eu sei que não é mais do que um homem, e ouvi-o até dizer: ‘Minh’alma está triste por causa da morte’. Sabes, além disso, que ele me causou muitos danos no mundo enquanto vivia entre os mortais, pois aonde quer que eu encontrasse meus servos, ele os perseguia; e todos os homens que eu deixava mutilados, cegos, coxos, leprosos ou algo semelhante, ele os curava somente com sua palavra; até muitos deles para os quais eu já havia preparado sepultura, ele fazia reviver somente com sua palavra”.

2 Disse então o Inferno: “E é ele tão poderoso assim que pode fazer tais coisas somente com sua palavra? E, sendo ele assim, tu porventura te atreves a enfrentá-lo? Eu creio que diante de alguém como ele, ninguém poderá opor-se. E o que disseste tê-lo ouvido exclamar, expressando seu temor diante da morte, disse-o sem dúvida, para rir-se de ti e enganar-te, para poder desafiar-te com seu poder. E então, ai! ai de ti por toda a eternidade!” Ao que Satanás respondeu: “á Inferno, devorador insaciável de todos! Sentiste tanto medo assim ao ouvir falar de nosso inimigo comum? Eu nunca lhe tive medo, e bem que aticei os judeus, e eles o crucificaram e deram-lhe de beber fel com vinagre. Prepara-te, então, para que quando venha possas subjugá-lo firmemente”.

3 O Inferno respondeu: “Herdeiro das trevas, filho da perdição, caluniador, acabas de dizer-me que ele fazia reviver somente com sua palavra a muitos dos que tu havias preparado para a sepultura; se, pois, ele livrou outros do sepulcro, como e com que forças nós seremos capazes de subjugá-lo? Há pouco tempo devorei um cadáver chamado Lázaro; porém, pouco depois, um dos vi-vos, somente com sua palavra, arrancou-o à força das minhas entranhas. E penso que ele é o mesmo ao qual tu te referes. Se, pois, viermos a recebê-lo aqui, tenho medo de que corramos perigo também com relação aos demais porque deves saber que vejo agitados todos os que devorei desde o princípio, e sinto dores na minha barriga. E Lázaro, aquele que me foi arrebatado anteriormente, não é um bom presságio, pois voou para longe de mim, não como um morto mas sim como uma águia: tão rapidamente arremessou-o fora da terra. Assim, pois, conjuro-te por tuas artes e pelas minhas, não o tragas aqui. Tenho para mim que o fato de ele ter-se apresentado em nossa mansão quer dizer que todos os mortos cometeram pecado. E considera que, pelas trevas que possuímos, se o trouxeres aqui, não me restará nem um só dos mortos”.

Capítulo 5

1 Enquanto Satanás e o Inferno diziam tais coisas entre si, produziu-se uma grande voz como um trovão, que dizia: “Elevai, ó príncipes, vossas portas; descerrai, ó portas eternas, e o Rei da Glória entrará”. Quando o Inferno ouviu isto, disse a Satanás: “Sai, se és capaz, e enfrenta-o”. E Satanás saiu. Depois o Inferno disse para seus demônios: “Trancai bem e fortemente as portas de bronze e os ferrolhos de ferro; guardai minhas fechaduras e examinai tudo o que está em pé, pois, se aquele entrar aqui, ai! apoderar-se-á de nós”.

2 Os pais que ouviram isto começaram a fazer-lhe zombarias dizendo: “Comilão insaciável, abre para que o Rei da Glória entre”. E o profeta Davi disse: “Não sabes, cego, que estando eu ainda no mundo, fiz esta profecia: `Elevai, ó príncipes, vossas portas!?’ “Isaías por sua vez disse: “Eu, prevendo isto pela virtude do Espírito Santo, escrevi: “Os mortos ressuscitarão e os que estão nos sepulcros levantar-se-ão e os que vivem na terra alegrar-se-ão’; e onde estão, ó morte, teus grilhões? Aonde, Inferno, a tua vitória?”

3 Então, de novo veio uma voz que dizia: “Levantai as portas”. O Inferno, que ouviu repetir esta voz, disse como se não se apercebesse: “Quem é este Rei da Glória?” E os anjos do Senhor responderam: “O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na batalha”. E num instante, à convocação de conjuração desta voz, as portas de bronze tornaram-se pequeninas e os ferrolhos de ferro ficaram reduzidos a pedaços, e todos os defuntos acorrentados viram-se livres de suas correntes, e nós dentre eles. E entrou o Rei da Glória na figura humana, e todos os antros escuros do Inferno foram iluminados.

Capítulo 6

1 Em seguida o Inferno começou a gritar: “Fomos vencidos, ai de nós! Mas quem és tu, que possuis tal poder e força? Quem és tu, que vens aqui sem pecado? Aquele que é pequeno na aparência e pode grandes coisas, o humilde e o excelso, o servo e o senhor, o soldado e orei, aquele que tem poder sobre os vivos e os mortos? Foste pregado à cruz e colocado no sepulcro, e agora ficaste livre e desfizeste nossa força. Então, por conseguinte, és tu Jesus, de quem nos falava o grande sátrapa Satanás, que pela cruz e pela morte tornar-te-ias dono de todo o mundo?”

2 E então o Rei da Glória agarrou o grande sátrapa Satanás pelo pescoço e entregou-o aos anjos, dizendo: Amarrai com correntes de ferro suas mãos, seus pés, seu pescoço e sua boca”. Depois colocou-o nas mãos do Inferno com a seguinte recomendação: “Toma-o e o mantém bem preso até a minha segunda vinda”.

Capítulo 7

1 Então o Inferno encarregou-se de Satanás e disse-lhe: “Belzebu, herdeiro do fogo e da tempestade, inimigo dos santos, que necessidade tinhas de providenciar para que o Rei da Glória fosse crucificado e que viesse depois aqui e nos despojasse? Vira-te e olha que em mim não ficou nenhum morto, pois que tudo o que ganhaste pela árvore da ciência puseste a perder pela cruz. Todo o teu gozo converteu-se em tristeza, e a pretensão de matar o Rei da Glória provocou tua própria morte. E, uma vez que te recebi com a recomendação de subjugar-te fortemente, aprenderás com a própria experiência quanto mal sou capaz de infligir-te. O chefe dos diabos, princípio da morte, raiz do pecado, final de toda maldade, que encontraste de mal em Jesus para buscar sua perdição? Como tiveste coragem para perpetrar um crime tão grande? Por que te ocorreu fazer um varão como este descer até às trevas, pois as despojou de todos os que morreram desde o princípio?”

Capítulo 8

1 Enquanto o Inferno admoestava assim Satanás, o Rei da Glória estendeu sua mão direita e com ela pegou e levantou o primeiro pai Adão. Depois dirigiu-se aos demais e disse-lhes: “Vinde aqui comigo todos os que foram feridos de morte pelo madeiro que me tocou, pois eis aqui que eu vos ressuscito pela madeira da cruz”. E com isto levou todos para fora. E o primeiro pai Adão apareceu transbordante de gozo e dizia: “Agradeço, Senhor, tua magnanimidade por me haveres tirado do mais profundo do Inferno”. E também todos os profetas e santos disseram: “Damos-te graças, ó Cristo Salvador do mundo, porque tiraste nossa vida da corrupção”.

2 Depois de assim haverem falado, o Salvador abençoou Adão na testa com o sinal da cruz. Depois fez a mesma coisa com os patriarcas, profetas, mártires e progenitores. E a seguir pegou-os a todos e deu um salto do Inferno. E enquanto ele caminhava, os santos pais seguiam-no cantando e dizendo: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor. Aleluia! Sejam para ele os louvores de todos os santos”.

Capítulo 9

1 Então, a caminho do paraíso levando pela mão o primeiro pai, Adão. E ao chegar, entregou-o, assim como os demais justos, ao arcanjo Michael. E quando entraram pela porta do paraíso, saíram dois anciãos, aos quais os santos pais perguntaram: “Quem sois vós, que não vistes a morte nem descestes ao Inferno, mas viveis de corpo e alma no paraíso?” Um deles respondeu e disse: “Eu sou Enoque, aquele que agradou ao Senhor e foi trazido aqui por Ele; este é Elias, o Tesbita; ambos seguiremos vivendo até a consumação dos séculos; então seremos enviados por Deus para enfrentar o anticristo e ser mortos por ele, e ressuscitar no terceiro dia, para depois sermos arrebatados pelas nuvens ao encontro do Senhor”.

Capítulo 10

Enquanto eles assim se expressavam, veio outro homem de aparência humilde, que levava ainda sobre os seus ombros uma cruz. Os santos pais disseram-lhe: “Quem és tu, que tens o aspecto de ladrão, e que é essa cruz que levas sobre teus ombros?” Ele respondeu: “Eu, segundo dizes, era ladrão e assaltante no mundo e por isso os judeus prenderam-me e entregaram-me à morte na cruz juntamente com Nosso Senhor Jesus Cristo. E enquanto ele pendia na cruz, ao ver os prodígios que se sucederam, acreditei nele e roguei a ele dizendo: `Senhor, quando reinares, não te esqueças de mim’. E ele logo disse-me: ‘Em verdade em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo no paraíso’. Vim, pois, com minha cruz nas costas até o paraíso e, encontrando o arcanjo Michael, disse-lhe: `Nosso Senhor Jesus, aquele que foi crucificado, enviou-me aqui; leva-me, então, até a porta do Éden’. E quando a espada de fogo viu o sinal da cruz, abriu-me a porta e entrei. Depois o arcanjo disse-me: ‘Espera um momento, já que também deve vir o primeiro pai da raça humana, Adão, em companhia dos justos, para que eles também entrem. E agora, ao vê-los, saí ao vosso encontro’.”

Quando os santos ouviram isso, exclamaram em voz alta da seguinte maneira: “Grande é o nosso Senhor e grande é o seu poder”.

Capítulo 11

Tudo isto nós vimos e ouvimos, os dois irmãos gêmeos, que fomos também enviados pelo arcanjo Michael e designados para pregar a ressurreição do Senhor antes de ir até o Jordão e sermos batizados. Para ali fomos e fomos batizados juntamente com outros defuntos também ressuscitados; depois viemos a Jerusalém e celebramos a Páscoa da ressurreição. Mas agora, na impossibilidade de permanecermos aqui, vamo-nos. Que a caridade, então, de Deus Pai e a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e a comunicação do Espírito Santo estejam convosco”. E, uma vez isto escrito e fechados os livros, deram a metade aos pontífices e a outra metade a José e a Nicodemus. Eles, por sua vez, desapareceram imediatamente para a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

Evangelho de Nicodemus

Descida de Cristo ao Inferno

(Versão Latina)

Capítulo 1

ENTÃO OS mestres Addas, Finees e Egias, três varões que vieram da Galiléia para testemunhar que haviam visto Jesus ser arrebatado ao céu, levantaram-se em meio à multidão de chefes dos judeus e disseram na presença dos sacerdotes e levitas reunidos em conselho: “Senhores, quando íamos da Galiléia ao Jordão, veio ao nosso encontro uma grande multidão de homens vestidos de branco que haviam morrido já há algum tempo. Dentre eles reconhecemos Karino e Lêucio; e quanto eles se aproximaram de nós e nos beijamos mutuamente, já que haviam sido nossos amigos, perguntamos-lhes: “Dizei-nos, irmãos e amigos, que são esta alma e este corpo, e quem são essas pessoas com quem caminhais, e como viveis no corpo, sendo que já faz tempo que morrestes?”

2 Eles responderam desta maneira: “Ressuscitamos dos infernos com Cristo e Ele tirou-nos de entre os mortos. E saibas que a partir de agora ficam destruídas as portas da morte e das trevas, e as almas dos santos foram tiradas dali e subiram ao céu com Cristo Senhor Nosso. O Senhor em pessoa mandou-nos que, durante um certo tempo, vagássemos pelas margens do Jordão e pelos montes, entretanto sem que nos deixássemos ver e sem que falássemos com ninguém, mas somente com aqueles que ele permitisse. Neste momento, não nos seria possível nem falar nem nos deixar ver por vós se não nos tivesse sido permitido pelo Espírito Santo”.

3 Diante destas palavras, a multidão que assistia ao conselho ficou assustada, presa de temor e de tremor, e dizia: “Por ventura será verdade o que estes dois galileus testemunham?” Então Anás e Caifás dirigiram-se ao conselho nestes termos: “Descobrir-se-á imediatamente o que está relacionado com todas estas coisas de que estes deram testemunho antes e depois: se se comprovar ser verdade que Karino e Lêucio permanecem vivos em seus corpos, e se nos for permitido vê-los com nossos próprios olhos, significa que é verdade o que eles testemunham com todos os detalhes, e, quando os encontrarmos, informar-nos-ão com certeza de tudo. Caso contrário, porém, sabei que tudo é pura farsa”.

4 Puseram-se, então, a deliberar e concordaram em escolher alguns homens idôneos e tementes a Deus, que os sabiam mortos e conheciam a sepultura em que haviam sido colocados, para que fizessem diligentes pesquisas e comprovassem se aquilo era, na verdade, tal como haviam dito. Assim, pois, foram lá quinze homens que haviam presenciado a sua morte e haviam estado pessoalmente no lugar da sepultura, e haviam visto seus sepulcros. Examinaram, então, e os encontraram abertos, bem como outros tantos, sem que pudessem ver sinais de seus ossos ou de suas cinzas. E voltaram com grande surpresa, relatando o que haviam visto.

5 Então a sinagoga inteira turbou-se, cheia de uma angústia terrível, e disseram entre si: “Que haveremos de fazer?” Anás e Cairás disseram: “Dirijamo-nos ao lugar onde eles estão, e enviemos até eles homens de nobreza, intercessores que lhes supliquem que se dignem vir a nós”. Enviaram, então, Nicodemus, José e os três mestres galileus que os haviam visto, com o pedido de que fizessem a gentileza de vir até eles. Puseram-se, então, a caminho e andaram por todos os arredores do Jordão e dos montes. Mas, não os tendo encontrado, já estavam tomando o caminho de volta.

6 Quando, de repente, avistaram uma grande multidão, como de uns doze mil homens que haviam ressuscitado com o Senhor e que desciam do monte Amalech. Eles reconheceram muitos deles, porém não foram capazes de dirigir-lhes uma só palavra, com medo da visão angélica, e contentaram-se em vê-los de longe e ouvi-los cantando hinos e dizendo: “O Senhor ressuscitou de entre os mortos, como havia dito; alegremo-nos e regozijemo-nos todos, porque ele reina eternamente”. Então os que foram buscá-los ficaram mudos de admiração e receberam deles o conselho de ir procurar Karino e Lêucio em suas próprias casas..

7 Levantaram-se, então, e foram buscá-los em suas casas, onde os encontraram entregues à oração. E, entrando no lugar em que estavam, caíram com os rostos por terra e assim que se cumprimentaram, levantaram-se e disseram: “Amigos de Deus, ao ouvir que havíeis ressuscitado de entre os mortos, a assembléia dos judeus enviou-nos a vós para pedir-vos encarecidamente que vos dirijais até eles, para que possamos juntos conhecer as maravilhas divinas que tiveram lugar à nossa volta em nossos tempos”. Eles então levantaram-se imediatamente, movidos pela inspiração divina, e, em sua companhia, entraram na sinagoga. E a assembléia dos judeus, juntamente com os sacerdotes, passaram às suas mãos os livros da lei e os conjuraram pelo Deus Heloi e Deus Adonai e pela lei e pelos profetas desta maneira: “Dizei-nos como haveis ressuscitado de entre os mortos e o que são estas maravilhas que tiveram lugar em nossos tempos, maravilhas de que jamais ouvimos falar em qualquer outro tempo. Sabei, então, que o pavor e a estupefação atingiram nossos ossos e que a terra moveu-se sob nossos pés, por havermos juntado nossa vontade para derramar sangue justo e santo”.

8 Então, Karino e Lêucio fizeram-lhes sinais com as mãos para que lhes dessem um rolo de papel e tinta. E assim o fizeram porque o Espírito Santo não lhes permitiu falar com eles. Deram a cada um papel e os separaram em diferentes salas. E eles então, depois de fazerem o sinal da cruz com os dedos, começaram a escrever cada um seu próprio rolo. E, quando terminaram, exclamaram a uma só voz, de suas salas: “Amém”. Em seguida, Karino levantou-se e deu seu papel para Anás, enquanto que Lêucio fez o mesmo com Caifás. E depois de se despedirem, saíram e voltaram aos seus sepulcros.

9 Então, Anás e Caifás abriram cada um o seu volume e começaram a ler em segredo. O povo, porém, sentido-se ofendido, exclamou em uníssono: “Lede esses escritos em voz alta,e, depois, haveremos de conservá-los para que a verdade divina não venha a ser adulterada por indivíduos imundos e ardilosos, levados pela obsessão”. Então Anás e Caifás, cheios de tremor, entregaram o rolo de papel ao mestre Addas, ao mestre Finees e ao mestre Agias, que haviam vindo da Galiléia com a notícia de que Jesus havia sido elevado ao céu; e todo o povo confiou neles para que lessem este escrito. E leram o papel, que continha o seguinte:

Capítulo 2

1 “Ah Senhor Jesus Cristo, permite que eu, Karino, exponha as maravilhas que operas-te nos Infernos. Enquanto nós nos encontrávamos presos nos Infernos, desaparecidos nas trevas e nas sombras da morte, vimo-nos de repente iluminados por uma grande luz e o Inferno e as portas da morte estremeceram. Então fez-se ouvir a voz do Filho do Altíssimo, como se fosse a voz de um grande trovão que, dando um forte brado, disse: `Deixai que se abram, ó príncipes, vossas portas; descerrai as portas da eternidade, pois sabeis que Cristo Senhor, Rei da Glória, virá para entrar’.

2 “Então Satanás, o príncipe da morte, ouvindo o brado, fugiu aterrorizado para dizer aos seus subordinados e aos Infernos: ‘Meus ministros e todos os Infernos, vinde todos aqui, fechai vossas portas, colocai os ferrolhos, lutai com denodo e resisti, não aconteça que, sendo donos das correntes, venhamos a ficar presos nelas’. Então, todos os seus ímpios satélites, perturbados, puseram-se apressadamente a fechar as portas da morte, a verificar as fechaduras e os ferrolhos, e a empunhar com firmeza todas as suas armas, e a lamentar com voz sinistra e horripilante.

Capítulo 3

1 “Então Satanás disse ao Inferno: ‘Prepara-te para receber alguém que vou trazer-te’. Mas o Inferno assim respondeu a Satanás: `Esta voz não foi outra coisa senão o brado do Filho do Pai Altíssimo, pois diante das suas palavras a terra e os lugares do Inferno entram em comoção; penso que tanto eu quanto minhas ligações ficaram agora patentes e a descoberto. Mas afirmo-te, ó Satanás, cabeça de todos os males, por tua força e pela minha, que não o tragas a mim, a não ser que, querendo pegá-lo, venhamos nós a ser presos por ele. Pois se somente com sua voz minha fortaleza ficou de tal forma desfeita, que fazer quando estiver em sua presença?’

2 “Por sua vez, Satanás, o príncipe da morte, assim respondeu: `Por que gritas? Não tenhas medo, perversíssimo amigo de outrora, porque fui eu quem incitou o povo judeu contra ele e graças a mim foi ferido com bofetadas, e eu perpetrei sua traição através de um dos seus. Além disso, é um homem muito temeroso diante da morte, posto que, deixando-se oprimir pela força do temor, disse: ‘Minh’alma está triste até a morte’. E eu mesmo o trouxe até ela, já que agora está dependurado na cruz.

3 “Então o Inferno lhe disse: ‘Se é ele quem somente com o poder do seu verbo fez Lázaro voar das minhas entranhas como uma águia, morto já há quatro dias, esse não é um homem na sua humanidade, mas sim Deus na sua majestade. Suplico-te, então, que não mo tragas aqui’. Satanás contestou: `Entretanto, prepara-te; não tenhas medo. Agora que já está dependurado na cruz, não posso fazer outra coisa’. Então o Inferno respondeu a Satanás da seguinte maneira: ‘Se, então, não és capaz de fazer outra coisa, tua perdição está perto. Em última instância, eu ficarei, sim, abatido e sem honra, mas tu serás crucificado sob meu domínio’.

Capítulo 4

1 “Enquanto isso, os santos de Deus estavam escutando a contenda entre Satanás e o Inferno; eles ainda não se reconheciam, mas estavam a ponto de começar a se conhecer. E nosso pai Adão, por sua vez, assim respondeu a Satanás: `O príncipe da morte, por que tremes e te amedrontas? Olha, o Senhor virá e irá destruir agora mesmo todas as tuas criaturas, e tu serás amarrado por ele e ficarás preso por toda a eternidade’.

2 “Então, todos os santos, ao ouvir a voz de nosso pai Adão e ao ver com que integridade respondia a Satanás, alegraram-se e sentiram-se reconfortados; em pouco tempo, puseram-se a andar em massa ao lado de Adão e reuniram-se a ele. E nosso pai Adão, ao olhar mais atentamente toda aquela multidão, admirava-se de ver que todos haviam sido gerados por ele,neste mundo. E então, depois de abraçar todos os que estavam ao seu redor, disse ao seu filho Seth, derramando amargas lágrimas: ‘Meu filho Seth, conta aos santos patriarcas e profetas o que o guardião do paraíso te disse quando caí doente e enviei-te para que me trouxesses um pouco do óleo da misericórdia e me ungisses com ele’.

3 “E Seth disse: ‘Quando me enviaste à porta do paraíso, orei e roguei ao Senhor com lágrimas e chamei o guardião do paraíso para que me desse um pouco desse óleo. Então o arcanjo Michael saiu e disse-me: ‘Seth, por que choras? A propósito, saibas que teu pai Adão não receberá este óleo de misericórdia, senão depois de muitas gerações se haverem passado. Pois descerá do céu ao mundo o Filho de Deus e será batizado por João no rio Jordão; aí teu pai receberá este óleo de misericórdia, junta-mente com todos que crêem nele; e o reino dos que acreditaram nele permanecerá pelos séculos’.

Capítulo 5

1 “Quando os santos ouviram isto exultaram. E um deles ali presente, chamado Isaías, exclamou em altos brados: ‘Pai Adão e todos os presentes, escutai minhas palavras: enquanto vivia eu na terra, inspirado pelo Espírito Santo compus um cântico profético sobre esta luz, dizendo: ‘O povo que permanecia nas trevas viu uma grande luz, amanheceu a luz para os habitantes da região das sombras da morte’. Ao ouvir isto, Adão e todos os presentes o interrogaram: ‘Quem és tu? Porque é verdade o que estás dizendo’. E ele respondeu: ‘Eu me chamo Isaías’.

2 “Então alguém que se assemelhava a um religioso aproximou-se. E perguntaram-lhe dizendo: ‘Quem és tu, que levas tais sinais em teu corpo?’ E ele respondeu com firmeza: ‘Eu sou João Batista, a voz e o profeta do Altíssimo. Eu caminhei diante da face do próprio Senhor para converter os desertos e os caminhos ásperos em veredas planas. Com o meu dedo, apontei os jerosolimitas e glorifiquei o cordeiro do Senhor e o Filho de Deus. Eu o batizei no rio Jordão e pude ouvir a voz do Pai que trovejava do céu sobre ele e proclamava: `Este é meu Filho amado, nele regozijo-me’. Eu também ouvi dele a promessa de que ele próprio haveria de descer aos Infernos’.

“O pai Adão ao ouvir isto exclamou com voz grave: ‘Aleluia’, que significa: o Senhor está chegando.

Capítulo 6

1 “Depois, outro dos que estavam presentes e que se distinguia por uma espécie de insígnia imperial, chamado Davi, pôs-se a falar, dizendo: `Eu, vivendo ainda na terra, revelei ao povo os mistérios da misericórdia de Deus, profetizando os futuros prazeres que haveriam de vir com o passar dos séculos, da seguinte maneira: `Dai glória a Deus por suas misericórdias e suas maravilhas aos filhos dos homens, porque despedaçou as portas de bronze e arrebentou os ferrolhos de ferro’. Então os santos patriarcas e profetas começaram a se reconhecer e a falar, um por um, de suas profecias. O santo profeta Jeremias, examinando suas profecias, dizia aos patriarcas e profetas: ‘Vivendo na terra, profetizei sobre o Filho de Deus, que apareceu na terra e conversou com os homens’.

2 “Então todos os santos cheios de alegria por causa da luz do Senhor, por ver o pai Adão e pela resposta de todos os patriarcas e profetas, exclamaram: `Aleluia, bendito o que vem em nome do Senhor’, de maneira que diante dessa exclamação, Satanás encheu-se de pavor e procurou um caminho para fugir:Mas isto não lhe era possível, porque o Inferno e seus satélites tinham-no subjugado e sitiado e diziam-lhe: ‘Por que tremes? De nenhuma maneira permitiremos que sai-as daqui, mas haverás de receber isto como bem merecido, das mãos daquele a quem atacavas sem trégua; caso contrário, saibas que serás acorrentado por ele e submetido à minha custódia’.

Capítulo 7

1 “E novamente ressoou a voz do Filho do Pai Altíssimo, como o estrondo de um grande trovão, que dizia: ‘Levantai vossas portas, ó príncipes, e elevai-vos, ó portas eternas, que o Rei da Glória vai entrar’. Então Satanás e o Inferno puseram-se a gritar assim: ‘Quem é esse Rei da Glória?’ E a voz do Senhor lhes respondeu: ‘o Senhor forte e poderoso, o Senhor forte na batalha’.

2 “Depois de ouvir-se esta voz, veio um homem cujo aspecto era como o de um ladrão, com uma cruz às costas, que gritava do lado de fora dizendo: “Abri a porta para que eu entre”. Satanás então, entreabriu-a e introduziu-o no recinto, fechando a porta atrás dele. E todos os santos viram-no cheio de luz e disseram-lhe: ‘Teu aspecto exterior é de ladrão; diga-nos, que é isso que levas em tuas costas?’ Ele humildemente respondeu e disse: ‘Na verdade, fui mesmo um ladrão, e os judeus dependuraram-me na cruz com meu Senhor Jesus Cristo, Filho do Pai Altíssimo. Enfim, adiantei-me, mas ele vem imediatamente atrás de mim.

3 “O santo Davi, então, encheu-se de cólera contra Satanás e bradou: ‘Abre tuas portas, ó asqueroso, para que o Rei da Glória entre’. E todos os santos de Deus também se insurgiram contra Satanás e queriam agarrá-lo e destruí-lo. E de novo ouviu-se um grito que vinha de dentro: ‘Descerrai vossas portas, ó príncipes, e elevai-vos, ó portas eternas, que o Rei da Glória vai entrar’. E o Inferno e Satanás novamente perguntaram àquela voz clara, dizendo: `Quem é este Rei da Glória?’ E aquela voz maravilhosa respondeu: `o Senhor das virtudes, ele é o Rei Ia Glória’.

Capítulo 8

“E no mesmo instante o Inferno pôs-se a tremer e as portas da morte, bem como as fechaduras, despedaçaram-se, e os ferrolhos do Inferno romperam-se e caíram ao chão, deixando todas as coisas a descoberto. Satanás permaneceu no meio em pé, confuso e prostrado, com os pés presos por grilhões. E eis que o Senhor Jesus Cristo entrou rodeado de uma claridade sublime, manso, grande e humilde, levando em suas mãos uma corrente; com ela amarrou o pescoço de Satanás e depois de novamente unir suas mãos às costas, arremessou-o ao Tártaro e pôs seu santo pé em sua garganta, dizendo: ‘Fizeste muitas coisas más no decorrer dos séculos; não deste nenhum descanso; hoje entrego-te ao fogo eterno’. E chamando novamente o Inferno,disse-lhe com autoridade: ‘To-ma este amaldiçoado e perverso Satanás e mantêm-no sob tua custódia até o dia que eu determinar’. O Inferno aceitou-o e ambos precipitaram-se no profundo do abismo.

Capítulo 9

1 “Então Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador de todos, piedosíssimo e muito suave, saudando novamente Adão, dizia-lhe com bondade: A paz esteja contigo, Adão, na companhia de teus filhos por todos os séculos dos séculos, amém’. E o pai Adão prostrou-se então aos pés do Senhor e, levantando-se, beijou suas mãos e derramou abundantes lágrimas dizendo: ‘Eis as mãos que me criaram, elas dão testemunho a todos’. Depois dirigiu-se ao Senhor, dizendo: ‘Vieste, ó Rei da Glória, para livrar os homens e integrá-los ao teu reino eterno’. E nossa mãe Eva caiu de maneira semelhante aos pés do Senhor, e levantando-se nova-mente, beijou suas mãos e derramou abundantes lágrimas enquanto dizia: “Eis as mãos que me criaram, elas dão testemunho a todos”.

2 “Então, todos os santos o adoraram e disseram aos brados: ‘Bendito o que vem em nome do Senhor, o Senhor Deus iluminou-nos. Assim seja por todos os séculos. Aleluia por todos os séculos: louvor, honra, virtude, glória, porque vieste do alto para visitar-nos’. E, cantando ‘aleluia’ e regozijando-se de glória, acorriam ao Senhor. Então o Salvador perscrutou à sua volta e mordeu o Inferno, e com a mesma rapidez com que havia arremessado uma parte às profundezas do Tártaro, a outra subiu consigo aos céus.

Capítulo 10

1 “Então, os santos de Deus rogaram ao Senhor que deixas-se nos Infernos o sinal da santa cruz, sinal de vitória, para que seus perversos ministros não conseguissem reter nenhum culpado que tivesse sido absolvido pelo Senhor. E assim se fez, e o Senhor colocou sua cruz no meio do Inferno, que é sinal de vitória e lá permanecerá por toda a eternidade.

2 “Depois todos saímos dali na companhia do Senhor, deixando Satanás e o Inferno no Tártaro. E nos enviou a nós e a muitos outros que havíamos ressuscitado com nosso corpo, para dar testemunho da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e do que acontecera nos Infernos.

3 “Caríssimos irmãos, isto é o que vimos e testemunhamos, depois de termos sido chamados por vós e o que testemunha aquele que morreu e ressuscitou por nós; porque da forma como as coisas aconteceram, elas foram escritas com todos os detalhes.”

Capítulo 11

1 E quando terminaram de ler o escrito, todos os que escutavam caíram com o rosto no chão e puseram-se a chorar amargamente, enquanto batiam duramente no peito e diziam aos gritos: “Ai de nós! Aonde chegamos com nossa desgraça? Foge Pilatos, fogem Anás e Caifás, fogem os sacerdotes e levitas, foge também o povo dos judeus dizendo entre soluços: ‘Ai de nós! Derramamos sobre a terra sangue inocente’.”

2 Assim, então, durante três dias e três noites não provaram nem do pão nem da água e nenhum deles voltou à sinagoga. Mas ao terceiro dia, o conselho novamente se reuniu e leu a carta de Lêucio na íntegra, e não se encontrou nela nem mais nem menos, nem sequer havia mudado uma só letra do escrito de Karino. Então turbou-se a sinagoga e todos choraram durante quarenta dias e quarenta noites, esperando a morte e a divina vingança das mãos de Deus. Mas o Altíssimo, que é todo piedade e misericórdia, não os aniquilou para que pudesse oferecer-lhes uma oportunidade de arrependimento. Não foram dignos, porém, de se converterem ao Senhor.

3 Caríssimos irmãos, estes são os testemunhos de Karino e de Lêucio sobre Cristo, Filho de Deus, e de seus santos nos Infernos, a quem damos todas as graças e glória pelos infinitos séculos dos séculos. Amém. Fim

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Apócrifos, Proto Evangelho de Tiago

Textos apócrifos, Evangelhos apócrifosApócrifos, Proto Evangelho de Tiago

(Natividade de Maria)

Este livro, apesar de conhecido como o Evangelho de Tiago ou Proto-Evangelho de Tiago, tem sua autoria desconhecida. Publicado em fins do século XVI, não se sabe exatamente ainda qual a época em que foi escrito, mas os maiores estudiosos dos Livros Apócrifos afirmam que é anterior aos Quatro Evangelhos Canônicos, servindo, em muitos aspectos, como base para estes.

O Proto-Evangelho de Tiago conta a vida de Maria, seu nascimento de Ana e Joaquim, considerados estéreis, de como foi sua educação no Templo até a sua puberdade, como se deu a escolha de seu futuro esposo, José, velho, viúvo e pai de seis filhos: Judas, Josetos, Tiago, Simão, Lígia e Lídia. Continua, narrando a concepção e a virgindade, que se manteve após dar à luz o Salvador, numa caverna. Fala da estrela misteriosa e radiante, que guiou os magos até a caverna e da nuvem de luz que pairou sobre o local, na hora em que o Senhor Jesus nascia.

Narra, também, a participação da parteira que testemunhou a virgindade de Maria, após o nascimento do Senhor E cita o testemunho de uma parteira que constatou a virgindade de Maria após dar à luz.

Capítulo 1

1 SEGUNDO NARRAM as memórias das doze tribos de Israel, havia um homem muito rico, de nome Joaquim, que fazia suas oferendas em quantidade dobrada, dizendo: “O que sobra ofereço para todo o povoado, e o devido na expiação de meus pecados será para o Senhor a fim de ganhar-lhe as boas graças.”

2 Chegou a grande festa do Senhor, na qual os filhos de Israel devem oferecer seus donativos, e Ruben se pôs à frente de Joaquim dizendo-lhe: “Não te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em Israel.”

3 Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel com intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não havia tido posteridade em seu povoado. E, examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado descendentes. Lembrou-se, por exemplo, de como ao patriarca Abraão lhe deu o Senhor, em seus derradeiros anos de vida, a Isaac por filho.

4 Joaquim ficou muito atormentado, e não procurou sua mulher e se retirou para o deserto. Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo a si mesmo: “Não sairei daqui (para minha casa), nem sequer para comer ou beber, até que não me visite o Senhor meu Deus; que minhas preces me sirvam de comida e de bebida.”

Capítulo 2

1 E Ana, sua mulher, se lamentava e gemia dolorosamente dizendo: “Chorarei minha viuvez e minha esterilidade.”

2 Mas chegou a grande festa do Senhor e lhe disse Judite, sua criada: “Até quando vais humilhar tua alma? Já é chegada a festa maior e não te é lícito entristecer-te. Toma este lenço de cabeça que me foi dado pela dona da tecelagem, já que não posso cingir-me com ele por ser eu de condição servil e levar ele o selo real.”

3 E disse Ana: “Afasta-te de mim, pois que não fiz tal coisa e, além do mais, o Senhor já me humilhou em demasia para que eu o use; a não ser que algum malfeitor to haja dado, e tenhas vindo para fazer-me a mim também cúmplice do pecado.” Replicou Judite: “Que motivo tenho eu para maldizer-te, se o Senhor já te amaldiçoou não te dando fruto em Israel?”

4 E Ana, ainda que profundamente triste, despiu suas vestes de luto, cingiu-se com o toucado, vestiu suas roupas de bodas e desceu, na hora nona, ao jardim para passear. Ali viu um loureiro, assentou-se à sua sombra e orou ao Senhor, dizendo: “O Deus de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre de Sara, dando-lhe como filho Isaac.”

Capítulo 3

1 E, tendo elevado seus olhos aos céus, viu um ninho de passarinhos no loureiro e novamente lamentou-se dizendo: “Ai de mim! Por que nasci e em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser como terra maldita entre os filhos de Israel; estes me cumularam de injúrias e me escorraçaram do templo de Deus.

2 “Ai de mim! A quem me assemelho eu? Não às aves do céu, pois que elas são fecundas em tua presença, Senhor.

“Ai de mim! A quem me pareço eu? Não às bestas da terra, pois que até estes animais irracionais são prolíficos ante teus olhos, Senhor.

3 “Ai de mim! A quem me posso comparar? Nem sequer a estas águas, porque até elas são férteis diante de ti, Senhor.

“Ai de mim A quem me igualo eu? Nem sequer a esta terra, porque ela também é fecunda, dando seus frutos na ocasião própria, e te bendiz a ti, Senhor.”

Capítulo 4

1 E eis que se lhe apresentou um anjo de Deus, dizendo-lhe: “Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos: conceberás e darás à luz e de tua prole se falará em todo o mundo.” Ana respondeu: “Viva o Senhor meu Deus, que, se chegar a ter algum fruto de bênção, seja menino ou menina, leva-lo-ei como oferenda ao Senhor, e estará a seu serviço todos os dias de sua vida.”

2 Então, vieram dois mensageiros com este recado para ela: “Joaquim, teu marido, está de volta com seus rebanhos, pois que um anjo de Deus desceu até ele e lhe disse: ‘Joaquim, Joaquim, o Senhor escutou teus rogos; volta, pois, que Ana, tua mulher, vai conceber em seu ventre’.”

3 E, tendo saído Joaquim, mandou que seus pastores lhe trouxessem dez ovelhas sem mancha: “E estas, disse, serão para o Senhor”; e doze novilhas de leite: “E estas, disse, serão para os sacerdotes e para o sinédrio”; e, finalmente, cem cabritos para todo o povoado.

4 E, ao chegar Joaquim com seus rebanhos, estava Ana à porta e, ao vê-lo chegar, pôs-se a correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo: “Agora vejo que Deus me bendisse copiosa-mente, pois, sendo viúva, deixo de sê-lo e, sendo estéril, vou conceber em meu ventre”. E Joaquim repousou naquele primeiro dia em sua casa.

Capítulo 5

1 No dia seguinte, ao ir oferecer suas dádivas ao Senhor, dizia para consigo mesmo: “Saberei se Deus me vai ser favorável se eu chegar a ver o éfode do sacerdote”. E, ao oferecer o sacrifício, observou o éfode do sacerdote, quando este se acercava do altar de Deus, e, não encontrando pecado algum em sua consciência, disse: Agora vejo que o Senhor houve por bem perdoar todos os meus pecados”. E desceu Joaquim justificado do templo e foi para casa.

2 E o tempo de Ana cumpriu-se, e no nono mês deu à luz. E perguntou à parteira: “A quem dei à luz?” E a parteira respondeu: “Uma menina”. Então Ana exclamou: “Minha alma foi enaltecida”. E reclinou a menina no berço. Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o peito à menina e lhe pôs o nome de Maria.

Capítulo 6

1 Dia a dia a menina se ia robustecendo. Ao chegar aos seis meses, sua mãe deixou-a só no chão, para ver se se sustentava de pé, e ela, depois de andar sete passos, voltou ao regaço de sua mãe. Esta levantou-a, dizendo: “Salve o Senhor! Não andarás mais por este solo, até que te leve ao templo do Senhor”. E lhe fez um oratório em sua casa e não consentiu que nenhuma coisa vulgar ou impura passasse por suas mãos. Chamou, além disso, umas donzelas hebréias, todas virgens, para que a entretivessem.

2 Quando a menina completou um ano, Joaquim deu um grande banquete, para o qual convidou os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o povo de Israel. E apresentou a menina aos sacerdotes, que a abençoaram com estas palavras: “ó Deus de nossos pais, bendiz esta menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por todas as gerações.” Ao que todo o povo respondeu: “Assim seja, assim seja. Amém.” Apresentou-a também Joaquim aos príncipes e aos sacerdotes, e estes a abençoaram assim: “ó Deus Altíssimo, põe teus olhos nesta menina e outorga-lhe uma bênção perfeita, dessas que excluem as ulteriores.”

3 Sua mãe levou-a ao oratório de sua casa e deu-lhe o peito. Compôs, então, um hino ao Senhor Deus, dizendo: “Entoa-rei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitaste, afastaste de mim o opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto santo, que é único e múltiplo a seus olhos. Quem dará aos filhos de Ruben a notícia de que Ana está amamentando? Ouvi, ouvi, ó Doze Tribos de Israel: ‘Ana está amamentando’.”

4 E tendo deixado a menina para que repousasse na câmara onde havia o oratório, saiu e pôs-se a servir os comensais. Estes, uma vez terminada a ceia, saíram regozijando-se e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 7

1 Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. E, ao fazer ela dois anos, disse Joaquim a Ana: “Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que fizemos, para que o Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos.” Ana respondeu: “Esperemos, todavia, até que complete três anos, para que a menina não tenha saudades de nós.” E Joaquim respondeu: “Esperaremos.”

2 Ao chegar aos três anos, disse Joaquim: “Chama as donzelas hebréias que não têm mancha, e que tomem, duas a duas, uma candeia acesa (para que a acompanhem) para que a menina não olhe para trás e seu coração seja cativado por alguma coisa fora do templo de Deus”. E assim fizeram enquanto iam subindo ao templo do Senhor. E lá recebeu-a o sacerdote, o qual, depois de tê-la beijado, abençoou-a e exclamou: “O Senhor engrandeceu teu nome diante de todas as gerações, pois que no final dos tempos manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel”.

3 Então fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre amenina, que dançou, cativando toda a casa de Israel.

Capítulo 8

1 Saíram, então, seus pais, cheios de admiração, louvando ao Senhor Deus porque a menina não havia olhado para trás. E Maria permaneceu no templo como uma pombinha, recebendo alimento pelas mãos de um anjo.

2 Mas, ao completar doze anos, os sacerdotes reuniram-se para deliberar, dizendo: “Eis que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela não chegue a manchar ao santuário?” E disseram ao sumo sacerdote: “Tu que tens o altar a teu cargo, entra e ora por ela, e o que o Senhor te disser, isso será o que haveremos de fazer.”

3 E o sumo sacerdote, cingindo-se com o manto das doze sinetas, entrou no “santo dos santos” e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor apareceu, dizendo-lhe: “Zacarias, Zacarias, sai e reúne a todos os viúvos do povoado. Que cada um venha com um bastão, e o daquele em que o Senhor fizer um sinal singular, deste será ela esposa.” Saíram os arautos por toda a região da Judéia e, ao soar a trombeta do Senhor, todos acudiram.

Capítulo 9

1 José, deixando de lado sua acha, uniu-se a eles e, uma vez que se juntaram todos, tomaram cada qual seu bastão e puseram-se a caminho à procura do sumo sacerdote. Este tomou todos os bastões, entrou no templo e se pôs a orar. Terminadas as suas preces tomou de novo o… bastões e os entregou, mas em nenhum deles apareceu sinal algum. Porém, ao pegar José o último, eis que uma pomba saiu dele e se pôs a voar sobre sua cabeça. Então o sacerdote disse: “A ti coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor.”

2 José replicou: “Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina; não gosta-ria de ser objeto de zombarias por parte dos filhos do Israel.” Então tornou o sacerdote: “Teme ao Senhor teu Deus e tem presente o que fez Ele com Datan, Abiron e Corê; de como abriu-se a terra e foram sepultados por sua rebelião. E teme agora tu também, José, para que não aconteça o mesmo à tua casa.”

3 E ele, cheio de temor, recebeu-a sob sua proteção. Depois, disse-lhe: “Tomei-te do templo; deixo-te agora em minha casa e vou continuar minhas construções. Logo volta-rei. O Senhor te guardará.”

Capítulo 10

1 Os sacerdotes, então, reuniram-se e concordaram em fazer um véu para o templo do Senhor. E o sacerdote disse: “Chama algumas donzelas sem mancha da tribo de Davi.” Os ministros se foram, e, depois de terem procurado, encontraram sete virgens. Então o sacerdote lembrou-se de Maria (aquela jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se conservava imaculada aos olhos de Deus) e os emissários a foram buscar.

2 Depois de as terem introduzido no templo, disse o sacerdote: “Vejamos qual há de bordar o ouro, o amianto, o linho, a seda, o zircão, o escarlate e a verdadeira púrpura.” E o escarlate e a verdadeira púrpura couberam a Maria que, tomando-as, se foi para casa. Naquela época, Zacarias ficou mudo, sendo substituído por Samuel até quando pôde falar novamente. Maria tomou em suas mãos o escarlate e se pôs a tecê-lo.

Capítulo 11

1 Certo dia pegou Maria um cântaro e foi enchê-lo de água. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: “Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres.” E ela olhou à sua volta, à direita, à esquerda, para ver de onde vinha aquela voz. E, tremendo, voltou para casa, deixou a ânfora, pegou a púrpura, sentou-se no divã e se pôs a tecê-la.

2 Mas logo um anjo do Senhor apresentou-se diante dela dizendo: “Não temas, Maria, pois alcançaste graça ante o Senhor onipotente e vais conceber por sua palavra.” Mas ela, ao ouvi-lo, ficou perplexa e disse consigo mesma: “Deverei eu conceber por virtude de Deus vivo e haverei de dar à luz come as demais mulheres?”

3 Ao que lhe respondeu o anjo: “Não será assim, Maria, pois que a virtude do Senhor te cobrirá com sua sombra; depois, o fruto santo que deverá nascer de ti será chamado Filho do Altíssimo. Chamar-lhe-ás Jesus, pois Ele salvará seu povo de suas iniqüidades.” Então, disse Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor em sua presença; que isto aconteça a mim conforme sua palavra”.

Capítulo 12

1 E, concluído seu trabalho com a púrpura e o escarlate, levou-o ao sacerdote. Este a abençoou dizendo: “Maria, o Senhor enalteceu teu nome e serás bendita entre todas as gerações da terra”.

2 Cheia de alegria, Maria foi à casa de sua parenta Isabel. Chamou-a da porta e ao ouvi-la Isabel largou o escarlate, correu para a porta, abriu-a e, ao ver Maria, louvou-a dizendo: “Que fiz eu para que a mãe do meu Senhor venha a minha casa? Pois saiba que o fruto que carrego em meu ventre se pôs a pular dentro de mim, como que para bendizer-te.” Mas Maria se havia esquecido dos mistérios que o anjo Gabriel comunicara, e elevou os olhos aos céus e disse: “Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?”

3 E passou três meses em casa de Isabel. E dia a dia seu ventre aumentava e, cheia de temor, pôs-se a caminho de casa e escondia-se dos filhos de Israel. Quando sucederam essas coisas, ela contava dezesseis anos.

Capítulo 13

1 Ao chegar Maria ao sexto mês de gravidez, voltou José de suas construções e, ao entrar em casa, deu-se conta de que ela estava grávida. Então, feriu seu próprio rosto, jogou-se no chão sobre uma manta e chorou amargamente, dizendo: “Como é que me vou apresentar agora diante de meu Senhor? E que oração direi eu agora por esta donzela, pois que a recebi virgem do templo do Senhor e não a soube guardar? Será que a história de Adão se repetiu comigo? Assim como no instante em que ele estava glorificando a Deus veio a serpente e, ao encontrar Eva sozinha, a enganou, o mesmo me aconteceu.”

2 E, levantando-se, José chamou Maria e lhe disse: “Predileta como eras de Deus, como foste capaz de fazer isso? Acaso te esqueceste do Senhor teu Deus? Como pudeste vilipendiar tua alma, tu que te criaste no santo dos santos e recebeste ali-mento das mãos de um anjo?”

3 E ela chorou amargamente dizendo: “Sou pura e não conheço varão algum.” “De onde, pois, provém, replicou José, o que carregas no seio?” Ao que Maria respondeu: “Pelo Senhor, meu Deus, eu juro que não sei” como aconteceu.

Capítulo 14

1 José, então, encheu-se de temor e retirou-se da presença de Maria e pôs-se a pensar sobre o que faria com ela. Dizia consigo próprio: “Se escondo seu erro, contrario a lei do Senhor; se a denuncio ao povo de Israel, temo que o que aconteceu a ela se deva a uma intervenção dos anjos, e venha eu a entregar à morte uma inocente. Como deverei proceder, pois? Manda-la-ei embora às escondidas.” E nisto caiu a noite.

2 Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos dizendo-lhe: “Não temas por esta donzela, pois o que ela carrega em suas entranhas é o fruto do Espírito Santo. Dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, pois que ele há de salvar seu povo dos seus pecados.” E, ao despertar, José levantou-se e glorificou a Deus de Israel por haver-lhe concedido tal graça, e continuou guardando Maria.

Capítulo 15

1 Mas, por essa ocasião, veio à casa de José Anás, o escriba, que lhe disse: “Por que não compareceste à nossa reunião?” Respondeu-lhe José: “Estava cansado da caminhada e decidi repousar este primeiro dia.” Mas, ao voltar-se, Anás deu-se conta da gravidez de Maria.

2 Então, correu ao sacerdote dizendo-lhe: “Este José, por quem respondes, cometeu uma falta grave.” “Que queres dizer com isso?”, perguntou o sacerdote. Ao que respondeu Anás: “Pois violou aquela virgem que recebeu do templo de Deus, com fraude de seu casamento e sem manifestá-lo ao povo de Israel.” Disse o sacerdote: “E estás certo de que foi José que fez tal coisa?” Replicou Anás: “Envia uma comissão e te certificarás de que a donzela está realmente grávida”. Saíram os emissários e a encontraram tal qual havia dito Anás, e por isso a levaram juntamente com José ante o tribunal.

3 E o sacerdote iniciou dizendo: “Maria, como fizeste tal coisa? Que te levou a vilipendiar tua alma e esquecer-te do Senhor teu Deus? Tu que te criaste no santo dos santos, que recebias alimento das mãos de um anjo, que escutaste os hinos e que dançavas na presença de Deus? Como fizeste isso?” E ela se pôs a chorar amarga-mente dizendo: “Juro pelo Senhor meu Deus que estou pura em sua presença e que não conheci varão”.

4 Então, o sacerdote dirigiu-se a José dizendo-lhe: “Por que fizeste isso?” Replicou José: “Juro pelo Senhor meu Deus, que me encontro puro com relação a ela.” Acrescentou o sacerdote: “Não jures em falso, dize a verdade. Usaste fraudulentamente o matrimônio e não o deste a conhecer ao povo de Israel, e não abaixaste tua cabeça sob a mão poderosa de Deus, por quem sua descendência havia sido bendita.” José guardou silêncio.

Capítulo 16

1 “Devolve, pois, continuou o sacerdote, a virgem que recebeste do templo do Senhor.” José ficou com os olhos marejados de lágrimas. Mas acrescentou o sacerdote: “Farei com que bebais da água da prova do Senhor e ela vos mostrará, diante de vossos próprios olhos, vossos pecados”.

2 E, tomando da água, fez José bebê-la, enviando-o em seguida à montanha; mas voltou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, também enviando-a à montanha; mas ela voltou sã e salva. E toda a cidade encheu-se de admiração ao ver que não havia pecado neles.

3 E replicou o sacerdote: “Posto que o Senhor não declarou vosso pecado, tampouco irei condenar-vos”. Então despediu-os. E, tomando Maria, José voltou para casa cheio de alegria e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 17

1 E veio uma ordem do imperador Augusto para que se fizesse o censo de todos os habitantes de Belém da Judéia. E disse José: “A meus filhos posso recensear, mas que farei desta donzela? Como vou incluí-la no censo? Como minha esposa? Envergonho-me. Como minha filha? Mas já sabem todos os filhos de Israel que não é! Este é o dia do Senhor, que se faça sua vontade.”

2 E, selando sua asna, fez com que Maria se acomodasse sobre ela, enquanto um de seus filhos ia à frente puxando o animal pelo cabresto. José os acompanhava. Quando estavam a três milhas de distância (de Belém), José virou-se para Maria e viu que ela estava triste; e disse consigo mesmo: “Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo”. Mas, ao voltar-se novamente, encontrou-a sorrindo, e lhe disse: “Maria, que acontece, pois que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?” E ela lhe disse: “E que se apresentam dois povos diante de meus olhos; um que chora e se aflige e outro que se alegra e se regozija.”

3 E, ao chegar à metade do caminho, disse Maria a José: “Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz.” E ele ajudou-a a apear da asna, dizendo-lhe: “Aonde poderia eu levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo aberto?”

Capítulo 18

1 E, encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo deixado os seus filhos com ela, foi buscar uma parteira hebréia na região de Belém.

2 E eu, José, encontrei-me andando, mas não podia avançar; ao levantar meus olhos para o espaço, pareceu-me ver como se o ar estivesse estremecido de assombro; e quando fixei a vista no firmamento, o encontrei estático e os pássaros do céu imóveis; ao dirigir meu olhar à terra, vi um recipiente no solo e uns trabalhadores sentados em atitude de comer, com suas mãos na vasilha. Mas os que pareciam comer, na realidade não mastigavam; e os que estavam em atitude de pegar a comida, tampouco a tiravam do prato; e, finalmente, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam, ao contrário, tinham seus rostos voltados para cima. Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas, mas não davam um passo (ao contrário, estavam paradas), e o pastor levantou sua destra para bater-lhes (com o cajado), mas parou sua mão no ar. E, ao dirigir meu olhar à corrente do rio, vi como uns cabritinhos punham nela seus focinhos, mas não bebiam. Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns instantes, de seu curso normal.

Capítulo 19

1 E então uma mulher que descia da montanha me disse: “Aonde vais?” Ao que respondi: “Ando procurando uma parteira hebréia.” Ela replicou: “Mas és de Israel?” E respondi: “Sim.” “E quem é, acrescentou, a que está dando à luz na caverna?” “E minha esposa”, lhe disse eu. Ao que ela replicou: “Então, não é tua mulher?” E eu lhe respondi: “E Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse sido dada por mulher, não o é, pois que concebeu por virtude do Espírito Santo.” E interrogou-lhe (1) a parteira: “Isto é verdade?” José respondeu: “Vem e verás.” Então a parteira se pôs a caminho junto com ele.

2 Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem luminosa. E exclamou a parteira: “Minh’alma foi engrandecida,porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que nasceu a salvação para Israel.” De repente, a nuvem começou a sair da gruta, e dentro brilhou uma luz tão grande que nossos olhos não podiam resistir. Esta, por um momento, começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito de sua mãe, Maria. A parteira então deu um grito dizendo: “Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo milagre”.

3 E, ao sair a parteira da gruta, veio a seu encontro Salomé. “Salomé, Salomé, exclamou, tenho de te contar uma maravilha nunca vista, e é que uma virgem deu à luz; coisa que, como sabes, não permite a natureza humana.” Mas Salomé replicou: “Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar sua natureza”.

Capítulo 20

1 E, havendo entrado a parteira, disse a Maria: “Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti.” Salomé, pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito dizendo: “Ai de mim, minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por tentar ao Deus vivo desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada.”

2 E dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo: “Oh Deus de nossos pais! Lembra-te de mim porque sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó, não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel; devolve-me curada, porém, aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas, recebendo de ti meu salário”.

3 E apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe: “Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o, e haverá para ti alegria e prazer”.

4 E acercou-se Salomé e o tomou, dizendo: “Adorar-te-ei porque nasceste para ser o grande Rei de Israel”. Então, de repente, sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia: “Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em Jerusalém”.

Capítulo 21

1 E José dispôs-se a partir para a Judéia. Por essa ocasião sobreveio um grande tumulto em Belém, pois vieram uns magos dizendo: “Aonde está o recém-nascido Rei dos Judeus, pois vimos sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo?”

2 Herodes, ao ouvir isto, perturbou-se, enviou seus emissários aos magos e convocou os príncipes e os sacerdotes fazendo-lhes esta pergunta: “Que está escrito em relação ao Messias? Aonde ele vai nascer?” E eles responderam: “Em Belém da Judéia, segundo rezam as escrituras”. Com isto, despachou-os e interrogou os magos com estas palavras: “Qual o sinal que vistes em relação ao nascimento desse rei?” Responderam-lhe os magos: “Vimos um astro muito grande que brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava, fazendo-as desaparecer. Nisto soubemos que a Israel havia nascido um rei, e viemos com a intenção de adorá-lo.” Então replicou Herodes: “Ide e buscai-o para que também possa eu ir adorá-lo.”

3 Naquele instante aquela estrela, que haviam visto no Oriente, voltou novamente a guiá-los até que chegaram à caverna e pousou sobre a entrada dela. Vieram, então, os magos a ter com o Menino e sua Mãe, Maria, e tiraram oferendas de seus cofres: ouro, incenso e mirra.

4 Mas, avisados por um anjo para que não entrassem na Judéia, voltaram a suas terras por outro caminho.

Capítulo 22

1 Ao dar-se conta Herodes de que havia sido enganado pelos magos, encolerizou-se e enviou seus sicários, dando-lhes a missão de assassinar a todos os meninos de menos de dois anos.

2 E quando chegou até Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de temor e, envolvendo seu filho em fraldas, colocou-o numa manje-doura.

3 E quando Isabel inteirou-se de que também buscavam a seu filho João, pegou-o e levou-o a uma montanha e pôs-se a ver onde o haveria de esconder; mas não havia um lugar bom para isso. E, entre soluços, exclamou em voz alta: “O Montanha de Deus, recebe em teu seio a mãe com seu filho” (pois que não podia subir mais alto).

4 E nesse instante abriu a montanha suas entranhas para recebê-los. Acompanhou-os uma grande luz, pois estava com eles um anjo de Deus para guardá-los.

Capítulo 23

1 Mas Herodes prosseguia na busca de João, e enviou seus emissários a Zacarias para que lhe dissessem: “Aonde escondeste teu filho?” Mas ele respondeu desta maneira: “Eu me ocupo do serviço de Deus e me encontro sempre no templo. Não sei onde está meu filho.”

2 Os emissários informaram a Herodes tudo o que se passara, e ele encolerizou-se muito, dizendo consigo mesmo: “Deve ser seu filho que vai reinar em Israel”. E enviou um outro recado dizendo-lhe: “Diga-nos a verdade sobre onde está teu filho, porque do contrário bem sabes que teu sangue está sob minhas mãos”.

3 Mas Zacarias respondeu: “Serei mártir do Senhor” te atreveres a derramar meu sangue, porque minh’alma será recolhida pelo Senhor ao ser segada uma vida inocente no vestíbulo do santuário.” E ao romper da aurora foi assassinado Zacarias, sem que os filhos de Israel se dessem conta desse crime.

Capítulo 24

1 E os sacerdotes se reuniram à hora da saudação; mas Zacarias não saiu a seu encontro, como de costume, para abençoá-los. E se puseram a esperá-lo para o saudar na oração e para glorificar o Altíssimo.

2 Ante sua demora, começaram a ter medo; e, tomando ânimo, um deles entrou e viu ao lado do altar sangue coagulado e ouviu uma voz que dizia: “Zacarias foi morto e não se limpará o seu sangue até que chegue o vingador”. E, ao ouvir a voz, encheu-se de temor e saiu para informar os sacerdotes.

3 Estes, tomando coragem, entraram e testemunharam o ocorrido. Então, os frisos do templo rangeram e eles rasgaram suas vestes de alto a baixo. Mas não encontraram seu corpo, somente uma poça de sangue coagulado; e, cheios de temor, saíram para informar a todo o povo que Zacarias havia sido assassinado. E correu a notícia em todas as tribos de Israel, que o choraram e guardaram luto por três dias e três noites.

4 E, concluído esse tempo, reuniram-se os sacerdotes para deliberar sobre quem iriam pôr em seu lugar. Recaiu a sorte sobre Simeão, pois, pelo Espírito Santo, havia sido assegurado de que não veria a morte até que lhe fosse dado contemplar o Messias Encarnado.

Capítulo 25

1 E eu, Tiago, que escrevi esta história, ao levantar-se um grande tumulto em Jerusalém por ocasião da morte de Herodes, retirei-me ao deserto até que cessasse o motim, glorificando ao Senhor meu Deus,que me concedeu a graça e a sabedoria necessárias para compor esta narração.

2 Que a graça esteja com todos aqueles que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, para quem deve ser a glória por todos os séculos dos séculos. Amém. Fim

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